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Influência da sequência de ensino e do dispositivo didático na qualidade da recensão crítica

Parte IV A experiência do caminho percorrido: os companheiros de viagem

7.2. Análise e interpretação dos resultados

7.2.2. Influência da sequência de ensino e do dispositivo didático na qualidade da recensão crítica

Depois de analisadas quantitativamente as categorias e subcategorias relativamente à sua presença nos textos iniciais e finais, importa agora analisar exemplos de como estes resultados se refletem na escrita dos estudantes, relativamente à qualidade da recensão produzida. Para tal, apresentam-se excertos dos textos, iniciais e finais, de dois estudantes selecionados aleatoriamente38.

No texto inicial do estudante CPCPtg316TI (Quadro 22) pode-se verificar que recensear um texto é apenas a apresentação do resumo de algumas partes do texto, selecionadas aleatoriamente como importantes pelo estudante, aliás como referido no grupo de discussão: “Para mim, antes de entrar para cá para a universidade, eu achei que resumo fosse escrever o que eu achasse de importante de um texto.” (CPCPtg316GD). No texto inicial deste estudante não há a presença de movimentos retóricos diferenciados,

como também não é claramente feita a distinção entre mecanismos enunciativos do autor empírico ou do agente-produtor da recensão: “Neste presente trabalho falarei dos factores que contribuíram para a apropriação da língua e consequências que trouxe em Moçambique (...)” (CPCPtg316TI).

Já no texto final, este estudante apresenta um texto estruturado pelos movimentos retóricos e complexificado quer pela presença de mecanismos de coesão, quer pela presença de diferentes vozes às quais são atribuídos os respetivos conteúdos: “O texto é uma reflexão sobre a quantidade de livros editados e a leitura dos mesmos em Moçambique. Este texto não é o primeiro em que o académico aborda sobre o número dos livros editados e a leitura aos mesmos (...)” (CPCPtg316TF).

CPCPtg316 Texto inicial

Apresentação do texto “A apropriação da língua portuguesa no Moçambique pós-colonial” de Gregório Firmino

Antes da independência, a língua portuguesa era usada de forma restrita, isto é, apenas no seio político ou pelos assimilados e era tida como língua padrão deste grupo.

Gregório Firmino (2006), na sua abordagem, apresenta os factores que levaram Moçambique pós-colonial a adoptar o português como língua oficial. Dentro desta perspectiva, anuncia a chegada da FRELIMO ao poder como o marco para o arranque da oficialização do português no país.

Como todo trabalho não é fácil, não foi diferente a oficialização da língua no país, houve um primeiro momento nesta oficialização que era de salvaguardar a unidade nacional, depois o momento da expansão da própria língua até ao momento em que esta se torna o principal meio de comunicação entre as pessoas. Hoje em dia vê-se o português como língua principal entre os falantes e usando o português padrão de Portugal, país que colonizou Moçambique.

Texto final

Lobo, A. (2013). O livro académico em Moçambique: entre o prazer da edição e a incerteza da leitura. In Leituras Ensaiadas (PP. 54-57). Maputo: Imprensa Universitária.

Recensão

“O livro académico em Moçambique: entre o prazer da edição e a incerteza da leitura” é um artigo que apresenta a situação em que o livro académico se encontra, em Moçambique, no que diz respeito a sua edição e a sua posterior leitura. Este artigo compreende cerca de 3 (três) páginas e foi retirado do livro “Leituras Ensaiadas”, editado em Maputo, pela Imprensa Universitária. Almiro Lobo, o autor, é mestre em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, pela Universidade de Lisboa, professor auxiliar no

Departamento de Linguística e Literatura da FLCS na UEM e é também crítico literário.

Neste artigo, ao abordar-se o livro académico, não se limita apenas em falar de assuntos superficiais, isto é, o livro enquanto objecto acabado, toca-se em todos os aspectos ligados a ele, desde a edição à leitura. O autor diz-nos que a realidade do livro deve vir desde o trabalho do editor, do maquetizador, do revisor até ao do encadernador. Neste âmbito, o autor ressalta a importância gráfica do livro, tarefa esta incumbida às editoras, na salvaguarda e equilíbrio entre o lucro, a qualidade e o rigor.

