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A essência do Poder Constituinte MESTRADO EM DIREITO

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PUC/SP

Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia

A essência do Poder Constituinte

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

(2)

PUC/SP

Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia

A essência do Poder Constituinte

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora, como exigência parcial

para obtenção do título de MESTRE

em Direito, área de concentração do

Direito do Estado, Subárea em

Direito Constitucional, pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo –

(PUC/SP), sob a orientação do

Professor Doutor Antônio Carlos

Mendes.

SÃO PAULO

(3)

CHIARADIA, Tatiana Del Giudice Cappa.

A essência do Poder Constituinte / Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia. São Paulo, 2009.

260 f.

Orientador: Prof. Doutor Antônio Carlos Mendes. Dissertação (Stricto Sensu) – Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo.

(4)

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

__________________________________________

(5)

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

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(7)

Primeiramente, agradeço a Deus, porque sem Ele, nada seria possível, e à minha querida Nossa Senhora, que me ilumina a cada dia.

Agradeço aos Professores Doutores Antônio Carlos Mendes e André Ramos Tavares pelos seus preciosos ensinamentos no Curso de Mestrado da PUC/SP, ao Professor Mestre Jerson Carneiro que, já na especialização, incentivou-me a dar início ao Mestrado e, jamais poderia esquecer, ao Professor Doutor Luiz Alberto David Araujo que, desde o dia em que nos conhecemos, vem me encorajando a enfrentar profundamente este desafio.

Agradeço, também, aos colegas de TozziniFreire Advogados, que acreditaram e investiram nos meus estudos, especialmente ao Fábio Rosas e à Cristina Bastianello, que me motivaram a finalizar o Curso de Mestrado da PUC/SP.

(8)

A essência do Poder Constituinte Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia

O Poder Constituinte é uma figura misteriosa e intrigante, pois desperta a curiosidade sobre o exercício de um poder responsável pela elaboração de uma Constituição, que institui o Estado Constitucional e cria o ordenamento jurídico de um país. O exercício do Poder Constituinte é a manifestação do poder político, de titularidade do povo, que confere ao Estado a prerrogativa de disciplinar as relações sociais, limitando sua atuação, para segurança dos direitos fundamentais, por meio de normas presentes na Constituição. O objetivo do estudo foi analisar o Poder Constituinte, a fim de descobrir qual é a sua natureza, a sua razão de existência, para lhe conferir uma identidade que permita a avaliação de algumas questões interessantes sobre sua atuação. Considerando que o estudo teve por finalidade descobrir a essência do Poder Constituinte, foram apreciados os conceitos de essência, Filosofia, Direito, Poder, Constituição e Estado Constitucional, permitindo a compreensão do que é o Poder Constituinte e a análise de sua manifestação, valendo-se de um enfoque zetético (filosófico), com base em pesquisas de questões de ordem jurídica, sociológica, política, econômica, filosófica e histórica. Pelos estudos realizados, percebe-se que o poder é caracterizado pela presença de uma autoridade e uma relação hierárquica, mediante a qual o seu detentor consegue que sua vontade seja respeitada voluntariamente pelos seus destinatários, estando intimamente relacionado às questões de soberania e legitimidade. A Constituição é o conjunto de normas jurídicas responsáveis pela formação do Estado, limitando o exercício do poder político e assegurando os direitos fundamentais da pessoa humana. É a norma fundamental, dotada de supremacia, posicionada no lugar mais elevado do ordenamento jurídico, conferindo validade às demais normas jurídicas. O Estado Constitucional é fruto da elaboração dessa Constituição pelo Poder Constituinte, sendo concebido como uma forma histórica de organização do poder político, diante de determinada sociedade, num dado território e em um momento específico. Quanto à essência do Poder Constituinte, identificou-se tratar de uma vontade política que atua sobre determinada estrutura social, seja no exercício de elaborar a Constituição de um país (Originário), seja na elaboração de Constituições dos Estados-membros de uma Federação (Decorrente Derivado), seja na reforma do texto constitucional (Decorrente Reformador). A Teoria do Poder Constituinte desenvolveu-se com base no manifesto de Emmanuel Sieyès (“O que é o Terceiro Estado?”), o qual confere sua titularidade à nação, com capacidade de criar a Constituição de um país.

(9)

The essence of the Constituent Power Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia

The Constituent Power is a mysterious and intriguing representation, it awakes the curiosity about the practicing of a power which is responsible for the elaboration of a Constitution, establishing the Constitutional State and creating the legal system of a nation. The practicing of the Constituent Power is the manifestation of the political power which belongs to the People, who relies on the State the power for regulating social relations, limiting its acting in order to assure fundamental rights, by using the ruling established in the Constitution. The objective of this study was analyzing the Constituent Power, in order to reveal its nature, its rationale, so that its identity can be defined allowing the analysis of a few interesting points about its reach. Considering that this study aimed at discovering the essence of the Constituent Power, concepts of Philosophy, Law, power, Constitution and Constitutional State were also investigated, enlarging the comprehension of what actually is the Constituent Power and the analysis of its manifestation, by using a “zetetic” (philosophical) focus, based on research of issues related to Law, Sociology, Politics, Economy and History. As consequence of the studies carried out, it became possible to realize that the power is characterized by the presence of an authority and of a hierarchic relation, due to which its withholder can grant his will to be fulfilled voluntarily by his addressees, being strongly related to matters of sovereignty and legitimacy. The Constitution is a set of juridical ruling responsible for the formation of the State, limiting the practice of the political power and assuring the fundamental rights of a person. It is the fundamental rule, featured of supremacy, which is positioned on the most elevated spot of the legal system, granting validity to any other juridical rules. The Constitutional State is an outgrowth of the elaboration of its Constitution by the Constituent Power, being conceived as a historical means for organizing political power, before a given society, in a given territory, in a given moment. As for the essence of the Constituent Power, it was identified as a political will which acts over a determined social structure, either in the practice of elaborating the Constitution of a country (Original), or in the elaboration of a Constitution of a State Member of a Federation (Resulting Derivative), or yet in the reformulation of the constitutional text (Resulting Reformer). The theory of the Constituent Power has been developed based on the manifest of Emmanuel Sieyès (“What is the Third Estate?”), which grants its title to the nation, with power to create the Constitution of a country.

