• Nenhum resultado encontrado

Mana vol.6 número2

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Mana vol.6 número2"

Copied!
31
0
0

Texto

(1)

Em p e sq u isa re ce n te sob re a re lig iosid a d e n a cid a d e d e C h im oio, ca p ita l d a p rovín cia ce n tra l d e M a n ica , M oça m b iq u e , d e te cte i forte m ovim e n to n a s ig re ja s p e n te costa is, e m p a rticu la r, e p rote sta n te s, e m g e ra l, con tra a fe itiça ria e os e sp íritos m a lig n os d o q u e é ch a m a d o d e “ tra d içã o a frica -n a ”1. A e xp re ssã o m a is ra d ica l d e sse m ovim e n to e n con tre i e m u m a ig re -ja zion ista2, a Ig re ja Be th le h e m d e M oça m b iq u e , cu jo líd e r, b isp o J oh n3, m e ofe re ce u u m a in te rp re ta çã o p olig e n ista d o livro d o G ê n e sis, p ostu -la n d o q u e De u s criou n e g ros e b ra n cos se p a ra d a m e n te , con d e n a n d o os p rim e iros a u m a vid a a ssola d a p e la a m b içã o e in ve ja , m a n ife sta s e op e -ra cion a liza d a s a t-ra vé s d o fe itiço e d a a çã o d e “ e sp íritos re volta d os” . A op osiçã o e n tre “ tra d içã o” e “ civiliza çã o” fu n d a m e n ta u m a re fle xã o sob re a s ca u sa s d o sofrim e n to h u m a n o, in clu sive a re ce n te g u e rra civil e m M oça m b iq u e . A crítica à “ tra d içã o” e stá n a b a se d e u m a te olog ia ta lh a d a p a ra “ lib e rta r” os cristã os d os m a le s d a a m b içã o e d a in ve ja q u e sã o os cu lp a d os p e los m a le s d o p a ís.

Evid e n te m e n te , os con ce itos d e “ tra d içã o” e “ civiliza çã o” sã o ca te -g oria s d o p e n sa m e n to socia l d os m e u s in te rlocu tore s, u m ta n to d ista n te s d a m a n e ira com o sã o u tiliza d os p or ou tros se tore s — os b ie n s p e n san ts, p or a ssim d ize r — d a socie d a d e m oça m b ica n a . Pa ra os in te le ctu a is d a s org a n iza çõe s n ã o-g ove rn a m e n ta is e se tore s im p orta n te s d a Ig re ja C a tóli-ca , p or e xe m p lo, à “ tra d içã o m oça m b itóli-ca n a ” é d a d o u m va lor p ositivo, a lg o q u e d e ve se r “ re sp e ita d o” e “ re sg a ta d o” d a p re ssã o d a “ g lob a liza çã o” . Pa ra e le s, os h om e n s e a s m u lh e re s a d ivin h os n ã o sã o se m e a d ore s d e d is-córd ia e ód io a tra vé s d os e sp íritos e d a fe itiça ria ; sã o “ m é d icos tra d icio-n a is” , d e te icio-n tore s d e “ coicio-n h e cim e icio-n to iicio-n d íg e icio-n a ” . “ C iviliza çã o” e “ m od e ricio-n i-d a i-d e ” sã o, n e sse con te xto, te rm os a se re m e vita i-d os, su sp e itos i-d e ca rre g a r e tn oce n trism os n ocivos. N o m u n d o socia l d os a g e n te s d o “ d e se n volvim e n -to su ste n tá ve l” o con ce i-to d e m u lticu ltu ra lism o re in a com o p a n a cé ia p a ra a d ra m a tica m e n te triste situ a ç ã o p ós-colon ia l. M a s os se n tid os d e sse s

O ESPÍRITO SAN TO CON TRA O FEITIÇO

E OS ESPÍRITOS REVOLTADOS:

“CIVILIZAÇÃO” E “TRADIÇÃO”

EM MOÇAMBIQUE

(2)

