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Parte IV A experiência do caminho percorrido: os companheiros de viagem

7.2. Análise e interpretação dos resultados

7.2.1. Frequência das categorias analisadas

Relativamente aos números que revelam a frequência das categorias analisadas, apresenta-se uma comparação (Gráfico 2) entre os resultados obtidos nos textos iniciais e finais, nas subcategorias já apresentadas – vozes (mecanismos enunciativos), coesão e FSE (mecanismos textuais) e apresentação, descrição, apreciação e recomendação (movimentos retóricos). Pela análise deste gráfico, verificamos que a modelização didática da recensão crítica, desenvolvida na SE construída e já descrita (cf. cap. 5) produziu efeitos positivos na produção escrita destes estudantes, relativamente ao género em estudo. Os textos finais, em contraste com os textos iniciais, revelam uma maior presença das dimensões e configurações da recensão crítica ensinadas, num número mais significativo de textos. Ou seja, antes da aplicação do DD, estes estudantes entendiam a recensão crítica de um texto como a apresentação do resumo do seu conteúdo, feita de forma aleatória. Neste texto inicial construído, a configuração do género recensão crítica confunde-se com o resumo, na medida em que os textos produzidos pelos estudantes concretizam-se em apenas um movimento retórico (descrição) e, mesmo assim, incompleto. Por oposição, nas recensões críticas finais verifica-se a presença maioritária de todos os movimentos retóricos, em que, para além da integração do resumo (parte da descrição), surgem outros elementos estruturais da recensão como a apresentação, a apreciação e a recomendação. Também a presença das vozes e os elementos de coesão são mais expressivas nos textos finais,

conferindo a estes textos uma maior complexidade e correção De certo modo, a perceção inicial que os estudantes tinham do género em estudo, revelada nos textos iniciais destes estudantes, embora fosse a possível, dado que os estudantes não haviam nunca trabalhado as configurações de uma recensão crítica, coincidia com um resumo, pouco rigoroso, do texto-fonte, em que os estudantes apresentavam o seu entendimento dos aspetos fundamentais do texto-fonte, num conjunto de frases elencadas, sem ligação entre si.

Gráfico 2- Comparação entre categorias no texto inicial e no texto final

Analisando, de forma mais detalhada, a comparação entre textos iniciais e textos finais relativamente à presença da subcategoria vozes (mecanismos enunciativos) (Gráfico 3) verifica-se que houve a apreensão e utilização destes mecanismos que permitem distinguir a voz do autor empírico da voz do agente-produtor do texto e, ainda, a introdução adequada de vozes sociais no discurso que os estudantes produziram. A consciência da existência de mecanismos linguísticos que permitem a referência e utilização de diferentes enunciadores na produção escrita e a sua apreensão e utilização, pode permitir que estes estudantes possam vir a manipular estes mecanismos com maior mestria e a aplicá-los em outras situações de produção escrita académica. Este aspeto assume uma maior importância no discurso académico na medida em que, para além da manipulação dos pronomes e formas verbais, os estudantes reconhecem e aprendem a citar, direta ou indiretamente, os autores que convocam para os seus textos. E este é um aspeto que permite, por si só, melhorar de forma assinalável o discurso académico.

15 16 15 32 3 0 0 30 30 24 32 32 32 27 0 5 10 15 20 25 30 35 Vozes Coesão gramatical

Coesão lexical Descrição Apresentação do

texto fonte

Apreciação Recomendação

Texto Inicial vs. Texto Final - Categorias analisadas

Gráfico 3 - Comparação dos mecanismos enunciativos no texto inicial e final

Assim, após a aplicação do DD, preparado com o objetivo de ensinar a escrever uma recensão crítica, verificamos que os textos finais dos estudantes apresentam as dimensões ensinadas, ao nível dos seus movimentos retóricos, dos mecanismos textuais e enunciativos, o que parece apontar para uma avaliação positiva do DD utilizado na SE planeada.

Se tivermos em conta as características da escrita académica, isto é, uma maior presença de frases complexas caracterizadas, idealmente, pela sua correção linguística (cf. capítulo 2.3), os números que se apresentam no gráfico 4 são também reveladores da evolução dos estudantes ao nível da escrita deste género. Verifica-se uma melhoria das recensões produzidas não só ao nível das configurações do género em estudo como vimos, mas também e, sobretudo, uma maior qualidade e complexidade das recensões finais apresentadas, revelada pelo maior número de frases complexas, produzidas sem qualquer incorreção ou inadequação (Gráfico 4) e ligadas entre si por elementos de coesão lexical ou gramatical. 12 4 0 28 19 6 0 5 10 15 20 25 30

