• Nenhum resultado encontrado

Para uma modelização didática da escrita académica: a recensão crítica em português língua segunda

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Para uma modelização didática da escrita académica: a recensão crítica em português língua segunda"

Copied!
258
0
0

Texto

(1)

Universidade de Aveiro Ano 2020

Departamento de Educação e Psicologia

MARIA DA

CONCEIÇÃO FILIPE

DA SILVA SIOPA

PARA UMA MODELIZAÇÃO DIDÁTICA DA ESCRITA

ACADÉMICA - A RECENSÃO CRÍTICA EM

(2)

Universidade de Aveiro Ano 2020

Departamento de Educação e Psicologia

MARIA DA

CONCEIÇÃO FILIPE

DA SILVA SIOPA

PARA UMA MODELIZAÇÃO DIDÁTICA DA ESCRITA

ACADÉMICA - A RECENSÃO CRÍTICA EM

PORTUGUÊS LÍNGUA SEGUNDA

Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Educação realizada sob a orientação científica da Professora Doutora Luísa Álvares Pereira Professora Auxiliar com Agregação do Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro e do Professor Doutor Joaquim Dolz, Professor Catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genéve.

(3)

Dedico este trabalho:

Aos meus pais a quem devo quase tudo o que sou.

Ao Luís, que plantou o doutoramento nos meus pensamentos. Ao Abel, ao André e à Carla pelo tempo roubado.

A todos os meus estudantes moçambicanos pela inspiração, perseverança e empenho em aprender, independentemente de todas as dificuldades que enfrentam nos seus dias.

(4)

o júri

presidente Professor Doutor António Manuel de Sousa Pereira

professor catedrático da Universidade de Aveiro

Doutor Luís Filipe Tomás Barbeiro

professor coordenador principal do Instituto Politécnico de Leiria

Professor Doutor José António Brandão Soares de Carvalho

professor associado com agregação do Instituto de Educação da Universidade do Minho

Doutora Mariana Abrantes de Oliveira Pinto Alte da Veiga

professora adjunta do Instituto Politécnico de Setúbal

Doutora Maria Inês Almeida Cardoso

assistente convidada da Universidade de Aveiro

Professora Doutora Maria Luísa Álvares Pereira

(5)

agradecimentos O presente trabalho propõe-se divulgar um dispositivo didático que pode promover a aprendizagem da escrita de géneros académicos na universidade em Moçambique. Esta tese é composta pela revisitação de quadros teóricos didáticos e por uma apresentação dos materiais, das estratégias e do processo de ensino e aprendizagem da escrita académica para estudantes universitários moçambicanos.

Gostaria, assim, de agradecer:

À minha orientadora, Professora Doutora Luísa Álvares Pereira, por todo o seu imenso saber e experiência, pela modéstia, pela partilha e pelo apoio e incentivo.

Ao meu coorientador, Professor Doutor Joaquim Dolz, por todo o precioso apoio e incentivo.

Aos meus colegas do grupo de investigação Escrita Académica pelas conversas e partilhas.

À minha colega Ana Catarina Monteiro, companheira de muitas viagens. Aos meus gatos, pela companhia.

(6)

palavras-chave escrita académica; português L2; dispositivo didático; perspetiva discursiva e genológica da escrita; recensão crítica

resumo Ao aceitarmos que há estudantes que necessitam de um ensino explícito sobre os géneros académicos, e que entre estes se situam os estudantes que aprendem a língua portuguesa como L2, será importante que a universidade possa responder a estas necessidades de forma sistemática e cientificamente enquadrada. Nesta área temática, os estudos têm comprovado esta necessidade, quer ao nível do levantamento e sistematização dos problemas que os estudantes revelam, quer ao nível da construção de dispositivos didáticos. Foi com este propósito que se desenhou este projeto de pesquisa, cujo objeto de estudo é um dispositivo didático sobre a recensão crítica em contextos universitários como o moçambicano, em que o Português é adquirido maioritariamente como língua segunda (L2). Com enfoque nas estratégias de ensino da escrita de acordo com a pedagogia do género textual esta pesquisa pretende: i) construir um dispositivo didático para o desenvolvimento da escrita académica de recensões críticas, numa perspetiva discursiva e genológica; ii) aplicar o dispositivo didático a estudantes universitários moçambicanos e avaliar os resultados obtidos; iii) construir uma modelização didática que inclua uma sequência didática, materiais instrucionais e estratégias didáticas que possam contribuir para o desenvolvimento das competências de escrita académica; e iv) estabelecer princípios orientadores para o desenvolvimento das competências de escrita académica na universidade. Os resultados obtidos por este estudo, por um lado, mostram que a modelização didática da recensão crítica produz melhorias no discurso académico dos estudantes universitários moçambicanos, ao nível da sua complexidade e correção, transformando a recensão crítica num “megainstrumento” para a escrita na academia. Por outro lado, a recensão crítica e a sua aprendizagem, permitem que o estudante encontre meios de distinguir e manipular os diversos mecanismos enunciativos, interiorizando, simultaneamente, práticas de referenciação direta e indireta e a construção do seu próprio posicionamento académico..

(7)

keywords academic writing; portuguese L2; teaching device; discursive and genological perspective of writing; critical review

abstract By accepting that there are students who need explicit teaching on academic genres, and among them are students who learn Portuguese as L2, universities should be able to respond to these needs in a systematic and scientifically framed way. In this thematic area, studies have proven this need, both in terms of the survey and systematization of the problems that students reveal, as well as the construction of didactic devices that guide the work of teachers. Thus, the aim of this research work is to address the problem involved in the process of development of academic writing skills with a specific focus on critical reviews for university students, in contexts such as Mozambique, where Portuguese is a second language (L2). Focusing on the teaching strategies of writing according to the pedagogy of the textual genre, this research aims to: i) build a didactic device for the development of academic writing of critical reviews, in a discursive and genological perspective; ii) apply the didactic device to Mozambican university students and evaluate the results obtained; iii) build a didactic modeling that includes a didactic sequence, instructional materials and didactic strategies that can contribute to the development of academic writing skills; and iv) establish guiding principles for the development of academic writing skills at the university. Results show that, on one hand, didactic modeling of critical reviews produces improvements in the academic discourse of Mozambican university students, in terms of its complexity and accuracy, transforming critical reviews into a “megainstrument” for developing academic writing. On the other hand, learning how to write a critical review, allows students to find ways to distinguish and manipulate the various enunciative mechanisms, while internalizing both direct and indirect referencing practices and the construction of his own academic voice.

(8)

Índice

Índice ... 6

Parte I - Preparação para a viagem: contextualização ...8

Capítulo um: Introdução ... 9

1.1. Contextualização do estudo ... 9

1.2. Identificação e delimitação do objeto de estudo ... 12

1.3. Problema de investigação ... 12

1.4. Questões de partida e Objetivos de investigação ... 13

Parte II - Ponto de partida: enquadramento teórico-conceptual ...15

Capítulo dois: Literacia e escrita académica... 16

2.1. Literacia ... 16

2.2. Escrita académica ... 18

2.3. Características da escrita académica ... 22

Capítulo três: A abordagem genológica da escrita ... 28

3.1. Abordagem genológica da escrita ... 28

3.2. Pedagogia do género textual ... 35

3.3. Sequência de ensino e Dispositivo didático ... 38

3.4. A recensão crítica... 40

Parte III - Caminho a percorrer: do enquadramento metodológico à modelização do estudo ...51