con ce itos ta m b é m d ife re m d os se n tid os a e le s a trib u íd os p e la sociolog ia clá ssica e p e la te oria d a m od e rn iza çã o, p or e xe m p lo, on d e a p a re ce m ca r-re g a d os d e va lor-re s n e m se m p r-re e xp licita d os. Por e ssa ra zã o, p orta n to, n e s-te e n sa io, e sse s s-te rm os se rã o b a n id os d o m e u voca b u lá rio a n a lítico. M e u in tu ito é e n te n d e r su a op e ra çã o com o b a se s fu lcra is d e u m a crítica socia l. C om e ço com a d e scriçã o d e u m a ce rim ôn ia re lig iosa p rom ovid a p e la Ig re ja Be th le h e m e a s circu n stâ n cia s e m q u e a p a re ce u a e xe g e se p olig e -n ista d o livro d o G ê -n e sis. Em se g u id a , p a sso a a rrola r os a rg u m e -n tos u tiliza d os p e los m e u s in te rlocu tore s, cristã os e n ã ocristã os, p a ra com p re e n -d e r a crítica à “ tra -d içã o” e m fa vor -d o Esp írito Sa n to e -d a “ civiliza çã o” . Esse s a rg u m e n tos e xp re ssa m u m a crítica d a con ce p çã o d a d e sig u a ld a d e socia l con tid a n a cosm olog ia n a tiva , con ce p çã o e sta b a se a d a n a cre n ça d e q u e a fe licid a d e é u m re cu rso lim ita d o e q u e u m g a n h o p a ra u m in d i-víd u o im p lica , n e ce ssa ria m e n te , u m g ra u ig u a l d e sofrim e n to p a ra ou tre m . A fa m ília cristã é re p re se n ta d a com o u m m od o d e vid a q u e p e r-m ite a os in d ivíd u os u r-m q u otid ia n o e a té o e n riq u e cir-m e n to livre s d a cob iça d os ou tros e d e a cu sa çõe s d e fe itiiça ria . Te rm in o m e u e n sa io, re tom a n d o a q u e stã o d os lim ite s d o re la tivism o e m fa ce d a p e rsistê n cia d e cre n -ça s e m ra cia lism o e fe iti-ça ria .

Uma cerimônia para t rat ar a inf ert ilidade que revela um mit o de origem pré-adâmica e poligenist a do Homo sapiens sapiens

N a se xta -fe ira , 26 d e ou tu b ro d e 1997, o b isp o J oh n con vid ou -m e p a ra p a rticip a r d e u m a ce rim ôn ia n a ca sa d o se n h or M a n u e l, d on o d e u m a fro-ta d e v an s q u e tra n sp orfro-ta p a ssa g e iros e n tre C h im oio e a cid a d e d e Be ira , ca p ita l d a p rovín cia d e Sofa la n a costa d o O ce a n o Ín d ico. A ce rim ôn ia e m q u e stã o e ra p a ra re solve r u m p rob le m a m u ito sé rio d o d on o d a s v an s com a su a m u lh e r: ca sa d os h á m a is d e d e z a n os, a in d a n ã o tin h a m filh os. A ca u sa d o p rob le m a , e xp licou -m e o b isp o, e ra o “ e sp írito re volta d o” d e u m a p e ssoa q u e te ria sid o m orta p or u m a n te p a ssa d o p a trilin e a r d e M a n u e l4. Esp íritos za n g a d os d e sse tip o volta m p a ra a flig ir (k u p fu k a) os d e sce n d e n te s d os se u s a lg oze s a té se re m re trib u íd os, tra d icion a lm e n te re ce b e n d o u m a m u lh e r cu jos filh os le va rã o o se u n om e . A ig re ja d o b isp o J oh n p rom e te u m a solu çã o d ife re n te p a ra e sse tip o d e p rob le m a . A ce ri-m ôn ia , n a q u a l se rá sa crifica d o u ri-m a n iri-m a l p a ra o e sp írito ve xa d o, o a fa s-ta rá p a ra se m p re .

(3)

-sá ve l p e la ord e m n a in stitu içã o — e a e sp osa . Atra ve ssa m os o ce n tro p a ra a tin g irm os u m d os b a irros m a is im p on e n te s d a cid a d e , on d e vive m e stra n g e iros q u e tra b a lh a m n a s org a n iza çõe s n ã og ove rn a m e n ta is e os m oça m -b ica n os con sid e ra d os ricos. Lá p e la s d e z h ora s d a n oite a p roxim a m o-n os d a ca sa im e n sa d e M a n u e l e e n tra m os p or u m p ortã o d e fe rro. Log o som os re ce b id os com e n tu sia sm o e re ve rê n cia , se n d o con vid a d os a e n tra r n a sa la on d e sã o se rvid os sa n d u ích e s e C oca -C ola . Sin a l d os te m p os, p ois a fá b rica d e C oca -C ola d o C h im oio a b rira a lg u n s m e se s a n te s, in d ica çã o ta n g íve l d o fim d a g u e rra civil q u e a ssolou o p a ís d e 1980 a 1992 e d o socia lism o ta m b é m5.

