• Nenhum resultado encontrado

Parte IV A experiência do caminho percorrido: os companheiros de viagem

6.2. Experiências e perceções sobre a escrita

Pela análise do questionário relativamente às perceções detetou-se que a atividade desenvolvida com maior frequência na aula de Português do ensino secundário, referida por 97% dos estudantes inquiridos, consiste em ouvir o professor. Para além desta atividade, os estudantes referiram também, como atividades que desenvolvem em sala de aula, a leitura, realizada sempre ou muito frequentemente (53%), seguida de atividades

que envolvem a realização trabalhos (36%), como se po

Gráfico 1: Frequ

Nas atividades desenv envolve maioritariamente a livre, sempre ou muitas referenciados para 24% (co nas aulas de português e as realçar que há 19% dos estu (corrigir para 24%) nunca inquirida, nunca ou quase nu

Pelo que os estudante experiência de escrita que tr apenas desenvolveram com reprodução. Estas tarefas pod frases curtas em resposta às produção de composições, n temáticas ou composicionais além destes aspetos, a escrita professor:

Em relação a a aprendi como ta que outro autor

zação de exercícios de gramática (47%) e da apr se pode ver pelos resultados apresentados no gráfi

Frequência das atividades desenvolvidas na aula de Portug

esenvolvidas na aula de Português, a escrita ocu nte a composição/redação, muitas vezes consider uitas vezes para 34% dos estudantes. Os re (corrigir para 17%) dos inquiridos como uma s e as sínteses apenas para 9% desta população (cf

s estudantes que nunca ou quase nunca escreveu c nunca ou quase nunca escreveu um resumo e 4 ase nunca escreveu uma síntese.

udantes referiram, quer no inquérito, quer no grup que trazem do ensino secundário é muito limitada

competências de escrita para executarem peq fas podem ser a reprodução do que o professor escr sta às perguntas do professor ou do manual ou, ain ões, na sua grande maioria de escrita livre, sem qu cionais e sem referência a quaisquer objetivos com

escrita produzida era muitas vezes cópia assumida

a aprender a escrever textos completos, não o tal, o que nós fazíamos era uma espécie de có utor fez relativamente ... Por exemplo, me rec

da apresentação oral de gráfico 1.

Português

ta ocupa a 5ª posição e nsiderada como escrita Os resumos aparecem o uma atividade regular ção (cf. gráfico 1). É de eveu composições, 23% o e 41% da população o grupo de discussão, a imitada e, muitas vezes, m pequenas tarefas de or escreve no quadro ou ou, ainda, no âmbito da em quaisquer restrições os comunicativos. Para umida e sancionada pelo

não posso dizer que e cópia, copiar aquilo recordo que na 12ª

classe havia um inquérito. Então nós não aprendíamos a fazer um inquérito como tal, mas copiávamos aquilo que já havia sido feito (MJMPtg316GD)

Esta ideia da cópia também surgiu quando o tema foi a produção de resumos, ou seja, à questão colocada pelo investigador sobre se o professor aceitava essas cópias, os estudantes foram unânimes em responder que raramente faziam resumos e que quando os faziam estes eram cópia do texto-fonte, o que era aceite pelo professor:

Investigador – Então e os resumos? Faziam resumos na escola secundária? MJMPtg316GD - Muito pouco .... Raramente ... Era também cópia

Investigador – Era cópia do texto? E o professor aceitava? Sim, sim... (todos em uníssono)

E, explicando um pouco melhor o processo de elaboração de resumos, os estudante acrescentaram:

(...) era cópia do texto original. Nós copiávamos o 1º parágrafo, depois umas coisinhas e o professor aceitava. Nós colávamos... Então aquilo de parafrasear e tal...não usávamos isso. E nós tivemos dificuldades por isso. (MJMPtg316GD)

Para mim, antes de entrar para cá, eu achei que resumo fosse escrever o que eu achasse de importante de um texto. Ou, eu de um texto gostei desta parte, tirava e colocava no meu resumo. Eu achava que resumo fosse isso. (CPCPtg316GD)

Confirma-se a informação já obtida no inquérito sobre a produção de resumos ser realizada esporadicamente e, quando realizada, era assumida como cópia do texto-fonte. A paráfrase não é um exercício realizado ao nível do ensino secundário, o que explica a enorme dificuldade que os estudantes têm, quando chegam à universidade, com a produção de resumos que, como se sabe, constitui um meio determinante para a realização de muitos trabalhos de escrita académica, incluindo a recensão.

