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Pessoa com deficiência: competência comum

2. O DEVER DE INCLUIR E A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS

2.4. Pessoa com deficiência: competência comum

Seguindo a lógica de um “federalismo de equilíbrio”, na feliz expressão de Fernanda Dias Menezes de Almeida190, adotado pela CF/88 por meio de atribuição de competências materiais comuns, os entes federados foram “convocados para uma ação conjunta e permanente, com vistas ao atendimento de objetivos de interesse público, de elevado alcance social, a demarcar uma soma de esforços.191 Assim, todos os entes federados, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios são, no seio de um federalismo cooperativo, conjuntamente responsáveis pela consecução dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, discriminados no art. 3.º da Carta Magna.192

A deixar patente essa responsabilidade comum, o art. 23, I, da CF remarca que a guarda da Constituição, isto é, a prática de suas diretrizes, é de responsabilidade de todos os entes federados.

Dispõe o art. 23 e seu inciso I da CF/88:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público.

Assim, se a Carta Magna contém normas – princípios e regras – que impõem a inclusão da pessoa com deficiência; e considerando-se que dessas

189O presente trabalho já se encontrava pronto para ser depositado quando ainda tramitava no

Senado Federal o projeto que redundou no Estatuto da Pessoa com Deficiência, daí porque não ter sido referida lei objeto de maiores considerações.

190ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de., in comentários aos artigos 20 a 26 da Obra

Comentários à Constituição do Brasil, CANOTILHO, J.J. Gomes, MENDES, Gilmar Ferreira, SARLET, Ingo Wolfgang e STRECK, Lênio Luiz, Saraiva, SP, 2013, p. 747.

191Id. Ibid.

192CF/88, art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

normas constitucionais deve-se extrair a máxima eficácia jurídico-normativa, e sabendo-se que a tributação é eficaz instrumento de política estatal, segue-se que todos os entes federados têm o dever de usar esse instrumento para remover as barreiras socioambientais que impedem ou dificultam o pleno desenvolvimento das potencialidades de todos e de cada um dos integrantes desse grupo vulnerável.

Bastava esse dispositivo – aliás de solar evidência –, para que todos os entes federados se envolvessem ora de forma isolada, ora conjuntamente, na solução da questão atinente à inclusão social da pessoa com deficiência. Mas a Carta Magna, para escoimar qualquer réstia de dúvida sobre a repartição do referido encargo foi expressa e até didática ao remarcar, no inciso seguinte, o dever dos entes federados de, conjuntamente, “cuidar da saúde, da assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”193

, direitos esses que se espraiam ao longo do texto constitucional, como, por exemplo, no Capítulo referente aos Direitos Sociais (art. 7.º, XXXV), à Administração Pública (art. 37, VIII) e, em especial, no Título VIII, que trata da Ordem Social (artigos 193 a 232).

Essa atuação conjunta e necessariamente harmônica deve, obviamente, ser baseada em normas que a discipline, a fim de que as forças empregadas produzam resultante positiva na consecução dos objetivos colimados pela Carta Magna. Bem por isso, o parágrafo único do art. 23 da CF194 estabelece que Leis Complementares (da União) fixarão as normas de cooperação entre os entes federados, enquanto que o art. 241195, com redação dada pela EC 19/1998, dispõe que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de leis os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados” visando à obtenção de eficácia no exercício das atividades do federalismo cooperativo.

193CF, art. 23, II.

194CF, art. 23, parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para cooperação entre a

União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

195Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os

consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

Infelizmente, no que toca ao exercício de atividades que promovam a inclusão das pessoas com deficiência, não se tem notícia de nenhuma das Leis Complementares a que alude o parágrafo único do artigo 23 da CF e nem de leis que disciplinem os consórcios públicos e os convênios mencionados no art. 241 da Carta Magna.

PARTE III

A TRIBUTAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO DA

PESSOA COM DEFICIÊNCIA

1. DIREITO TRIBUTÁRIO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1. Colocações iniciais

É sabido e consabido que o “Direito Tributário” é ramo “didaticamente” autônomo, dialogando com outras disciplinas, com predomínio do “Direito Constitucional” e do “Direito Administrativo”196.

Neste particular, conclui-se que – tradicionalmente – o conhecimento especializado da “Ciência do Direito Tributário” dedica-se à pesquisa das possibilidades impositivas estabelecidas pelo constituinte brasileiro e à verificação da validade do exercício da competência tributária pelos entes tributantes.

Isso ocorre até por uma causa de índole histórica, porque o “Direito Tributário” cindiu-se da “Ciência” das Finanças, que, outrora, tinha a pretensão de produzir conhecimento “científico” com sincretismo metodológico, estudando a atividade financeira do Estado sob as perspectivas política, social, econômica e jurídica197.

196Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

p. 42.

197Cf. DEODATO, Alberto. Manual de ciência das finanças. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1957;

BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. Rev. e atual. F. B. Novelli. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. A produção “doutrinária” de Ciência das Finanças no Brasil reproduziu os mesmos objetos e métodos da disciplina desenvolvida na Europa: “Les autres considèrentles phénomènes financier stelsqu’ils se présentent em fait, dans leur milieu politique, social, économique, juridique; ilsles étudient comme des phénomènes complexes, avec tous les facteurs quiles conditionnent: ils prétendent faire ainsi de la science des finances. C’estle point de vuequi a mes préférences” (JÈZE, Gaston. Cours de science et legislation financières. 6. ed. Paris: Marcel Giard, 1923. p. 18-19). Cf. HAYASHI, Alexandre Yoshio. Economia e sua repercussão no direito tributário. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 101, p. 939-977, jan./dez. 2006.

A justificativa do estatuto epistemológico da “Ciência do Direito Tributário” estriba-se justamente na proposta de abdicar as análises “pseudo jurídicas”198 na

descrição do direito positivo, do complexo de normas jurídicas válidas no País que correspondam, direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos, uma das fontes de receitas públicas obtidas pelo Estado na sua atividade financeira.199

Seja na pretérita fase da “teoria do fato gerador” assim como na atual “teoria da norma jurídica tributária”200, os estudos de “Direito Tributário”

caracterizam-se pela pesquisa que desce às minúcias dos princípios e regras discriminadoras da competência tributária e reguladoras do seu exercício.201

Por outro torneio de linguagem, as pesquisas de “Direito Tributário”, tradicionalmente, partem da premissa, consciente ou não, de que o direito positivo em matéria tributária constitui um instrumento de “defesa do Estado”202,

preocupando-se com a “ordem” – sobretudo porque o Código Tributário Nacional foi promulgado pela Lei Federal nº 5.172, de 25-10-1966, durante o regime de exceção que se instaurou 1964 –, com a parte organizacional da norma jurídica

198Cf. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007;

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. 7. tir. São Paulo: Malheiros Ed., 1998.

199“O direito financeiro prescreve regras sobre a destinação de receitas tributárias, além de dispor

sobre as demais receitas públicas, despesas públicas e orçamento público, ao passo que o direito tributário estabelece normas concernentes à instauração, existência e extinção da relação jurídica tributária. Ressalta à evidência, pois, que as expressões ‘direito financeiro’ e ‘direito tributário’ não hospedam qualquer vestígio de sinonímia, além de não abrigarem, também, qualquer relação entre o todo e a parte, conforme impropriamente se costuma afirmar, porquanto cada qual tem o seu âmbito exclusivo de atuação, observada a autonomia didática dos chamados ramos do direito” (JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de direito financeiro e tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 43).

200Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Método e interpretação da linguagem do direito positivo.

(Conferência exposta no XXIV Congresso de Direito Tributário, realizado em outubro de 2010). Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 113, p.82-91, 2011; SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 473-483.

201Objeto de pesquisa

no “Direito Tributário” é tradicional e predominantemente a “legitimidade” da imposição tributária, tal como no célebre exemplo de Hans Kelsen: “a ordem de um gangster para que lhe seja entregue uma determinada soma de dinheiro tem o mesmo sentido subjetivo que a ordem de um funcionário de finanças, a saber, que o indivíduo a quem a ordem é dirigida deve entregar uma determinada soma de dinheiro. No entanto, só a ordem do funcionário, e não a do gangster, tem o sentido de uma norma válida, vinculante para o destinatário; apenas o acto do primeiro, e não do segundo, é um acto produtor de uma norma, pois o acto do funcionário de finanças é fundamentado numa lei fiscal, enquanto que o acto do gangster se não apoia em qualquer norma que para tal lhe atribua competência” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. port. João Batista Machado. 4. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1976. p. 26. Título original: Reine Reehtslehre, Viena: Verlag Franz Deuticke, 1960).

202Cf. NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1998;

GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2008; SILVEIRA, Paulo Caliendo. Direito tributário e análise econômica do direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

ou da relação jurídica-tributária, respondendo-se às questões de “quem deve pagar”; “quanto e a quem se deve pagar”; “quando surge a contingência de pagar”203– e não de defesa de direitos fundamentais.

