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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUCSP

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

Djalma Moreira Gomes

A tributação e a inclusão da pessoa com deficiência

MESTRADO EM DIREITO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

Djalma Moreira Gomes

A tributação e a inclusão da pessoa com deficiência

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Robson Maia Lins.

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BANCA EXAMINADORA

____________________________

____________________________

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RESUMO

Desde a concepção do nascituro a ordem jurídica outorga direitos fundamentais, mas pela superveniência do nascimento e eventual surgimento de alguma doença, acidente ou, mais adiante, pelo advento da idade avançada, o exercício de tais direitos pode vir a se tornar restrito total ou parcialmente por algum impedimento de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que acometa a pessoa, de modo a acarretar-lhe uma limitação que resulte, admitamos ou não, sua exclusão de fato da sociedade, situação que se deve às barreiras de diversas ordens, tais como físicas, sócio-ambientais, culturais e, principalmente, as atitudinais, impostas pela sociedade e não removidas pelo Estado, as quais acabam por se constituir óbices ao pleno desenvolvimento das potencialidades dessas pessoas. Esta dissertação oferece reflexões de cunho expositivo acerca da evolução da disciplina jurídica da proteção de grupos vulneráveis, especialmente do numericamente expressivo grupo das pessoas com deficiência, agregando observações críticas de lege ferenda, sobretudo no que tange ao aperfeiçoamento da legislação tributária para que concretize no patrimônio, na renda e no consumo a vocação das normas constitucionais que impõem ao Estado, na vigência de um estado democrático de direito, o dever de realização do princípio da igualdade substancial, de modo a conferir proteção efetiva aos componentes desse grupo, removendo as barreiras existentes por meio de ações afirmativas capazes de promover a igualdade material dessas pessoas em relação às demais, equiparando-as em condições “no ponto de partida”, assentada a proibição de proteção ineficiente e de retrocesso, não

podendo essa proteção efetiva ser obstada pela reserva do possível visto que às pessoas com deficiência é outorgado o direito à inclusão na sociedade em condições mínimas de realizarem em plenitude suas virtudes e potencialidades. Releva notar que, atingido o ponto de proteção hoje já conferido pelo Estado brasileiro, através de suas quatro esferas de poder, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, às pessoas com deficiência, que embora longe do ideal representa significativo avanço em relação ao quadro existente anteriormente à Constituição de 1988, verifica-se que nossa cultura constitucional está

avançando para concretizar o “princípio da proibição do retrocesso social”,

acolhido no âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de compelir o Estado, após haver reconhecido os direitos fundamentais, assumir dever positivo de não só torná-los efetivos, mas, também, de se obrigar a preservá-los, abstendo-se de frustrar – mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados, priorizando-se o dever de progressiva implantação dos direitos fundamentais e ampliação da cidadania inclusiva (art. 3º, I e III, art. 5º, par. 2º; art. 7º da Constituição da República).

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ABSTRACT

The legal system has granted fundamental rights to the unborn child since conception, but birth and possible occurrences such as illnesses, accidents or even later, the advent of old age, may wholly or partially restrict the exercise of such rights due to impediments of varied nature such as physical, mental, intellectual or sensory impediments, that primarily affect the person bringing about limitations that result, whether we admit it or not, in their actual exclusion from society, a situation that is due to barriers of varied range such as physical, socio-environmental, cultural and mainly attitudinal barriers, which are imposed by society and not removed by the state, which ultimately become obstacles to the full development of the disabled people potential. This thesis offers expository reflections on the evolution of the legal regulation of the vulnerable groups protection, especially the numerically significant group of people with disabilities, adding critical comments of lege ferenda, especially regarding the improvement of tax legislation to materialize in assets, income and consumption the constitutional provisions which require the State, in the presence of a democratic state of law, to practice the principle of substantive equality, so as to provide effective protection to members of that group, removing existing barriers through affirmative action that promote material equality for these group of people in relation to others, comparing them under "the starting line" point of view, banning inefficient protection and regressions, whereby that effective protection be hindered by overlooking the fact that people with disabilities have the right to inclusion in society and to minimum conditions to achieve their full potential and capabilities. It’s worth noting that today we already reached a point where protection is granted by the Brazilian government, through its four levels of power, federal, state, Federal District and Municipalities, to the disabled, even though it is far from ideal, it represents a significant improvement on the existing framework prior to the 1988 Constitution, it turns out that our constitutional culture is moving forward to implement the "principle of the prohibition of social regression", under the jurisprudence of the Supreme Court to compel the State, after having recognized the fundamental rights, to take on the positive duty of not only making social rights already implemented actual rights, but also the duty of preserving them from being refrained and from being frustrated - by total or partial cancellation, giving priority to the duty of progressive implementation of fundamental rights and expansion of inclusive citizenship (article 3, I and III, article 5, par 2; article 7 of the Constitution.).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...8

PARTE I O SISTEMA JURÍDICO 1. O SISTEMA JURÍDICO E SEUS VALORES ... 12

1.1. Colocações iniciais ... 12

1.2. Princípio dignidade da pessoa humana ... 16

1.3. Princípio da igualdade ... 19

1.3.1. Igualdade formal ... 21

1.3.2. Igualdade material ... 22

1.3.3. Igualdade material no ponto de partida ... 27

2. AS CONSTITUIÇÕES COMO GARANTIDORAS DOS VALORES SOCIAIS ... 30

2.1. Colocação do tema... 30

2.2. O Estado Liberal ... 31

2.3. O Estado Social ... 35

2.4. O Estado democrático de Direito ... 39

2.5. Força normativa da Constituição ... 43

3. PARCELAS DA POPULAÇÃO SOCIALMENTE FRAGILIZADAS ... 50

3.1. Colocação do tema... 50

3.2. Minorias e grupos vulneráveis. Distinção ... 50

4. AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ... 55

4.1. Terminologia e conceito ... 55

4.2. As pessoas com deficiência na história ... 61

5. DIREITOS SOCIAIS NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS ... 67

5.1. A pouca preocupação com os direitos das pessoas com deficiência ... 67

5.2. Constituição de 1824 ... 67

5.3. Constituição de 1891 ... 68

5.4. Constituição de 1934 ... 70

5.5. Constituição de 1937 ... 71

5.6. Constituição de 1946 ... 72

5.7. Constituição de 1967 ... 72

(8)

6. A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ... 76

6.1. Plano positivado: conteúdo do direito de igualdade das pessoas com deficiência ... 76

6.2. Ações afirmativas ... 89

PARTE II O PAPEL DO ESTADO NA REALIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL 1. CARACTERÍSTICAS DO ESTADO FEDERAL ... 95

1.1. Colocações iniciais ... 95

1.2. Repartição de competências ... 96

2. O DEVER DE INCLUIR E A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS ... 97

2.1. Repartição de competências na Federação brasileira ... 97

2.2. Competências legislativas concorrentes e materiais comuns... 98

2.3. Pessoa com deficiência: competências concorrentes ... 100

2.4. Pessoa com deficiência: competência comum ... 102

PARTE III A TRIBUTAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA 1. DIREITO TRIBUTÁRIO E DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 105