Capítulo quatro: Abordagem metodológica ... 52

4.1. Enquadramento epistemológico e desenho da investigação ... 52

4.2. Técnicas e procedimentos de recolha e análise dos dados ... 58

4.2.1. Análise documental... 58

4.2.1.1. Constituição do corpus ... 58

4.2.1.2. Categorias de análise dos dados ... 59

4.2.2. Inquérito por questionário ... 67

4.2.3. Grupo de discussão (focus group) ... 69

Capítulo cinco: Modelização didática da recensão crítica ... 72

5.1 Estratégias e etapas para uma sequência de ensino da recensão crítica ... 72

5.2. Dispositivo didático para o ensino e aprendizagem da recensão crítica ... 76

Parte IV - A experiência do caminho percorrido: os companheiros de viagem ...83

Capítulo seis: Perfil linguístico e perceções sobre escrita ... 84

6. 1. Perfil linguístico da população estudantil testada ... 84

6.2. Experiências e perceções sobre a escrita ... 86

6.3. Perceções e Dispositivo didático ... 92

Capítulo sete: Estudo empírico – Apresentação, análise e interpretação dos resultados ... 95

7. 1. Apresentação dos resultados do DD ... 95

7.1.1. Movimentos retóricos ... 95

7.1.2. Mecanismos textuais ... 96

7.1.3. Mecanismos enunciativos ... 99

7.2. Análise e interpretação dos resultados ... 100

7.2.1. Frequência das categorias analisadas ... 100

7.2.2. Influência da sequência de ensino e do dispositivo didático na qualidade da recensão crítica escrita pelos estudantes ... 105

7.3. Perceções da aprendizagem realizada ... 111

Parte V - Ponto de chegada e futuras viagens ...116

Capítulo oito: Conclusões, limitações do estudo e subsídios para futuras pesquisas ... 117

8.1. Subsídios do dispositivo didático para o desenvolvimento da escrita académica ... 119

8.2. Orientações didáticas, pré-requisitos e conteúdos para a definição do dispositivo didático ... 123

(9)

Epílogo ... 131 Referências ... 132 Anexos ... 140 Anexo 1 – Textos-fonte ... 141 Texto-fonte inicial ... 141 Texto-fonte desafio... 145 Texto-fonte final ... 148

Anexo 2 – Recensões estudadas ... 152

Há um novo take away de pizzas napolitanas ... 152

O mundo fantástico de "Avatar" ... 153

A qualidade britânica ... 154

Recensão crítica ao Palácio Nacional da Vila de Sintra ... 156

Recensão Crítica: Literatura Portuguesa/Romance ... 158

Resenha do livro Criação de curta-metragem em vídeo digital ... 160

Vítor Sérgio Ferreira, Marcas Que Demarcam ... 162

Francisco Noa, Ensino superior em Moçambique – ... 164

Anexo 3 – Questionário ... 167

Anexo 4 – Grupo de discussão ... 171

Anexo 5 – Textos dos estudantes ... 197

Textos iniciais produzidos antes da aplicação do dispositivo didático ... 197

(10)

Parte I - Preparação para a

viagem: contextualização

(11)

Capítulo um: Introdução

1.1. Contextualização do estudo

O presente estudo foi desenvolvido em Moçambique, um país multicultural e multilingue, em que o português convive diariamente com as línguas bantu (LB), línguas maternas da maioria dos moçambicanos. A língua portuguesa (LP), para além de ter sido estabelecida como língua oficial após a independência do país (1975), é também a língua veicular, embora seja adquirida como língua segunda (L2) pela maioria da população.

Neste contexto linguístico, muitos dos estudantes que ingressam na universidade não têm a proficiência linguística e comunicativa que este nível de ensino exige, o que se pode dever a múltiplos fatores, entre os quais se destaca a aquisição da LP como L2, mas também o facto de não terem tido uma exposição sistemática à língua padrão e, em alguns casos, de terem tido uma deficiente escolarização. A escolarização a que estes estudantes tiveram acesso é resultado das condições materiais, sociais e económicas do país, mas também da forma como os professores e as escolas desenvolvem o processo de ensino-aprendizagem: estratégias de ensino centradas no professor, turmas excessivamente numerosas, falta de materiais de apoio e inexistência de bibliotecas escolares. Para além dos aspetos referidos, e por não terem sido escolarizados nas suas línguas maternas, a maioria dos estudantes universitários não desenvolveu uma relação com o modo escrito, não podendo, por isso, transferir as estratégias de compreensão e expressão escrita das suas línguas maternas para o português, como fazem os aprendentes de outras línguas. Pode-se, assim, dizer que, neste contexto, o ensino-aprendizagem da língua portuguesa apresenta contornos particularmente complexos que se repercutem na forma como os estudantes universitários dominam esta língua. No entanto, e independentemente da forma como adquiriram a língua de ensino, reconhece-se que os estudantes universitários devem ser preparados para poderem ler e compreender os estudos já publicados nas áreas em que se especializam, mas também para poderem escrever e divulgar a avaliação dessas leituras e os resultados das pesquisas que desenvolvem (Castelló, Iñesta, & Monereo, 2009; Gonçalves, 2010; Hyland, 2007; Siopa, 2015a).

As dificuldades dos estudantes universitários relativamente à escrita em língua portuguesa têm sido objeto de diversos estudos e publicações. Alguns destes estudos caracterizam o perfil linguístico destes estudantes, outros incidem na descrição dos

(12)

problemas encontrados e outros ainda procuram encontrar soluções didáticas para as dificuldades detetadas (Diniz & Fumo, 2015; Gonçalves, 2007, 2010; Gonçalves & Vicente, 2010; Nhongo, 2005; Siopa, 2006, 2010, 2011, 2013). Sabe-se que estas dificuldades incidem no uso de estruturas complexas, na seleção do vocabulário mais adequado e na construção do discurso, quer ao nível macro do desenvolvimento e encadeamento das ideias no texto, quer ao nível micro da construção gramatical das frases. Sabe-se também que, as experiências de escrita que os estudantes trazem do ensino secundário são limitadas e, muitas vezes, circunscritas ao desenvolvimento de pequenas tarefas de reprodução do que foi escrito no quadro ou de produção de frases curtas em resposta a questionários do professor ou, ainda, no âmbito da elaboração de composições nas provas de avaliação1 (Faquir, 2016). Estes estudos têm revelado também que, no

processo de ensino-aprendizagem a que os estudantes têm acesso, antes de ingressarem na universidade, se privilegia o conhecimento gramatical teórico e pouca atenção é dada à prática de estruturas, ao percurso da produção de texto, ou seja, à aquisição e desenvolvimento de habilidades de escrita propriamente ditas. Os resultados revelam ainda que a maioria tem uma memória reduzida de experiências concretas de escrita no ensino secundário, que para muitos são mesmo inexistentes, ao nível de uma escrita mais formal e estruturada como são, por exemplo, os resumos e as sínteses. Para além de todos os problemas já referidos, estes estudantes denotam ainda ter uma relação complexa e constrangedora com a escrita, associada a sentimentos negativos, o que pode ser explicado pelo facto de haver uma prática de escrita insuficiente, o que não permite aos estudantes a superação das dificuldades, nem o desenvolvimento de experiências de escrita suficientes e significativas (Siopa, 2017; Siopa & Pereira, 2017).

Tendo em conta o que foi referido, pode-se acrescentar que, por um lado, o conhecimento produzido pela investigação poderá ser usado para promover um trabalho didático dirigido aos problemas reais dos estudantes, quer ao nível dos mecanismos enunciativos e textuais, quer ao nível dos movimentos retóricos necessários à comunicação (oral e escrita). Por outro lado, a qualidade e a quantidade de input, fornecido em contexto

1 Informação também recolhida na Síntese do Encontro de Reflexão sobre a Escrita no Ensino Secundário Geral, realizado na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane, em 2013, no âmbito do projeto “Formação contínua para professores de português do ensino secundário geral”

(13)

formal de aprendizagem, pode ajudar a despoletar a reestruturação e a reaquisição de aspetos gramaticais ou discursivos deficientemente aprendidos (Ellis, 1997, p. 80). Quer isto dizer que, como proposto para outros contextos de línguas segundas, a adequação das estratégias e dos materiais de ensino às condições e problemas que caracterizam a aprendizagem, associada ao contato permanente e sistemático com a língua, poderão contribuir de forma mais eficaz para promover o desenvolvimento das competências de escrita em L2. Em especial, poder-se-á promover estratégias de ensino que conduzam os estudantes à aprendizagem das estruturas mais problemáticas e dos aspetos mais frágeis da língua, permitindo que as suas características e regras de utilização se tornem mais evidentes e a competência linguística e discursiva possa melhorar.