Fora d a ca sa , a g ra n d e á re a d e con cre to e stá se e n ch e n d o d e g e n te d a ig re ja , h om e n s, m u lh e re s e cria n ça s. O s a n ciã os a com od a m -se e m ca d e ira s n o fu n d o d a á re a . O b isp o se n ta -se n o m e io d e le s, te n d o u m a p e q u e n a m e sa à su a fre n te . Eu sou coloca d o e m u m a p osiçã o d e h on ra e n tre o b isp o e o ju iz d a ig re ja , re sp on sá ve l p e la re solu çã o d a s d e sa ve n -ça s e n tre os fié is. À n ossa d ire ita se n ta m -se os d e m a is h om e n s, ta m b é m e m ca d e ira s, e n q u a n to à n ossa e sq u e rd a a s m u lh e re s se a je ita m e m e ste i-ra s n o ch ã o. A m a ioria d os p re se n te s ve ste -se com rou p a s d o cotid ia n o, sa lvo o b isp o, q u e u sa u m a b a tin a ve rm e lh a a m a rra d a com u m cord ã o, e a lg u m a s m u lh e re s, in clu in d o a s m u lh e re s d o b isp o e d o ju iz, q u e u sa m p a n os d e cor ve rd e ou b ra n ca n a s ca b e ça s com cru ze s ve rm e lh a s n a fre n -te . N o ce n tro d a fe rra d u ra h u m a n a , d ois ra p a ze s, e m p é , toca m ta m b ore s d e d ois la d os p e n d u ra d os n os se u s p e scoços. O s m e m b ros d a ig re ja d a n -ça m a o re d or d e le s. N o in ício, o ritm o ca d e n cia d o a com p a n h a u m a d a n -ça re la xa d a , q u a se u m a n d a r e stiliza d o e m volta d os toca d ore s. À m e d id a q u e o ritm o a ce le ra , a d a n ça b a la n ce a d a torn a -se m a is a crob á tica e d io-n isía ca , os m a is jove io-n s p u la io-n d o ca d a ve z m a is a lto a ca d a rod a d a . A u m sin a l d o b isp o, os ta m b ore s sile n cia m , os p a rticip a n te s re a ssu m e m os se u s lu g a re s e com e ça a p re ce cole tiva , ca d a u m d irig in d o a s su a s p a la vra s a De u s. De ve z e m q u a n d o, u m a ou ou tra m u lh e r tre m e , sin a l d e im in e n te p osse ssã o p e lo Esp írito Sa n to. Q u a n d o o silê n cio volta , u m a n ciã o d a ig re -ja le va n ta e p e d e a le itu ra d e u m tre ch o d a b íb lia , p rin cip a lm e n te d o An ti-g o Te sta m e n to, p a rtin d o e m se ti-g u id a p a ra a e xe ti-g e se . Assim , a o lon ti-g o d a n oite su ce d e m -se d a n ça , ca n to, p re ce e p re g a çã o.

(4)

-vra s. Fin a lm e n te , b a lb u cia a p e n a s q u e e stá com “ p rob le m a s” . O b isp o con tin u a p re g a n d o e fa la lon g a m e n te sob re Elisa b e th , q u e , a p e sa r d e ve lh a , con ce b e u u m filh o. De sta form a , re fe re -se e lip tica m e n te a o “ p ro-b le m a ” d e M a n u e l.

N e sse m om e n to, os d on os d a ca sa sã o ch a m a d os p a ra o ce n tro, e n tre o a lta r e a m e sa d o b isp o, on d e se g u ra m o b od e p e los ch ifre s. O b isp o corta o p e scoço d o a n im a l. En q u a n to isso, u m a n ciã o lê o Le v ítico 3, 12, q u e d e scre ve com o d e ve se r sa crifica d o u m b od e :

“ 12. M a s, se a su a ofe rta for u m a ca b ra , p e ra n te o Se n h or a ofe re ce rá .

1 3 . Po r á a m ã o so b r e a su a c a b e ç a , e a d e g o la r á d ia n t e d a t e n d a d a c o n

-g re -g a ç ã o . E n t ã o o s filh o s d e A r ã o e s p a r -g ir ã o o s e u s a n -g u e s o b r e o a lt a r

e m re d or.”

Sin tom e tra n sp orta d o p a ra d e n tro d o An tig o Te sta m e n to q u e p a re -ce u m a e tn og ra fia d a situ a çã o q u e ob se rvo. O b ich o é su sp e n so sob re o a lta r d e a re ia e o sa n g u e re sp in g a n os se te b u ra cos p re via m e n te p re p a -ra d os. O re sta n te d o sa n g u e é d e sp e ja d o e m u m a b a cia d e p lá stico ve rd e e m istu ra d o com á g u a e sa l. A d a n ça con tin u a , e o ca n to ta m b é m , tu d o m u ito b e m h u m ora d o. De p ois, o su p e rin te n d e n te d a ig re ja , a u xilia r im e -d ia to -d o b isp o, le va u m a ou tra b a cia com á g u a , sa l, cin za s e sa n g u e . Pa s-sa d e ca s-sa e m ca s-sa e m volta d a á re a , la n ça n d o o líq u id o com a cord a q u e tira d a su a cin tu ra . En q u a n to isso, o b isp o m e e xp lica q u e a cord a n a cin tu ra e sp a n ta os m a u s e sp íritos, e é p or isso q u e os p a d re s a u sa m ta m b é m . Q u a n d o ch e g a m os à ca sa p rin cip a l, u m a se n h ora d a ig re ja é d ra -m a tica -m e n te p ossu íd a p or u -m e sp írito, q u e , fico sa b e n d o d e p ois, é d o b isa vô d e M a n u e l. In te rp e la d o p e lo b isp o, o a n te p a ssa d o re cla m a q u e a ca sa e stá se n d o m u ito m a ltra ta d a p or u m e sp írito d e m ad z v iti, u m sold a -d o -d o re g im e n to Zu lu q u e con q u istou e ssa zon a n o sé cu lo XIX sob o com a n d o d e G u n g u n h a n e , e q u e e le te ria m a ta d o p a ra fica r com a su a m u lh e r6. O b isp o a ca lm a o e sp írito e a visa q u e e stã o se n d o tom a d a s a s m e d id a s n e ce ssá ria s p a ra o se u a p a zig u a m e n to.