1.1. Colocações iniciais ... 105

1.2. A tributação como instrumento de concretização dos valores constitucionais ... 110

1.3. A tributação como instrumento de concretização das políticas públicas ... 112

1.4. A extrafiscalidade como instrumento de inclusão ... 118

2. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO EFICIENTE ... 125

3. A RESERVA DO POSSÍVEL ... 127

4. PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL ... 130

CONCLUSÕES ... 132

(9)

INTRODUÇÃO

Numa sociedade moderna e sofisticada como essa em que hoje vivemos, vários segmentos sociais são marginalizados, isto é, os indivíduos a eles pertencentes deixam de atuar como membros plenos dessa sociedade visto que, mercê de uma circunstância adversa, tal como acontece com as pessoas com deficiência dependem do Estado não só protegê-los como para proporcionar-lhes condições de, partindo de um patamar minimamente considerado adequado, aceitável, participar da vida comunitária com igualdade de oportunidades em relação aos demais indivíduos, a fim de que alcancem, como os demais, a plena realização de suas virtudes e potencialidades.

São vários os grupos vulneráveis que demandam especial proteção do Estado, mas as pessoas com deficiência despertou-nos particular preocupação por se tratar de um grupo numericamente expressivo, vez que, grosso modo, um em cada cinco brasileiros apresenta algum tipo de impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de variados graus que, em interação com as inúmeras barreiras sociais, ambientais ou atitudinais os impede o exercício de uma vida familiar ou social plena.

(10)

Procuramos, ao longo do trabalho, mostrar que a promoção da inclusão da pessoa com deficiência pelo Estado brasileiro exige como premissa muito básica abstrair do predicado dessa classe de pessoas qualquer estigma presente nas

dicções “excepcionais” e “deficientes”, sem diminuir a importância da situação de

desvantagem que caracteriza esse grupo vulnerável, valorizando-se, justamente,

o núcleo da “pessoa”, cujo termo traz em si ínsita a ideia de dignidade humana.

Mais do que isso.

A efetiva tutela estatal não decorre de um mero voluntarismo ou de ações isoladas de caráter filantrópico ou caritativo, mas se impõe como dever jurídico hospedado na Lei Maior, a Constituição da República.

Pontuamos, ao longo do trabalho, que nem sempre foi assim. Pelo contrário. As Cartas anteriores pouco ou nada se ocuparam do tema, e quando o fizeram careceram de efetividade.

Mostramos que, por muito tempo, o Estado Constitucional, inicialmente de feições liberais, pouco se preocupava com o reconhecimento de direitos sociais, e mesmo quando passou a fazê-lo, já no estágio de Estado Social, as normas jurídicas positivadas mal ultrapassavam o nível da retórica. Baixíssima era a efetividade normativa das Constituições anteriores à atual, como tivemos oportunidade de apontar.

No estágio normativo-constitucional em que os direitos sociais não eram reconhecidos, ou se reconhecidos não eram eficazmente assegurados sequer aos indivíduos em geral, pouco se poderia esperar quanto ao reconhecimento e menos ainda à efetividade de direitos sociais mais sofisticados, como o são aqueles que dizem respeito a apenas uma parcela social, tal qual aquela representada pelo grupo das pessoas com deficiência de qualquer grau ou natureza.

Com o advento do Estado de Direito e máxime com o Estado Democrático

de Direito plasmado em nossa Constituição atual, a “Constituição Cidadã”, assim

(11)

o jovem, o idoso, a gestante e a pessoa com deficiência, entre outros, essa proteção passou a ser um dever imposto ao Estado que, assim, vê-se na obrigação de manejar – e não só de manejar, mas de fazê-lo com eficiência –

todos os instrumentos postos à sua disposição para a efetivação daquilo que passou a revestir a natureza de direito subjetivo dos respectivos indivíduos desses grupos vulneráveis, entre cujos instrumentos se acha a tributação.

Nessa seara, cabe perquirir qual a resposta adequada do Estado na sua missão constitucional de proteger as pessoas com deficiência.

De logo se observa que, nesse âmbito, não basta ao Estado se abster da prática de atos que restrinjam o exercício de direitos fundamentais. Essa postura estatal, característica do modelo liberal, há muito se revelou insuficiente para a promoção, para a concretização, dos direitos sociais e, com muito mais razão, para a promoção da inclusão da pessoa com deficiência, que demanda a adoção de políticas públicas específicas, as quais exigem recursos financeiros adrede aportados que somente são obtidos por meio de uma tributação cuidadosamente arquitetada.

Se é certo que a pessoa com deficiência titulariza, como todos os demais indivíduos, direitos fundamentais inerentes à só condição de pessoa humana, por óbvio que apenas o livre exercício desses direitos fundamentais comuns a todos não coloca o integrante desse grupo vulnerável no ponto de partida minimamente necessário a torná-lo apto a desenvolver, em igualdade de condições com os demais indivíduos, suas virtudes e potencialidades, tornando-se, assim, uma pessoa perfeitamente integrada em seu meio social.

Se assim é, do Estado, então, exige-se mais. Muito mais.

(12)

No manejo da tributação, ou na gestão dos recursos por meio dela obtidos, o Estado, no mister de efetivar os direitos fundamentais ligados especificamente às pessoas com deficiência, tanto pode atuar pela via dos gastos públicos como por meio de abstenções fiscais.

Quanto aquele, pensamos que o Estado deveria promover ações consistentes em prestações financeiras específicas em benefício à pessoa com deficiência, à sua família ou a instituições que a apoie diretamente, visando à sua inclusão social. Porém, nesse particular, constata-se, infelizmente, uma total omissão do Estado brasileiro.

A outra forma de proteção possível às pessoas desse grupo vulnerável por meio da tributação consiste nas abstenções fiscais. Nesse particular, cabe registrar que o texto constitucional não contempla nenhuma imunidade diretamente relacionada à pessoa com deficiência, circunscrevendo os benefícios, nesse aspecto, basicamente a isenções pontuais concedidas pela União, Estados e Municípios, sendo a mais notória delas a isenção de IPI e ICMS para a aquisição de automóveis, cuja isenção, conquanto medida acertada quanto à natureza, padece a legislação estadual de injustificável defeito, consistente na infeliz restrição do benefício a uma classe particular de deficientes físicos, em detrimento de várias outras pessoas com outras deficiências tão ou mais limitadoras da inclusão social, as quais acabam por ser discriminadas injusta e injustificadamente, criando-se, deste modo, uma subclasse entre as pessoas com deficiência, o que, a meu sentir, ofende o caro princípio da isonomia. A despeito disso, há avanços a se comemorar.

(13)

PARTE I

O SISTEMA JURÍDICO

1. O SISTEMA JURÍDICO E SEUS VALORES

1.1. Colocações iniciais

Tratar da proteção jurídica de um grupo vulnerável requer que se busque, como questão preliminar, o fundamento normativo, a base dessa proteção, e a disciplina que conduza a esse atuar estatal.

Bem por isso é que, antes de falar da pessoa com deficiência, da necessidade de sua inclusão social e da função da tributação para esse mister, é preciso verificar se essa é tarefa para bom samaritano ou se corresponde a um imperativo jurídico.