Este trabalho surge, assim, como o culminar de uma caminhada de experiências e de reflexão, tendo em conta as necessidades dos estudantes e a forma mais adequada de responder a essas necessidades de forma teórica e metodologicamente enquadrada. Este trabalho é resultado de uma experiência didática, desenvolvida com estudantes de uma universidade moçambicana, em 2016, em que se experimentou ensinar a escrita de um dos géneros académicos, a recensão crítica, através da pedagogia do género textual (PGT), na perspetiva do interacionismo sócio-discursivo (ISD).

A estrutura do trabalho que agora se apresenta contém, para além desta introdução, um enquadramento teórico sobre competências de literacia e escrita académica (EA) e sobre a aplicação da pedagogia do género textual (PGT) no ensino da EA, abordando a forma como esta pedagogia pode favorecer a apreensão do género recensão crítica na construção de uma sequência de ensino (SE) para estudantes universitários que aprenderam o português como L2. A seguir apresenta-se o estudo desenvolvido, fazendo referência à metodologia adotada (incluindo a caracterização da população-alvo e o processo de recolha e análise dos dados), à organização da SE, e à construção do dispositivo didático (DD). Em seguida, explicitam-se e discutem-se os resultados obtidos e, por fim, apresentam-se algumas conclusões e perspetivas para investigação futura. Espera-se que este estudo possa vir a contribuir para desenhar dispositivos didáticos adequados ao desenvolvimento das competências de escrita dos diferentes géneros académicos, adequados a uma população mais adulta e universitária. Pretende-se ainda, tendo em conta os resultados obtidos, fazer uma proposta de modelização didática para o ensino da escrita dos géneros académicos, para estudantes universitários que têm o português como L2.

(14)

1.2. Identificação e delimitação do objeto de estudo

Ao aceitarmos que há estudantes que necessitam de um ensino explícito sobre os géneros académicos, e que entre estes se situam os estudantes que aprendem a língua

portuguesa como L2, será importante que a universidade possa responder a estas necessidades de forma sistemática e cientificamente enquadrada, como referido anteriormente. Foi com este propósito que se desenhou este projeto de pesquisa, cujo objeto de estudo é um DD sobre a recensão crítica, aplicado a estudantes do 2º ano da Licenciatura em Ensino de Português, da Universidade Eduardo Mondlane. Com este DD pretende-se planificar uma SE em torno de textos modelo da recensão crítica que poderão vir a facilitar a compreensão do funcionamento retórico e linguístico de algumas configurações do género e a guiar a aprendizagem da sua produção. Como complemento, espera-se poder ainda referir alguns pré-requisitos, tendo em conta as habilidades de escrita necessárias ao trabalho a ser desenvolvido com a recensão crítica.

1.3. Problema de investigação

O problema de pesquisa que deu origem a este estudo foi o facto de se ter constatado a existência de inúmeros problemas na expressão escrita dos estudantes universitários moçambicanos, relativamente à EA. O perfil linguístico desta população foi traçado por diversos autores2 (Gonçalves, 2010; Gonçalves & Vicente, 2010; Siopa, 2010), que identificaram, inicialmente, os principais problemas ao nível da competência linguística na produção escrita, tendo estes problemas sido agrupados em diferentes áreas e classificados em diversas categorias linguísticas. Detetou-se que os textos produzidos por estes estudantes apresentavam muitos e diversos tipos de problemas que incidiam, fundamentalmente, nas seguintes áreas: i) ortografia e pontuação; ii) sintaxe, ao nível do pronome pessoal – colocação, encaixe e colocação de artigos; iii) léxico-sintaxe, relativamente à seleção categorial; iv) morfossintaxe, no que diz respeito à concordância verbal e nominal e, por fim, v) o léxico a nível dos neologismos semânticos (Gonçalves, 2010, pp. 24–39).

2 Para o estudo referido nestas publicações, tomou-se como base um corpus escrito produzido por estudantes das licenciaturas em «Ensino do Português» e «Tradução e Interpretação» (Português/Inglês e

Português/Francês), que frequentavam a Universidade Eduardo Mondlane em 2002 e 2003, mais tarde alargado com a incorporação de dados escritos produzidos por estudantes universitários de várias regiões do

(15)

Perante estes problemas, a atenção de linguistas e professores incidiu nas categorias linguísticas e nos erros que os estudantes produziam, não tendo sido possível desvendar, nesta fase inicial, que o problema da escrita dos estudantes também incidia ao nível discursivo e comunicativo. Quando este problema se revelou e se experimentou fazer as correções dos erros assinalados, nas categorias descritas o que se verificou foi que o texto resultante dessa correção dificilmente poderia ser considerado um texto com propósitos comunicativos claros, organizado e coerente (Siopa, 2011).

Depois de assinalados, sistematizados e corrigidos os erros gramaticais e de ortografia no texto do estudante, fica claro que o produto obtido não está aceitável, nem adequado ao nível universitário, sendo ainda necessário desenvolver outras tarefas de revisão ao texto. A correcção ao nível da gramática e da ortografia não resolve as inadequações discursivas, nem sensibiliza os estudantes para este tipo de problemas. (Siopa, 2011, p. 56)

Ou seja, depois desta constatação, foi percetível para os investigadores que, para além da grande utilidade da descrição e catalogação dos erros, era necessário que o professor trabalhasse também ao nível do discurso, da sua organização retórica, clarificando contextos de produção e objetivos comunicativos. Neste sentido, revelou-se absolutamente premente a necessidade de investir no desenvolvimento de programas, estratégias e materiais de ensino e aprendizagem que desenvolvessem nos estudantes competências de escrita dos géneros textuais exigidos pela academia.

1.4. Questões de partida e Objetivos de investigação

De modo a desenvolver esta pesquisa, consideraram-se as seguintes questões de partida: i) Que subsídios para o desenvolvimento da escrita da recensão crítica advêm da aplicação de um DD que explicite as características deste género? ii) Que pré-requisitos da recensão crítica se devem introduzir no DD? iii) Que alterações linguísticas e discursivas se verificam na escrita dos estudantes, relativamente à recensão crítica, depois da aplicação do DD? iv) Que princípios gerais orientadores para o ensino da recensão crítica se podem estabelecer?

Relacionados com as questões enunciadas, e no sentido de encontrar respostas concretas, traçaram-se os seguintes objetivos: i) construir um DD numa perspetiva

(16)

discursiva e genológica para o ensino da recensão crítica; ii) aplicar este DD e avaliar os resultados obtidos; iii) construir uma modelização didática que inclua pré-requisitos e conteúdos centrais relativamente à recensão crítica; e iv) estabelecer princípios gerais, orientadores, para o ensino da recensão crítica.