Investigador – Nunca tinham ouvido falar de parafrasear? Todos - Nãaaao (risos)... Isso é um palavrão... (mais risos)

BLFPtg316GD – Escrever pelas suas próprias palavras... Não sabíamos...(Mais risos)

Este panorama é ainda confirmado pelas principais dificuldades que os estudantes referem ter na produção escrita e que envolve a síntese de leituras, a sua transposição para os trabalhos académicos em forma de paráfrase, o desenvolvimento das ideias no texto e a seleção do vocabulário mais adequado ao tema em desenvolvimento. Um olhar mais atento sobre as dificuldades referenciadas poderá apontar as razões que levam estes estudantes a caracterizar a escrita académica como complexa e difícil, embora compreendam a sua importância. Para além dos aspetos referidos, 33% dos estudantes referem ter dificuldade em estruturar frases gramaticalmente corretas e 19% afirmam ter algumas dificuldades em compreender as instruções do professor relativamente às tarefas de escrita.

No grupo de discussão foi ainda possível esclarecer alguns outros aspetos e confirmar a ideia já anteriormente referida de que a escrita não foi suficientemente trabalhada e treinada na escola secundária33. No entanto, só com este trabalho se conseguiu

ter a real dimensão da situação de ensino e aprendizagem da escrita neste nível de ensino, em que os alunos “aprendem” a escrita sem escrever, ou como diz um dos estudantes (BLFPtg316GD) “Produzirmos os próprios textos, não”. Ou seja, a escrita estava confinada aos relatos das férias, às respostas dadas aos questionários de compreensão de textos e às cópias do que estava escrito no quadro ou nos textos:

Agora consigo perceber que lá na escola secundária não adquiri a essência de uma aula de Português ... porque os professores limitavam-se apenas em fazer com que o aluno leia um determinado texto, compreenda e resolva as perguntas de leitura e compreensão. (DKLPtg316GD)

Os textos que escrevíamos na escola secundária eram redações, perguntavam como é que foram as férias ... sim ... esses são os textos que produzíamos, nós individualmente, mas textos ... como trabalhar como aprender, só

33 Informação inicialmente recolhida na Síntese do Encontro de Reflexão sobre a Escrita no Ensino

Secundário Geral, realizado na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane, em 2013, no âmbito do projeto “Formação contínua para professores de português do ensino secundário geral”

aprendíamos a estrutura, que a primeira parte tem isso, a segunda parte tem isso e terminava por aí. Produzirmos os próprios textos, não. (BLFPtg316GD) (...) o desenvolvimento da escrita, eu vim aperfeiçoar aqui na faculdade, porque lá na escola secundária, era só sobre a compreensão do texto apenas. O professor dava-nos textos, mandava-nos tirar cópia, nós tínhamos que ler e perceber do que é que fala o texto, tínhamos que dar aquelas respostas. (...) Ele não deixava bem claro, Era só mandar: Façam redação sobre as férias. Nós só escrevíamos, tudo. Chapávamos tudo. (NASPtg316GD)

Nós só analisávamos textos, literários, dramáticos, narrativos e normativos. E a escrita, no entanto que tal, consistia na elaboração de respostas. E se o professor mandasse elaborar um texto, baseava-se sempre numa redação. Mandava produzir redações. E não dava a tipologia textual ... produzíamos redações .... Diferentemente do que vim cá aprender em que um professor manda produzir um texto tem que dar a tipologia textual e na escola secundária isso não acontecia. Apenas o professor mandava produzir textos. O aluno não tinha bases de onde começar (...) como faz seguir o texto. (CPCPtg316GD)

Neste contexto, de uma quase total falta de experiência com a escrita, quer a criativa, quer a mais regulada e formal, não surpreende a valorização que a totalidade dos estudantes faz do retorno corretivo.