Pois bem. No estágio de civilização em que atualmente vivemos, e já de algum tempo, os povos se regem por suas respectivas Constituições, documento historicamente originado naquilo que Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior1 consideram “movimento político, jurídico e social, pautado pelo objetivo de criar um pensamento hegemônico segundo o qual todo o Estado deve estar organizado com base em um documento fundante chamado Constituição, cujo propósito essencial seria o de organizar o poder político, buscando garantir os direitos fundamentais e o caráter democrático de suas deliberações”. Para André Ramos Tavares o constitucionalismo pode ser compreendido em vários sentidos, sendo que “numa primeira acepção, emprega-se a referência ao movimento político-social com origens históricas bastante remotas que pretende, em especial, limitar o poder arbitrário. Numa segunda acepção, é identificado com a imposição de que haja cartas constitucionais escritas. Tem-se utilizado, numa

1ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JR., Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 18. ed.

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terceira acepção possível, para indicar os propósitos mais latentes e atuais da

função e posição das constituições nas diversas sociedades”.2

Assim, o ordenamento jurídico de um Estado, a partir de sua Lei Fundamental, funda-se em valores que pretende ver tutelados, isto é, alcançados e protegidos.

Não aqueles valores existentes em si “como topos uranos de Platão ou

qualquer tipo de sistema suprapositivo de valores, ao modo de algumas vertentes jus naturalistas”, na expressão de Paulo de Barros Carvalho3, mas aqueles depositados pelo legislador no texto constitucional. O “valor”, cujo vocábulo, no

sentido axiológico, é insusceptível de definição, mas que conota a ideia de coisa valiosa no aspecto imaterial, atua como verdadeiro vetor, como se fosse uma bússola apontando para uma direção a ser seguida pelo Estado e sociedade, orientando o atuar destes na consecução de seus objetivos. Nesse sentido, a Constituição de um Estado é o documento fundamental que, baseado em valores livremente escolhidos pelo legislador constitucional, segundo uma hierarquia axiológica, encerra o sistema jurídico adotado, informado, portanto, além da organização do Estado, da titularidade e exercício do poder e distribuição de competências estatais, pelos valores a serem cuidados e preservados e pelos fins a serem alcançados, com indicação dos instrumentos para a consecução do desiderato traçado.

Na lição de José Afonso da Silva4, “as constituições têm por objeto estabelecer a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos, o modo de aquisição do poder e a forma de seu exercício, limites de sua atuação, assegurar os direitos e garantias dos indivíduos, fixar o regime político e disciplinar os fins sócio-econômicos do Estado, bem como os fundamentos dos direitos

econômicos, sociais e culturais”.

Nossa Carta Política atualmente em vigor, promulgada em 05 de outubro de 1988 – sobre cujos dispositivos atinentes ao tema de que tratamos mais adiante nos deteremos –, porque fruto de intensos e frutíferos debates durante a

2TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 1.

3CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Ed.

Noeses, 2009. p. 275.

4SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros Ed.,

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Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988), elegeu seus valores, espraiados ao longo do texto, impondo a busca pela sua concretização.

Já no preâmbulo estabeleceu:

"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil".

Conquanto refuja ao escopo deste trabalho o estudo da natureza do preâmbulo, que constitui matéria bem cuidada pela doutrina constitucionalista, não há dúvida de que ele não é inócuo. Seja de natureza política, jurídica ou político-jurídico, o certo é que não se trata de peça decorativa, mas tem uma nobre e relevante função a cumprir, qual seja, precisamente a de indicar as metas e objetivos que o Estado Brasileiro deve perseguir e realizar. Quanto mais não seja, deve, segundo Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, ser

entendido como “vetor interpretativo”5. E como vetor interpretativo indica o caminho a ser palmilhado na aplicação dos princípios e regras constitucionais, pelo Legislativo, pelo Executivo e também pelo Judiciário na consecução dos objetivos traçados, qual seja a implantação e o pleno desfrute por toda a sociedade dos valores prestigiados pelo constituinte.

Eleitos, esses valores são desde logo indicados pelo legislador constituinte: a construção de um Estado Democrático – visto que sem democracia os demais valores prestigiados perderiam seu significado; em cujo Estado Democrático fosse assegurado o exercício dos direitos sociais e individuais, o que implica não só a positivação de direitos sociais e individuais, como a efetiva implementação deles, de modo que todos – e não apenas alguns – possam deles efetivamente usufruir; a liberdade, em suas diversas vertentes, não só a física, mas a de opinião, de

5BARCELLOS, Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto. Preâmbulo: preâmbulo da CR: função e

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manifestação, de reunião e qualquer outra de suas manifestações; a segurança, em suas diversas acepções e o bem-estar de todos; e o desenvolvimento. Tudo isso tendo a igualdade e a justiça como “valores supremos” de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

Vale dizer, os valores positivados pela Carta Magna de um Estado representam seu núcleo fundante. No caso brasileiro, dentre estes, como vigas mestras do sistema, estão a IGUALDADE e a JUSTIÇA elevados ao patamar de

“valores supremos”, isto é, os mais altos, os mais prestigiados, os mais

importantes, aqueles que devem prevalecer sobre os demais, e tudo isso no seio

– e como instrumento de construção – de uma “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”.

Ao longo do texto constitucional, estruturado em torno da DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, princípio sem o qual todos os demais perderiam sentido, esse projeto de construção do Estado Brasileiro foi encontrando ferramentas, representadas por princípios outros e regras capazes de promover a sólida concretização do edifício projetado: um Estado Democrático e uma sociedade fraterna justa e solidária, edificada sobre os pilares da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da justiça. Nesse âmbito se acha a pessoa com deficiência que, à vista de sua dignidade exatamente idêntica a todo e qualquer outro ser humano, deve merecer do Estado Brasileiro, por força dos valores que informam seu ordenamento jurídico, toda a proteção e, mais que isso, um atuar positivo e específico direcionado à remoção das barreiras socioambientais que porventura impeçam sua plena inclusão social e o desenvolvimento de suas potencialidades em igualdade de condições com os demais co-cidadãos.

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Sabidamente, a Carta de 1988, com sua estrutura sistêmica, representa enorme avanço em relação a todos os demais documentos fundantes até então existentes entre nós, ao proclamar e assegurar à pessoa humana a sua dignidade ínsita como valor supremo a irradiar efeitos sobre todos os demais. Além de alargar a dimensão dos direitos e garantias até então positivados, não mais se limitando apenas a reconhecer e assegurar direitos e garantias individuais, mas passando, também, a tutelar direitos transindividuais, como os coletivos e difusos, remarcou a imperatividade das normas que traduzem direitos e garantias fundamentais e, como corolário, conforme lembra Flávia Piovesan6, “instituiu o

princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias

fundamentais, nos termos do seu art. 5.º, § 1.º”7, o que torna inadmissível a inércia

do Estado “quanto à concretização de direito fundamental, uma vez que a omissão estatal viola a ordem constitucional, tendo em vista a exigência de ação, o dever de agir no sentido de garantir direito fundamental. Implanta-se um constitucionalismo

concretizador dos direitos fundamentais”.8 E, como se verá, a pessoa com deficiência passa a titularizar direitos subjetivos cuja satisfação exige do Estado Brasileiro um atuar positivo no sentido de concretizar as conquistas que esse grupo vulnerável teve consagradas pela atual Lei Fundamental da República Federativa do Brasil.