(10)

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 A ESSÊNCIA: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ... 16

2.1 Diferenciação entre os enfoques teóricos: zetética e dogmática jurídica ... 17

2.2 Filosofia ... 19

2.3 Direito ... 20

2.4 Filosofia do Direito ... 25

2.5 Filosofia da Constituição ... 26

3 O PODER ... 28

3.1 Conceito de poder ... 28

3.1.1 Poder social ... 33

3.1.2 Poder político ... 34

3.1.3 Poder e Direito ... 37

3.2 Breve histórico sobre o exercício do poder político ... 41

3.3 Titularidade do poder político ... 43

3.4 Limitação do poder político ... 45

3.5 Soberania ... 47

3.6 Legitimidade ... 53

3.7 Democracia ... 56

4 A CONSTITUIÇÃO ... 62

4.1 Conceito de Constituição ... 66

4.2 Concepções de Constituição ... 71

4.2.1 Concepção sociológica ... 71

4.2.2 Concepção política ... 74

4.2.3 Concepção jurídica ... 76

4.2.4 Concepção de Karl Loewenstein ... 78

4.3 Acepções de Constituição ... 80

4.4 Elementos da Constituição ... 81

4.5 Finalidade da Constituição ... 82

4.6 Legitimidade da Constituição ... 84

4.7 Supremacia da Constituição ... 85

4.8 Aplicação e eficácia da Constituição ... 89

4.9 Tipos de Constituição ... 92

4.9.1 Constituição formal, material e substancial ... 92

4.9.2 Constituição real, normativa, nominal e semântica ... 94

4.9.3 Living Constitution e Fake Constitucion ... 95

4.9.4 Constituição escrita e costumeira ... 96

4.9.5 Constituição imutável, fixa, rígida, flexível e semirígida ... 97

4.9.6 Constituição pactada, outorgada, promulgada e cesarista ... 100

4.9.7 Constituição codificada e legal ... 101

4.9.8 Constituição concisa e prolixa ... 102

4.9.9 Constituição dogmática e histórica ... 102

4.9.10 Constituição liberal (negativa) e social (dirigente) ... 103

4.9.11 Constituição balanço e garantia ... 105

4.9.12 Constituição como um mito ... 106

4.10 Constitucionalismo ... 106

4.10.1 Evolução histórica ... 110

(11)

5.1 Conceito de Estado ... 120

5.2 Acepções de Estado ... 124

5.3 Evolução do Estado ... 125

5.4 Formação do Estado ... 126

5.5 Elementos constitutivos do Estado ... 128

5.6 Finalidade do Estado ... 130

5.7 Estado Constitucional ... 132

5.7.1 Estado de Direito ... 135

5.7.2 Estado Democrático ... 137

6 A ESSÊNCIA DO PODER CONSTITUINTE ... 140

6.1 Conceito de Poder Constituinte ... 142

6.2 Histórico da ideia de Poder Constituinte ... 145

6.3 Teoria do Poder Constituinte ... 156

6.4 Poder Constituinte Originário ... 160

6.4.1 Titularidade do Poder Constituinte Originário ... 163

6.4.2 Natureza do Poder Constituinte Originário ... 168

6.4.2.1 Teoria Positivista ... 168

6.4.2.2 Teoria Jusnaturalista ... 170

6.4.2.3 Teoria do Direito Autônomo ... 175

6.4.2.4 Teoria Dialético-Integral ... 175

6.4.3 Características do Poder Constituinte Originário ... 176

6.4.4 Exercício do Poder Constituinte Originário ... 184

6.4.4.1 Ato fundacional ... 185

6.4.4.2 Ato de revolução ... 189

6.5 Poder Constituinte Derivado ... 193

6.5.1 Características do Poder Constituinte Derivado ... 196

6.5.2 Poder Constituinte Derivado Decorrente ... 197

6.5.3 Poder Constituinte Derivado Reformador ... 200

6.5.3.1 Exercício do Poder Constituinte Derivado Reformador ... 205

6.5.3.2 Limitações do Poder Constituinte Derivado Reformador ... 206

6.5.3.2.1 Limites extrajurídicos e jurídicos ... 208

6.5.3.2.2 Limites implícitos ... 209

6.5.3.2.3 Limites explícitos ... 213

6.5.3.2.3.1 Limites materiais ... 213

6.5.3.2.3.2 Limites formais ... 215

6.5.3.2.3.2.1 Limites procedimentais ... 216

6.5.3.2.3.2.2 Limites circunstanciais ... 216

6.5.3.2.3.2.3 Limites temporais ... 217

6.6 Questões Intrigantes ... 218

6.6.1 Exercício do Poder Constituinte e o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada – Breves esclarecimentos ... 218

6.6.2 Crise constituinte e crise constitucional ... 223

6.6.3 Possibilidade de se constatar inconstitucionalidade no exercício do Poder Constituinte Derivado Reformador e a necessidade de controle de constitucionalidade na sua atuação ... 224

6.6.4 Mutação constitucional ... 229

6.6.5 Fraude à Constituição ... 233

6.6.6 Puzzle constitucional de Alf Ross ... 234

7 CONCLUSÃO ... 238

(12)

“Viver não é percorrer um caminho já traçado. É construir a cada momento sua própria existência. Isso supõe valores, concepções, conhecimento, qualidades, influências e condicionamentos de toda a espécie. Posso segui-los passivamente, como um autômato, ou refletir em profundidade sobre as grandes linhas dessas concepções, valores ou condicionamentos. Nesse sentido, ainda que confusamente, cada um de nós tem sua Filosofia. Pode segui-la inconscientemente, como um autômato, ou refletir sobre os seus fundamentos, como um homem que filosofa.”

(13)

1 INTRODUÇÃO

A presente dissertação visa apresentar o conhecimento adquirido com o estudo do tema escolhido, sem qualquer pretensão de esgotar a matéria. O objetivo do trabalho não é apenas o de visualizar conceitos e indicar caminhos já percorridos. Pelo contrário, pretende-se intrigar, a fim de instigar a discussão para propor uma forma de compreender a essência do Poder Constituinte.

Este trabalho fundamenta-se nos estudos filosóficos do Direito, buscando descobrir a essência do Poder Constituinte e levantar questões que induzam ao pensamento para desvendar as curiosidades sobre o tema.

Diante disso, inicialmente, serão apresentadas noções introdutórias para compreensão dos conceitos de essência, filosofia e Direito, a fim de esclarecer melhor a linha de raciocínio desenvolvida na elaboração da dissertação.

A essência de qualquer coisa define sua natureza, sua substância, sua razão e existência, conferindo-lhe identidade.

A Filosofia permite ao filósofo questionar sobre o objeto estudado e, a cada resposta, encontrar novas perguntas que o guiam na busca de uma verdade, refletindo sobre o conhecimento desse objeto, interrogando-o e problematizando-o. Seu objetivo, em todo questionamento, será sempre o de tentar encontrar uma explicação fundamental para o objeto a que ela se refere, na busca de uma reflexão sobre a essência deste ser.

Como será demonstrado, o Direito é o conjunto de normas jurídicas que organiza a vida humana em sociedade, surgindo como um elemento limitador e organizador capaz de possibilitar a atuação do Estado na imposição de obrigações e na defesa de direitos para manutenção da paz social.

(14)

Nesse sentido, o papel do filósofo do Direito será avaliar os fenômenos jurídicos, analisá-los com a finalidade de melhor compreender o Direito. Por meio da Filosofia, o homem visa ao conhecimento do mundo em que vive, desse mundo como um todo, a fim de identificar sua relação do homem com esse universo. Com a Filosofia do Direito, o jurista objetiva explicar o contexto do todo no qual se insere o Direito, com a finalidade de identificar sua relação com o mesmo, justificando a ordem jurídica.

Assim, a Filosofia do Direito surge como um instrumento de investigação para justificar o mundo do Direito e a realidade dos fatos sociais por ele disciplinados.

No caso concreto, utilizando-se de um enfoque zetético (filosófico), a dissertação seguirá um caminho fundamentado na Filosofia da Constituição, que permitirá desvendar a essência do Poder Constituinte, investigando e descobrindo esse objeto em sua natureza.

