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Aplicação e eficácia da Constituição

A aplicação das normas constitucionais permite que a Constituição surta efeitos jurídicos dentro do âmbito de aplicabilidade exigida da sua capacidade359. Aplicabilidade e eficácia360 estão intimamente relacionadas: enquanto eficácia é uma potencialidade, a aplicabilidade é a realização e a prática da norma jurídica361.

As normas constitucionais são aplicáveis e eficazes, do ponto de vista sociológico, quando efetivamente observadas e cumpridas pela sociedade, e, do ponto de vista jurídico, quando estão vigentes, são legítimas e possuem eficácia362.

357 TAVARES, André Ramos. Teoria da Justiça Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 50.

358 AGRA, Walber de Moura. Fraudes à Constituição: Um atentado ao Poder Reformador. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris Editor, 2000, p. 53.

359 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores,

1998, p. 17.

360 Não será desenvolvida, aqui, com a atenção que o tema requer, a teoria de José Afonso da Silva (eficácia

plena, contida e limitada das normas constitucionais), mas apenas indicar-se-á as condições de aplicação e eficácia das normas constitucionais a fim de comprovar que a Constituição possui supremacia que autoriza a plena aplicação a fim de surtir efeitos perante a sociedade para o qual ela se destina.

361 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 60. 362 Ibidem, p. 52.

Toda Constituição é dotada de pelo menos um mínimo de eficácia sobre a realidade social363, ou seja, suas normas são dotadas de uma eficácia mínima364 que autoriza sua aplicação sobre o mundo real ao qual ela se destina. Isso significa que todas as normas constitucionais, sem exceção, são capazes de surtir efeitos desde sua vigência365.

A Constituição precisa ser corretamente interpretada para o alcance da adequada compreensão dos seus mandamentos. O intérprete deve buscar a principiologia das normas constitucionais e conscientizar plenamente de seus preceitos básicos, para que se possa assegurar efetividade ao texto constitucional.

No exercício de interpretação da Constituição, o intérprete deve ter em mente os princípios da supremacia e da unidade da Constituição, conferindo às normas constitucionais o grau de máxima eficiência (princípio da máxima eficiência), o que significa que, sempre que possível, a Constituição deve ser interpretada de forma a atribuir o maior grau de eficácia às suas normas366.

Esses comandos de interpretação têm por objetivo conferir à Constituição a possibilidade de se realizar no mundo real, surtindo efeitos práticos sobre a sociedade à qual ela se destina. Trata-se da necessidade de concretizar cabalmente as normas constitucionais, possibilitando que elas saiam do universo jurídico normativo do texto da Constituição para ir ao encontro do universo fático onde efetivamente surtirá seus regulares efeitos.

Tal concretização pode ser alcançada pela exata interpretação da Constituição, que deve absorver a realidade social (fatores reais de poder) e extrair o conteúdo da Constituição a fim de lhe proporcionar a correta aplicação. Nesse sentido, a interpretação constitucional destaca-se com um caráter criativo, pois o conteúdo normativo somente será completo após a interpretação da Constituição367.

363 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 97. 364 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 89. 365 BRITO, Edvaldo. Limites da Revisão Constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993, p. 57. 366 BASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit., p. 175-176.

367 HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional (Selección). Madrid: Centro de Estudios

“O Direito, do ponto de vista sociológico, é meramente a institucionalização da força, é o resultado de um jogo de relações sociais em que as forças maiores prevalecem. Isto é o Direito. De um ângulo extra sociológico é o sistema de normas, pura e simplesmente. Esse tipo de separação talvez torne mais simples verificar a problemática que enfrentamos, inclusive na órbita política. Quem interpreta o fundamental na Constituição quando diz que o poder emana do povo e em seu nome é exercido. Bem o último a interpretar é Poder Judiciário, a interpretar como órgão do Direito Positivo, mas todos nós interpretamos a cada momento no exercício da norma atividade. Enquanto todos nós não interpretarmos com consciência jurídica, não adianta nada. É isto que precisa ser transformado e este é um papel importantíssimo para o bacharel de Direito, porque ele faz parte dessa comunidade que dissemina uma consciência jurídica. É isso que nós precisamos fazer. Então aprendemos a separar o Direito da Política para chegar a esse ponto.” 368

Já afirmava Konrad Hesse que a condição de eficácia de uma Constituição jurídica refere-se à coincidência da realidade e da norma, o que constitui um limite hipotético extremo, eis que entre a norma constitucional estática e racional e a realidade social existe uma tensão que dificilmente se eliminará369. Portanto, o efeito determinante de uma Constituição real é se desvincular da Constituição jurídica370, para que possa efetivamente representar os comandos que organizam de fato determinada realidade social.

Infere-se, assim, que a norma constitucional não possui existência autônoma diante da realidade, pois a essência dela está na sua vigência, na sua efetiva concretização na realidade social371. Isso, contudo, não afasta da Constituição seu caráter de “dever ser”, pois mantém sua qualidade de impor a ordem e a conformação à realidade política e social372, de modo que consegue a plena pretensão de eficácia quando adquire força normativa373.

A essência e a eficácia da Constituição estão, portanto, na força da natureza das coisas, que impulsiona as normas constitucionais de modo a transformá-las em força ativa para efetiva realização constitucional374 possibilitando a aplicação das normas da Constituição perante a sociedade à qual ela se destina a tutelar.

368 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Poder Constituinte. Revista de Direito Constitucional e Ciência

Política. Ano III – n. 4. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 101.

369 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:

Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 10.

370 Ibidem, p. 11. 371 Ibidem, p. 14. 372 Ibidem, p. 15. 373 Ibidem, p. 16. 374 Ibidem, p. 20.

No estudo do Poder Constituinte a ser desenvolvido mais adiante, será verificado, ainda, que existe a possibilidade de uma Constituição ser superada por uma nova Constituição, razão pela qual surgirão questionamentos acerca da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais.

É certo que, a nova Constituição afasta a aplicação da Constituição anterior, de modo que é permitido afirmar que as novas normas constitucionais acarretam a perda da validade das normas constitucionais anteriores.

Porém, como fica a legislação ordinária editada anteriormente à nova Constituição? Caso compatível com a nova ordem jurídica instalada, a norma infraconstitucional anterior será recepcionada pelo novo ordenamento jurídico, mantendo sua normatividade plena e eficaz. Consequentemente, a norma infraconstitucional, incompatível com a nova Constituição, perderá automaticamente suas validade e eficácia, não podendo ser aplicada à vista da nova realidade constitucional.

Isso não prejudica a supremacia da Constituição nem afeta a eficácia e a aplicabilidade das normas. Essas são relacionadas à sua natureza e, na hipótese de a Constituição perder a legitimidade perante a sociedade à qual ela se destina, nada mais natural do que a nova Constituição emergir com supremacia para a formação do novo ordenamento jurídico, impondo aplicabilidade e eficácia às suas normas constitucionais.