Em se g u id a , u m fog o é p re p a ra d o e m cim a d o a lta r d e a re ia e o le i-tor re tom a o Le v ítico:

“ 14. De p ois tra rá d e la a su a ofe rta , p or ofe rta q u e im a d a a o Se n h or, a g ord u

-ra q u e cob re a fre ssu -ra , sim , tod a a g ord u -ra q u e e stá sob re e la .

1 5 . O s d o is r in s e a g o r d u r a q u e e s t á s o b r e e le s , e a q u e e s t á ju n t o a o s

lom b os, e o re d e n h o q u e e stá sob re o fíg a d o, ju n ta m e n te com os rin s, e le

(5)

16. O sa ce rd ote q u e im a rá isso sob re o a lta r; é o a lim e n to d a ofe rta q u e im a

-d a , -d e ch e iro su a ve . To-d a g or-d u ra se rá -d o Se n h or” .

O b isp o se g u e os p a ssos d a re ce ita b íb lica e a fu m a ça sob e a té o cé u e stre la d o. Q u a n d o n ã o h á m a is fu m a ça , o b isp o cob re o re sta n te d o fog o com u m a la ta . O q u e sob ra d o b ich o va i p a ra a s p a n e la s, on d e se rá cozid o p e la s m u lh e re s e ofe re cicozid o a os fié is p a ra com p e n sa r e ssa n oite cozid e ta n -to “ tra b a lh o” .

N o fin a l d a ce rim ôn ia , o sol já n o cé u , a fa m ília d e M a n u e l in sta la -se e m u m a e ste ira d ia n te d a n ossa m e sa . O s vá rios a n ciã os p a ssa m a trá s, coloca n d o su a s m ã os n a s ca b e ça s d e tod a a fa m ília , fa la n d o b a ixo e tre -m e n d o. U-m a -m u lh e r d a ca sa re sp on d e à b e n çã o co-m u -m forte tre -m or e ca i p ossu íd a . Ap e sa r d a su a b ra va re sistê n cia , e la é le va d a p a ra u m a d a s e xtre m id a d e s d a á re a on d e o e sp írito za n g a d o q u e a p ossu i é m a n d a d o e m b ora . M a n u e l ch ora e tre m e , b a la n ça su a ca b e ça com o se e le p róp rio e stive sse p róxim o a o tra n se , e b a lb u cia “ J e su s, J e su s…” .

(6)

De p ois d isso, os a n ciã os e e u som os ch a m a d os p a ra d e n tro d a ca sa p rin cip a l, on d e a m e sa e stá fa rta m e n te cob e rta d e a rroz, g a lin h a a ssa d a e b od e e n sop a d o. Fico e sp a n ta d o com a q u a n tid a d e d e a rroz q u e os m e u s a m ig os p a re ce m q u e re r com e r. Eu a ce ito m u ito, m a s m e sm o a ssim com e n ta m q u e é p ou co. Tu d o é re g a d o à C oca C ola . Em se g u id a , volta -m os e xa u stos p a ra a s n ossa s ca sa s.

A exegese do bispo

Alg u n s d ia s d e p ois, e m u m a visita à su a ca sa , p e rg u n te i a o b isp o m a is d e ta lh e s sob re o q u e o ju iz h a via m e d ito. Em p rim e iro lu g a r, e le con fir-m ou q u e o J a rd ifir-m d e Éd e n e sta va d e fa to loca liza d o n a África . Le u o

G ê n e sis 2.10-14 e d isse q u e d os q u a tro rios q u e sa ía m d o J a rd im , o G ih on

é o rio Za m b e si e o Tig irisi é o rio Lim p op o. Tu d o b e m p e rto! M a s ta m b é m a firm ou , com b rilh o n os olh os, q u e a s d ife re n ça s e n tre n e g ros e b ra n -cos e sta va m e scrita s n o livro d o G ê n e sis. Q u a n d o re sp on d i q u e n ã o m e le m b ra va d e n e n h u m a re fe rê n cia à cor d a s p e ssoa s q u e De u s criou , o b is-p o m e d e u a su a b íb lia e m e m a n d ou le r d o G ê n e sis 1.26 e m d ia n te :

“ 27. Assim De u s criou o h om e m à su a im a g e m , à im a g e m d e De u s o criou ,

m a ch o e fê m e a os criou .

28. De u s os a b e n çoou e lh e s d isse : Fru tifica i e m u ltip lica i-vos; e n ch e i a te

r-ra , e su je ita i-a . Dom in a i sob re tod os os p e ixe s d o m a r; sob re tod a s a s a ve s

d os cé u s e sob re tod os os a n im a is q u e se a rra sta m sob re a te rra .”

