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5.7 Estado Constitucional

5.7.2 Estado Democrático

O Estado Constitucional é um Estado Democrático por ser instituído por uma Constituição legitimada pelo povo, ou seja, mediante a legitimação democrática do poder622.

Assim, no Estado Democrático de Direito, no qual se fundamenta a Constituição, o poder é exercido democraticamente pelo Estado, preservando os direitos e as garantias fundamentais da pessoa humana, com a participação da sociedade, que respeita e confia no fiel cumprimento da lei editada em consonância com o texto constitucional, bem como na sua interpretação, assentada nas decisões judiciais proferidas pelos magistrados do Poder Judiciário.

O Estado Constitucional Democrático é o Estado Moderno, concebido como uma estrutura política e juridicamente organizada pela Constituição, que disciplina o exercício do poder pelo Estado, limitando-o por meio de normas jurídicas que também asseguram os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. Nesse Estado, a essência do processo de poder repousa no intuito da manutenção do equilíbrio entre as diferentes forças existentes na sociedade estatal, garantindo a devida esfera de liberdade da pessoa humana623.

622 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Livraria

Almedina, 2003, p. 98.

623 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Trad. por Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: Editora

Nas palavras de Canotilho, o Estado Moderno assenta-se na lei fundamental escrita, ou seja, a Constituição juridicamente construtiva das estruturas básicas da justiça, pressupondo um modelo de legitimação que, por tendência, reconduz à legitimação democrática624.

Observa-se, pois, que a Constituição qualifica o Estado Democrático de Direito, irradiando seus princípios como a lei maior, que orienta todo o ordenamento jurídico, sob a legitimidade consagrada pela força superior advinda da vontade popular.

O Estado Democrático de Direito nasceu da união dos conceitos e princípios do Estado Democrático (baseado na soberania popular como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana) e do Estado de Direito (fundado no Estado Liberal de Direito, com fundamento na submissão ao império da lei, na divisão dos poderes, no enunciado e nas garantias dos direitos individuais), com o objetivo máximo de promover a justiça social norteada pela organização política do Estado625.

O Estado Democrático e o Estado de Direito são conceitos intimamente relacionados (embora não se confundam), que impõem a submissão do Estado à força da lei elaborada de acordo com a vontade popular626, manifestando o denominado Estado Democrático de Direito.

Os objetivos do Estado Democrático de Direito são a superação das desigualdades sociais e regionais, com fundamento no regime democrático da realização da justiça social baseada nos seguintes princípios (i) da constitucionalidade (legitimidade da Constituição rígida, que representa a vontade popular, com supremacia, vinculando-a a todas as esferas de poderes); (ii) democrático (democracias representativas, participativas e pluralistas); (iii) sistema de direitos fundamentais (individuais, coletivos, sociais e culturais); (iv) justiça social; (v) igualdade; (vi) divisão dos poderes e da independência do juiz; (vii) legalidade; e (viii) segurança jurídica627.

624 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993, p.

43.

625 SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores,

2004, p. 112-120.

626 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 156-157. 627 SILVA. José Afonso da. Op. cit., p. 122.

Portanto, pode-se afirmar que o Estado Constitucional Democrático, como resultado da concepção do Estado Democrático e do Estado de Direito, representa o atual Estado Moderno, fundado na Constituição, considerada como sua lei fundamental, que disciplina o exercício do poder estatal e assegura os direitos e garantias fundamentais, razão pela qual deve ser observada pelo próprio Estado e respeitada por toda a sociedade como o principal instrumento para o exercício da justiça social.

*****

Levando em conta todos esses ensinamentos preliminares e as breves considerações históricas, pode-se dar início ao estudo sobre o Poder Constituinte, no tocante ao exercício da criação e elaboração da Constituição, à fundação do Estado Constitucional para organizar o exercício do poder político e permitir a manutenção da paz nas relações sociais mediante a instituição do ordenamento jurídico tendente a observar e respeitar os direitos e as garantias fundamentais e, finalmente, ao intuito de desvendar sua essência, objetivo que se pretende alcançar com o desenvolvimento da dissertação.

6. A ESSÊNCIA DO PODER CONSTITUINTE

“A essência do Poder Constituinte é a capacidade que dispõe de elaborar a Constituição do Estado, vale dizer, de ditar a especial maneira de ser, sob o prisma das premissas jurídicas fundamentais, do Estado constituído sob o império de seu designo constituinte.”628

A análise da essência do Poder Constituinte está relacionada à sua finalidade, ao resultado da sua atuação, ao produto de sua atividade e àquilo que representa sua capacidade, ou seja, está no advento da Constituição, com a qualidade de atemporalidade e continuidade eterna que não se encontra em nenhum outro poder629, tendo em vista que a criação e a fundação da ordem jurídico-positiva630 emana da própria essência do Poder Constituinte, ao qual competem a elaboração e a colocação da Constituição em vigor, criando normas jurídicas com valor constitucional631.