Mas isso nem sempre foi assim, como veremos a seguir.

1.2. Princípio da dignidade da pessoa humana

Tendo o preâmbulo da Constituição indicado o caminho a ser trilhado,

visando à construção de um “Estado Democrático, destinado a assegurar o

exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma

sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos”, logo o primeiro artigo da Carta

Política, agora de indiscutível dimensão jurídica vinculante, estabelece que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito que

6PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 491. 7CF, art. 5.º:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”; § 1.º: “As

normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

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tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1.º, inciso III).

Fundamentos de algo são as bases que lhe dão sustentação. Nesse diapasão, fundamentos do Estado são os valores escolhidos pelo seu construtor –

o constituinte originário –, que recolhe da cultura da sociedade aqueles a ela considerados caros, significativos, impregnados na consciência ética dessa mesma sociedade, impondo sua tutela jurídica. No nosso caso, um dos valores tomado como fundamento do Estado foi o da dignidade da pessoa humana.

Conquanto se reconheça tratar-se “dignidade humana” de uma expressão

vaga, fluída e de conteúdo impreciso, carente de definição na Constituição, o fato é que ela conota uma indiscutível distinção não só na hipotética comparação entre o ser humano e qualquer objeto existente na natureza, mas especificamente entre o ser humano e qualquer outro ser vivo. O ser humano, porque dotado de honra, é incomparável a qualquer outro ser vivente. Sujeito moral, dotado de vontade livre e de autodeterminação e que participa do grupo social em igualdade de condições com o seu semelhante, todo ser humano tem dignidade ínsita, inerente a essa qualidade de humano. Para Miguel Reale, citado por Gilmar Ferreira Mendes9 para quem a dignidade da pessoa humana constitui um valor pré-constituinte e, portanto, de hierarquia supraconstitucional, o que tornaria obrigatória sua observância ainda que não estivesse expressamente inserido no texto constitucional “toda pessoa é única e nela já habita o todo universal, o que

faz dela um todo inserido no todo da existência humana”. Já Maria Celina Bodin de Moraes, em capítulo de obra coordenada por Ingo Wolfgang Sarlet10, assevera que “para distinguir os seres humanos, diz-se que detém uma substância única,

uma qualidade própria comum unicamente aos humanos: uma ‘dignidade’ inerente à espécie humana”. Disso decorre que enquanto os objetos têm preço,

os seres humanos têm valor (dignidade). E dignidade equivalente entre todos os seres humanos.

9MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, Curso

de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 140.

10MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e

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A despeito da fluidez e indeterminação da expressão, Ana Paula de Barcellos11 anota que o valor essencial do ser humano constitui “um dos poucos consensos teóricos do mundo contemporâneo” e, ainda que muitas vezes esse consenso se restrinja apenas ao discurso, “o fato é que a dignidade da pessoa

humana, o valor do homem como um fim em si mesmo, é hoje um axioma da

civilização ocidental”.

A dignidade da pessoa humana, predominante da atual Constituição, juntamente com os demais princípios fundamentais, estrutura os alicerces que fundamentam o Estado Democrático de Direito. Para Ingo Wolfgang Sarlet, a dignidade é parte integrante da condição humana, necessitando ser respeitada e

protegida, “A aceitação da normatividade do princípio da dignidade da pessoa

humana impõe, assim, a aceitação da sua capacidade de produzir efeitos jurídicos, através das modalidades de eficácia positiva, negativa, vedativa do retrocesso e hermenêutica.”12

Embora, muitas vezes, sem a desejável concretização, a concepção de

“dignidade humana”, como algo de valor supremo inerente a cada ser humano, indistintamente, passou ser incorporada como valor fundamental pelo constitucionalismo moderno e a informar os documentos internacionais referentes aos chamados Direitos Humanos.

Assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948) - o mais amplo documento concedido em favor da humanidade consagrando três fundamentos essenciais: a certeza dos direitos, a segurança dos direitos e a possibilidade dos direitos - proclamava em seu art. 1.º: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. A Constituição de Bonn, de 1949, que conquanto posterior à Declaração da ONU, por ser documento de um Estado Nacional, é considerado o primeiro documento legislativo a agasalhar em seu

texto o princípio da dignidade humana, dispunha em seu art. 1, 1: “A dignidade do

homem é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os poderes estatais”. As constituições modernas costumam contemplar o princípio, como o

faz, por exemplo, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

11BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da

dignidade da pessoa humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 125.

12SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livr. Advogado,

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promulgada no ano 2000, cujo art. 1.º dispõe: “A dignidade do ser humano é

inviolável. Deve ser respeitada e protegida”.

No Brasil, se é certo que nenhuma de suas Constituições anteriores tenha contemplado o princípio de que estamos a tratar, a Carta atual não só o consagrou como o colocou, conforme enfatizamos, na estatura de valor fundamental, estruturante, portanto, de nossa República Federativa.

É justamente com base nesse princípio que a pessoa com deficiência pode exigir do Estado brasileiro sua inclusão social, não como um favor ou uma prática de assistencialismo, mas como decorrência do dever estatal de promover a efetivação de um direito subjetivo daquela pessoa vulnerável.

Isto porque, sendo cada ser humano dotado da mesma dignidade, fica o Estado Brasileiro, mercê do que estabelecido na Constituição da República, obrigado não só a proteger a pessoa com deficiência como integrante de um grupo vulnerável, mas como também a agir para remover os obstáculos eventualmente encontráveis na sociedade para que essa pessoa usufrua das oportunidades a todos oferecidas em igualdade de condições em relação às demais pessoas. E, para isso, veremos, a tributação tem importante papel a cumprir.

1.3. Princípio da igualdade

Ao lado do direito de liberdade, o direito à igualdade figurou como uma das bandeiras do constitucionalismo moderno.

Tal qual aquele, este foi incorporado às diversas constituições dos estados nacionais do mundo ocidental, onde convivem harmoniosamente enquanto normatividade, embora na vida social, especialmente na sociedade capitalista, assista-se à dialética disputa: máxima liberdade possível versus máxima igualdade possível, cujo equilíbrio é papel do Estado.

(21)

Celso Antônio Bandeira de Mello, no seu clássico O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade13, assevera que “por via do princípio da igualdade, o que a ordem jurídica pretende firmar é a impossibilidade de desequiparações fortuitas

ou injustificáveis”, cuja fórmula interdita, “o quanto possível, tais resultados, posto

que, exigindo a igualdade, assegura que os preceitos genéricos, os abstratos e atos concretos colham a todos sem especificações arbitrárias, assim, proveitosas

que detrimentosas para os atingidos”.

E citando Pimenta Bueno14, assevera:

“A lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer

especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma

injustiça e poderá ser uma tirania”.