E fu i le n d o a té ch e g a r a os ve rsos 7 e 8 d o se g u n d o ca p ítu lo:

“ 7. Form ou o Se n h or De u s o h om e m d o p ó d a te rra , e sop rou -lh e n a s n a

ri-n a s o fôle g o d a vid a , e o h om e m torri-n ou -se a lm a vive ri-n te .

8. O ra , p la n tou o Se n h or De u s u m ja rd im n o Éd e n , a o orie n te , e p ôs a li o

h om e m q u e tin h a form a d o.”

(7)

p rote stos sob re a fa lta d e e vid ê n cia , o b isp o in sistiu q u e os p rim e iros a se re m cria d os fora m os n e g ros, e n q u a n to Ad ã o e Eva fora m os p rim e iros b ra n cos. Em se g u id a , p e rg u n tou -m e q u e m e ra a se rp e n te . Q u a n d o n ã o con se g u i re sp on d e r, e le e xp licou com a sa tisfa çã o d e q u e m é m e stre d a lóg ica e d a ve rd a d e q u e a se rp e n te sim b oliza va os p rim e iros h om e n s n e g ros q u e sa b ia m m u ito b e m se m u ltip lica r. O h om e m n e g ro le vou u m a cria n ça n o colo p a ra m ostra r a Eva . Ela , cu riosa , q u e ria sa b e r com o fa ze r u m a coisa tã o b on ita . O h om e m n e g ro/ se rp e n te e n sin ou -a . Em se g u id a , Eva e n sin ou Ad ã o e os d ois fora m e xp u lsos d o J a rd im p or u m De u s fu rio-so. O p rim e iro filh o d e Eva , C a im , fru to d a su a p rim e ira e xp e riê n cia se xu a l com u m h om e m n e g ro, n a sce u , e vid e n te m e n te , “ m isto” , m u la to. O se g u n d o, Ab e l, b ra n co. O p rim e iro foi sovin a e ofe re ce u u m sa crifício p e q u e n o a De u s (o b isp o u tilizou o te rm o “ ce rim ôn ia ” , e voca n d o os ritos re lig iosos con te m p orâ n e os a frica n os), e n q u a n to se u irm ã o Ab e l foi g e n e roso. De u s fa vore ce u o se g u n d o, q u e foi m orto p e lo irm ã o m u la to p or ciú -m e . Re je ita d o e e xp u lso p e los p a is, C a i-m sa iu p a ra -m ora r co-m os n e g ros, p a re n te s d o se u g e n itor. Se u s d e sce n d e n te s sã o os p rofe ta s. Em se g u id a n a sce u Se th q u e , m a n te n d o re la çõe s se xu a is com a s su a s irm ã s, se tor-n ou o a tor-n te p a ssa d o d e tod os os b ra tor-n cos.

O m ito re la ta d o p e lo b isp o m e foi con ta d o com o u m a h istória ve rd a -d e ira q u e torn a in te lig íve l a situ a çã o a tu a l -d o m u n -d o. Esse m ito é , com o d iria M a lin ow sk i, u m a “ ca rta ” q u e e xp lica e le g itim a a ord e m socia l vig e n te . Porta n to, é com o ta l q u e d e ve m os com p re e n d e r a e stória q u e con ta . M a s, com o q u a lq u e r m ito, a e xe g e se d o b isp o é u m a e la b ora çã o a re sp e ito d e u m te m a u n ive rsa l, ou se ja , a re la çã o e n tre a vid a e a m orte , e n tre os q u e p a ssa ra m e os q u e vive m . C om o ta l, e la é con stru íd a sob re u m a sé rie d e op osiçõe s b in á ria s: De u s/ h om e m , vid a / m orte , h om e m / m u -lh e r, b ra n co/ n e g ro, fora ste iro/ a u tócton e e a ssim p or d ia n te . A e stru tu ra d o m ito tra n sm ite , p orta n to, m e n sa g e n s n ã o tã o con scie n te s sob re a e stru -tu ra çã o d a s vid a s in te le c-tu a l e socia l d o se u con ta d or e se u s ou vin te s. E, fin a lm e n te , com o u m a b ricola g e m d e n oçõe s, re la çõe s e id é ia s q u e p e r-p a ssa m a lon g a d u ra çã o d a s socie d a d e s a frica n a s e m con ta to com a s socie d a d e s e u rop é ia s, a e xe g e se e xcita cu riosid a d e s filog e n é tica s. La n -ça n d o m ã o d e tod a s e ssa s d im e n sõe s, e sp e ro p od e r e n te n d e r p e lo m e n os p a rte d o se u sig n ifica d o g e n é rico e d a su a re le vâ n cia con te m p orâ n e a .