(17)

Parte II - Ponto de partida:

enquadramento

(18)

Capítulo dois: Literacia e escrita académica

2.1. Literacia

A utilização da língua em contextos mais formais, como instrumento de aquisição e comunicação do conhecimento, implica o desenvolvimento das competências de literacia, característica fundamental da participação social dos indivíduos. Inicialmente, este conceito aparece definido como “a capacidade de utilizar informação escrita e impressa

para responder às necessidades da vida em sociedade, para alcançar objetivos pessoais e para desenvolver os conhecimentos e os potenciais próprios” (Benavente, Rosa, Costa, &

Àvila, 1996, p. 13). No entanto, dado que os desempenhos exigidos tendem a alterar-se de acordo com a evolução da sociedade, este conceito tem sofrido alguns desenvolvimentos e alterações. Assim, mais recentemente, o conceito de literacia aparece definido como “algo

que engloba competências de leitura e competências de escrita para compreender, utilizar e avaliar com espírito crítico as diversas formas de informação, incluindo as imagens e textos escritos, impressos e eletrónicos” (Conselho da União Europeia, 2012, p. 1). Para

além deste alargamento do escopo no conceito de literacia, e ainda de acordo com o mesmo documento, este conceito engloba a “literacia de base”, a “literacia funcional” e a “literacia múltipla”. O primeiro termo engloba competências e habilidades mínimas para poder continuar a formação, ou seja, este primeiro nível de literacia implica “conhecer

letras, palavras e estruturas de texto necessárias para ler e escrever a um nível que proporcione autoconfiança e motivação para prosseguir a aprendizagem”. A literacia

funcional pressupõe ter a “capacidade de ler e escrever a um nível que permita evoluir e

funcionar em sociedade, em casa, na escola e no trabalho” e a literacia múltipla reflete já

algumas das transformações sociais e tecnológicas que vão sendo, cada vez mais, uma realidade na academia e no mercado de trabalho, englobando a: “Capacidade de fazer uso

das competências de leitura e de escrita para produzir, compreender, interpretar e avaliar com espírito crítico informações escritas.” (Conselho da União Europeia, 2012, p. 1)

Ao analisarmos estas definições dos vários níveis de literacia, verifica-se que a ênfase é dada à discriminação das competências que os indivíduos devem ter a partir dos desempenhos esperados e não aos níveis académicos obtidos. Constata-se, assim, que o conceito de literacia, em qualquer um dos níveis referidos, implica a associação do saber ao saber-fazer e distingue, ainda que implicitamente, competência e desempenho. Para

(19)

clarificar o que se pretende dizer, talvez seja interessante recordar o que a este propósito referiu Chomsky (1965) ao apresentar, pela primeira vez e em relação ao conhecimento de uma língua, a dicotomia entre os conceitos de competência e desempenho:

“Linguistic theory is concerned primarily with an ideal speaker-listener, in a completely homogeneous speech-community, who knows its (the speech community’s) language perfectly and is unaffected by such grammatically irrelevant conditions as memory limitations, distractions, shifts of attention and interest, and errors (random or characteristic) in applying his knowledge of this language in actual performance”. (Chomsky, 1965, p. 4) (negrito

nosso)

Este linguista referia-se ao termo competência como um saber interiorizado, enraizado e intuitivo sobre a língua (knowing its language) que quando requerido pela ação, para fazer, neste caso, para falar, a competência se transforma em “performance” (applying his knowledge), ou seja, em desempenho, dando lugar ao saber falar, embora esta concretização nem sempre tenha uma correspondência direta. Poderemos retirar desta definição a noção de que a competência se revela quando o sujeito, colocado em situação ou em ação, seleciona, mobiliza e utiliza um conjunto de conhecimentos necessários e ajustados à situação concreta em que se encontra, desempenhando, então, os papéis ou funções de forma mais ou menos adequada, dependendo dos conhecimentos que tem da língua, do interlocutor, do contexto e dos objetivos comunicativos. Para que o desempenho se processe de forma mais adequada é exigida uma apropriação tão sólida quanto possível dos saberes implicados de modo a que, quando convocados por situações concretas, académicas ou profissionais, possam ser aplicados. Ou seja, quando aplicado à escrita, o conceito de competência implica uma aprendizagem específica.

As potencialidades do sujeito só se transformam em competências efetivas por meio de aprendizados que não intervém espontaneamente, por exemplo, junto com a maturação do sistema nervoso, e que também não se realizam da mesma maneira em cada indivíduo. Cada um deve aprender a falar, mesmo sendo geneticamente capaz disso. As competências, no sentido que será aqui

(20)

utilizado, são aquisições, aprendizados construídos, e não virtualidades da espécie. (Perrenoud, 1999, p. 19)

O conceito de competência (Dolz & Ollangnier, 2002) institui-se, assim, como a apropriação de um “saber em ação” (Perrenoud, 1999) ou de um “saber em uso” (Roldão, 2005), como um conjunto interiorizado de saberes variados que inclui o saber e o saber-fazer aprendido, ou seja, conhecimento e desempenho. Neste caso, a competência ao nível da língua escrita é um conhecimento linguístico, discursivo e processual adquirido em contexto escolar que implica um desempenho contextualmente adequado. Esta adequação verifica-se não só do ponto de vista da gramática e do discurso, mas também relativamente às intenções dos interlocutores que subjazem à comunicação e ao contexto em que a comunicação se realiza e que constitui a moldura3 em que o ato comunicativo se processa.

Isto é, o conhecimento linguístico e discursivo implica uma associação intrínseca entre o conhecimento (saber), o desempenho (saber-fazer) e a consciência da situação comunicativa (contexto real) onde decorre o ato comunicativo (Bronckart, 2003; Perrenoud, 1999; Roldão, 2005).

De acordo com o referido anteriormente, e se associarmos as transformações e as competências necessárias para enfrentar com segurança a sociedade do século XXI, verifica-se que as literacias básica e funcional não são suficientes para que os estudantes universitários tenham um desempenho académico satisfatório. Na realidade, escrever neste contexto, para além de ser uma competência determinante, é uma ferramenta imprescindível para interpretar, avaliar, disseminar e participar na vida académica. Esta competência é um instrumento fundamental, mediador da aquisição, da transformação e da comunicação do conhecimento, devendo, por isso, ser ensinada e aprendida explicitamente.

2.2. Escrita académica

Em face do exposto anteriormente e tendo em conta o contexto global que caracteriza este primeiro quartel do século XXI, a escrita (e a leitura) em contexto académico, impõe-se como ferramenta de aprendizagem, instrumento de comunicação e fator de afirmação e intervenção académica (e cívica). Como defende Dolz & Schneuwly (2004), o que se

3 Termo usado no sentido de Bazerman (1997, p.19): “Genres are not just forms. Genres are forms of life, ways of being. They are frames for social action.”

(21)

convencionou chamar de EA é uma escrita situada, inserida numa situação comunicativa específica, que tem como núcleo central o conhecimento que os estudantes devem adquirir e para o qual os investigadores contribuem através das suas pesquisas e publicações. A teorização do conhecimento desempenha um papel fundamental na EA, na medida em que organiza e providencia princípios gerais sobre a realidade, determinando temas e factos selecionados em cada área de especialidade dos estudos universitários, fazendo com que a escrita se constitua como uma competência imprescindível. Esta escrita é, simultaneamente, uma ferramenta de aprendizagem e um instrumento de comunicação, complexo e multifacetado, que implica um ensino específico que proporcione a familiarização com os géneros que circulam na academia. Neste sentido, esta competência implica o conhecimento em si e a aplicação desse conhecimento em contextos específicos, servindo propósitos também específicos, muito diferentes dos propósitos comunicativos imediatos dos múltiplos atos comunicativos diários.