Certo que a garantia constitucional da igualdade visa a impor ao legislador limites de atuação, os quais não poderá ultrapassar, também se destina a impeli-lo, a compeli-impeli-lo, a traçar rotas, impor comportamentos, e a adotar políticas que realizem o desiderato. Assim, a igualdade restaria inobservada, isto é, haveria um inaceitável tratamento desigual quando uma pessoa, um grupo de pessoas ou uma situação essencialmente iguais, fossem, mesmo assim, tratadas diferentemente; como também restaria desatendida a igualdade na situação oposta: quando uma pessoa, um grupo de pessoas ou uma situação diferente fosse tratada de modo igual às demais. Essa última situação é a que de perto nos interessa, vez que aplicável ao tratamento devido pelo Estado à situação das pessoas com deficiência.

No nosso caso, todas as Constituições Brasileiras contemplaram o princípio da igualdade, mesmo aquelas, que, no dizer de Barroso, traziam apenas

“repositórios de promessas vagas e de exortações ao legislador infraconstitucional, sem aplicabilidade direta e imediata”, consagraram o princípio.

13BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. 23.

tir. São Paulo: Malheiros Ed., 2014. p. 18.

(22)

1.3.1. Igualdade formal

Sabe-se que o preceito referente à igualdade formal provém do Estado Liberal clássico do século XVIII em que a perspectiva de igualdade estava ligada a um comportamento individualista. E, numa leitura estritamente individualista,

anota Daniel Sarmento, “a igualdade jurídica é a mera igualdade formal, com a

recusa a qualquer pretensão de utilização do Direito para fins redistributivos”.15

“A noção de igualdade, como categoria jurídica de primeira

grandeza, teve sua emergência como princípio jurídico incontornável nos documentos constitucionais promulgados imediatamente após as revoluções do final do século XVIII. Com efeito, foi a partir das experiências revolucionárias pioneiras dos EUA e da França que se edificou o conceito de igualdade perante a lei, uma construção jurídico-formal segundo a qual a lei, genérica e abstrata, deve ser igual para todos, sem qualquer distinção ou privilégio, devendo o aplicador fazê-la incidir de forma neutra sobre as situações jurídicas concretas e sobre os conflitos

interindividuais.”16

A igualdade formal aquela segundo a qual “todos são iguais perante a lei,

sem distinções de qualquer natureza” – conquanto representasse significativo avanço da civilização e do constitucionalismo, somente servia para impedir abusos estatais ou discriminações injustificáveis, vez que se contentava em que a aplicação da lei se desse de modo igual para todos e que todos os indivíduos fossem tratados da mesma forma pela lei. Por óbvio que essa cláusula constitucional com esse conteúdo se revelava insuficiente para a eliminação de situações sociais detrimentosas à vista da observação da realidade que revela que as pessoas, apesar de serem iguais ou semelhantes em sua essência, apresentam condições diferenciadas, imediatamente atreladas a circunstâncias de índole cultural, social, política ou econômica vigentes na época, refletindo-se nas normas constitucionais de cada país.17

15SARMENTO, Daniel. Livres e iguais: estudos de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2006. p. 63.

16GOMES, Joaquim Benedito Barbosa; SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. As ações

afirmativas e os processos de promoção da igualdade efetiva. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL

– AS MINORIAS E O DIREITO, 2001. Brasília: Conselho da Justiça Federal; AJUFE; Fundação Pedro Jorge de Mello e Silva; The Britsh Council, 2003. p. 87. (Série Cadernos do CEJ, 24).

17BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais.

(23)

Bem por isso é que para Eros Roberto Grau o significado da afirmação

“igualdade perante a lei” não apresenta substancialidade, pois “a lei é uma abstração, ao passo que as relações sociais são reais.”18

1.3.2. Igualdade material

Essa mera igualdade formal, destinada ao legislador e ao aplicador da lei para impedir discriminações injustificáveis, não basta à concretização de um Estado democrático de Direito de viés social.

É que embora todos os seres humanos, quando tomados abstratamente, sejam iguais em dignidade, pelo que não podem ser discriminados quanto a seus direitos fundamentais, tal qual, por exemplo, o de liberdade em face do Estado, a não ser em situações admitidas pela própria Constituição, o certo é que esses mesmos seres humanos, quando considerados concretamente, seja individualmente ou em grupos específicos, são iguais ou desiguais de modo relativo, ou seja, são iguais ou desiguais sob certos aspectos.

Isso porque, conquanto cada ser humano seja um, com suas peculiaridades, cada indivíduo difere do outro segundo vários aspectos, tais como sexo, cor da pele, estatura, compleição física, cor e características dos cabelos, dos olhos, preferências várias etc., o certo é que do ponto de vista da dignidade humana somos todos iguais. Vale dizer, ainda que desiguais sob vários aspectos físicos, fisionômicos, culturais etc., todas as pessoas são, em essência e em dignidade, exatamente iguais umas às outras. A igualdade reside na identidade de essência de todos os seres humanos.

As desigualdades verificadas em vários aspectos que importem situações desvantajosamente injustificáveis devem ser corrigidas pelo Estado por meio de políticas afirmativas, como adiante veremos, exatamente para que se alcance a igualdade real ou material. Essa é a lição de José Afonso da Silva que assevera:

“porque existem desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou material que

busque realizar a igualização das condições desiguais”.19 Esse é um ideal a ser

18GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 6. ed. São Paulo: Malheiros Ed.,

2005. p. 163.

(24)

constantemente perseguido. Constantemente, porque sempre haverá um passo a mais a ser dado na busca do aperfeiçoamento. Trata-se da construção dinâmica do desejado Estado Democrático Social de Direito.

Sendo igualdade sinônimo de Justiça, tem-se que esse valor corresponde, portanto, ao mesmo vetor colocado no Preâmbulo da Constituição como um dos

“valores supremos” do Estado Brasileiro, que Carmem Lúcia Antunes Rocha,

augurando que entre nós “se faça vida”, assevera:

“Igualdade constitucional é mais que uma expressão de Direito; é um modo justo de se viver em sociedade. Por isso é princípio posto como pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental.

Não tem, contudo, sabemos bem, eficácia plena no Brasil. Por isso mesmo, o princípio foi tão veementemente cuidado no texto da Constituição da República de 1988, para que se faça vida o que até agora tem sido apenas norma jurídica, mais uma dentre tantas com que contamos no papel e tão pouco nas praças

públicas”.20

Noutro giro, as pessoas ou os grupos devem ser considerados levando-se em conta suas diferenças essenciais ou relevantes que os caracterizem, ou seja, consideradas as situações ou as circunstâncias em que se encontrem, que os qualifiquem, por determinados elementos, como categorias destinatárias de determinadas posturas específicas não demandadas por outros grupos de pessoas.

Essa abordagem estatal diferente, capaz de alavancar pessoas ou grupos de pessoas que se encontrem em situações ou diante de circunstâncias desvantajosas para alçá-las a um patamar mínimo de desfrute de direitos sociais assegurados é o que realiza a igualdade material ou substancial.