Realmente, conclui-se do exame do direito positivo vigente que não há “textualmente” na Constituição a previsão literal de “direitos fundamentais dos contribuintes” ou de um “estatuto fundamental dos contribuintes”.204

Mas tal como ocorreu com o “Direito Constitucional”205, constata-se que há

focos de “rebeldia”206 insurgindo-se à concepção do “Direito Tributário” como

instrumento de “defesa do Estado”, ganhando espaço no discurso jurídico contemporâneo o tema dos “direitos fundamentais dos contribuintes”.207

A mudança do discurso jurídico-tributário pode ser inferida a partir da substituição da expressão “limitações constitucionais ao poder de tributar” por “direitos fundamentais dos contribuintes”: “a comparação entre as expressões registra uma mudança de perspectiva. Em lugar de enxergar a norma do ponto de vista do Estado, representada como limite (que conforma o exercício de uma competência), passa-se a vê-la também da perspectiva do contribuinte, para quem representa ou confere um direito subjetivo. [...] O efeito de sentido que se

203Cf. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, cit., p. 37.

204No Congresso Nacional está paralisado o trâmite dos “projetos” de “Código de Defesa do

Contribuinte” redigidos nos Projetos de Lei Complementar nºs 646/1999 e 38/2007. A respeito deles, desabafou o Professor Paulo de Barros Carvalho: “eu já fiquei decepcionado – e aqui, o Professor [Eduardo Domingos] Botallo ficou, também, que participou da comissão, do estatuto do contribuinte, o Roque [Antonio Carrazza]. Nós temos um estudo sério, um estudo atilado, condensando os princípios constitucionais que interessavam, que protegiam os contribuintes, numa lei complementar, num anteprojeto de lei complementar. Esse anteprojeto ingressou na Câmara e ficou parado e está parado há muitos anos. E nunca mais... Bom, mereceu, depois de uma semana, o nome de Estatuto do Sonegador. Começa por aí, passaram a chamar de Estatuto do Sonegador. E não havia nada disso, eram apenas os direitos e garantias dos contribuintes, segundo o texto constitucional brasileiro. Nós ficamos meio frustrados, ou melhor, bem frustrados com esse desfecho.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Os tributos e a Federação que deve ser. (Conferência exposta no XXVI Congresso de Direito Tributário, realizado em outubro de 2012). Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 119, p. 20, 2013). Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Direitos fundamentais do contribuinte e a propalada reforma tributária. (Conferência exposta no XXIV Congresso de Direito Tributário, realizado em outubro de 2010). Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 113, p. 185-199, 2011.

205Cf. SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros Ed.,

2014. p. 5-6; LOPES, José Reinaldo de Lima. As palavras e a lei: direito, ordem e justiça na história do pensamento jurídico moderno. São Paulo: Ed. 34; Edesp, 2004. p. 230-252 e 263-274.

206Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. São Paulo: Malheiros Ed.,

2012. p. 108.

207Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de

Janeiro: Renovar, 1995; NOGUEIRA, Alberto. A reconstrução dos direitos humanos da tributação. Rio de Janeiro: Renovar, 1997; SCAFF, Fernando Facury (Org.). Constitucionalismo, tributação e direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

obtém pelo uso da expressão ‘direitos fundamentais’ ou ‘direitos humanos’ não é idêntico ao que se observa pelo uso da expressão ‘limites’, ‘limitações’ ou ‘restrições’ ao poder de tributar. Além de destacar a posição do contribuinte, que faz jus a direito ‘reflexo’, diante da norma de limitação ao poder tributário, a afirmação de tais direitos como ‘fundamentais’ implica ganho de status, à medida que os eleva à categoria de norma, hierárquica e axiologicamente, mais importante do ordenamento jurídico – cláusulas pétreas do texto constitucional”.208

Entre os autores clássicos da disciplina209, constatamos com alegria que os Professores Renato Lopes Becho210 e Regina Helena Costa inseriram e reinseriram no discurso jurídico-tributário a temática dos “direitos fundamentais” na exposição do programa básico de “Direito Tributário”, inovando Regina Helena Costa ao sustentar a existência do “princípio da não obstância dos direitos fundamentais por via da tributação”211, originário de sua dissertação de

mestrado212 e da tese de doutorado aprovada perante a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.213

O diálogo entre o “Direito Tributário” e os “Direitos Fundamentais” pode ser sintetizado com o discurso segundo o qual o contribuinte é titular de direito subjetivo público de situações de intributabilidade que decorrem dos direitos fundamentais genéricos da legalidade, igualdade (previstos no artigo 5º da Constituição) e à proteção do “mínimo existencial” (art. 7º da Constituição) ou daqueles previstos especificamente nas “limitações constitucionais ao poder de

208Cf. MEIRA, Liziane Angelotti; CORREIA NETO, Celso de Barros. Notas de uma pesquisa. In:

BRANCO, Paulo Gonet; MEIRA, Liziane Angelotti; CORREIA NETO, Celso de Barros (Coords.). Tributação e direitos fundamentais: conforme a jurisprudência do STF e do STJ. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 16 e 18-19.

209Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed. São Paulo:

Saraiva, 2011. p. 422-455; COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 198-199; DERZI, Misabel de Abreu Machado. Notas de Atualização. In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 14 e 66.

210Cf. BECHO, Renato Lopes. Filosofia do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 332-351. 211Cf. COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário

Nacional. 3. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2013. p. 26-29 e 90-91.

212Não há menção expressa ao princípio, mas já se esboçava sua idéia assim: “a preservação do

mínimo vital é efeito do princípio examinado [capacidade contributiva], correspondendo, exatamente, a uma isenção técnica, fundada na ausência de capacidade contributiva, não podendo, pois, ser revogada. A capacidade contributiva só se pode reputar existente enquanto estiver presente alguma riqueza acima do mínimo vital” (COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 2. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 1996. p. 102) [interpolamos].

213Cf. COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias: teoria e análise da jurisprudência do STF. 2.

tributar”, tais como a limitação da imposição sobre a capacidade contributiva (art. 145, par. 1º), à proibição do confisco (art. 150, inc. IV da Constituição) e à garantia das imunidades (artigos 149, par. 2º, 150, inc. VI, par. 2º, 153, par. 2º, inc. II, par. 3º, inc. III, par. 4º, inc. II, 155, part. 2º, inc. X, alíneas “a”, “b”, “c”, “d”, par. 3º, 156, inc. II, par. 2º, inc. I, 184, par. 5º, 195, par. 7º).

Em suma, as relações entre “Direitos Fundamentais” e “Direito Tributário” obrigam a utilização no discurso jurídico da cláusula geral “dignidade da pessoa humana” como freio ao exercício da competência tributária214, observado o limite

à tributação do “mínimo existencial” e à vedação do confisco215 (“primum vivere,

deinde tributum solvere”)216, bem sintetizado no seguinte precedente do Supremo

Tribunal Federal: “a proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo)”.217

214Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, cit., p. 455;

GORDILLO, Agustin. Princípios gerais de direito público. Trad. port. M. A. Greco. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1977. p. 68-69.

215Cf. ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 140-

141 e 393-396.

216Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda: perfil constitucional e questões

conexas. 2. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2006. p. 117. Sobre o excesso de tributação, é corrente na Alemanha o brocardo “o Estado pode depenar o ganso, jamais abatê-lo” (cf. ZILVETI, Fernando Aurelio; COELHO, Monica Pereira Coelho. Tributo confiscatório ou excesso fiscal? In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Org.). Interpretação e Estado de Direito. III Congresso Nacional de Estudos Tributários – IBET. São Paulo: Noeses, 2006. p. 293; SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito tributário, cit., p. 344), sendo ilustrado da mesma forma por José Bento Monteiro Lobato, em 1926: “Este engenhoso sistema de tortura tem em vista uma coisa só: permitir que sobre o corpo do gigante a vermina duma parasitalha infinita engorde em dolce far niente, como o carrapato engorda no couro do boi pesteado. Vermina ininteligente! Consultasse ela os carrapatos e receberia deles um conselho salutar: ‘É perigoso levar a sucção a grau extremo; morre o boi, e com ele a parasitalha.’” (LOBATO, José Bento Monteiro. Novo Gulliver. In: LOBATO, José Bento Monteiro. Na antevéspera: reações mentais dum ingênuo. São Paulo: Globo, 2008. p. 106).

217STF, Pleno, MC-ADI nº 2.010, Rel. Min. Celso de Mello, j. 30-9-1999, DJ 12-4-2002, p. 51, apud

ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário, cit., p. 396. Estudando outros precedentes, o Professor Humberto Ávila concluiu que “o Supremo Tribunal Federal não investigou a legitimidade da finalidade, nem a necessidade da adoção das medidas e muito menos a existência de finalidades públicas que pudessem justificar as medidas adotadas. Não houve o exame da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, em sentido estrito, em função de

Vemos, depois de tudo, que a existência de um “estatuto do contribuinte”, haurido do diálogo entre o “Direito Tributário” e os “Direitos Fundamentais”, reúne normas jurídicas que somente limitam o exercício da competência tributária, subordinando-a à outorga de direitos aos sujeitos passivos de não serem tributados de maneira desmesurada.218

A proposta do presente trabalho, todavia, é mais ousada: a tributação deve servir como instrumento para – além de proteger – promover a inclusão social das minorias e grupos de pessoas vulneráveis, especialmente aquelas com deficiência, removendo-se todas as barreiras que obstam o seu pleno desenvolvimento.

1.2. A tributação como instrumento de concretização dos valores