Lá no ensino secundário, a escrita não era assim tão cuidadosa. Nós escrevíamos, mas os professores não faziam uma avaliação rigorosa da escrita, diferente daqui. Porque aqui já era diferente, temos o exemplo da professora Y que nos testes fazia muitas anotações, porque está a faltar acento aqui, porque aqui fez mau uso do pronome clítico .... então lá não se fazia tanto esse acompanhamento. Só se olhava para a palavra como tal, se está bem escrita ou não. (MJMPtg316GD)

Estes resultados permitem confirmar os dados já anteriormente analisados nas respostas ao inquérito, sobre a inexistência de experiências de escrita, quer em situação de sala de aula, quer em trabalho de casa. Sem escreverem, nem serem confrontados com textos académicos, sem resumirem ou sintetizarem, sem experiência de parafrasear, estes estudantes não são confrontados com quaisquer modelos de escrita, nem têm experiências que eles possam recordar e reproduzir. E para complicar ainda um pouco mais a situação, mesmo o pouco que escreviam, não era acompanhado pelo professor que não dava qualquer retorno corretivo ao que os estudantes produziam.

Para além do que foi referido anteriormente e que se reporta ainda a experiências de escrita no ensino secundário geral, tentou-se também aceder às perceções desta população sobre a escrita. Assim, para além da quase totalidade dos inquiridos (97%) considerarem a escrita como uma atividade muito importante na universidade, metade da população inquirida reconhece que a escrita é difícil porque têm que demonstrar o conhecimento adquirido. Consideram ainda (69%) que para escrever bem na universidade é preciso já escrever bem na escola secundária e que para adquirir tal competência basta ler muito (69%). Estas duas últimas perceções revelam que para se escrever bem na universidade, é necessário que se tenha escrito bem na escola secundária. Daqui resulta que muitos destes estudantes parece não acreditarem que se possa aprender e melhorar as competências de escrita na universidade. E, por isso, desenvolveram perceções negativas face à escrita porque têm consciência que não conseguem nem produzir o que se pretende na universidade, nem será já possível aprendê-lo. Isto mesmo é referido de forma muito clara por um estudante no grupo de discussão:

CPCPtg316GD – eu em particular referi esse sentimento de ansiedade, medo e nervosismo, pois eu quando escrevia na escola secundária, eu não tinha em conta, não sabia o que era escrita, na verdade (...) que tinha que prestar atenção a todos os níveis, acentuação, ortografia, pontuação. Eu posso assim dizer que escrevia de qualquer maneira. Não seguia à risca a uma regra. I – E isso criava em si esse sentimento?

CPCPtg316GD – Sim, comecei a criar esse sentimento quando entrei para a faculdade, em que tive mesmo de ser rigorosa na escrita e isso criou

dificuldades, pois ainda não tinha esse pensamento. Eu quando escrevia no ensino secundário, só escrevia. Não controlava os parágrafos, a pontuação não era correta, as vírgulas... E quando cheguei cá, senti esse medo, sentia o medo de escrever pelo facto de pensar que podia estar a errar. Por não ter o hábito de fazer o uso na escola...

Dado que os estudantes referem que liam textos e respondiam a questões de compreensão, talvez seja importante referir que o contributo da leitura nas competências de escrita, está já amplamente provado. No entanto, para desenvolver uma relação com o escrito e escrever com desenvoltura diferentes géneros académicos, parece ser mesmo necessário escrever vários géneros com propósitos diferenciados, de acordo com modelos fornecidos e trabalhados previamente. A leitura só por si não desenvolve a competência de escrita. Estas duas competências estão associadas, requerem trabalho didático conjugado, mas também autónomo.

Para além destes aspetos, e embora tenham referido que gostam de escrever, quando se pergunta que sentimentos experimentam face à escrita os estudantes evocam sentimentos de medo, ansiedade, nervosismo, insegurança, incerteza e responsabilidade. A resposta a esta pergunta aberta vem confirmar a perceção menos positiva que os sujeitos construíram sobre a escrita, ao ponto de referirem que estes sentimentos lhe estão associados. Parece, assim, que a escrita está associada a uma experiência negativa e constrangedora, o que, se associado às perceções referidas, pode vir a prejudicar a motivação para aprenderem competências de escrita na universidade, comprometendo, desta forma, o seu percurso académico como um todo.

O quadro descrito parece, assim, justificar a produção de dispositivos didáticos que possam ser utilizados por professores e estudantes, universitários e pré-universitários, no sentido de, autonomamente ou enquadrado em sala de aula, estes estudantes poderem ser conduzidos a escreverem textos de diferentes géneros.