A realização da igualdade substancial exige muito mais do Estado, como adiante veremos. Dele requer a atuação positiva, consistentes em prestações materiais aos indivíduos ou grupos vulneráveis, os quais revestem o direito subjetivo a essas prestações materiais, as quais, consistentes numa utilidade

20ROCHA, Carmem Lucia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Ed.

(25)

concreta de bens ou serviços, foram concebidas, como observa Gilmar Ferreira

Mendes, “com o propósito de atenuar desigualdades de fato na sociedade,

visando ensejar que a libertação das necessidades aproveite ao gozo da liberdade efetiva por um maior número de indivíduos”.21

Assim, a concretização da igualdade material exige do Estado muito mais do que uma atitude de evitar descriminações odiosas, mas requer um atuar ativo capaz de remover as desigualdades de fato existentes na sociedade. A tutela deixa de ser passiva para consistir numa proteção positiva capaz de retirar a pessoa ou grupos de pessoas de uma posição desvantajosa que não lhes permita o desfrute de uma vida social ou econômica minimamente digna, elevando-as ao ponto de situá-las num patamar mínimo de dignidade que as equipare às demais pessoas quanto aos direitos sociais fundamentais.

Como se vê, no atual estágio constitucional, não se há falar apenas de uma igualdade meramente formal, em que o Estado neutro, estático, limita-se a prever e assegurar a igualdade perante a lei, de modo que o indivíduo, livremente e sem ser vítima de discriminações odiosas, possa desenvolver suas virtudes e capacidades. Não se trata mais de apenas vedar discriminações e conjurar privilégios. Esse conceito de igualdade, que era próprio do já superado Estado Liberal, sobre o qual falaremos adiante, não mais atende ao novo modelo de Estado Democrático de Direito em que o conceito de igualdade ganhou novo formato e, mais que isso, novo conteúdo jurídico, para tomar o indivíduo não de modo abstrato, como um ser indeterminado, passando a considerar cada ser humano na sua concretude, isto é, com suas peculiaridades e suas desigualdades concretas apreendidas na sociedade em que se vive, de modo a possibilitar que todos os indivíduos sejam colocados em um mesmo patamar como ponto de partida. O novo conceito jurídico do princípio da igualdade requer que as situações de desigualdade materiais encontráveis na sociedade sejam consideradas, a fim de que a elas se dispense tratamento dessemelhante, evitando, deste modo, o aprofundamento das desigualdades. Trata-se, agora não mais de uma igualdade formal, que se bastava em evitar tratamentos discriminatórios ou privilegiados. Trata-se, isto sim, de uma igualdade que,

21MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, op.

(26)

considerando as desigualdades intoleráveis, detrimentosas, as remova para que elas não se perpetuem na sociedade.

Como corolário, o princípio da igualdade requer a adoção de medidas positivas do Estado para sua concretização. Vale dizer, muito além de ser um princípio dinâmico, a igualdade passou a ser, no Estado Democrático de Direito, uma aspiração, um objetivo a ser perseguido e realizado concretamente.

Isso porque somente a positivação do princípio não tem se mostrado suficiente apto para sua concretização. Carmem Lúcia Antunes Rocha, escrevendo no finalzinho do século passado, já sob a égide da CF/88, observou com propriedade:

“Em nenhum Estado Democrático até a década de 60 e em quase

nenhum até esta última década do século XX se cuidou de promover a igualação e vencer-se os preconceitos por comportamentos estatais e particulares obrigatórios pelos quais se superassem todas as formas de desigualação injustas. Os negros, os pobres, os marginalizados pela raça, pelo sexo, por opção religiosa, por condições econômicas inferiores, por deficiências físicas ou psíquicas, por idade etc., continuam em estado de desalento jurídico em grande parte no mundo. Inobstante a garantia constitucional da dignidade igual para todos, não são poucos os homens e mulheres que continuam sem ter acesso às iguais oportunidades mínimas de trabalho, de participação política, de cidadania criativa e comprometida, deixados que são à margem da convivência social, da experiência democrática na

sociedade política”.22

Assim, quando o art. 5.º da CF/88 estabelece a igualdade de todas as

pessoas perante a lei, “sem distinção de qualquer natureza” (art. 5.º, caput), cujo

princípio é reforçado e reavivado por várias outras normas espalhadas pelo texto constitucional, ora buscando impedir a desigualização de iguais, ora impondo a adoção de políticas públicas ou ações afirmativas que proporcionem a equiparação de oportunidades aos desiguais, máxime aos integrantes de grupos vulneráveis como o são as pessoas com deficiência, esse preceito deve ser entendido do modo como acima visto, isto é, de forma a se promover a igualação de oportunidades no ponto de partida a todos, mediante ações positivas do

22ROCHA, Carmen Lucia Antunes. Ação afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da

(27)

Estado. Não é tarefa fácil, mas é um objetivo a ser constante e diuturnamente perseguido pelo Estado e pela sociedade.

Sabemos, como já o frisamos, que o estado de plena igualdade, por ser ideal, só existe como objetivo a ser atingido num caminhar sem desânimo, mas nem por isso se deve deixar de buscá-lo persistentemente. Renato Lopes Becho bem o disse:

“É fato que nunca alcançaremos plenamente a igualdade, a fraternidade, a justiça, pois o mundo perfeito só é possível na idealidade. Sempre haverá o que fazer para concretizar de maneira mais efetiva os valores, pois a inexauribilidade é uma de suas características. A ausência dessa compreensão pode levar a uma sensação de indiferença quanto ao que seja axiológico, por não ser visível um término para as lutas humanas por um mundo melhor. Entretanto, a inexauribilidade, conjugada com a historicidade, deve ser vista como um alento, uma prova de que, conforme afirmado por Kant, o homem deve se esforçar para

alcançar a humanidade que lhe é ínsita”.23

Nas palavras de Miguel Reale, “não creio possa haver tema mais

fascinante do que este das invariantes axiológicas, isto é, da existência ou não de valores fundamentais e fundantes que guiem os homens, ou lhes sirvam de

referência, em sua faina cotidiana”.24

Se o homem age, muitas vezes compelido por imperativo ético, o Estado, no que tange às pessoas com deficiência, tem o dever jurídico de agir positivamente, visando concretizar a igualdade material desse grupo vulnerável. Para isso, deve o Estado promover ações afirmativas que visem a equiparação de oportunidades aos desiguais. Carmem Lúcia Antunes Rocha brada incansavelmente que não é mais possível “a mera concessão de igualdades

formais ao lado de liberdades irreais. Constituição não é ficção construída ao sabor romanceado de séculos passados. É a fala dura e obrigada de cada povo, que se mostra em luta pelo seu Direito, pelos seus Direitos, pelos Direitos de

todos.”25

23BECHO, Renato Lopes. Filosofia do direito tributário. 1. ed. 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2010. p.

61-62.

(28)

1.3.3. Igualdade material no ponto de partida

Como observa Lauro Luiz Gomes Ribeiro26, muito já foi escrito sobre o princípio da igualdade, tanto em suas vertentes da igualdade material quanto da igualdade formal. Contudo, no que tange ao tema de que tratamos, o que mais importa acentuar – quanto à observância do princípio igualdade - é a exigência de garantia real e efetiva, de todos no ponto de partida, para assegurar uma

sustentável igualdade de oportunidades.

