• Nenhum resultado encontrado

Estratégias e etapas para uma sequência de ensino da recensão crítica

Parte III Caminho a percorrer: do enquadramento metodológico à modelização do

5.1 Estratégias e etapas para uma sequência de ensino da recensão crítica

Como foi referido anteriormente (cf. Cap. 2), os textos evidenciam características que os ligam aos propósitos e contextos sociais de produção e circulação e que estes podem ser descritos e relacionados com os procedimentos retóricos e discursivos adotados. Quer isto dizer que, como vimos, a pedagogia baseada no género textual implica que, para cada género que se pretende ensinar, se encontre um número considerável de exemplos que possam ser apresentados aos estudantes, de modo a que estes possam apreender as configurações do género a que pertence o texto que vão produzir. As recensões a estudar aparecem, assim, como modelos, “espelhando a mediação feita entre situações sociais reais, os seus objetivos comunicativos e a produção concreta dos textos, que revelam as opções discursivas e linguísticas selecionadas para tal” (Schneuwly & Dolz, 2004, p. 124).

Neste sentido, a SE desenhada em torno da recensão teve como grande objetivo organizar evidências da concretização deste género em contexto social e académico, selecionar dimensões ensináveis das configurações do género, determinar as estratégias de ensino a utilizar e sequenciar a aprendizagem e aplicação dos instrumentos instrucionais (textos, grelhas, guiões). Neste sentido, o trabalho inicial da professora-investigadora, na construção da SE, foi, como vimos (cf. cap., 3.1), compreender as configurações e as dimensões ensináveis do género em apreço, estabelecer etapas e determinar os objetivos específicos para cada uma das fases da SE (cf. Quadro 11). Em fase posterior, foi necessário pensar em quais as estratégias a implementar na SE, de modo a permitir que os estudantes pudessem não só interiorizar as características contextuais e discursivas do género em estudo, mas também experimentar a sua produção, em interação com a professora e os seus pares. Tal como foi discutido anteriormente, no ponto sobre a abordagem genealógica da escrita (cf. cap. 2.1), o trabalho colaborativo e a interação com o professor podem otimizar a zona de desenvolvimento proximal (Vygotsky, 1978) e potenciar a aprendizagem. Na realidade, a inteligência coletiva de um grupo formado por diversos indivíduos com vários percursos e diferentes perspetivas culturais consegue, na maioria dos casos, tomar decisões mais inteligentes e obter melhores resultados que o mais inteligente dos indivíduos, dentro do grupo (Surowiecki, 2005).

O resultado deste tipo de trabalho pode gerar mais conhecimento para todos, fazendo da colaboração um dos ingredientes chave para o sucesso do estudante. Para implementar esta estratégia torna-se, assim, necessário conduzir os estudantes a: i) respeitar as diferenças entre os elementos que constituem o grupo; ii) exercitar a flexibilidade e a vontade de ajudar fazendo os compromissos necessários para atingir um objetivo comum; iii) partilhar a responsabilidade pelo trabalho desenvolvido; e iv) valorizar as contribuições individuais.

SE Objetivos

Apresentação da situação e Produção inicial

Identificar o ato social de apresentar um texto

Construir um ponto de partida para a avaliação do dispositivo e da sequência de ensino

Contacto e Desconstrução

Contatar com o género através de múltiplos textos produzidos em situações reais

Compreender que o ato de apresentar se concretiza em relação a diversos objetos

Apreender as configurações do género recensão

Identificar o contexto onde normalmente circula a recensão

Modelização Compreender as configurações do género recensão Sintetizar as configurações do género recensão

Avaliar as necessidades/dificuldades (linguísticas, discursivas) Produzir (em grupo) recensões escritas sobre diversos objetos

Desafio Produzir individualmente uma recensão Recolher o retorno corretivo escrito do professor Produzir uma versão melhorada do texto

Produção Final Construir um ponto de chegada para a avaliação da SE e do DD Quadro 11 – Objetivos das etapas da SE

Nesse sentido, todas as fases da SE, à exceção dos momentos de produção individual, foram implementadas através da organização da turma em grupos de trabalho, cuja composição variou entre 3 e 4 elementos. A forma como o trabalho foi desenvolvido consistiu no estabelecimento prévio, por parte do professor, de tarefas que deviam ser concluídas no espaço e tempo da aula, recorrendo a todos os recursos possíveis, e também aos disponibilizados via internet, através dos smartphones24. Nomeámos esta estratégia de

oficina de leitura (na fase de contacto e desconstrução) e oficina de escrita (na fase de modelização), utilizando o conceito de oficina como espaço de trabalho com a língua e sobre a língua.