Lobo diz que “em Moçambique, entre 1998 e 2002, apesar de existirem 64 editoras, o número de edições indica que no país se edita pouco e como as edições não esgotam isso revela que também se lê pouco”. São dados não agradáveis, sendo que no contexto académico em Moçambique, é importante, se não obrigatória a leitura feita pelos estudantes, facto que não devia justificar o pouco acesso aos livros e o fraco nível de leitura registados.

É importante perceber que não se passa muito tempo desde a publicação do livro até hoje, facto que nos leva a crer que ainda estamos no processo da melhoria da qualidade do livro académico e na luta contra a preguiça na leitura, verificados pelo facto dos livros não esgotarem nas livrarias. Por retratar a real

que estamos directamente ligados aos assuntos académicos. Para além de apresentar-nos a situação em que o livro se encontra, nos aspectos ligados a edição e à leitura, que representam o principio e a finalidade do livro, podia-se também ter tocado no aspecto ligado à promoção do próprio livro académico, que seria um meio de levar o livro ao leitor, pois pode ser que livro não seja um bem de primeira devido a sua fraca promoção e divulgação na sociedade e em particular na academia. Em fim, o facto de Lobo, na sua abordagem, não se limitar em abordar o tema em questão numa perspectiva superficial, leva-nos a lembrar de Noa, que também, nos seus artigos, não se limita em falar de assuntos à superficialidade, levando-nos a acreditar que ambos são “detalhistas” ou têm essa semelhança pelo facto de se terem formado na mesma área.

Quadro 22 – Textos inicial e final de CPCPtg316

Nos textos de JJOPtg316 (Quadro 23) também se pode observar as mesmas diferenças já assinaladas nos textos do estudante anteriormente referido. Ou seja, no texto inicial não existem movimentos retóricos a marcar diferentes fases da recensão, como também o estudante refere que vai apresentar um texto, vai falar de determinados aspetos, sem referir que esses aspetos são da autoria do autor empírico e não do agente-produtor da recensão.

“O texto que irei apresentar fala da apropriação da lingua portuguesa no Moçambique pós-colonial. Neste presente trabalho falarei dos factores que contribuiram para a apropriação da língua e consequências que trouxe em Moçambique.” (JJOPtg316TI).

JJOPtg316 Texto inicial

A apropriação da língua portuguesa no Moçambique pós-colonial

O texto que irei apresentar fala da apropriação da lingua portuguesa no Moçambique pós-colonial.

Neste presente trabalho falarei dos factores que contribuiram para a apropriação da língua e consequências que trouxe em Moçambique.

A ecolha do Português como lingua oficial e de unidade nacional teve como factores: as diferênças

linguísticas prevalecentes no País, as primissas ideologicas relacionadas com o tipo de sociedade concebida para o país e a necessidade de unir as elites na estrutura de poder e nas instituições burocráticas do novo Estado.

A oficialização dessa lingua teve como consequência a expansão para novos falantes e novos dominios, como também, começou a ocupar novas funções discursivas ligadas a novas actictudes sociais que surgiram no Moçambique pós-colonial.

Texto Final

O artigo “O Livro académico em Moçambique: Entre o prazer da edição e a incerteza da leitura” que pertence ao livro “Leituras Ensaiadas”, editado em 2013 pela Imprensa Universitária com 3 páginas, constitui uma reflexão a edição e leitura de livros em Moçambique. Este texto é de autoria de Almiro Lobo, docente e académico, e crítico literário da Universidade Eduardo Mondlane em Moçambique.

O texto é uma reflexão sobre a quantidade de livros editados e a leitura dos mesmos em Moçambique. Este texto não é o primeiro em que o académico aborda sobre o número dos livros editados e a leitura aos mesmos, nas suas obras anteriores como “Crónica de Jorge Ferrão” há marcas de análises, estudos e pesquisas acerca da quantidade de leitura e edição dos livros. E com vasta experiência na área de docencia

e crítico literário, fazem de Almiro Lobo um crítico no que tange a edição e leitura de livros em Moçambique.