A disputa pela vida há de ser igualitária. E para ser igualitária, o Estado há que remover os obstáculos que impeçam a paridade no ponto de partida.

Tenhamos em mente a imagem representada pelos corredores posicionados para largada numa pista de atletismo ovalada nas cabeceiras para a disputa de uma corrida de 400 metros. Estão os oito competidores semi-abaixados não lado a lado, mas de modo que os atletas situados à direita do primeiro corredor, isto é, nas 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ª, 7.ª e 8.ª raias estão progressivamente mais afastados daquele.

É dizer, em razão das curvas nas cabeceiras, o cumprimento das respectivas raias torna-se maior à medida que se afastam da primeira faixa. Esta, a mais interna, mede exatos 400 metros, a 2.ª, mede alguns metros a mais que a primeira, a 3.ª, mais um pouco, até que a 8.ª mede bem mais. O que se faz então, para que os atletas situados nas faixas mais longas estejam equiparados no ponto de partida? O atleta da faixa número um, aquela mais interna, larga exatamente da linha de chegada; o segundo, larga de um ponto situado alguns metros mais avançado da linha de chegada, cuja distância é representada a diferença de cumprimento entre sua faixa e a primeira, e assim por diante, até que o atleta ocupante da 8.ª faixa largue bem à frente de todos os demais competidores, somente podendo esses atletas assumir a faixa mais interna (a de número um) depois de percorrida certa distância pela respectiva faixa quando, então, já estarão neutralizadas as desvantagens advindas dos maiores cumprimentos das faixas mais periféricas. Ou seja, o “tratamento igualitário”

26RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes. Manual da pessoa com deficiência. São Paulo: Verbatim,

(29)

somente poderá ser dispensado quando efetivadas as devidas compensações

que tornem iguais as condições de todos os competidores “no ponto de partida”.

Sem essa compensação de posicionamento inicial desigual, na conformidade com a desigualdade dos comprimentos das raias, o vencedor seria sempre, ou quase sempre, o competidor ocupante da primeira faixa da pista. Os demais, somente em condições excepcionalíssimas se sairiam vencedores, sendo que a dificuldade se potencializaria à medida que o competidor ocupasse uma raia mais periférica. É dizer, somente uma atitude positiva de compensação contemplada pelas regras do esporte e efetivamente posta em prática pelos organizadores da prova seria capaz de igualar as condições dos competidores, diante da desigualdade de suas respectivas pistas.

Essa é uma figura que representa a igualdade no “ponto de partida”, por

significar a compensação para que a tarefa dos atletas seja equiparada.

Pois é exatamente isso que o Estado deve proporcionar aos grupos vulneráveis da sociedade. O Estado deve outorgar “aos atletas das pistas de fora”

as mesmas oportunidades para que participem em igualdade de condições da disputa pelos bens essenciais a uma existência compatível com a dignidade da pessoa humana.

É que sendo escassos os bens existentes à disposição da sociedade, conforme o expõe a teoria malthusiana27, é ínsita a essa escassez a disputa renhida por esses bens, cabendo ao Estado o relevante papel de tornar equilibrada a disputa, em face das diferenças de forças dos segmentos vulneráveis. É dizer, no que toca à pessoa com deficiência, o princípio da igualdade deve assegurar-lhe tratamento diferenciado que proporcione uma alavancagem de oportunidades, de modo a, removendo barreiras de qualquer natureza que lhes obstam o desenvolvimento, proporcionar-lhes uma inclusão social em igualdade de condições com os demais membros da sociedade.

27Thomas Malthus, preocupado com o crescimento populacional acelerado dizia, em ensaios

(30)

Lauro Ribeiro elucida melhor essa ideia: “a igualdade de oportunidades,

pilar do Estado de direito democrático social, não é ideia nova, mas está em evidência em razão da conflituosidade global em que está inserida a sociedade na atualidade – e que se caracteriza como o sendo uma grande competição por bens escassos – e significa a aplicação da regra de justiça diante de uma situação onde se encontram várias pessoas em competição para a obtenção de um

objetivo único”.28

É dizer, o princípio da igualdade deve constituir-se em instrumento de elevação da pessoa com deficiência para que ela, deixando de ser um rejeito social (no dizer de Bauman), se torne um membro da sociedade com o mesmo status de dignidade dos demais integrantes dessa mesma sociedade.

Na lição de Bobbio, trazida por Lauro Ribeiro, “o princípio da igualdade de

oportunidades, quando elevado a princípio geral, tem como objetivo colocar todos os membros daquela determinada sociedade na condição de participar da competição pela vida, ou pela conquista do que é vitalmente significativo, a partir

de posições iguais”.29 Justamente com esse escopo, o de eliminar o estigma de se ter a deficiência como sinônimo de ineficiência, incapacidade total, de refugo, de rejeito social, que o princípio da igualdade habita nossa Carta Magna, para conduzir a pessoa com deficiência à sua plena realização, a despeito de sua natural desequiparação inicial em relação ao restante da sociedade em que inserida.

28

RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes. op. cit., p. 43.

(31)

2. AS CONSTITUIÇÕES COMO GARANTIDORAS DOS VALORES

SOCIAIS

2.1. Colocação do tema

Embora a prática do constitucionalismo remonte à antiguidade, senão como reconhecimento de um sistema normativo positivado estabelecido a partir de relações sociais historicamente vivenciadas, com a organização social e política de um povo baseada em precedentes e buscando uma continuidade da vida em comunidade, mas como afirmação de lideranças e costumes de cada região mediante a consolidação desses costumes, que, com o tempo, foram sendo reconhecidos como fato e como direito, passando a ser, essa consolidação, invocada como base e fundamento da organização social e dos direitos individuais e do poder político30, o constitucionalismo, como movimento político capaz de dotar os povos civilizados modernos de um documento político e jurídico de organização do Estado, de delimitação do poder dos governantes e de estabelecimento de direitos das pessoas em face do governante, é tema recente.

Por sua grande importância para o constitucionalismo, merece ser destacada a Magna Carta inglesa31, declarada solenemente em 15 de junho de 1215 pelo Rei João da Inglaterra, também conhecido por João Sem-terra, perante o alto clero e os barões do reino. Resultado de pacto entre o governante e os barões revoltados, apoiados pelos burgueses londrinos, aquele notável documento inglês medieval – que neste ano de 2015 comemorou 800 anos – que enumerava prerrogativas garantidas aos súditos, o que importava clara limitação do poder do rei e, portanto, do Estado, em face dos cidadãos, é considerado a pedra angular da democracia moderna.

Embrião do Estado de Direito, aquele documento, que conferia prerrogativas “aos homens livres” (o que, por si só, implica o reconhecimento da

30DALLARI, Dalmo de Abreu. As Constituições na vida dos povos. São Paulo: Saraiva, 2013.

p. 45.