Considerando que esse objeto de pesquisa está intimamente relacionado à atividade de elaboração da Constituição, é indispensável conhecer e compreender seu significado, razão pela qual a Filosofia da Constituição foi eleita para orientar o levantamento de pesquisa doutrinária, no intuito de fundamentar as exposições a serem apresentadas neste trabalho.

Por isso, o estudo desenvolvido amparou-se em pesquisas de questões de ordem jurídica, sociológica, política, econômica, filosófica e histórica, com a finalidade de construir uma realidade capaz de transmitir ao leitor a essência do Poder Constituinte.

Porém, antes da análise do Poder Constituinte em sua essência, o trabalho aprofundar-se-á, primeiramente, nos conceitos com ele relacionados, partindo de definições previamente firmadas pela doutrina com o objetivo de desenvolver seus próprios conceitos, para apreciá-los posteriormente, a fim de tornar compreensível o objeto da dissertação.

(15)

O homem é um ser complexo e sua convivência em comunidade exige regramento para impor segurança e estabilidade às relações sociais. Para tanto, o poder ínsito na sociedade prevalece como instrumento de força para a manutenção da paz.

O poder será o primeiro elemento intimamente relacionado ao Poder Constituinte a ser analisado na dissertação. Serão diferenciados o poder social e o poder político e verificada sua relação com o Direito. Um breve histórico sobre as manifestações do exercício do poder será apresentado para verificar se é possível atribuir a ele uma titularidade, bem como para investigar se há necessidade de limitar sua atuação.

A análise do poder exigirá a compreensão dos conceitos de soberania e legitimidade, instrumentos que precisam ser verificados juntamente com a democracia e suas espécies, todas apresentadas como elementos do estudo das formas de identificação e manifestação do poder.

Pode-se afirmar seguramente que o Poder Constituinte é uma figura misteriosa que merece ser desvendada. Sua teoria surge com a ideia de Constituição escrita, não obstante o fato de suas raízes poderem ser identificadas desde a Antiguidade. Seu conceito é fruto do gênero filosófico e científico, tendo em vista que existe apenas um fato, no qual o povo manifesta sua vontade para se auto-organizar e autogovernar sob a égide de uma Constituição.

A Constituição é um bem maior, objeto de estudo pelo Direito Constitucional. Representa um documento nacional que preserva a cultura de uma determinada sociedade num estabelecido momento histórico, refletindo seus anseios sociológicos e políticos. Pode ser compreendida como um fenômeno complexo, estudada sob várias visões – política, histórica, sociológica, religiosa, ética, moral. Neste trabalho jurídico, a Constituição será analisada por meio de um método próprio, pois será considerada como um fenômeno normativo.

(16)

Em seguida, poder-se-á analisar o que é uma Constituição legítima diante do princípio de sua supremacia, que coloca o texto constitucional no ápice do ordenamento jurídico, conferindo-lhe a qualidade de norma suprema, lei maior que rege a produção de todas as normas jurídicas do sistema.

Partindo dessas noções prévias, pretende-se constatar como ocorre a aplicação e como se dá a eficácia das normas constitucionais, para identificar os tipos de Constituição existentes e, enfim, fazer uma viagem pela história, com a finalidade de compreender o movimento denominado Constitucionalismo, que lhe conferiu a importância que ela adquiriu no decorrer dos tempos como a lei da mais alta hierarquia do ordenamento jurídico, responsável pela formação do Estado, pela regulamentação do poder estatal e por proporcionar e assegurar os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, possibilitando, assim, a vida segura numa sociedade em paz.

Os ensinamentos extraídos da análise da Constituição possibilitarão o estudo do Estado Constitucional, instituído pelo exercício do Poder Constituinte quando da elaboração da sua obra: o texto constitucional. Por isso, o conceito de Estado e suas acepções serão analisados a fim de permitir uma compreensão da evolução do Estado e a sua formação, bem como para designar os elementos que compõem o Estado e sua finalidade no contexto constitucional.

A compreensão do Estado Constitucional impõe, ainda, um breve estudo sobre os conceitos do Estado de Direito e do Estado Democrático, tendo em vista que a análise desses dois tipos de Estado permitirá o entendimento da função do Direito e da Democracia na formação de um Estado que reflita efetivamente os anseios de sua sociedade, consagrados por meio de uma Constituição.

(17)

Como será demonstrado no decorrer deste trabalho, os estudos desenvolvidos por Emmanuel Sieyès abriram as portas para o jurista iniciar a compreensão e a interpretação do exercício do Poder Constituinte, que decorre indiscutivelmente de um poder maior, seja ele exercido por um soberano, por um povo revolucionário (revolução) ou por um governo organizado (assembleia constituinte).

Sem dúvida, desde já, pode-se afirmar que o Poder Constituinte é a expressão da mais elevada soberania, pois é o mais alto poder do Estado, responsável pela elaboração da Constituição que possibilite a organização estatal, dispondo sobre as competências e o funcionamento dos órgãos estatais, bem como disciplinando as relações a serem firmadas entre o Poder Público e seus particulares.

Na análise da essência do Poder Constituinte serão apresentados um conceito e sua relação com uma ideia constituinte criada no decorrer da história, a fim de conferir subsídios para a compreensão da teoria desenvolvida por Sieyès e a identificação da titularidade do Poder Constituinte.

Posteriormente, pretende-se esclarecer a diferenciação entre o Poder Constituinte denominado pela doutrina de originário e derivado, com a finalidade de expor suas definições, origens, características e formas de atuação, no intuito de verificar se ambos podem ser considerados, em sua essência, Poder Constituinte, tal como são usualmente denominados.

(18)

Dessa análise surgirão questões intrigantes e complexas, especialmente sobre a natureza dos poderes derivados, cujas respostas pretendem instigar e suscitar a compreensão do exercício do Poder Constituinte.

Para tentar solucioná-las, serão analisados breves esclarecimentos sobre a elaboração de uma nova Constituição e a proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, a fim de verificar se existe ou não a necessidade de se observar esses institutos quando da modificação da ordem constitucional.

Será apresentada uma sucinta exposição sobre a diferença entre crise constituinte e crise constitucional, para, posteriormente, averiguar a possibilidade de se reconhecer a inconstitucionalidade no exercício do Poder Constituinte Derivado Reformador, na atividade do poder de reforma da Constituição, a fim de constatar se há a necessidade de exercer o controle da constitucionalidade quando de sua atuação.

Dentre as questões que serão analisadas ainda estão a mutação constitucional, a definição de fraude à Constituição e o denominado Puzzle Constitucional de Alfred Ross, para encerrar a exposição sobre a compreensão do exercício do Poder Constituinte.

(19)

2 A ESSÊNCIA: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Como adiantado, a presente dissertação tem por objetivo analisar e compreender a essência do Poder Constituinte. Mas, primeiramente, o que é essência?

A palavra essência significa aquilo que constitui a natureza de algo, sua substância1. De acordo com o Dicionário Houaiss, essência significa (i) aquilo que é básico, característica mais importante de algo, responsável por lhe conferir identidade; (ii) uma ideia central, um argumento principal; (iii) razão de ser; (iv) existência; (v) conjunto de qualidades, propriedades e atributos universais que caracterizam a natureza própria de algo2.