(8)

h u m a n o, a ‘ra ça ’ m a is jove m ” (Polia k ov 1974:106). N o sé cu lo XVII, o ca m -p e ã o d a te oria -p ré -a d â m ica foi La Pre yè re , a q u e m Polia k ov d e scre ve com o u m crip toju d e u fra n cê s q u e , e m 1655, p u b licou S y ste m a Th e olog

i-cu m e x Pre ad am itaram H y p ote si, a rg u m e n ta n d o q u e os b ra n cos e ra m

d e sce n d e n te s d e Ad ã o, m a s q u e a s ou tra s “ ra ça s” tin h a m u m a orig e m a n te rior a Ad ã o. De a cord o com Polia k ov, o livro ca u sou se n sa çã o e g a n h ou a d e p tos. La Pre yè re foi p re so p or su a s op in iõe s h e ré tica s e con -fe ssou o se u e rro, te n d o d e cla ra d o: “ Um ca tólico q u e com p re e n d e a n e ce ssid a d e d e se g u ir a op in iã o g e ra l d os sa n tos p a d re s e vita o p e rig o d e se p e rd e r.” (C oh e n 1980:12).

M a s a e xe g e se b íb lica d o b isp o in trod u z in ova çõe s im p orta n te s e m re la çã o à ve rsã o d e La Pre yè re . Em p rim e iro lu g a r, os p rim e iros h a b ita n te s d o m u n d o sã o os n e g ros, cria d os p a ra “ m u ltip lica r” . O s p rim e iros b ra n -cos, Ad ã o e Eva , sã o a sse xu a d os. De sta form a , a h istória d o b isp o re ite ra a s ve lh a s e b a tid a s re p re se n ta çõe s colon ia is sob re a “ la scívia se xu a l” d os a frica n os e m con tra ste com o con trole sob re o se xu a lid a d e q u e se ria u m a su p osta ca ra cte rística d os se u s colon iza d ore s. M a s n a h istória d o b isp o, sã o os n e g ros se xu a d os a fon te d a p e rd a d a in ocê n cia d e Eva . O s n e g ros, d e te n tore s d o con h e cim e n to d o se xo, e m a lia n ça (lite ra lm e n te ) com a p ri-m e ira ri-m u lh e r b ra n ca (é e la q u e ri-m e fe tu a a ri-m e d ia çã o e n tre os a u tócton e s e os fora ste iros), sã o ta m b é m ca u sa d a ira d e De u s e d a e xp u lsã o d os b ra n cos d o J a rd im d e Éd e n , q u e , com o vim os, se situ a va n a África Au s-tra l. Fica im p lícito q u e sã o e sse s m e sm os b ra n cos q u e m u ito te m p o d e p ois vã o volta r p a ra o lu g a r d a su a orig e m p a ra d om in a r os h om e n s p rim or-d ia is m e or-d ia n te a su a té cn ica e org a n iza çã o socia l su p e riore s7.

M a s o m ito con ta d o p e lo b isp o con té m a in d a ou tro e le m e n to in ova -d or e m re la çã o a os p ré -a -d â m icos e u rop e u s: a p a te rn i-d a -d e -d e C a im q u e , se n d o o p rim e iro filh o d e Eva com a “ se rp e n te ” n e g ra , é d e cor “ m ista ” . Ad ã o é o se u p ate r, m a s n ã o o se u g e n itor. Sã o os m u la tos q u e ca rre g a m a m a ld içã o d e C a im e ta m b é m a p rote çã o d e De u s, p ois sob re vive m e sã o d a lin h a g e m d os p rofe ta s. Te n ta d or é re con h e ce r n e ssa p a rte d o m ito a a m b iva lê n cia q u e ca ra cte riza a s re p re se n ta çõe s sob re os “ m istos” n a a tu a lid a d e e m M oça m b iq u e . “ Assim ila d os” à cu ltu ra d os se u s p a is b ra n cos, n ã o d e ixa m d e se r vistos com o m a rca d os p e la h e ra n ça m a te rn a a frica n a , h om e n s e m u lh e re s in te rsticia is d a s d u a s “ cu ltu ra s” e d a s d u a s “ ra ça s” . Su a a m b iva lê n cia ou a m b ig ü id a d e coloca -os sim b olica m e n te e m u m lu g a r a p rop ria d o p a ra os p od e re s m á g icos e a p rofe cia , com o ta m b é m n o lu g a r d a tra p a ça e d a m a la n d ra g e m d o se u su p osto a n te p a ssa d o C a im8.

(9)

o b isp o é u m fe rvoroso a n ti-ra cista e vá ria s ve ze s ca ra cte rizou o p rote s-ta n tism o com o u m p rote sto con tra o ra cism o d a Ig re ja C a tólica n o p e río-d o colon ia l, q u a n río-d o m a n te ve os n e g ros e m p osiçã o su b orrío-d in a río-d a se m a ce s-so a os e scritos sa g ra d os. Pe n s-so, p orta n to, q u e a su a ve rsã o d o G ê n e sis d e ve se r e n te n d id a a p e n a s com o u m a ve rsã o p a rticu la rm e n te ra d ica l d a crítica socia l à in ve ja e à a m b içã o d e se n fre a d a s m a n ife sta s n a su p osta p rá tica d a fe itiça ria .