Durante o seu percurso escolar, os estudantes têm que aprender diferentes matérias, mas a sua escrita permanece ligada, em grande medida, ao material incluído nos manuais ou aos materiais que o professor consegue mobilizar. Estes materiais utilizados em contexto de ensino-aprendizagem apresentam normalmente apenas uma perspetiva para ser apreendida e reproduzida, relegando para segundo plano ideias e pontos de vista que possam entrar em conflito. Não havendo lugar para diferentes vozes e diferentes versões, não há necessidade de incorporação no texto de citações de diferentes fontes, porque o universo discursivo é dominado pelo manual, num contexto de “conhecimento recebido” (received knowledge) (C. Bazerman, 2009, p. 9). À medida que os estudantes avançam para a universidade os manuais têm tendência a desaparecer e pontos de vista mais controversos são apresentados aos estudantes. Exige-se que leiam, comparem e avaliem as ideias provenientes de múltiplas fontes e pede-se-lhes que analisem teorias e dados e que desenvolvam enquadramentos teóricos para os seus trabalhos, respeitando a autoria dos conhecimentos e as teorias que convocam. No entanto, raramente estes requisitos, complexos e diversificados, são trabalhados de modo a que os estudantes possam desenvolver formas de compreender, organizar, discutir, comunicar e transformar o conhecimento. Assim, enquanto todas as formas de escrita usam o conhecimento e as ideias para se inspirarem e responderem a outros escritos, a EA coloca explicitamente o conhecimento no centro, destacando as evidências e as teorias, bem como a referência a

(22)

outros textos considerados suporte do conhecimento. (C. Bazerman, 2009; Carvalho, 2012b; Castelló et al., 2009; Castelló, Iñesta, Pardo, Liesa, & Martínez-Fernández, 2012; Hyland, 2013).

Apesar deste conjunto de preocupações com o desenvolvimento, quer dos estudantes, quer do conhecimento como um todo, como aparece corporizado nos vários textos disciplinares, a EA não é singular nem homogénea (Castelló & Donahue, 2012). Varia de acordo com as diferentes disciplinas e os vários níveis académicos não só no que ao objeto da pesquisa diz respeito, mas também relativamente às perguntas de investigação colocadas, às evidências necessárias, ao tipo de ideias e à forma como são usadas e como se relacionam com trabalhos anteriores. Mesmo dento da mesma área, os géneros podem variar substancialmente, ou seja, um artigo na área da literatura difere de um artigo em história da língua, por exemplo. Também a escrita exigida nos ciclos iniciais de estudos varia relativamente à escrita que é exigida aos estudantes universitários, em trabalhos finais de licenciatura, mestrado ou doutoramento (C. Bazerman, 2009, p. 7).

No entanto, e apesar da centralidade que a escrita ocupa em contexto académico, esta escrita raramente é objeto de ensino explícito. Exige-se aos estudantes um conhecimento específico e complexo e um desempenho particular (que varia com as diferentes áreas de conhecimento, como vimos) e pressupõe-se a competência da escrita como implícita. Esta situação tem vindo a ser abordada e problematizada e, sabe-se hoje, como referido em vários estudos, que há a necessidade de descrever e explicitar os conhecimentos requeridos e implicados por este tipo de escrita, concretizado em muitos dos textos considerados fundamentais pelas diversas áreas do saber. Ou seja, os estudantes, não tendo sido expostos a um ensino explícito dos géneros de textos que circulam na academia e não possuindo experiências de leitura e de escrita suficientes, naturalmente apresentam produtos que, para além de revelarem as dificuldades normais inerentes à complexidade de qualquer tarefa de escrita, não correspondem ao que se espera de um estudante universitário (Charles Bazerman, 2009; Hyland, 2007; Lea & Street, 1998; Vasconcelos, Monteiro, & Pinheiro, 2007).

Neste contexto, as práticas de leitura e de escrita são tarefas imprescindíveis na universidade, o que implica que os professores desenvolvam novas formas de abordar o conhecimento no ensino superior, facultando e trabalhando a escrita (e a leitura) de textos académicos, a partir das quais pretendem que os estudantes desenvolvam não só o

(23)

conhecimento, mas também práticas de análise, avaliação e comunicação desse mesmo conhecimento. Esta escrita pressupõe assim, por um lado, o conhecimento teórico e aplicação de regras especificas linguísticas e discursivas próprias dos géneros académicos e, por outro, a participação em contextos reais de comunicação. Está cada vez mais claro que não é possível dominar a competência de escrita na academia dentro de um “paradigma transmissivo” (Roldão, 2005), através de estratégias expositivas de conteúdos, centradas no professor e numa lógica de “conhecimento recebido” (C. Bazerman, 2009).

É na zona de fractura gerada pelos entendimentos antagónicos de ensinar – num sentido lido como apresentar saberes, noutro lido como fazer aprender e apropriar saberes por outros – que se joga a discussão do conceito de competência (...), face a uma percepção de competência como referencial organizador do currículo, que reconduza a instituição escolar e a sua matriz de referência – a universidade - à afirmação da sua legitimidade social plena.

(Roldão, 2005, p. 3)

Dito de outra forma, os estudantes não desenvolvem a competência individual e social de escrita apenas com a exposição de conceitos por parte do professor, porque se trata de um “saber em uso” que exige desempenhos específicos em situações concretas, ou seja, “o conhecimento implica capacidade e possibilidade de uso, ou não pode considerar-se verdadeiro conhecimento” (Roldão, 2005, p. 4). É necessário ler, discutir, refletir e produzir discurso para aprender, porque a escrita representa uma espécie de equilíbrio entre o conhecimento em si, o que se tem para comunicar e a forma como a academia exige que se processe essa comunicação. Esta competência adquire-se através do contacto com o escrito, do confronto com modelos de escrita e, por tentativa e erro, na concretização de inúmeras tarefas de escrita (e leitura), relacionadas com os objetivos comunicativos do seu contexto de uso. Neste processo, a academia, em geral, e os professores de língua, em particular, têm um papel fundamental e insubstituível no desenvolvimento e aprofundamento das competências dos estudantes na EA, bem como no desenvolvimento do conhecimento de uma forma geral.

Parece, assim, ser cada vez mais importante que a academia não só seja capaz de explicitar o que pretende que os seus estudantes aprendam, mas também que os professores orientem os processos de escrita em que os estudantes se envolvem e forneçam, de forma

(24)

sistemática e atempada, retorno corretivo escrito (written corrective feedback) sobre os produtos que estes vão produzindo. Sendo uma estratégia com foco-na-forma, o retorno corretivo escrito (RCE) do professor sobre os trabalhos escritos produzidos pelos estudantes orienta a atenção dos aprendentes para aspetos específicos da sua competência linguística e discursiva, facilitando-lhes, assim, o desenvolvimento da escrita no uso da língua-alvo (Ellis, 1997). Ou seja, a partir das novas perspetivas didáticas do ensino-aprendizagem em que o foco do ensino se centra na ensino-aprendizagem do estudante e no estádio de desenvolvimento em que este se encontra, o papel do professor deve consistir, fundamentalmente, em promover e orientar o processo de construção e desenvolvimento do conhecimento dos seus estudantes. Neste contexto, mais do que reprimir a ocorrência de erros e inadequações dos estudantes, estes devem ser encarados pelo professor como informações de grande utilidade, sobre a forma como os seus estudantes utilizam a língua e os problemas que ainda têm para o fazer. Este conhecimento poderá ter um papel ativo e fundamental nas estratégias de desenvolvimento das competências linguística e discursiva conduzidas pelo professor e no desenho mais adequado dos dispositivos pedagógicos e didáticos a serem utilizados em sala de aula (Bitchener, Young, & Cameron, 2005; Ferris, 2002).

Deste modo, pelas suas características e pelo relacionamento entre práticas de leitura e de escrita na academia, as estratégias de desenvolvimento destas competências utilizadas pelo professor podem contribuir decisivamente para o amadurecimento intelectual e cognitivo necessário ao percurso académico dos estudantes e ao desenvolvimento do conhecimento nas instituições de ensino universitário. No fundo, o desenvolvimento da EA, e a consciência das respetivas competências e desempenhos implicados, poderão ser determinantes para professores e estudantes, permitindo que (futuramente), na universidade, se venha a colocar a tónica nos temas a tratar, na produção de conhecimento e na resolução de problemas e não nas dificuldades em ler ou escrever.