Portanto, pode-se afirmar que a essência do Poder Constituinte consiste na sua natureza, sua substância, sua razão e existência que lhe conferem identidade.

Para dar início ao estudo da essência do Poder Constituinte, faz-se necessária a exposição de algumas noções introdutórias que indicarão a linha de pensamento a ser desenvolvida na dissertação, permitindo ao leitor a compreensão do enfoque que foi conferido aos ensinamentos doutrinários que fundamentam a pesquisa desta exposição.

José Joaquim Gomes Canotilho ensina que o Direito Constitucional é um “intertexto aberto”, que depende da análise das experiências constitucionais, do espírito filosófico, dos mitos concebidos pelos povos e do conhecimento histórico, refletindo o estudo de um direito vigente, vivo, que assim precisa ser compreendido: “Saber ‘história’ é um pressuposto ineliminável do ‘saber constitucional’”3.

Dessa forma, considerando-se o Poder Constituinte um elemento de estudo do Direito Constitucional, o espírito filosófico e a realidade histórica da sociedade serão apresentados nessa investigação que tem por finalidade revelar sua essência.

1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o dicionário da língua portuguesa. 6. ed. Curitiba:

Positivo, 2006, p. 374.

2 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles e FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss

da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 1242.

3 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Livraria

(20)

2.1 Diferenciação entre os enfoques teóricos: zetética e dogmática jurídica

Um estudo jurídico pode ser desenvolvido sob dois enfoques teóricos: a zetética e a dogmática.

Tercio Sampaio, em sua obra “Introdução ao Estudo do Direito”, destaca as diferenças entre a zetética e a dogmática na investigação e compreensão do Direito como objeto de estudo4, as quais serão apresentadas resumidamente a seguir.

Zetética significa perquirir. Um enfoque zetético é responsável por desintegrar o objeto do estudo, dissolvendo opiniões e causando dúvidas. Sua função é especulativa explícita, sem limites. O problema analisado refere-se ao ser, à existência de algo. Por meio da zetética, busca-se saber o que uma coisa é.

Por isso, a zetética é aberta, ou seja, permite o levantamento de inúmeras premissas, dispensando-se as que não sejam boas. As questões poderão ficar, inclusive, sem respostas, até que as condições de conhecimento sejam favoráveis ao encontro de soluções, razão pela qual se pode afirmar que os problemas zetéticos são infinitos.

Diante disso, no plano de investigações zetéticas, há a constituição de um conjunto de enunciados que tem por objetivo transmitir adequadamente informações verdadeiras5 sobre algo que existe, existiu ou existirá, tendo em vista que funciona com base nas constatações. O estudo parte, portanto, de uma evidência, da qual surge uma dúvida para que se dê início à investigação.

4 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5. ed. São

Paulo: Atlas, 2007, p. 39-51.

5 “Tanto os antigos quanto os modernos afirmam que: 1. A verdade é conhecida por evidência (a evidência

(21)

Dogmática significa ensinar, doutrinar. Um enfoque dogmático apresenta opiniões e destaca alguma delas como objeto de estudo. Sua função é diretiva explícita, com limites. O problema sob análise refere-se ao dever ser, ou seja, em como algo deveria ser. Assim, com a dogmática, busca-se indicar uma decisão e orientar sua ação.

Por isso, a Dogmática é fechada, prendendo-se a conceitos fixos. Neste caso, as interpretações devem ser condizentes com as premissas levantadas.

Dessa feita, no plano de investigações dogmáticas, o estudo parte de dogmas previamente firmados, os quais serão colocados em dúvida para dar início à investigação, cujo resultado exige uma decisão.

No estudo do Direito, do fenômeno jurídico, como afirmado, é admitido adotar tanto o enfoque zetético, que se preocupa com o mundo do ser, quanto o dogmático, que se preocupa com o mundo do dever ser.

No presente caso, o trabalho será desenvolvido sob o enfoque zetético, utilizando-se dos instrumentos conferidos pela Filosofia6, a fim de estudar o mundo do ser para investigar e encontrar a essência do Poder Constituinte.

A Filosofia, como será analisada adiante, surge com um enfoque zetético buscando investigar e descobrir seu objeto mediante um saber especulativo, descomprometido imediatamente com uma ação.

Assim, a análise da essência do Poder Constituinte será realizada por meio de uma investigação desenvolvida com base em pesquisas de ordem não somente jurídica, mas também sociológica, política, econômica, filosófica, histórica, proporcionando ao leitor um amplo cenário sobre a origem desse objeto e sua natureza e o relacionando com as intervenções ocorridas a sua volta.

6 “A palavra filosofia é grega. É composta por duas outras: philo e sophia. Philo deriva-se de phila, que

significa amizade, amor fraterno, respeito entre os iguais. Sophia quer dizer sabedoria e dela vem a palavra

(22)

Portanto, a zetética analítica pura (Filosofia do Direito) será o enfoque dado a esta dissertação, na qual o jurista tem por foco os pressupostos últimos e condicionantes, bem como a crítica dos fundamentos formais e materiais desse fenômeno jurídico e sua compreensão. Discutir-se-á, neste trabalho, a existência do Poder Constituinte, com o objetivo de identificar o conjunto de qualidades sociais ao qual se atribuiu o caráter jurídico, a fim de investigar e aprofundar o seu conhecimento7.

2.2 Filosofia

A Filosofia é uma aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático de uma realidade, natural e humana, da sua origem e transformações e do próprio pensamento humano8. É um pensamento que se aproxima da consciência, um pensamento que existe em si mesmo, ou melhor, o desenvolvimento (evolução) do pensamento, organizado num sistema9.

O objeto de estudo da Filosofia, em sua parte prática, não é uma doutrina técnica, mas a prática moral, que segue as leis da liberdade, o sistema da natureza10. Como adiantado no item anterior, com base no enfoque zetético, a Filosofia visa investigar um objeto, a fim de descobri-lo mediante especulações sobre a sua existência sem estar comprometida com uma resposta prévia àquela que será descoberta.

A origem da Filosofia é grega. Foi na Grécia onde se desenvolveram as primeiras formas de pensar e de exprimir os pensamentos decorrentes de uma análise dos acontecimentos da realidade, o pensamento humano e as suas justificativas11. O primeiro filósofo teria sido Tales de Mileto, no final do século VIII e início do século VII antes de Cristo, na cidade de Mileto, localizada nas colônias gregas que formavam a Ásia Menor, tendo por objeto a cosmologia (estudo do conhecimento racional da ordem do mundo ou da natureza)12.

7 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5. ed. São

Paulo: Atlas, 2007, p. 46-47.

8 CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 1999, p. 20.

9 HEGEL, George Wilhelm Friedrich. Introdução à História da Filosofia. Trad. por Euclidy Carneiro da Silva.

São Paulo: Hemus, 1976, p. 50.

10 KANT, Immanuel. Introducción a la Teoría del Derecho. Trad. por Felipe Gonzalez Vicen. Madrid: Instituto de

Estudios Políticos, 1954, p. 51.