31“Carta Magna das Liberdades ou Concórdia entre o rei João e os Barões para a outorga das

(32)

chaga da escravidão)32, estava longe de representar uma Carta que assegurasse a todos os direitos que somente nos séculos seguintes vieram a ser reconhecidos. Como observa Fábio Konder Comparato33, “não se tratou de delegações de

poderes reais, mas sim do reconhecimento de que a soberania do monarca passava a ser substancialmente limitada por franquias ou privilégios testamentais, que beneficiavam portanto, de modo coletivo, todos os integrantes das ordens

privilegiadas”.

O mais importante legado da Carta Magna, como registra Comparato34, é

que ela “deixa implícito, pela primeira vez na história, que o rei acha-se

naturalmente vinculado pelas próprias leis que edita”. Grande avanço, sem dúvida.

Se nos primórdios do constitucionalismo a nem todos era reconhecida a dignidade da pessoa humana, logicamente que a pessoa com deficiência não constituía preocupação que ensejasse a necessidade de estabelecimento de mecanismos de proteção do Estado, não havendo, portanto, sequer que se cogitar da inclusão social dos integrantes desse grupo vulnerável.

2.2. O Estado Liberal

No final do século XVIII, com o advento da Revolução Francesa e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), aquilo que se tinha como afirmação de valores meramente morais atingiu o patamar de documento escrito de definição dos fundamentos e pontos básicos de uma nova organização política, como a delimitação de poderes e de direitos do indivíduo perante o Estado e seu governante.

Num ambiente de muita agitação social, em que, a despeito de profundos conflitos de interesses, toda a sociedade desejava uma clara definição de regras que, eliminando o absolutismo inconsequente, o arbítrio, conferissem

32

Em seu art. 39 havia a previsão de que “sem julgamento leal de seus pares, de conformidade

com a lei da terra, (law of the land)”, nenhum homem livre será detido ou despojado de seus

bens, exilado ou prejudicado de qualquer maneira que seja. (apud FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 30).

33COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 8. ed. São Paulo:

Saraiva, 2012. p. 91.

(33)

previsibilidade e estabilidade ao sistema, a Declaração dos Direitos do Homem e

do Cidadão, que dispunha que “uma sociedade em que a garantia dos direitos

não está prevista nem a separação dos poderes está determinada, não possui

Constituição”35, foi adotada como preâmbulo da primeira Constituição Francesa escrita, de 1791. Pouco antes (1787), verificara-se a independência das colônias inglesas da América do Norte que, regidas por constituições escritas, se uniram para a viabilização de uma sociedade livre.

Embora representasse um expressivo avanço, esse estágio do constitucionalismo, que se apresentava como viabilizador de uma organização do Estado e que encerrava uma inegável limitação do poder e de seu exercício, através da previsão de direitos e garantias fundamentais, não previa e nem muito menos efetivava direitos sociais. Portanto, nesse contexto, os grupos hoje tidos como vulneráveis – cujo conceito adiante se verá –, entre eles o formado pelas pessoas com deficiência, ainda não constituíam objeto da preocupação protetiva do Estado.

Com esse perfil normativo construía-se um Estado liberal36, neutro no âmbito das relações sociais, em cujo contexto o indivíduo detinha uma parcela de autonomia na qual não competia ao Estado interferir. Cada qual tinha definida sua liberdade, esta, sim, assegurada. Poder-se-ia dizer, num exercício de ironia, que nesse estado liberal todos seriam livres para escolher sua moradia, no barraco ou no palácio; poderiam escolher sua profissão, singela ou sofisticada; poderiam se alimentar livremente, comendo pão, ou brioche, na falta daquele alimento básico. Esta postura do Estado em não interferir nas relações sociais tinha como objetivo a garantia da estabilidade necessária ao desenvolvimento do capitalismo e a consecução dos interesses econômicos, assumindo esse Estado liberal

35Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, art. 16.

36“O termo liberalismo ganhou destaque após a Revolução Francesa, em 1789. Em sua origem, o

liberalismo não se confunde com a democracia. De fato, nem todos os Estados originariamente liberais tornaram-se democráticos. Entretanto, os Estados democráticos existentes foram originariamente liberais. Assim, liberalismo e democracia não são interdependentes: um Estado liberal não é necessariamente democrático e um governo democrático se transforma necessariamente num Estado liberal. Isso porque, enquanto o ideal do primeiro é limitar o poder,

o do segundo é distribuir o poder” (...) “Na formulação hoje mais corrente, o liberalismo é a doutrina do “Estado mínimo”. Ao contrário dos anarquistas, para quem o Estado é um mal absoluto e deve, pois, ser eliminado, para o liberal o Estado é sempre um mal, mas é necessário,

devendo, portanto, existir, mas dentro dos limites mais restritos”. OLIVEIRA, Samuel Antonio

(34)

“essencialmente características de abstenção: não atuar na ordem econômica nem afrontar os direitos e as liberdades individuais”.37

Com perspicácia, assevera Nelson Saldanha que “no plano institucional, o liberalismo significou a construção de um Estado em que o poder se fazia em função do consenso, e em que a divisão de poderes se tornava princípio obrigatório; o direito prevalecia em seu sentido formal e a ética social repudiava

as intervenções governamentais”.38

Privilegiando a propriedade privada como um dos direitos mais importantes para o desenvolvimento e a realização humana e sua pouca intervenção nas relações privadas, o Estado liberal assistiu a precarização das classes trabalhadoras, que eram exploradas pelos detentores do poder econômico. Não por outra razão, foi um período marcado por doenças e extrema pobreza resultante de uma jornada de trabalho em que os trabalhadores eram expostos a péssimas condições, o que lhes afetava a saúde.39 Fábio Konder Comparato pontua que o resultado produzido foi a pauperização das massas proletárias:

"As declarações de direito norte-americanas, juntamente com a Declaração francesa de 1789, representaram a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o clã, o estamento, as organizações religiosas. Mas, em contrapartida, a perda da proteção familiar, estamental ou religiosa tornou o indivíduo muito mais vulnerável às vicissitudes da vida. A sociedade liberal ofereceu-lhe, em troca, a segurança da legalidade, com a garantia da igualdade de todos perante a lei. Mas essa isonomia cedo revelou-se uma pomposa inutilidade para a legião crescente de trabalhadores, compelidos a se empregarem nas empresas capitalistas. Patrões e operários eram considerados, pela majestade da lei, como contratantes perfeitamente iguais em direitos, com inteira liberdade para estipular o salário e as demais condições de trabalho. (...) O resultado dessa atomização social,

37NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do Estado de direito: do Estado de direito liberal

ao Estado social e democrático de direito. Coimbra: Almedina, 2006. p. 73.

38SALDANHA, Nelson. Estado moderno e o constitucionalismo. São Paulo: Bushatsky, 1976.

p. 51-53.

39”Surge então o proletariado, grande massa que vivia em condições indignas, submetida a

jornadas excessivamente prolongadas com o agravante da exploração do trabalho de menores de tenra idade, com menos de nove anos, além do emprego exagerado da mão-de-obra feminina, razão pela qual não tardaria por advir forte reação por melhores condições de trabalho

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