Neste artigo o autor aborda a importância do livro afirmando que, tradicionalmente, o livro sendo um dos complexos da humanidade é visto como o modo de apresentação do pensamento sob a forma de escrita que ganha valor, enquanto objecto acabado, pelas acções em cadeia do editor, maquetizador, do revisor e do encadernador. No que diz respeito ao livro académico, para além da qualidade científica que deve proporcionar uma formação sólida, deve-se dar importância à sua qualidade gráfica, cabendo às editoras salvaguardar o equilibrio entre o lucro, a qualidade e o rigor. Em relação à edição de uma obra científica é da responsabilidade do editor divulgar a publicação e garantir a qualidade do conteúdo e da forma final do livro e entre 1998 e 2002, apesar de existirem 64 editoras, o número de edições indica que no país se edita pouco e com as edições não esgotam isso revela que também se lê pouco. Há duas hipóteses para este cenário: primeiro, o facto de o livro não ser um bem de primeira necessidade e segundo parece não se estar a oferecer ao público um produto com um padrão mínimo de qualidade.

Estando a falar da quantidade da edição dos livros e a leitura dos mesmos, a leitura destes é importante para o desenvolvimento humano. Tendo em conta que Moçambique faz parte dos países mais pobres do mundo, devia editar-se muitos livros e incentivar os Moçambicanos para se dedicarem a leitura, pois é através da leitura que se formam quadros e para que Moçambique saia da pobreza, precisa desenvolver essas capacidades. O autor deveria apresentar no texto soluções como: haver mais debates sobre o assunto, encontros, palestras, entre académicos e estudantes para juntos solucionarem este problema.

Quadro 23 – Textos inicial e final de JJOPtg316

Já no texto final, este mesmo estudante escreve: “Este texto não é o primeiro em que o académico aborda sobre o número dos livros editados e a leitura aos mesmos (...) Neste artigo o autor aborda a importância do livro afirmando que (...)” (JJOPtg316TF), apresentando uma clara distinção dentre os diferentes mecanismos enunciativos que concretizam, no texto, as vozes que convoca.

Nos quatro excertos apresentados, para além de se verificar, como já referido, que os textos finais são mais extensos em número de fases construídas e mais complexos, pode-se observar que, nestes mesmos textos há uma presença estruturada dos movimentos retóricos, sobretudo no que diz respeito aos movimentos de Apresentação, Apreciação e Recomendação que concretizam os propósitos comunicativos do género em apreço. Esta diferença, tão marcada relativamente aos textos iniciais, permite observar que o sentido se desenvolveu em etapas claras, tendo como resultado da aplicação dessas etapas, textos mais significativos e mais adequados aos propósitos comunicativos de uma recensão crítica. Para clarificar, um dos estudantes que participou no grupo de discussão referiu-se à importância desta aprendizagem, dizendo:

Foi útil porque nos ajudava na organização da recensão. Nós sabíamos que no primeiro movimento retórico deve conter isto, mais isto, mais isto...No segundo isto, mais isto mais aquilo...Então isso ajudou mais na organização da própria recensão, não só da recensão, mas também quando vamos elaborar um texto

nós temos de ter em conta a organização, a estrutura do próprio texto, do conteúdo do texto. (NASPtg316GD)

Ou seja, pelas palavras do estudante, percebe-se a interiorização das configurações do género, mas também a percepção de que há configurações da recensão que são comuns a outros géneros académicos e que a aprendizagem realizada pode ser colocada ao serviço do estudante na produção escrita de outros géneros, assunto que retomaremos no capítulo seguinte.

Pela análise comparativa dos textos iniciais e finais (quadros 22 e 23), é ainda possível verificar que, para além da presença dos movimentos retóricos se detecta, também, a presença e a distinção de diferentes vozes, como referido anteriormente, o que contrasta com os textos iniciais. A presença e a diferenciação das diferentes vozes convocadas e incluídas, pelo autor da recensão, no texto construído por si, torna o conteúdo desse texto mais claro, mas também mais complexo porque permite a presença num mesmo texto de diferentes enunciadores, conferindo-lhes a autoria das respetivas ideias.