(23)

A Filosofia desenvolve-se durante o transcorrer da História, na qual se identifica: Filosofia Antiga (século VI a.C. ao século VI d.C.), Filosofia Patrística (século I ao século VII), Filosofia Medieval (século VIII ao século XIV), Filosofia da Renascença (século XIV ao século XVI), Filosofia Moderna (século XVII a meados do século XVIII), Filosofia do Iluminismo (meados do século XVIII ao começo do século XIX) e Filosofia Contemporânea (meados do século XIX até os dias atuais)13.

A Filosofia Contemporânea reduziu a Filosofia à teoria do conhecimento, à ética e à epistemologia (ciência), o que acarretou a necessidade de conhecimento das estruturas e formas do conhecimento humano14. E, por meio da Filosofia Política, passou-se a analisar a natureza do poder e da autoridade, a ideia do Direito, da justiça, as formas dos regimes políticos, o nascimento do Estado, os ideais revolucionários, as teorias de reforma, bem como criticá-los15.

2.3 Direito

O Direito é um conjunto de normas jurídicas responsáveis por regular o comportamento humano em sociedade. Ele pode ser compreendido como um fato, como uma obrigação, como um instrumento de poder ou como um fruto das relações sociais que necessita ser interpretado a fim de lhe conferir uma imagem viva da realidade de uma sociedade.

Herbert Hart escreveu a obra “O Conceito de Direito” objetivando descobrir o significado do Direito, da coerção e da moral, na qualidade de fenômenos sociais diferentes e intimamente relacionados16. Questionando-se sobre “o que é o Direito”, Hart desenvolve sua tese fundada numa teoria das regras17.

13 CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 1999, p. 44-48. 14 Ibidem, p. 54.

15 Ibidem, p. 55.

16 HART, Herbert L.A. O Conceito de Direito. 5. ed. Trad. por A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 2007, p. 1.

17 Hart defende que “o sistema jurídico é constituído totalmente, ou mesmo primariamente, por regras.”

(24)

De acordo com Hart, o Direito é a união de normas primárias (que impõem obrigações e deveres, definindo comportamento e sanções no caso de não cumprimento) e normas secundárias (que outorgam poderes jurídicos para criar ou modificar relações jurídicas)18. É concebido como uma prática social e é respeitado pela sociedade por força da regra de reconhecimento19 que, na qualidade de uma norma de referência, estabelece critérios de validade ao sistema que devem ser reconhecidos pela sociedade20.

O Direito pode ser compreendido como um conjunto de princípios e regras21 que orienta a produção de normas jurídicas convencionadas para a formação e a estruturação do ordenamento jurídico. Essas normas são responsáveis por regular a conduta humana22, uma vez que o Direito tem por objetivo disciplinar o comportamento humano em sociedade. Para tanto, fundamenta-se nos fatos repetidos ocorridos na vida social, os quais são eleitos com a finalidade de receber uma proteção ou uma condenação por meio das normas jurídicas que os regulamentarão23.

O sistema jurídico, por sua vez, apresenta-se como um conjunto de normas, de práticas, de costumes e valores, imposto pelo Estado na organização da sociedade. Por isso, todo sistema jurídico relaciona-se a um tipo de Estado, seja ele feudal, socialista ou democrático, pois exprime normas jurídicas que refletem as ideias, os objetivos e as necessidades da sociedade24.

18 HART, Herbert L.A. O Conceito de Direito. 5. ed. Trad. por A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 2007, p. 91.

19 Concebida como uma questão de fato (Ibidem, p. 274-275).

20 Hart compara a regra de conhecimento como a regra de pontuação de um jogo, pois é responsável definir

como o Direito será aplicado (Ibidem, p. 113).

21 Os princípios e as regras são espécies de normas e assim se distinguem: “a) Grau de abstração: os princípios são

normas com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida. b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador? do juiz?), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação directa. c) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito). d) ‘Proximidade da idéia de direito: os princípios são ‘standards’ juridicamente vinculantes radicados nas exigências de ‘justiça’ (DWORKIN) ou na ‘idéia de direito’ (LARENZ); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional. f) Natureza normogenética: os princípios são fundamentos de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes.

Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993, p. 166-167)

22 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes,

1998, p. 33.

23 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 83. 24 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Poder Constituinte Reformador. Limites e possibilidades da revisão

(25)

Direito pode, então, ser concebido como um fenômeno ou um fato social, histórico e concreto que deve ser compreendido mediante o questionamento da realidade social e do processo histórico no qual ele manifesta-se25. É um fato social por natureza, que revela a natureza íntima de um determinado grupo social26.

Ronald Dworkin defende que o Direito é, sem dúvida, um fenômeno social, mas suas complexidades, funções e consequências dependem de uma característica especial de sua estrutura27. Existe como um simples fato. O que o Direito é não depende do que ele deveria ser28.

O Direito possui uma força que incide sobre a vida de todos29, influenciando suas ações e omissões de acordo com as suas normas prescritivas, de modo que “tem por função apreender os interesses materiais e ideais dos homens e tutelá-los, na medida em que eles se apresentem como dignos e proteção ou tutela”30. Trata-se de uma ordem de coerção, que prescreve um mandamento e uma sanção31, capaz de regular a conduta humana conferindo segurança e paz ao ordenamento jurídico32.

A norma jurídica produzida pelo Direito é responsável por converter uma obrigação em motivo de ação, na qualidade de mero conhecimento teórico da determinação do possível, do arbítrio. Toda legislação, quando coincide com a razão, converte-se em obrigação, motivo pelo qual deve ser sempre compulsória33.

25 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Poder Constituinte Reformador. Limites e possibilidades da revisão

constitucional brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 23.

26 MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 25. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.

518.

27 DWORKIN, Ronald. Império do Direito. Trad. por Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999,

p. 17.

28 Ibidem, p. 10.

29 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 7. ed. Trad. J. Baptista Machado. Lisboa: Fundação

Calouste Gulbenkian, 1996, p. 75.

30 Ibidem, p. 368.

31 “O conceito de sanção pode ser estendido a todos os atos de coerção estatuídos pela ordem jurídica, desde

que com ele outra coisa não se queira exprimir se não que a ordem jurídica, através desses atos, reage contra uma situação de fato socialmente indesejável e, através desta reação, define a indesejabilidade dessa situação de fato. É esta, na verdade, característica comum a todos os atos de coerção estatuídos pela ordem jurídica.” (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 45-46) Sanções, são, portanto, atos de coerção aplicados pela ordem jurídica contra uma ação ou uma omissão praticados em desacordo com a conduta prescrita pela norma jurídica (Idem. Ibid., p. 121).

32 Ibidem, p. 41.

33 KANT, Immanuel. Introducción a la Teoría del Derecho. Trad. por Felipe Gonzalez Vicen. Madrid: Instituto de

(26)

O Direito pode, assim, ser compreendido como uma organização das relações de poder, fundado na imposição autoritária, que tem por princípio regulador a justiça que lhe confere sentido, uma vez que, sem essa valoração, perde seu império, sua validade e eficácia34.

O Direito é responsável por limitar, instituir e organizar o poder presente numa sociedade, disciplinando a atuação e resguardando a liberdade, os direitos do homem, elemento fundamental defendido pelo liberalismo35. A compreensão do Direito está relacionada ao conhecimento das relações hierárquicas, de autoridades presentes numa sociedade36.