O Poder Constituinte632 é uma figura peculiar, cujo exercício expressa-se por meio de intervenções em momentos decisivos da sociedade, indicando a conjunção das instituições e da vida social633 que repercute na organização dos órgãos do Estado através da criação e da elaboração da Constituição. Ele pode se assemelhar como algo ideológico, desempenhado pelo detentor do poder por intermédio de um grupo político ou de um acordo que alicerça sua ideologia634.

Como será demonstrado, a essência do Poder Constituinte está profundamente relacionada com todos os elementos estudados até aqui, envolvendo o exercício do poder político na elaboração de uma Constituição, quando da fundação do Estado Constitucional.

628 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Poder Constituinte Reformador. Limites e possibilidades da revisão

constitucional brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 90.

629 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 33. 630 BARACHO, Hertha Urquiza. Poder de Reforma Constitucional. Tese apresentada como exigência parcial para

obtenção do Título de Doutor em Direito à Comissão Julgadora da PUC-SP. 1993, p. 33.

631 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 20.

632 “Em situações de normalidade constitucional, poder constituinte é tema teórico e justifica a origem das

constituições. Quando a ordem jurídica é quebrada, nas revoluções e golpes de Estado, ou quando se reclama urgente reconfiguração do poder político, ele interrompe intenso e é a explicação doutrinariamente plausível para a formulação do novo pacto.” (NALINI, José Renato. Constituição e Estado Democrático. São Paulo: FTD, 1997, p.16)

633 BARRUFINI, José Carlos Toseti. Revolução e Poder Constituinte. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p.

6.

634 SILVEIRA, Vladmir Oliveira das. O Poder Reformador na Constituição Brasileira de 1988 e os limites

O Poder Constituinte é a vontade política, cuja força ou autoridade habilita-a a adotar a decisão concreta do conjunto sobre o modo e a forma da Constituição. Ele é a própria existência política, pois determina a unidade política estatal como um todo. Das decisões dessa vontade provém a validade de toda regulamentação constitucional635. Como será comprovado, pode-se avaliar sua atuação diante do ato da tomada da decisão política fundamental636, no que tange à elaboração da Constituição.

A essência do Poder Constituinte pode ser validamente compreendida como uma força detentora do valor consciente de sistematização e imposição jurídica de determinada estrutura social delimitada historicamente, com a qualidade de ser eterno e inerente à sociedade humana. O produto do seu exercício, a Constituição, deve espelhar a realidade social, e assim deverá ser compreendida pelos legisladores e pelos aplicadores do Direito637.

O Poder Constituinte nada mais é do que a uma forma excepcional da produção jurídica. Ele não decorre de um poder normal, mas consubstancia-se num procedimento extraordinário para criação do Direito, originando normas jurídicas da mais alta hierarquia do Direito Positivo638 e refletindo a realidade jurídica de um povo.

Essa necessidade do exercício do Poder Constituinte retrata a realidade social e institui uma ideia do Poder Constituinte evolutivo, capaz de acompanhar a dinâmica da realidade social, sem prender as futuras gerações a decisões tomadas no passado639, o que seria possível também com a transferência das realizações das políticas públicas para o campo da legislação ordinária, permitindo, assim, um processo de revisão mais fácil640, o que, contudo, poderia enfraquecer a função e a força da Constituição.

635 SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Versión española de Francisco Ayala. Madrid: Alianza Editorial,

1982, p. 94.

636 Ibidem, p. 108.

637 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 59. 638 VANOSSI, Jorge Reinaldo. Uma visão atualizada do Poder Constituinte. Entrevista concedida a Celso Ribeiro

Bastos e Gastão Alves de Toledo. Trad. de Susana Maria Pereira dos Santos de Nóbrega. Revista de Direito

Constitucional e Ciência Política. Ano I – n. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 22.

639 FARIA, José Eduardo. Entre a Rigidez e a Mudança: a Constituição no Tempo. Revista Brasileira de

Direito Constitucional. n. 2 – julho-dezembro de 2003, p. 202.

Nesse capítulo, o trabalho dedicar-se-á à compreensão do conceito de Poder Constituinte e da sua evolução no decorrer do tempo, a fim de examinar a teoria com base nas características e formas de sua atuação.