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6.4 Poder Constituinte Originário

6.4.4 Exercício do Poder Constituinte Originário

6.4.4.1 Ato fundacional

O Poder Constituinte pode atuar pela manifestação de um ato fundacional, que cria e elabora a Constituição que institui o Estado e funda o ordenamento jurídico de determinada sociedade.

O exercício do Poder Constituinte pode ocorrer sob um pacto firmado no consenso, que autoriza a elaboração de um texto constitucional858.

O Poder Constituinte pode criar o ordenamento jurídico ao estabelecer uma Constituição por meio da outorga. Neste caso, uma única pessoa, um único agente, redige o texto constitucional e o entrega à sociedade, para que seja observado. Trata-se de um ato unilateral do agente revolucionário ou do escolhido pelo povo para a elaboração da Constituição. Uma vez outorgada a Constituição, há um juramento, a promessa do agente de que cumprirá o texto constitucional, submetendo-se a ele, por se tratar de uma outorga constitucional, perante a qual mesmo quem detém o poder também deverá sujeitar-se a essa obrigação859.

856 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Reforma Constitucional: conceito, procedimento e limites. Revista de

Direito Constitucional e Internacional. Ano 11 – n. 43 – abril-junho de 2003, p. 143.

857 TEIXEIRA, José Horácio Meireles. Curso de Direito Constitucional. Texto Revisto e Atualizado por Maria

Garcia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 215.

858 SILVA, José Afonso da. Poder Constituinte e Poder Popular (estudos sobre a Constituição). 1. ed. São Paulo:

Malheiros Editores, 2002, p. 71.

859 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Poder Constituinte. 3. ed. rev. amp. São Paulo: Saraiva, 1999, p.

A outorga de Constituição pode ser identificada frequentemente no século XIX, por meio de ato dos monarcas, que afirmavam possuir um direito divino, mas foram coagidos pela sociedade para a elaboração do texto constitucional, em virtude da revolução liberal. Assim ocorreu com a Constituição do Brasil de 1824, por exemplo. Porém, não há Constituições outorgadas apenas por monarcas. São iguais exemplos de Constituições outorgadas também as elaboradas por líderes revolucionários, como ilustra a Constituição do Brasil de 1937860.

O Poder Constituinte também pode se manifestar por meio de uma convenção ou assembleia constituinte. Nessas existe a deliberação da representação do povo para a elaboração da Constituição. Há, portanto, debates e votações na Convenção para estabelecer o texto constitucional. Entretanto, deve-se esclarecer que, para o início dos trabalhos, há, necessariamente, um ato de outorga, para evitar a aplicação da Constituição anterior na convocação da convenção ou da assembleia constituinte. De fato, o ato de outorga representa, neste caso, apenas o estabelecimento de uma organização provisória, que vigorará até a elaboração da Constituição pela convenção ou assembleia constituinte861.

Nas convenções ou assembleias constituintes, o exercício do Poder Constituinte pode (i) encerrar-se quando da elaboração do texto constituinte, onde a Constituição é estabelecida e outorgada; ou (ii) após a elaboração do texto, esse ainda deverá ser submetido a uma ratificação popular (referendo)862.

A assembleia constituinte é um modo de manifestação indireta do Poder Constituinte, que elege representantes do povo com poderes para elaborar, aprovar e promulgar a Constituição, razão pela qual é considerada uma forma de criação representativa do texto constitucional863, na qual prevalece a vontade da maioria864.

860 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Poder Constituinte. 3. ed. rev. amp. São Paulo: Saraiva, 1999, p.

63-67.

861 Ibidem, p. 67-69. 862 Ibidem, p. 69-70.

863 SILVA, José Afonso da. Poder Constituinte e Poder Popular (estudos sobre a Constituição). 1. ed. São Paulo:

Malheiros Editores, 2002, p. 70-71.

864 Na qual o governo é atribuído à maioria de um povo que o exerce (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves.

A aclamação (reminiscência histórica) ou referendo são modos de exercício direto do Poder Constituinte, para a criação popular da Constituição, diante dos quais é preparado um projeto de Constituição pelo governo provisório ou de transição que será submetido ao referendo popular sem antes passar pela análise de uma assembleia constituinte865.

O Poder Constituinte pode, ainda, expressar-se sob a modalidade mista, que combina a forma representativa por meio de uma assembleia constituinte eleita pelo povo, incumbida da elaboração e aprovação do projeto da Constituição, o qual será submetido ao referendo popular que, se aprová-lo, será o responsável pela promulgação da mesma866.