De acordo com a teoria desenvolvida por Miguel Reale, o Direito possui uma estrutura tridimensional e deve ser compreendido como um elemento normativo disciplinador de comportamentos individuais e coletivos, sempre pressupondo uma determinada situação de fato, qualificada por determinado valor. O Direito é, então, uma integração normativa de fatos e valores (fato, valor e norma) que não podem ser separados, tendo em vista que o fato realiza o valor por meio da norma jurídica37.

De acordo com Reale, o Direito é “a ordenação bilateral atributiva das relações sociais, na medida do bem comum”, que permite a convivência dos indivíduos em sociedade na busca daquele bem comum, compreendido como aquilo que o homem pode realizar sem prejudicar o outro homem38.

Como se pode observar, de acordo com a teoria tridimensional, o Direito é concebido pela união do aspecto normativo (ordenamento jurídico), do aspecto fático (fato social e histórico) e do aspecto axiológico (valor de justiça)39.

34 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5. ed. São

Paulo: Atlas, 2007, p. 372-373.

35 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Estado de Direito e Constituição. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.

3-4.

36 Complexo de relações dos homens com seus semelhantes; grupo derivado de um acordo de vontades;

conjunto de relações nas quais os indivíduos vivem solidariamente em ordem para formação de uma entidade nova e superior (BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p. 54-55).

37 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 141. 38 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 59.

(27)

Posto isso, as normas, os fatos e os valores devem ser compreendidos conjuntamente, refletindo a ideia da teoria tridimensional do Direito defendido por Miguel Reale40: “Direito é a concretização da ideia de justiça na pluridiversidade de seu dever histórico, tendo a pessoa como fonte de todos os valores.”41

Pode-se, ainda, afirmar que a definição de Direito é determinada num momento concreto, fruto da análise do que dizem as leis de um determinado momento num determinado lugar42. A lei é uma proposição que contém um imperativo categórico, um mandato. Quem manda por meio da lei é o legislador, autor da vinculatoriedade de acordo com a lei. Essa lei advém da vontade suprema do legislador, de uma vontade divina43.

Nesse sentido, o Direito seria o que as instituições jurídicas, legislaturas, câmaras municipais, tribunais, decidiram no passado44 e agora é analisado e aplicado pelos que estão vivendo-o no presente. Ou melhor, “O direito (ou a constituição) é o que os tribunais dizem que é”45.

Direito manifesta-se sobre a elaboração, interpretação46 e aplicação das normas jurídicas que, organizadas, são responsáveis pela formação do sistema jurídico formado pelo conjunto de regras e princípios47. É um elemento essencial da comunidade, na qual o homem nasce e cresce sob as normas jurídicas que disciplinam sua vida48.

40 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 66. 41 Ibidem, p. 67.

42 KANT, Immanuel. Introducción a la Teoría del Derecho. Trad. por Felipe Gonzalez Vicen. Madrid: Instituto de

Estudios Políticos, 1954, p. 78.

43 Ibidem, p. 77.

44 DWORKIN, Ronald. Império do Direito. Trad. por Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999,

p. 10.

45 HART, Herbert L.A. O Conceito de Direito. 5. ed. Trad. por A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 2007, p. 155.

46 “Interpretar é atribuir um sentido ou um significado ao texto.” (BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e

Interpretação Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 37)

47 “(...) podemos dizer que o sistema jurídico ergue-se como um vasto edifício, onde tudo está disposto em

sábia arquitetura. Contemplando-o, o jurista não só encontra ordem, na aparente compilação, como identifica, imediatamente, alicerces e vigas mestras. Ora, num edifício tudo tem importância: as portas, as janelas, as luminárias, as paredes, os alicerces etc. No entanto, não é preciso termos conhecimento aprofundados de Engenharia para sabermos que muito mais importantes que as portas e janelas (facilmente substituíveis) são os alicerces e as vigas mestras. Tanto que, se de um edifício retirarmos ou destruirmos uma porta, uma janela ou até mesmo uma parede, ele não sofrerá nenhum abalo mais sério em sua estrutura, podendo ser reparado (ou até embelezado). Já, se dele subtrairmos os alicerces, fatalmente cairá por terra. De nada valerá que portas, janelas, luminárias, paredes etc. estejam intactas e em seus devidos lugares. Com o inevitável desabamento, não ficará pedra sobre pedra. Pois bem, tomadas as cautelas que as comparações impõem, estes ‘alicerces’ e estas ‘vigas mestras’ são os princípios jurídicos, ora objeto de nossa atenção.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 17. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 32-33)

48 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 7. ed. Trad. J. Baptista Machado. Lisboa: Fundação

(28)

Diante dessa exposição, pode-se conceber o Direito como um conjunto de normas jurídicas, decorrente de um fato social que impõe obrigação ao regular a vida humana em sociedade, atuando como um instrumento de poder que pode ser facilmente identificado nas relações sociais reguladas pelo Estado, com a competência de impor obrigações e assegurar direitos aos indivíduos que formam a sociedade.

2.4 Filosofia do Direito

Analisados os conceitos de Filosofia e Direito, é possível compreender o que é Filosofia do Direito, que servirá de instrumento para o desenvolvimento da dissertação.

A Filosofia do Direito tem por objeto descobrir a essência do Direito. O filósofo desenvolve um estudo aprofundado para descobrir qual é a essência do Direito, refletindo sobre questões jurídicas essenciais e problemas jurídicos fundamentais a fim de lhes conferir uma resposta satisfatória. O filósofo não se restringirá em formular respostas previamente prontas. Pelo contrário, dedicar-se-á a encontrar respostas na profundeza dos estudos do Direito49.

A Filosofia do Direito permite uma melhor compreensão do seu objeto de estudo por conferir linhas mestras que orientam e norteiam o saber jurídico, por meio da análise de princípios gerais e axiomas, a serem investigados pelo jurista a fim de conferir ao objeto estudado uma justificação50.

Assim, a Filosofia do Direito avalia os fenômenos jurídicos analisando as possibilidades de provê-los de uma justificação, sem, contudo, satisfazer-se com a reprodução de respostas prontas, elaboradas por outros juristas. O filósofo preocupar-se-á em desvendar os problemas, solucionando-os com suas próprias respostas, na atividade de descobrir a essência do Direito.

49 KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito, teoria do direito, dogmática jurídica. Introdução à Filosofia do

Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas. Trad. Marcos Kell e Manuel Seca de Oliveira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 25-27.

(29)

A Filosofia do Direito dedica-se a analisar as questões fundamentais da vida social, referindo-se também à doutrina do Estado51. Com base na Filosofia, o filósofo averiguará os princípios fundamentais inseridos na base do Direito, atentando-se a seus significados, a sua natureza, a seus valores, a fim de melhor compreendê-los52.

A Filosofia do Direito nos permite, então, encontrar uma justificação para a ordem jurídica, pois possibilita uma reflexão profunda sobre os fundamentos ou os pressupostos do Direito53.