A ext ensão social do mit o

Du ra n te a m in h a con vivê n cia com a África , a costu m e im e a ou vir b ra n -cos e xp re ssa re m os se u s p on tos d e vista sob re a s su p osta s d ife re n ça s e n tre e le s e os n e g ros. N a África d o Su l, a Ig re ja H ola n d e sa Re form a d a con trib u iu p a ra a id e olog ia d o ap arth e id com u m ou tro m ito b íb lico, o d a m a ld içã o d e C a m . De a cord o com a e xe g e se d e Ed m u n d Le a ch n o se u já clá ssico e n sa io G e n e sis as M y th (Le a ch 1969), C a m foi a m a ld içoa d o p e lo se u p a i, N oé , q u a n d o e ste d e scob riu q u e e ste se u filh o m a n tive ra re la -çõe s se xu a is com e le e n q u a n to d orm ia a p ós u m a b e b e d e ira . O n e g ro C a m e se u s d e sce n d e n te s fora m con d e n a d os a se re m se m p re os se rvos d os d e sce n d e n te s d os se u s irm ã os b ra n cos, J a p h e th e Sh e m9. Esta foi a p ri-m e ira ve z, p oré ri-m , q u e ou vira u ri-m ri-m ito b íb lico e n u n cia d o p or u ri-m a frica n o n e g ro. M a s n ã o foi a p rim e ira ve z q u e ou vira ou tra s com p a ra çõe s e n tre n e g ros e b ra n cos id ê n tica s à s q u e e scu ta ra com re g u la rid a d e d os b ra n -cos d o ap arth e id n a África d o Su l e d a se g re g a çã o rod e sia n a . Por vá ria s ve ze s d u ra n te a s m in h a s e sta d a s e m M oça m b iq u e fu i te ste m u n h a d e com e n tá rios d o tip o “ n ós n e g ros n ã o p re sta m os” . Por m a is q u e a rg u m e n -ta sse e m se n tid o con trá rio, m u itos in te rlocu tore s in sistia m e m q u e os b ra n cos n ã o e ra m a ssola d os p e la b ru xa ria , p e la fe itiça ria e p e los cu ra n -d e iros. En q u a n to os b ra n cos coop e ra va m e n tre si, a le g a va m , os n e g ros, con su m id os p e la a m b içã o e p e la in ve ja , se d e stru ía m m u tu a m e n te a tra -vé s d a s a rm a s m a te ria is e / ou e sp iritu a is à su a d isp osiçã o.

Evid e n te m e n te , e ste p on to d e vista n ã o é g e ra l e m M oça m b iq u e e ta m p ou co u n iform e n o ca m p o re lig ioso p rop ria m e n te d ito, e p or isso se torn a n e ce ssá ria , a n te s d e p rosse g u ir, u m a b re ve p in ce la d a sob re e sse ca m p o, re su m in d o o q u e já coloq u e i e m a rtig o a n te rior (Fry 1998b ).

(10)

zon a m a is com e rcia l. Fa z se n tid o. O ca tolicism o e ra a re lig iã o oficia l d o Esta d o a n te s d a In d e p e n d ê n cia , e n q u a n to o isla m ism o e ra , e con tin u a se n d o, a re lig iã o d os d e sce n d e n te s d e in d ia n os, a m a ioria com e rcia n te s10. N os “ b a irros” , ou se ja , n a s zon a s q u e se e sp a lh a m a p a rtir d a cid a d e d e cim e n to e m in fin ita s ru e la s d e ch ã o b a tid o, e n tre ca sa s d e con stru çã o “ tra d icion a l” n a su a m a ior p a rte , e n con tra -se u m a q u a n tid a d e e n orm e d e p e q u e n a s ig re ja s e m e sq u ita s d e vá rios ta m a n h os, e stilos e n om e s. O De p a rta m e n to d e Assu n tos Re lig iosos d o M in isté rio d o In te rior forn e ce u -m e u -m a lista co-m 84 ig re ja s for-m a l-m e n te re g istra d a s, -m a s o n ú -m e ro é , ob via m e n te , b e m m a ior. N o cin e m a d a cid a d e in sta lou -se a b ra sile ira “ De u s é Am or” . In visíve is sã o a s m iría d e s d e “ cu ra n d e iros” e “ p rofe ta s” q u e , à e xce çã o d o e scritório d a Associa çã o d os M é d icos Tra d icion a is d e M oça m b iq u e , p re fe re m n ã o se e xib ir p u b lica m e n te .

N o in te rior d o ca m p o re lig ioso d istin g u e -se , p rim e iro, e n tre q u e m “ re za ” e q u e m “ n ã o re za ” . O s ú ltim os sã o con sid e ra d os com o a q u e le s q u e con tin u a m n o m u n d o d a “ tra d içã o” d os “ cu ra n d e iros” (m ad z in g an

g a), e m b ora d e va se r d ito q u e , n a p rá tica , a fron te ira n ã o p a re ce tã o cla

-ra a ssim . En tre os q u e re za m h á u m a d ivisã o fu n d a m e n ta l e n tre cristã os e m u çu lm a n os. Sã o m u n d os à p a rte e m u tu a m e n te e stra n h os.