Por fim, o Poder Constituinte pode se manifestar por meio de um plebiscito popular sobre o projeto de um Imperador ou Ditador, cuja Constituição não é fruto de uma participação popular democrática, de vez que o povo apenas ratifica a vontade do detentor do poder (Constituição cesarista867).

“Resumindo, o Poder Constituinte Originário manifesta-se, basicamente, ou através de atos unilaterais dos detentores do poder, editados de uma só vez – outorga – ou através de ato promulgado por um corpo coletivo de representação popular, após debates e aprovação, ato este submetido ou não à aprovação direta do povo, mediante referendo ou plebiscito; manifesta-se, também, através de formas que não se enquadram precisamente nos modelos apontados, que pode, ser chamadas de mistas, e que assumem as mais variadas combinações, fruto das circunstâncias que propiciam ou exigem o estabelecimento de Constituição para um determinado país.”868

Analisando essas formas de atuação do Poder Constituinte Originário e os tipos de Constituição existentes, traça-se facilmente a lista das Constituições pactuadas, outorgadas, promulgadas e cesaristas analisadas anteriormente, com as formas de exercício do Poder Constituinte especificadas acima, manifestadas por meio de um pacto, de uma outorga, de uma convenção ou assembleia constituinte, ou mediante a aprovação por um plebiscito, respectivamente.

865 SILVA, José Afonso da. Poder Constituinte e Poder Popular (estudos sobre a Constituição). 1. ed. São Paulo:

Malheiros Editores, 2002, p. 70.

866 Ibidem, p. 71.

867 Idem. Curso de Direito Constitucional. 23. ed. rev. atu. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 41-42.

868 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Poder-Constituinte dos Estados Membros. São Paulo: Revista dos

Conforme já afirmado, o exercício do Poder Constituinte não consiste uma forma de ação pré-definida, de modo que a outorga e as convenções ou assembleias constituintes não tipificam regras obrigatórias que devem ser seguidas na elaboração da Constituição que depende, apenas, da vontade e do poder para a criação do texto constitucional. Tais formas foram somente as mais identificadas no curso da história como exemplos da atuação do Poder Constituinte869.

O Poder Constituinte age em três fases: a da iniciativa constituinte, que expressa a decisão de criar a Constituição; a do período preparatório, onde se resolve manter provisoriamente a situação anterior, preparatória da convocação do órgão constituinte para elaboração da Constituição; e a da formação da Constituição, na qual se efetiva o exercício do Poder Constituinte, no que tange à discussão, ao debate, às emendas e à votação, finalizada com a elaboração da Constituição870.

Meireles Teixeira sugere um esquema de três etapas para o exercício do Poder Constituinte e os modos de sua atuação, descrevendo a atuação no momento de elaboração de uma Constituição. A primeira fase é o período de construção ou de fundação do Estado, quando a comunidade política (Nação), consciente de sua vontade política de existência soberana, transforma-se em Estado. É um momento anterior ao Direito, seguido da segunda fase, o período pré-constituinte, no qual o governo provisório, depois de fundado o Estado, irá dotá-lo de estrutura e forma, traçando os limites de sua atuação, por meio da elaboração da Constituição ainda incompleta. Nessa fase, iniciam-se as eleições constituintes que designarão o corpo legislativo responsável por elaborar o texto constitucional. Na terceira fase, a do período constituinte, depois da eleição da assembleia constituinte, é elaborada e promulgada a Constituição, colocada acima de todas as normas jurídicas positivas, que deve observar, tão somente, as considerações do bem comum, em respeito aos princípios da razão e do Direito Natural. Promulgada a Constituição, encerra- se a atividade do período constituinte871.

869 Há Constituições, portanto, que não foram elaboradas por meio de outorga ou assembleia constituinte, tal

como a Constituição de 1852 de Napoleão Bonaparte, que foi outorgada depois de aprovado parte do texto num plebiscito mediante uma prévia consulta popular, e a Constituição do Brasil de 1967, decorrente do Ato Institucional nº 4 que estabeleceu os procedimentos a serem seguidos antes da elaboração do novo texto constitucional (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Poder Constituinte. 3. ed. rev. amp. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 70-72).

870 SILVA, José Afonso da. Poder Constituinte e Poder Popular (estudos sobre a Constituição). 1. ed. São Paulo:

Malheiros Editores, 2002, p. 68-69.

871 TEIXEIRA, José Horácio Meireles. Curso de Direito Constitucional. Texto Revisto e Atualizado por Maria