2.5 Filosofia da Constituição

A Filosofia da Constituição tem por objeto a busca da essência da Constituição e dos elementos que a integram na formação do ordenamento jurídico. O estudo a ser desenvolvido utilizará um método lógico-dedutivo que parte do particular para o universal, ou seja, a Constituição será o foco de análise, permitindo desvendar todos os elementos que se encontram a sua volta.

Na Filosofia da Constituição, a norma constitucional, na qualidade de norma suprema e superior do ordenamento jurídico, é tida como válida, vinculante e aplicável, formada por um conjunto de normas respeitado e observado pela sociedade.

A Constituição sempre se apresenta, em termos políticos, como um limite decisório à vontade popular, institucionalizando direitos e obrigações, além de estabelecer prerrogativas e deveres54. É um fenômeno de poder, fruto das realidades culturais, do exercício do poder político, que tem por objetivo, além da organização racional e perfeita do Estado, uma esquematização e atuação do poder político para realização de seus valores55.

51 JELLINEK, George. Teoria General del Estado. Trad. por Fernando de los Rios. Buenos Aires: Editorial

Albatros, 1954, p. 48.

52 MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 25. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.

519.

53 Idem. Estudos de Filosofia do Direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 41.

54 FARIA, José Eduardo. Entre a rigidez e a mudança: a Constituição no tempo. Revista Brasileira de Direito

Constitucional. n. 2 – julho-dezembro de 2003, p. 201.

55 TEIXEIRA, José Horácio Meireles. Curso de Direito Constitucional. Texto Revisto e Atualizado por Maria

(30)

Nesse sentido, importante ter em mente que a Constituição é o fundamento último do Direito, tendo em vista que, como norma suprema, inexiste norma anterior ou superior a ela. Conseguintemente, seus fundamentos estão em princípios superiores, de ordem diversa a jurídica positiva, ou seja, fundada na política, na ética e na filosofia56.

A Constituição é o ápice do ordenamento jurídico, razão pela qual somente pode encontrar seu fundamento fora do Direito Positivo, uma vez que o valor dos princípios e de suas normas não se explica por meio de considerações jurídicas, mas com base em princípios e valores transcendentes ao Direito Positivo57.

Partindo do pressuposto de que a Constituição é, portanto, a responsável pela institucionalização do poder político58, antes de estudar a Constituição é necessário conhecer e compreender o fenômeno do poder político.

Por isso, no desenvolvimento da dissertação, que visa identificar a essência do Poder Constituinte, força responsável pela criação e elaboração da Constituição, primeiramente, será analisado o poder, anterior a ela, para compreensão do conceito de Constituição e, posteriormente, seu objeto, na formação do Estado Constitucional.

O Poder Constituinte é uma vontade constituinte capaz de preservar a existência política por meio de elaboração de normas jurídicas, investidas de vontade política na tomada da decisão de elaborar uma Constituição, a qual, além de ser fruto dessa disposição política, ainda é o conjunto de normas jurídicas referentes a essa existência política e ao modo dessa existência59.

Portanto, a Filosofia da Constituição permitirá desvendar não somente a essência do Poder Constituinte, objeto da dissertação, mas também dos demais elementos que a circundam, tais como o poder, a Constituição e o Estado Constitucional. É o que será visto adiante.

56 TEIXEIRA, José Horácio Meireles. Curso de Direito Constitucional. Texto Revisto e Atualizado por Maria

Garcia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 199.

(31)

3. O PODER

Como adiantado, a compreensão da noção de poder é imprescindível para o estudo da essência do Poder Constituinte, sendo certo que “O Poder Constituinte antes mesmo de ser constituinte – de onde se extrai sua finalidade – é poder e dessa elementar decorre a sua natureza e a sua ideologia social”60.

“(...) a noção de Poder Constituinte aparece como algo absolutamente necessário para poder compreender-se o tema da distribuição do Poder. E se considerarmos que no Estado Constitucional democrático, social, contemporâneo, é necessário manter a distinção do Poder, embora com outros alcances, com outras características, mas mantê-la, é evidente que também temos que conservar o conceito de Poder Constituinte de tal forma que só a parte do funcionamento deste Poder, pode-se entender a divisão de Poder.”61

A compreensão do poder, bem como dos seus estatutos, limites, finalidade e legitimidade mostra-se necessária para melhor identificar as consequências do seu uso inadequado62, tendo em vista que o poder está em qualquer lugar, assim como o ar que se respira63.

Diante disso, serão objeto de análise nesse capítulo o conceito de poder e sua relação com o Direito, para uma exposição do histórico de suas manifestações, a fim de verificar se é possível lhe eleger um titular e se há necessidade de impor uma limitação para, posteriormente, desvendar os conceitos de soberania, legitimidade e democracia, essenciais para ser dada continuidade a este trabalho.

3.1 Conceito de poder

60 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Poder Constituinte Reformador. Limites e possibilidades da revisão

constitucional brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 15.

61 VANOSSI, Jorge Reinaldo. Uma visão atualizada do Poder Constituinte. Entrevista concedida a Celso Ribeiro

Bastos e Gastão Alves de Toledo. Trad. de Susana Maria Pereira dos Santos de Nóbrega. Revista de Direito Constitucional e Ciência Política. Ano I – n. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 11.

62 TAVARES, André Ramos. Democracia e exercício do poder: apontamentos sobre a participação política.

Revista Brasileira de Direito Constitucional. n. 3 – janeiro-junho de 2004, p. 353.

63 BOBBIO, Norberto. As Ideologias e o Poder em Crise. Pluralismo, Democracia, Socialismo, Comunismo,

(32)

Pois bem: o que é poder? Defini-lo não é tarefa simples64.

Como verbo, poder significa possuir (i) faculdade ou o direito de algo; (ii) força, energia para algo; (iii) possibilidade ou autorização para fazer algo; (iv) direito ou razão; (v) força ou autoridade. Como substantivo, poder é o direito, a disponibilidade, o domínio, a força para agir, mandar, mediante uma autoridade constituída65.

De acordo com o Dicionário Houaiss, poder pode ser compreendido como (i) possuir faculdade ou possibilidade de fazer algo; (ii) possuir força física ou moral, exercendo influência sobre alguém; (iii) ter força, vontade ou energia moral para exigir algo; (iv) possuir autoridade, motivo, razão para exigir algo; (v) ter domínio ou controle sobre algo66.

O poder pode ser exercido de diversos modos: “Ter poder, dar ou delegar poder, perder poder, ganhar poder”67. Como algo, pode-se dizer que poder é exercido68. Como fato, poder é obedecido69.

O que interessa a este estudo, inicialmente, é compreender a noção de poder como verbo, que o associa à noção de possibilidade, cuja natureza indica uma ideia de potencialidade70 que, a qualquer momento, pode manifestar-se mediante uma violência71. É representado como se tivesse um sujeito, pois aquele que possui o poder será evidenciado quando for exercido72.

64 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a

justiça e o direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 17.

65 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o dicionário da língua portuguesa. 6. ed. Curitiba:

Positivo, 2006, p. 637.

66 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles e FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss

da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2244.

67 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Op. cit., p. 16. 68 Ibidem, p. 20.