Voz do agente produtor da

recensão voz do autor empírico Vozes sociais

Texto Inicial vs. Texto Final - Mecanismos enunciativos

Gráfico 4 - Comparação das frases no texto inicial e final

Como se disse anteriormente, o DD construído para a apreensão das configurações da recensão não continha conteúdos gramaticais específicos, dado que o objetivo deste dispositivo não incidia sobre estes aspetos. No entanto, em todos os textos produzidos pelos estudantes, dentro ou fora da sala da aula, foi aplicada a estratégia do RCE, sempre que possível, devolvendo-se aos estudantes (via email) os seus textos anotados e motivando-os a trabalharem sobre as observações do professor, produzindo versões melhoradas dos respetivos textos. Já anteriormente havia sido referido (Siopa, 2017) que a estratégia do RCE, aplicada a estudantes universitários moçambicanos, sobretudo se mediada pelo uso das novas tecnologias e acompanhada da produção de versões melhoradas dos textos, produzia melhorias significativas na qualidade da escrita produzida.

Depois do trabalho desenvolvido utilizando o e-mail como mediador pedagógico na aplicação do RCE, verifica-se que não só os estudantes aumentaram consideravelmente o número de frases produzidas, mas também aumentaram o número de frases sem erros. Quer consideremos os textos individualmente, quer em conjunto, no final desta experiência verifica-se uma melhoria geral. (Siopa, 2017, p. 117)

174 23 416 163 0 100 200 300 400 500

Total de Frases Frase Complexa sem Erros

Texto Inicial vs. Texto Final - Frase

Pela sua relevância na quantificação dos resultados obtidos, apresenta-se também um quadro (Quadro 21) com a análise de similaridade37, entre os textos iniciais e finais, nas categorias e subcategorias apresentadas anteriormente. Esta análise quantificada permite verificar a distância entre os dois documentos (inicial e final) através da variância da frequência das categorias analisadas. Para tal, e porque esta análise aplicada a todos os documentos se torna difícil de exibir, optou-se por selecionar, de forma aleatória, seis documentos que pudessem exemplificar os resultados desta análise. Este procedimento permite-nos verificar a semelhança ou diferença entre os textos iniciais e os textos finais relativamente às subcategorias analisadas.

Variância de frequência dos códigos entre textos iniciais e finais

Categorias Estudantes

BLF CPC DKC JJO MJM NAS

Coesão gramatical 0,88 0,86 0 0 7,71 0,86

Coesão lexical 0,3 0 7,5 1,2 0,3 7,5

Voz do autor da recensão 0 1,92 1,92 7,68 0 1,92

Voz do autor do texto-fonte 5,01 5,01 0,56 0 2,23 6,82

Vozes sociais 0 5,33 5,33 0 5,33 0

Frases complexas sem erros 1,49 3,36 1,49 7,11 16,97 5,38

Quadro 21 – Análise de similaridade por documentos

Assim, no caso específico deste estudo, verificamos que estes estudantes produziram no final um texto que se distancia consideravelmente do texto produzido inicialmente. Para além da distância total relativamente à presença dos movimentos retóricos, na sua maioria inexistentes no texto inicial, como vimos, há uma assinalável distância no que diz respeito

37 Para avaliar a similaridade de documentos em termos frequência de código, pode-se usar o conceito de distância euclidiana cuja fórmula é

â = ( − )

Onde:

à presença da voz do autor do texto-fonte (mecanismo enunciativo), à coesão gramatical e lexical (mecanismos textuais) e à correção linguística (frases complexas sem erros). Nesta última categoria, o texto final, ou está distante ou muito distante do texto inicial, verificada em todos os textos dos estudantes selecionados. Nas outras categorias, há estudantes cujo texto revela uma grande distância face ao texto inicialmente produzido em algumas categorias, como se assinala pelo nosso negrito em alguns valores.

Ao interpretar-se esta análise de (dis)similarirade pode-se confirmar que a escrita do texto final se aproxima mais dos modelos analisados como recensão crítica do que dos textos produzidos inicialmente pelos estudantes. Este quadro (21) mostra igualmente que alguns estudantes não revelam nenhuma distância entre o texto inicial e o texto final, relativamente a algumas configurações da recensão. É o caso das vozes sociais, cuja ausência em alguns textos finais, poderá significar que estes aspetos não terão sido aprendidos através do DD, durante a SE. Os motivos que poderão estar na origem do sucedido podem-se prender com múltiplos fatores, entre os quais o absentismo, a complexidade destas configurações da recensão ou a inadequação, para alguns estudantes, dos materiais usados e das estratégias adotadas. Estes aspetos apontam para algumas das limitações deste estudo que serão abordadas no próximo capítulo.

7.2.2. Influência da sequência de ensino e do dispositivo didático na qualidade da recensão