Saliente-se que, no grupo de discussão, os estudantes valorizaram esta aprendizagem, embora a classifiquem como complexa, porque só ao fim de algum tempo e depois de algumas tarefas afirmam ter conseguido diferenciar e manipular este mecanismo:

Esse a distinção das vozes na verdade foi o meu principal problema na recensão crítica. No princípio eu não sabia distinguir essas duas vozes, mas depois quando entendi, a melhor coisa que eu já sabia fazer era a recensão crítica. Sabia distinguir que agora é a minha voz, agora é a voz do autor. Então para mim foi muito bom, sim. (BLFPtg316GD)

Na verdade a voz, nos ajuda a identificar de quem é a voz, ajuda a identificar se existe ou não cópia do texto. Porque se eu meto a voz do autor e meto a minha voz o que eu estou a dizer é agora quem disse isto fui eu ou o autor X. Então aí há uma ajuda...(CPCPtg316CD)

Vejamos, agora, como é que a aprendizagem deste aspeto se reflete, em concreto, nos textos finais dos estudantes em análise (Quadro 21 e 22):

Lobo diz que “em Moçambique, entre 1998 e 2002, apesar de existirem 64 editoras, o número de edições indica que no país se edita pouco e como as edições não esgotam isso revela que também se lê pouco”. (CPCPTFtg316) O autor diz-nos que a realidade do livro ... (CPCPtg316TF);

Neste artigo o autor aborda (JJOPtg316TF);

Presença da voz do agente-produtor da recensão, distinguindo-a da voz do autor empírico (sublinhado nosso, traço simples para o autor empíricoe traço duplo para o agente produtor):

Em fim, o facto de Lobo, na sua abordagem, não se limitar em abordar o tema em questão numa perspectiva superficial, leva-nos a lembrar de Noa, que também, nos seus artigos, não se limita em falar de assuntos à superficialidade, levando-nos a acreditar que ambos são “detalhistas” ou têm essa semelhança pelo facto de se terem formado na mesma área (CPCPtg316TF).

Este texto é de autoria de Almiro Lobo, docente e académico, e crítico literário da Universidade Eduardo Mondlane em Moçambique. (JJOPtg316TF)

Na minha opinião, em relação a situação literária de Moçambique, Lobo poderia ter associado neste artigo propostas ou estratégias... (JJOPtg316TF).

Relativamente aos mecanismos textuais, nomeadamente coesão e frases, verifica-se que os textos finais revelam uma maior presença de mecanismos de coesão e de frases de construção mais complexa, sem incorreções.

Exemplos:

Tal como afirma PIEIRE para se ler um livro, primeiro tem que se conhecer a forma como está organizado conhecer a editora porque quem não conhece a estrutura do livro que vai ler pode iniciar pela conclusão. (CPCPtg316TF)

O texto é uma reflexão sobre a quantidade de livros editados e a leitura dos mesmos em Moçambique. Este texto não é o primeiro em que o académico aborda sobre o número dos livros editados e a leitura dos mesmos, nas suas obras anteriores como “Crónica de Jorge Ferrão” há marcas de análises, estudos e pesquisas acerca da quantidade de leitura e edição dos livros. E com vasta experiência na área de docencia e crítico literário, fazem de Almiro Lobo um crítico no que tange a edição e leitura de livros em Moçambique.

(JJO/Ptg/16)

Repare-se no emprego de elementos de coesão, como “Tal como afirma Pieire...”, “Este texto...” “o académico”, “nas suas obras anteriores” e na construção frásica complexa, com mais do que uma oração.

Assim, perante os exemplos dos textos finais produzidos pelos estudantes da turma à qual se aplicou o DD, percebe-se que os textos foram produzidos com maior cuidado, refletindo a presença de muitos dos aspetos abordados durante a SE e trabalhados com o auxílio dos textos modelo e estratégias do DD. Os textos finais produzidos por estes estudantes deixam transparecer não só um pensamento mais organizado e complexo, mas também uma maior mestria na manipulação dos instrumentos linguísticos para construir as configurações específicas de uma recensão crítica. Ou seja, e perante os resultados apresentados e analisados anteriormente, há a evidência de que os estudantes tiveram oportunidade de construir uma representação clara do que é a modelização do género recensão crítica (no contexto da Academia em Moçambique).