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Conceito de Poder Constituinte

Como afirmado desde o início da dissertação, o conceito de Poder Constituinte é fruto do gênero filosófico e científico. O que existe é um fato, qual seja, o povo manifesta sua vontade para se auto-organizar e autogovernar.

O exercício do Poder Constituinte pode ser reconhecido como um fato, mas, contudo, não encerra uma explicação lógica. Trata-se da manifestação de vontade de um soberano ou do povo organizado, concretizado por meio da assembleia constituinte ou por uma revolução, que termina sua atividade com a publicação da Constituição641.

O Poder Constituinte resume-se numa questão de poder, de força, de autoridade política, capaz de criar, garantir ou eliminar a Constituição, compreendida como a lei fundamental da sociedade política642 juridicamente organizada.

Conforme será comprovado mais adiante, o Poder Constituinte é o poder de titularidade do povo para lhe outorgar a Constituição, representando a mais alta expressão do poder político, pois demonstra a energia capaz de organizar política e juridicamente a sociedade por meio da elaboração do texto constitucional643.

641 “O exercício do Poder Constituinte elaborador dessas normas fundamentais pode abranger, portanto, o

desenvolvimento de uma vontade política do seu titular, determinando forma e organização do Estado e o ordenamento jurídico da sociedade, nesse Estado. É o Poder Constituinte originário, na sua ‘etapa de primigeneidade’ primeira e incondicionada.” (GARCIA, Maria. Exercício do Poder Constituinte Derivado.

Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. Ano 3 – n. 11 – abril-junho de 1995, p. 31)

642 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Livraria

Almedina, 2003, p. 65.

643 SILVA, José Afonso da. Poder Constituinte e Poder Popular (estudos sobre a Constituição). 1. ed. São Paulo:

Portanto, é indiscutível que o Poder Constituinte preceda a Constituição e o Estado, pois se incumbe da elaboração da Constituição que, por sua vez, confere existência ao Estado644 com a fundação da ordem jurídica do país.

Assim, pode-se afirmar que o exercício do Poder Constituinte somente poderá ser identificado depois de elaborada a Constituição. Antes dela, não é possível sequer conhecer quem nem como atuará, tendo em vista que ele está relacionado e precisa ser analisando em conjunto com sua obra já elaborada (a Constituição)645.

“Como há pouco teorizamos, Poder Constituinte é mais que o poder de produzir normas constitucionais. É aptidão para produzir toda a Constituição, de uma vez só, e ab-rogar todas as normas da velha Carta Magna, também num único momento (se assim preferir). É o mesmo que dizer: numa das mãos, o Poder Constituinte usa o giz para criar a nova Constituição. Na outra mão, usa do apagador para descriar a Constituição antiga. Seu verdadeiro alvo não são determinadas normas constitucionais a derruir, a erigir, ou a modificar. Seu verdadeiro alvo são as duas Constituições por completo: a velha e a nova. Quem trabalha ao nível das normas constitucionais, e não ao nível da Constituição por completo (nem da antiga nem da nova), é o Poder Reformador.”646

Nota-se, portanto, o Poder Constituinte é um poder destinado a criar a Constituição e que pode ser encontrado nas bases de todo o texto constitucional, seja na elaboração da primeira Constituição do Estado, seja nas demais Constituições novas que serão elaboradas durante a história da sociedade. Ele significa, enfim, o poder de constituir, de criar, de fazer uma Constituição647 e de disciplinar a produção das normas constitucionais que devem atender à realidade da sociedade à qual ela se destina648.

644 NALINI, José Renato. Constituição e Estado Democrático. São Paulo: FTD, 1997, p. 15.

645 “Tiene además una propiedad francamente sorprendente: su existencia no pude ser inferida sino después

de que ha actuado. No podemos saber a priori ni quién es ni cómo es. Solamente podemos conocer de su existencia ex post. Sólo cuando estamos en presencia de una constitución ya vigente podemos colegir que ha habido un poder constituyente tal. Antes no.” (LAPORTA, Francisco J. Filosofía del Derecho y Norma Constitucional: Una aproximación preliminar. Constitución: problemas filosóficos. Madrid: Ministerio de la Presidencia. Secretaria General Técnica. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003, p. 24).