2.3. Características da escrita académica

Para além do exigido em níveis escolares anteriores ao nível da escrita mais formal, a EA implica um conhecimento específico, linguístico, discursivo e processual desenvolvido não só ao nível do instrumento linguístico propriamente dito, mas também ao nível dos géneros (e respetivos contextos) e dos processos de escrita que estes envolvem. Como

(25)

vimos anteriormente, esta escrita abarca, em particular, sequências4 descritivas, explicativas e argumentativas e géneros de texto5 em que estas sequências predominam. Quando se propõe, por exemplo, que os estudantes executem uma tarefa de escrita, pretende-se que sejam capazes de expor ou argumentar sobre determinado tema, aplicando, ao mesmo tempo, diversos tipos de conhecimentos linguísticos. Pretende-se também que adotem um modelo de escrita, dominem o processo de textualização propriamente dito e consigam rever e editar o seu trabalho, de forma autónoma. Em síntese, as tarefas de escrita propostas ao nível do ensino superior implicam um conhecimento linguístico, discursivo e processual desenvolvido e um manuseamento e domínio desta língua ao seu nível mais formal. (Adam, 2011; Bronckart, 2003, 2006b; Duarte, 2010; Siopa, 2015b; Swales & Feak, 1996; Wingate, 2012).

O conhecimento linguístico engloba áreas de complexidade diversa, que abarcam o léxico, a sintaxe, o léxico-sintaxe, a morfossintaxe e a fonética-fonologia. No conjunto destes conhecimentos, a área do léxico tem uma importância determinante uma vez que este constitui a base imprescindível para o processamento da informação. Para além de conhecerem os termos próprios de áreas específicas de conhecimento (p. ex. medicina, direito, engenharia, literatura, etc.), os estudantes devem conhecer o vocabulário mais frequente e ter consciência dos processos de sinonímia e polissemia. Recorde-se, a este propósito, que conhecer uma palavra é saber estabelecer as conexões relativamente às suas propriedades formais, sintáticas e semânticas, e conhecer as suas relações paradigmáticas e sintagmáticas, de modo a que o critério de gramaticalidade se associe ao critério da aceitabilidade (Leiria, 2006). Na área da sintaxe, por seu lado, é necessário que os estudantes conheçam, entre outras, as propriedades de seleção categorial dos verbos, as regras de colocação do pronome pessoal e os padrões frásicos complexos ao nível das orações subordinadas. No que diz respeito à morfossintaxe, é necessário, entre outros aspetos, conhecer e aplicar adequadamente a flexão verbal e pronominal e os diferentes

4 Adam propõe cinco tipos de sequências base - narrativa, descritiva, argumentativa, dialogal e explicativa - que correspondem a “tipos de relações macrossemânticas memorizadas por impregnação cultural e

transformadas em esquema de reconhecimento e de estruturação da informação textual” (Adam, 2011, p. 205).

5 Adota-se a perspetiva de (Bronckart, 2003, p. 71) segundo a qual se considera texto “toda a unidade de produção de linguagem que veicula uma mensagem linguisticamente organizada e que tende a produzir um efeito de coerência sobre o destinatário” construída mobilizando os recursos (lexicais e sintáticos) de uma língua natural dada e tendo em conta modelos de organização textual disponíveis no quadro dessa mesma língua.

(26)

padrões de concordância verbal e nominal. Por fim, a nível fonético-fonológico os estudantes devem dominar a natureza das correspondências entre som e grafia e conhecer as convenções ortográficas (Duarte, 2010; Gonçalves, 2007).

O conhecimento discursivo requerido envolve, por um lado, o conhecimento discursivo em contexto real, ao nível dos géneros textuais, dos seus propósitos comunicativos e dos contextos de circulação, onde se incluem, entre outros, a recensão crítica, o ensaio e o artigo científico. E, por outro, aquele conhecimento exige ainda um conhecimento processual (execução de tarefas de pré-escrita e pós-escrita), ao nível da aplicação de estratégias que permitem gerar, monitorar, rever e editar a construção do discurso escrito. Ou seja, quando os estudantes têm de expressar conhecimentos relativos às disciplinas da sua área de formação não só devem dominar o vocabulário específico dessa área de conhecimento, como foi referido, mas também se espera que, ao escreverem, o façam processando a informação recolhida e adotando um modelo textual que incorpore uma “moldura para a acção social” (C. Bazerman, 1997, p. 19). Para tal, devem estar familiarizados com os processos cognitivos e verbais implicados nos atos de expor, explicar, resumir, sintetizar, fundamentar, citar e argumentar. Devem conhecer a estrutura retórica característica do género textual adotado, construindo um discurso que se desenvolve com base em movimentos (e passos) retóricos6, necessários à progressão e organização do sentido. É ainda fundamental, no discurso académico, articular os mecanismos enunciativos, distinguindo a voz de enunciação da voz dos diferentes autores que convocam no texto que produzem, para além do conhecimento dos elementos coesivos (p. ex. coesão gramatical e lexical) (Adam, 2011; C. Bazerman, 1997; Bronckart, 2003; Ferris, 2007; Swales, 1981).

Relativamente ao conhecimento processual, este implica um à-vontade com o percurso que a escrita encerra, ou seja, é necessário que os estudantes saibam como deve ser o processo de escrita e que sejam expostos a situações em que exercitem esse processo, com monitorização de escreventes mais experientes academicamente (por exemplo, num ambiente de colaboração entre pares). Assim, embora seja um processo recursivo e não linear, as atividades de pré-escrita implicam identificar o trabalho, gerar ideias, recolher a

6 Adota-se aqui a perspetiva de Swales (1981) em que movimentos (moves) são blocos de texto (uma ou mais frases) com uma função comunicativa específica, mais abrangente, que na sua totalidade constitui a

informação presente no texto; os ‘passos’ (steps), é um bloco de texto (frases) com uma função comunicativa de menor abrangência e que no seu conjunto concretizam os propósitos comunicativos dos movimentos

(27)

informação necessária em diversas fontes, fixar os objetivos e planificar as fases a percorrer. Após o texto produzido, é importante que os estudantes saibam executar tarefas de pós-escrita, o que implica conseguir controlar o processo, ao nível da revisão e edição do seu próprio texto e, ainda dominar múltiplos instrumentos de consulta, como as enciclopédias, os dicionários, os prontuários, as gramáticas e, atualmente, os que estão disponíveis on line (motores de busca, corretores ortográficos, etc.) e software diverso (Bitchener et al., 2005; Duarte, 2010; Siopa, 2011, 2017).

Assim, para que os estudantes possam efetivamente desenvolver as suas competências de escrita na academia, e venham a dominar géneros de textos específicos no nível de ensino em que se encontram, é imprescindível, por um lado, que, em algum

momento do percurso escolar, a escrita seja uma prática efetiva. Por outro lado – e é neste ponto de vista que nos colocamos -, é necessário que a própria universidade encontre soluções para que os estudantes aprendam os géneros textuais requeridos neste nível de ensino. Especificando um pouco melhor, perante a complexidade deste tipo de escrita, não parece possível vir a dominar este conjunto variado de conhecimentos, essencialmente práticos, através de aulas expositivas. A título de exemplo, e no decurso de uma entrevista de grupo realizada com estudantes universitários moçambicanos, do 2º ano de uma licenciatura em Ensino de Português, quando se lhes pediu que referissem uma boa experiência de escrita, os estudantes referiram experiências que tinham tido no 1º ciclo do Ensino Básico, aludindo a episódios que envolviam o apoio individual que o professor lhes tinha dispensado. Este exemplo vem aliás na linha das conclusões do inquérito aplicado à população alvo deste estudo:

(...) os estudantes mantêm uma relação complexa e constrangedora com a escrita porque, se por um lado afirmam gostar de escrever, por outro, experimentam sentimentos negativos quando têm que enfrentar uma tarefa de escrita na universidade. Este tipo de sentimentos, a que a maioria dos estudantes se refere, poderá prender-se com o facto de haver uma prática insuficiente da escrita, fazendo com que os estudantes não desenvolvam experiências de escrita suficientes. Ou que, pelo menos, possam desenvolver uma prática capaz de induzir um conhecimento sobre o modo de construir

(28)

textos e capaz de proporcionar uma relação com a escrita suscetível de ser adjuvante no momento de escrever. (Siopa & Pereira, 2017, p. 363)

Perante o exposto, percebe-se que os estudantes universitários moçambicanos, para além dos problemas que enfrentam relativamente ao exercício de uma escrita que desconhecem, não têm experiências de escrita que lhes possibilitem percecionar esta atividade como compensadora. Assim, se considerarmos perceção como a apreensão de uma dada realidade, de uma certa forma, envolvendo o indivíduo social, afetiva e cognitivamente e atitude como a predisposição psicológica para reagir de uma certa forma, positivamente ou negativamente face a um dado objeto, deduz- se que perceção e atitude estão interligadas na construção do comportamento dos indivíduos, de uma forma geral, e dos indivíduos em contexto académico, de forma particular (Castellotti & Moore, 2002). Quando percecionadas pelos estudantes de forma negativa ou irrelevante, as experiências de aprendizagem transformam-se em atitudes e comportamentos que funcionam como obstáculos ao processamento da informação necessário para aprender, não deixando ver claramente qual o procedimento, nem adotar o comportamento adequado ao percurso a seguir. Nesta medida, a experiência de escrever, se marcada afetivamente como negativa, mesmo que socialmente e cognitivamente percecionada como importante, não vai permitir acumular saberes e gestos facilitadores da compreensão e produção escrita, funcionando antes como mais um momento de não sentido e de penalização para a ação verbal. Estas perceções se não forem conhecidas e transformadas pelos professores, podem vir a interferir e a moldar as atitudes, o empenhamento e a motivação perante novas tarefas em que a escrita está envolvida. Ou seja, as perceções podem desempenhar um papel preponderante no sucesso ou fracasso do percurso académico de cada estudante e na sua motivação para se dedicarem ao desenvolvimento das competências de escrita académica necessárias. Neste processo, o perfil linguístico dos estudantes e as perceções que estes desenvolveram sobre uma determinada área científica podem explicar a sua motivação para aprender e, consequentemente, o seu (in)sucesso académico (Barbeiro, Pereira, & Carvalho, 2015; Lonka et al., 2014; Santos, 2001).

Perante esta situação, que é comum a muitos estudantes em muitas universidades, em diferentes geografias e em contextos linguísticos diversos, tem-se vindo a verificar a

(29)

necessidade de organizar programas, cursos e centros de escrita na universidade que, por um lado, ajudem a construir experiências positivas que revertam as perceções negativas sobre a escrita e, por outro, respondam às necessidades dos estudantes relativamente à EA, tão complexa quanto fundamental (C. Bazerman, 2009; Bräuer, 2012; Carlino, 2008; Castelló et al., 2009; Duarte, 2010; Gonçalves, 2010; Gouveia, 2014; Hyland, 2013; Motta-Roth & Heberle, 2015; Siopa, 2010, 2006; Vasconcelos et al., 2007).

(30)

Capítulo três: A abordagem genológica da escrita

3.1. Abordagem genológica da escrita

Como vimos anteriormente, escrever é uma atividade complexa e a sua aprendizagem e desenvolvimento faz parte de um longo processo de escolarização, fundamental para o crescimento intelectual e social de qualquer indivíduo. Neste processo, o ser humano evolui de funções psicológicas elementares para processos cada vez mais complexos7, tendo a linguagem, instrumento mediador entre o indivíduo e o mundo, um

papel central nessa evolução. Ou seja, é através da linguagem que se concretizam processos mentais em abstração, se procede a categorizações e generalizações, se assimila, se transmite, se preserva e se desenvolve o conhecimento.

Vygotsky (1978), nos seus estudos sobre aprendizagem, propõe a noção das zonas de desenvolvimento proximal (ZDP)8 que explicam, em parte, como o desenvolvimento se processa na criança, processo este que extrapolado para a aprendizagem em geral, independentemente da idade em que se processa, pode vir a ser encarado como um contributo valioso para a aprendizagem e desenvolvimento das competências de escrita, em contexto académico. Assim, ao considerarmos as ZDP como oportunidades de desenvolvimento que surgem a partir do que o indivíduo já consegue fazer de forma autónoma (desenvolvimento atual) e o que poderá vir a fazer no futuro (desenvolvimento proximal), poderá ser criada uma oportunidade pedagógica. Na zona de desenvolvimento proximal (possível), podem-se proporcionar novas aprendizagens e gerar o desenvolvimento do indivíduo, desde que estejam reunidas as condições necessárias para tal. Nesta teoria das ZDPs, Vygotsky refere-se ao papel fundamental que um ambiente interativo e colaborativo pode vir a ter, explicitando que o potencial de aprendizagem se concretiza quando o indivíduo tem a possibilidade de interagir social e colaborativamente, com os seus pares e com o professor, funcionando estes como coadjuvantes na construção do conhecimento:

7 Funcionamento psicológico tipicamente humano, por oposição às funções psicológicas elementares, próprias dos animais que se caracterizam por serem reações automáticas, reflexas e associações simples (Vygotsky, 1978).

8 Zona de desenvolvimento proximal: “Is the distance between the actual developmental level as determined by independent problem solving and the level of potential development as determined through problem solving under adult guidance or in collaboration with more capable peers” (Vygotsky, 1978, p. 86).

(31)

We propose that an essential feature of learning is that it creates the zone of proximal development; that is, learning awakens a variety of internal developmental processes that are able to operate only when the child is interacting with people in his environment and in cooperation with his peers. Once these processes are internalized, they become part of the child's independent developmental achievement. (Vygotsky, 1978, p. 83)

Ao compreender que o ser humano só aprende o que está ao seu alcance e que esta aprendizagem se processa de forma mais eficaz em ambiente interativo e colaborativo e com o devido suporte pedagógico, o professor, em qualquer nível de ensino, pode organizar tarefas de aprendizagem e desenhar materiais instrucionais que tenham em conta o que o aprendente já sabe fazer e proporcionem aprendizagens efetivas em ambiente adequado. O que acontece muitas vezes é que a aprendizagem que se propõe ou não se situa numa zona de desenvolvimento proximal ou não tem o devido ambiente colaborativo, nem o suporte pedagógico do professor e, por qualquer destas razões, as aprendizagens não têm condições para ocorrer. Ou seja, nestas condições, a aprendizagem que se propõe envolve constrangimentos internos ou externos9 que podem impor uma sobrecarga cognitiva difícil de suportar pelos estudantes. Se não lhes for facultada a hipótese de interagir e colaborar, com o professor ou com os seus pares, esta tarefa não é exequível e a aprendizagem não se processa. Neste sentido, se tomarmos em consideração que “a língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua” (Bakhtin, 1997b, p. 282) e que a língua reflete as condições específicas em que foi produzida (relacionadas com o tema, com o contexto de produção e com o propósito comunicativo), não parece ser possível, nem desejável, que a língua como objeto de ensino apareça afastada de um ambiente colaborativo e dessas mesmas condições de produção (Kirkland & Saunders, 1991; Sweler, 1988; Vygotsky, 1978).