69 Mas por que o poder é obedecido? De acordo com a teoria normativa do poder desenvolvida por Bertrand

de Jouvenal, o poder é obedecido devido (i) a uma relação causal, diante de uma causa eficiente da obediência fundada em legitimidade, pois o poder teria a condição de legítimo na sua origem (teoria da soberania); e (ii) a uma relação finalística, tendo em vista a necessidade de se alcançar uma finalidade perseguida, o bem comum (teoria da função estatal) - (Ibidem, p. 21-22).

70 Ibidem, p. 18.

71 MÜLLER, Friedrich. Fragmentos (sobre) o Poder Constituinte do Povo. Trad. por Peter Naumann. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2004, p. 75.

(33)

Se alguém consegue que o outro faça ou se omita de fazer algo que faria de outro modo, esse alguém tem poder73. O fato de um indivíduo ter e exercer poder sobre outro indivíduo fundamenta-se no fato de que esse indivíduo possui a capacidade de induzir aquele outro a exercer uma conduta que ele deseja74.

A ideia de poder pode ser associada, por exemplo, a uma substância, a algo, como uma coisa, tal como uma força, uma faculdade, uma capacidade para agir ou fazer alguma coisa. Trata-se de um atributo essencial para uma autoridade política, judiciária, administrativa, policial, na medida em que representa uma capacidade de produzir obediência75.

Poder pode ainda estar associado a uma faculdade humana de produzir obediência, pois está intimamente relacionado ao direito subjetivo de cumprir às ordens dirigidas a uma pessoa, ou, ainda, à ideia de um instrumento de exercício de soberania, de modo que é uma força que controla as relações entre os indivíduos76.

A noção de poder pode ser constatada no contexto social, efetivando-se com a capacidade de emitir comando com regras de condutas que são respeitadas e obedecidas, havendo uma relação de submissão entre aquele que emite a ordem e aquele que a recebe77.

Em todos os tipos de Estado, por exemplo, há a constituição do poder78, disciplinando as relações sociais e a atividade do Estado no exercício do poder estatal.

Portanto, como se pode observar, necessariamente, o exercício do poder implica em uma dose de sujeição, coerção, que o seu detentor impõe sobre as demais pessoas79.

73 LAPORTA, Francisco J. Poder y Derecho. El derecho y La justicia. 2. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2000,

p. 444.

74 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. por Luís Carlos Borges. 4. ed. São Paulo: Martins

Fontes, 2005, p. 274.

75 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a

justiça e o direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 19.

76 Ibidem, p. 20.

77 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Poder Constituinte Reformador. Limites e possibilidades da revisão

constitucional brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 16-17.

78 MÜLLER, Friedrich. Fragmentos (sobre) o Poder Constituinte do Povo. Trad. por Peter Naumann. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2004, p. 25.

(34)

Seja social ou político, o poder representa uma questão de autoridade80 e uma relação de hierarquia entre o indivíduo superior (que possui o poder e o exerce) e o inferior (que sofre o exercício do poder)81.

Considerando que uma sociedade é um sistema de relações de poder82, essas relações podem ter caráter político, social, econômico, religioso, cultural, tendo em vista que o poder é uma relação sócio-psicológica entre aquele que detém o poder e o exerce (detentores do poder) e aquele a quem o poder é dirigido (destinatários do poder)83.

É nessa sociedade que surge o Estado como uma forma exclusiva e preponderante de organização sócio-política, na qual o poder político age para exercício de um controle social dos detentores do poder e os seus destinatários84. Porém, o poder não apenas domina essa relação entre os detentores e os destinatários do poder, mas também condiciona as relações entre os diversos detentores de poder85.

Como se pode observar, uma das características do poder é a presença de uma autoridade e uma relação de hierarquia entre seu detentor e seu destinatário. Isso possibilita que a vontade do detentor do poder seja realizada naturalmente pelo seu destinatário.

Pode-se afirmar que “O poder é uno e indivisível”, uma vez que a capacidade de determinar o comportamento de outra pessoa não pode ser fracionada86. O detentor do poder o exerce isoladamente, haja vista que, ainda que o delegue, ele é o único que tem poder para exercê-lo ou dizer como ele deverá ser exercido.

80 “A autoridade envolve, portanto, o consentimento (liberdade de) na relação governante-governado,

indivíduo-Estado, ao passo que o poder existe, isto é, independe desse assentimento, manifestação da liberdade, mas se impõe – isto, ainda que aquela (autoridade), possa coexistir junto à idéia de poder, exercício de poder que demanda consentimento, em síntese, uma forma de poder vinculada à liberdade.” (GARCIA, Maria. Desobediência Civil Direito Fundamental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 43)

81 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. por Luís Carlos Borges. 4. ed. São Paulo: Martins

Fontes, 2005, p. 274

82 “Por isso, o poder se diz na política, na economia, no direito, na cultura, no amor, na ciência, e se vê na

força, na violência, na persuasão, no convencimento, na vitória, na resistência e até na fraqueza e no desamparo. A questão é, então, por onde principiar.” (FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e o direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 16)

83 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Trad. por Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: Editora

Ariel, 1976, p. 26.

84 Ibidem, p. 26-27. 85 Ibidem, p. 27-28.

86 ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São

(35)

O poder perfeito é o exercido sem ser percebido87. Ou seja, a perfeição no exercício do poder está na habilidade de impor a autoridade e a hierarquia sem uso da força, da violência, do escândalo, mas sim com naturalidade, quando então o destinatário do poder atende à vontade do seu detentor sem questionar ou discutir.

Diante disso, pode-se afirmar que o poder é exercido de modo diferente de uma ação violenta e com ela não se equipara88. É regido como categoria meio-fim, aplicada a questões humanas com características de estar o fim sempre em perigo por ser sobrepujado pelos meios89. É, portanto, a capacidade humana de agir de comum acordo90.

Essa relação entre o detentor do poder e seu destinatário, que impõe a realização da vontade daquele naturalmente por este, decorre da aplicação de regras, quando existe uma consciência social sobre sua obrigatoriedade e não porque tais regras foram escritas em algum documento91. Daí surge a importância da consciência jurídica nacional, especialmente dos aplicadores do Direito, por exemplo, antes da mudança de um texto constitucional ou da formação de uma assembleia constituinte92, que permite o exercício do poder para realização da vontade da respectiva nação.

Aristóteles, em sua obra “A Política”93, defendia a existência de três tipos de poder: o poder paterno, entre os pais e seus filhos, originário da natureza, o poder despótico, entre o senhor e seu escravo, originário do castigo, e o poder político, entre os governantes e os governados, originário do consenso94.

Neste trabalho serão analisados dois tipos de poder, o social e o político, os quais estão intimamente relacionados ao exercício do Poder Constituinte.

87 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a

justiça e o direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 16.

88 ARENDT, Hannah. Crises da República. 2. ed. Trad. por José Volkmann. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 125. 89 Ibidem, p. 94.

90 Ibidem, p. 123.

91 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Poder Constituinte. Revista de Direito Constitucional e Ciência Política.

Ano III – n. 4. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 77.

92 Ibidem, p. 78.

93 ARISTÓTELES. A Política. Trad. por Nestor Silveira Chaves. Bauru: Edipro, p. 1995.

94 FAVETTI, Rafael Thomaz. Controle de Constitucionalidade e Política Fiscal. Porto Alegre: Sergio

Referências

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