646 BRITO, Carlos Ayres. A Constituição e o Monitoramento de suas Emendas. Revista Eletrônica de Direito do

Estado. N. 1, jan. 2004. Disponível em http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 25 maio 2005, p. 7.

647 SALDANHA, Nelson. Poder Constituinte. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 86.

648 O Poder Constituinte é compreendido fundamentalmente como uma função, de modo que permite a

afirmação de que, inclusive na etapa de reforma da Constituição, existe uma manifestação desse poder (VANOSSI, Jorge Reinaldo. Uma visão atualizada do Poder Constituinte. Entrevista concedida a Celso Ribeiro Bastos e Gastão Alves de Toledo. Trad. de Susana Maria Pereira dos Santos de Nóbrega. Revista de Direito

O Poder Constituinte pode ser analisado sob o aspecto material e formal. O aspecto material demonstra o poder de auto-organização do Estado, enquanto o formal representa o poder de eleger os preceitos à categoria de normas constitucionais. O aspecto material antecede, logicamente, o aspecto formal logicamente porque, como já visto, a ideia de Direito é anterior à regra de Direito, e, historicamente, porque existem dois tempos no processo constituinte, um do triunfo da ideia do Direito e outro da formalização dessa ideia649 por meio da produção das normas constitucionais que formam o todo denominado Constituição.

“Poder Constituinte é aquele que participa da criação e distribuição das competências supremas do Estado e veremos que cada vez que existe uma redistribuição ou uma reformulação dessas competências é evidentemente mais uma manifestação do Poder Constituinte.” 650

É importante esclarecer que o Poder Constituinte não se confunde com o Poder Legislativo de um país. Enquanto o primeiro tem por função a criação do texto constitucional, o segundo é o poder instituído por aquele, com o fim de criar as normas jurídicas do ordenamento em consonância com a Constituição651.

Conforme será demonstrado neste capítulo, o Poder Constituinte, no exercício da criação e elaboração da Constituição, institui o Estado, concedendo-lhe poderes para administrar e reger a sociedade a que ela se destina. Diante disso, por força do exercício do Poder Constituinte, há a instituição de poderes derivados, responsáveis não só pela produção legislativa do país, de competência do Poder Legislativo, como também pela administração do Estado (Poder Executivo), pela sua jurisdição (Poder Judiciário), pela criação de novas Constituições para organização dos Estados-membros de uma federação (Poder Decorrente), e pela própria reforma do texto constitucional (Poder Reformador).

649 “Origina-se a vontade constituinte histórico imediatamente anterior ao do surgimento do Estado. É o

ponto de maturação de uma sociedade ainda informe, para institucionalizar-se como sociedade política por excelência, adotando a forma estatal. Esse poder constituinte material originário permanece depois latente, para ser chamado a emergir em qualquer momento. Isso, caso a necessidade de se conferir novos rumos ao Estado vier a se mostrar imperante.” (NALINI, José Renato. Constituição e Estado Democrático. São Paulo: FTD, 1997, p. 15)

650 VANOSSI, Jorge Reinaldo. Uma visão atualizada do Poder Constituinte. Entrevista concedida a Celso Ribeiro

Bastos e Gastão Alves de Toledo. Trad. de Susana Maria Pereira dos Santos de Nóbrega. Revista de Direito

Constitucional e Ciência Política. Ano I – n. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 12.

651 “Na verdade, toda a teoria da separação dos poderes, confirma a diferença, que é substancial, entre o

Portanto, para firmar um conceito de Poder Constituinte, pode-se atestar que se trata de uma força emanada do povo, do qual decorre o poder de criar e elaborar uma Constituição para instituição do Estado, bem como de regular o exercício do poder político, a fim de proporcionar estabilidade e segurança às relações sociais dentro do seu âmbito de atuação.