Se pensarmos nas características do ensino a que os estudantes estão expostos no ensino pré-universitário em Moçambique (número excessivo de alunos por turma, aulas

9 “External constraints include such factors as purpose and audience of the assignment, features of the assignment itself, discourse community conventions, nature of the material to be summarized, time constraints, and the working environment. Internal constraints consist of L2 proficiency, content schemata, affect, formal schemata, cognitive skills, and metacognitive skills”. (Kirkland & Saunders, 1991, p. 106)

(32)

maioritariamente expositivas por parte dos professores, difícil acesso dos estudantes a manuais escolares, reduzido (ou inexistente) apetrechamento das bibliotecas escolares), facilmente se compreende que, embora os programas de ensino se possam dirigir à “zona proximal” (Vygotsky, 1978), nem sempre vêm acompanhados do devido suporte pedagógico e didático para que a sua aplicação possa resultar em aprendizagens efetivas. Ou seja, sem um enfoque específico no desenvolvimento de competências linguísticas e discursivas, sem o suporte adequado por parte da escola e do professor e sem interação e colaboração, a aprendizagem da escrita, e o seu posterior desenvolvimento, pode não se realizar. A tarefa de aprendizagem pode ser redundante ou tão complexa que os estudantes ou abandonam as tarefas de aprendizagem desinteressados ou incapazes de a concluir, ou a praticam coagidos, com todas as consequências que isso acarreta do ponto de vista cognitivo.

Assim, durante o longo percurso de aprendizagem, percorrido até chegar à universidade, os estudantes vão construindo diferentes imagens, consolidando múltiplas perceções10 e gerando sentimentos diversos sobre o que é escrever e sobre a imagem que têm de si próprios como escreventes. Transportam consigo ideias e experiências do processo de ensino e aprendizagem, memórias das interações tidas com professores e pares, em face das respostas emocionais aos estímulos propostos no domínio da escrita. Estas perceções remetem, na maior parte dos casos, para aprendizagens não processadas e para os consequentes sentimentos negativos associados ao ato de escrever que poderão vir a interferir e a moldar as atitudes, o empenhamento e a motivação perante novas tarefas em que a escrita está envolvida (Barbeiro et al., 2015; Bork, Bazerman, Correa, & Cristovão, 2014; Bräuer, 2012; Siopa & Pereira, 2017).

Bakhtim (1997), relativamente à complexidade da escrita que circula em contexto académico, refere haver uma

(...) diferença essencial existente entre o género de discurso primário (simples) e o género de discurso secundário (complexo). Os géneros secundários do discurso — o romance, o teatro, o discurso científico, o discurso ideológico, etc. - aparecem em circunstâncias de uma comunicação

10 Recorde-se a este propósito que perceção é a apreensão de uma dada realidade, de uma certa forma, envolvendo o indivíduo social, afetiva e cognitivamente (Castellotti & Moore, 2002), como referido no cap.

(33)

cultural, mais complexa e relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística, científica, sociopolítica. (Bakhtin, 1997b, p. 282)

Ou seja, para além dos fatores anteriormente referidos, há ainda a complexidade deste discurso que transforma a sua aquisição e desenvolvimento numa tarefa de grande complexidade cognitiva, mesmo que os aprendentes sejam adultos, como é o caso dos estudantes universitários. Daqui resulta a necessidade de se encarar o problema e tentar encontrar soluções que possam, se não reverter, pelo menos minimizar o problema. Esta constatação passa por dotar os estudantes de ferramentas que possam vir a constituir o suporte imprescindível para desenvolverem as competências de escrita necessárias ao contexto académico em que se encontram.

Posto isto, e tendo em linha de conta que esta é uma situação que se verifica em muitos contextos, as universidades têm vindo a organizar programas, cursos e centros de escrita com o intuito de criar contextos de ensino-aprendizagem da EA, respondendo, assim, às necessidades de muitos estudantes. Nestes programas podem detetar-se, fundamentalmente, dois tipos de abordagens do ensino desta escrita mais complexa: o modelo processual e o modelo baseado no género (Bereiter & Scardamalia, 1987; Hyland, 2003, 2007; Martin, 1992; Pereira & Cardoso, 2013; Schumann, 1997; Siopa, 2017).

O modelo processual encara a escrita como um processo cognitivo individual, indutivo e exploratório, baseado na crença de que a escrita se aprende naturalmente, escrevendo muito, num processo faseado em tarefas de pré-escrita, textualização e reescrita, em que o estudante descobre e reformula as suas ideias, com relativa liberdade, à medida que tenta aproximar-se do sentido pretendido. Num contexto de aprendizagem, como o moçambicano, em que a língua veicular é uma L2 para a maioria dos cidadãos, esta suposição é problemática porque, para além de lhe faltar uma fundamental dimensão social, quase como se o contexto de produção não interferisse na produção do discurso, também não se toma em consideração a falta de contacto dos estudantes com as convenções culturais associadas à EA e aos contextos de circulação desta escrita. Há autores que chegam mesmo a referir que este tipo de ensino, sem informação explícita sobre as características sociais e retóricas dos textos, tem tendência a favorecer os estudantes de língua materna e aqueles que são oriundos das classes mais favorecidas, com

(34)

maior contacto com o escrito e, muitas vezes, com acesso a apoios individuais fora da escola ou da universidade:

While well-intentioned, this is a procedure which principally advantages middle class L1 students who, immersed in the values of the cultural mainstream, share the teacher’s familiarity with key genres. L2 learners commonly do not have access to this cultural resource and so lack knowledge of the typical patterns and possibilities of variation within the texts that possess cultural capital (…) Students outside the mainstream, therefore, find themselves in an invisible curriculum, denied access to the sources of understanding they need to succeed. Thrown back on their own resources, they are forced to draw on the discourse conventions of their own cultures and may fail to produce texts that are either contextually adequate or educationally valued. (Hyland, 2003, pp. 19–20)

Neste modelo de ensino, o professor não explora com os estudantes a forma como os textos são codificados distintamente e em modos que podem ser reconhecidos relativamente aos seus objetivos, destinatários e mensagem. Faz depender o sucesso da escrita de fatores individuais como a capacidade de trabalho fora do espaço da sala de aula, a memorização de conteúdos a serem inseridos na escrita, relegando para o final do processo, para a fase da revisão e edição, recursos centrais para a construção do sentido, como os recursos linguísticos e a organização retórica dos textos a construir (Devitt, 2015; Hyland, 2003; Swales, 1990).

O(s) modelo(s) baseado(s) no género têm inicialmente origem na noção de género discursivo11 de Bakhtin (1997) que corresponde a enunciados que surgem de esferas de atividade humana tipificadas, refletindo, por isso, as condições específicas de um dado contexto social de comunicação.

A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da

11 A esta formulação de Bakhtin, Bronckart (2003) contrapõe a formulação de género de texto, dado

considerar os textos como “realização empírica” (p.69), “produtos da atividade da linguagem que apresentam características relativamente estáveis – justificando-se por isso que sejam chamados géneros de texto”

Referências

Documentos relacionados

A partir do questionário aplicado nesta empresa de fertilizantes foi possível traçar uma opção de melhora ao controle de estoque que visa um maior planejamento e controle, onde

In this study clay mineral assemblages, combined with other palaeoenvironmental data, were studied in a core recovered from the outer sector of the Ria de Vigo, a temperate

Dessa forma, a partir da perspectiva teórica do sociólogo francês Pierre Bourdieu, o presente trabalho busca compreender como a lógica produtivista introduzida no campo

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

Em termos de avaliação da qualidade e da robustez global do modelo, cabe destacar que a estimação da especificação do modelo de regressão logística previamente

Os resultados permitem igualmente verificar que, quando se utilizam carvões derivados do resíduo de ciclone Pi-rc, a velocidade do processo de adsorção não é determinada

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das

Analisando os resultados MIP A (Figura 4.43) obtidos para extração usando a técnica de miniaturização LOV observou-se, como já tinha acontecido para a extração SPE com