A esta estratégia de trabalho colaborativo e oficinal, associou-se a estratégia de aula invertida25 e o RCE (cf. cap. 2.2). A aula invertida é uma estratégia que consiste em o professor preparar e organizar os conteúdos a que os estudantes devem aceder e conhecer em casa. No caso desta experiência, referimo-nos, especificamente, ao conjunto de textos que concretizam o género, que os estudantes devem ler e preparar fora do espaço da sala de aula, seguido da organização das tarefas de aprendizagem em que os estudantes se devem envolver. Os trabalhos são feitos em aula, na concretização destas tarefas, em que os estudantes vão aplicar os conhecimentos já adquiridos ou em aquisição, transformando o conhecimento em desempenho, isto é, o saber em saber-fazer (cf. Cap.2.1). Esta forma de trabalho permite que os alunos trabalhem colaborativamente, com a monitorização do professor e solucionem dúvidas e problemas quando estes ocorrem, com a ajuda do professor e dos seus pares. A noção tradicional de aula e de trabalho de casa foi invertida no sentido em que se pode aprender fora da aula, pesquisando autonomamente e discutindo com outros colegas e se aprende a fazer na aula, onde o estudante pode dispor da ajuda do professor. Esta estratégia afigura-se fundamental num contexto em que os estudantes têm reduzidas experiências de escrita.

Relativamente ao RCE, esta é uma estratégia de ensino em que o professor fornece, de forma sistemática e atempada, informação sobre os produtos que os estudantes vão produzindo, desenvolvendo neles não só uma maior consciência linguística, mas também o desenvolvimento de uma autonomia cada vez maior na sua autocorreção. Na caracterização desta estratégia de retorno de informação sobre produções erróneas ou desadequadas dos aprendentes, há que fazer a distinção entre RCE direto e indireto. O retorno corretivo escrito direto (RCED) ocorre quando o professor dá informações escritas explícitas sobre o erro e providencia a forma correta que o estudante deveria ter usado. Pelas suas características, este tipo de retorno tem sido apontado como uma estratégia mais adequada para estudantes mais jovens ou num estádio inicial de aprendizagem da língua. O retorno

25 Aula invertida é uma tradução do inglês flipped classroom, conceito definido como “Flipped learning delivers instruction through videos students watch at home, then uses valuable class time for in-class activities and one-on-one time with students. Its increasing popularity is prompting more classrooms to use it to boost learning, improve test scores, and increase accountability.”

corretivo escrito indireto (RCEI), mais apropriado para populações estudantis mais adultas ou em estádios de aprendizagem mais desenvolvidos, concretiza-se de forma indireta, ou seja, quando o professor dá indicações de que o erro ocorreu, mas não fornece a sua correção. Esta informação indireta pode ser disponibilizada ao estudante da seguinte forma: (i) usando um código que mostra qual o tipo de erro e o local da frase onde ocorreu; (ii) assinalando o erro com um sublinhado ou um círculo; ou (iii) escrevendo na margem da folha o número de erros dados em determinada linha do texto do estudante. Relativamente à utilização do RCEI, há já múltiplas evidências que atestam a eficácia deste instrumento em contribuir para a correção da produção escrita. De facto, esta estratégia parece ser mais benéfica na medida em que pode desempenhar um papel importante na consciencialização do processo de aprendizagem e desenvolvimento de aspetos específicos e problemáticos da língua. A curto prazo, esta estratégia, ao ser aplicada para desenvolver tarefas de treino da escrita e atividades de revisão de texto, pode ter um efeito positivo na correção linguística. A longo prazo, o RCEI mostrou-se ainda mais eficaz, ao centrar a atenção dos estudantes nos seus problemas linguísticos, requerendo que estes encontrem soluções de correção, tornando-se numa estratégia sistemática com benefícios a curto e longo prazo (Bitchener et al., 2005; Ferris, 2002, 2003, 2007).

Como escrever implica, como referido anteriormente (cf. Cap.2), um conhecimento prático, de saber-fazer, não basta o professor dizer o que é, que características tem o texto que deve ser escrito, para que o estudante o consiga produzir. Escrever é um ato comunicativo que se aprende a produzir escrevendo e, para tal, é necessário que o professor interaja, colabore, monitorize as atividades dos estudantes e forneça informação tão rigorosa quanto possível sobre o que o estudante produziu. Deve ainda certificar-se de que, efetivamente, estes escrevem tendo em conta o contexto de circulação do seu texto e os objetivos comunicativos previstos, aproximando-se do desempenho esperado e da proficiência exigida em contexto universitário. É, por isso, muito importante que, na planificação do processo de ensino e aprendizagem (aqui reportamo-nos especificamente ao nível do ensino superior), se prevejam e organizem as tarefas, e respetivos objetivos pedagógicos, em que os estudantes se devem envolver, para que a competência exigida seja adquirida e passível de ser (re)utilizada em situações comunicativas semelhantes.