En tre os cristã os d istin g u e -se , p rim ord ia lm e n te , os “ ca tólicos” d os “ p rote sta n te s” . En tre os p rote sta n te s h á trê s ca te g oria s b á sica s: os “ h is-tóricos” , com o os a n g lica n os e m e tod ista s, on d e o Esp írito Sa n to n ã o se m a n ife sta ; os p e n te costa is, on d e o Esp írito Sa n to a p e n a s se m a n ife sta ; e os “ e sp iritu a lista s” , on d e o Esp írito Sa n to se m a n ife sta e “ p rofe tiza ” . É n e sta ú ltim a ca te g oria q u e se e n con tra m os zion ista s d a Ig re ja Be th le -h e m d e M oça m b iq u e . O s m az ion e , com o sã o c-h a m a d os loca lm e n te , sã o os d e sce n d e n te s d e u m m ovim e n to re lig ioso q u e su rg iu n a África d o Su l n o in ício d o sé cu lo XX com a ch e g a d a d e u m m ission á rio a m e rica n o d a Ig re ja C ristã Ap ostólica e m Zion loca liza d a e m C h ica g o. M ile n a rista n a s su a s orig e n s, com ê n fa se n a cu ra a tra vé s d o e xorcism o, o m ovim e n to zio-n ista p rolife rou e zio-n tre os tra b a lh a d ore s zio-n e g ros d a África d o Su l m e d ia zio-n te u m p roce sso d e su ce ssiva s fissõe s q u e re su ltou n a form a çã o d e m ú ltip la s ig re ja s a u tôn om a s. Tra b a lh a d ore s m ig ra n te s m oça m b ica n os, a o volta re m p a ra o se u p a ís, in trod u zira m o m ovim e n to e m M oça m b iq u e . Em b ora a n titra d icion a lista , n o se n tid o d e com b a te r os m a le s d a fe itiça ria p re se n -te e p a ssa d a , e le é con sid e ra d o p e la s ou tra s ig re ja s com o o q u e m a is in corp orou e le m e n tos re lig iosos “ tra d icion a is” , com o o u so d e ta m b ore s, a d a n ça e a p rofe cia a tra vé s d a p osse ssã o11.

(11)

p or su a “ d iscip lin a ” (m u rairo), q u e se re fe re b a sica m e n te a re g ra s d e ve s-tim e n ta e à q u e la s con ce rn e n te s à a lim e n ta çã o, a o ca sa m e n to e à m e d i-cin a . Pe rte n ce r a u m a ig re ja im p lica , sob re m a n e ira , ob e d e ce r a e ssa s re g ra s. A “ d u re za ” d a d iscip lin a a u m e n ta com a d istâ n cia d a Ig re ja C a tó-lica , q u e é vista com o a m a is tole ra n te d e tod a s. M a s, ta m b é m , o rig or d a d iscip lin a a u m e n ta , e n tre os p rote sta n te s, d os “ h istóricos” e m d ire çã o a os m a is “ e sp iritu a lista s” . Vi u m ou ou tro m e tod ista b e b e n d o ce rve ja , p or e xe m p lo. M a s os p e n te costa is, com o n o Bra sil, e vita m b e b id a , ta b a -co, e sp e tá cu los e tc. O s “ e sp iritu a lista s” , com o os zion ista s, b a sta n te orie n ta d os p e lo An tig o Te sta m e n to, a cre sce n ta m ta m b é m a s p roib içõe s d o Le v ítico, p róp ria s a os ju d e u s e m u çu lm a n os. J oh n re con h e ce q u e a d iscip lin a d a su a ig re ja é m u ito d u ra , o q u e a fu g e n ta os cre n te s com m e n os p e rse ve ra n ça .

É im p orta n te frisa r q u e a d ife re n cia çã o re lig iosa e m C h im oio corre s-p on d e , g rosso m od o, à d ife re n cia çã o socioe con ôm ica d a s-p os-p u la çã o. A Ig re ja C a tólica é a ssocia d a a o e stab lish m e n t12, a s ig re ja s p rote sta n te s h is-tórica s com p e ssoa s m a is le tra d a s e b e m -su ce d id a s e con om ica m e n te , e n q u a n to a s ig re ja s e sp iritu a lista s p a re ce m re cru ta r se u s m e m b ros e n tre a s p e ssoa s m a is p ob re s e m e n os e scola riza d a s.

A ra cia liza çã o d a s d ife re n ça s cu ltu ra is d ra m a tiza d a n o m ito d e ori-g e m e n u n cia d o p e lo b isp o zion ista e ra m a is p ron u n cia d a n a s iori-g re ja s p ro-te sta n ro-te s “ e sp iritu a lista s” d o q u e n a s ig re ja s q u e m a is se a p roxim a va m d o m ain stre am e va n g é lico. N e sta s, com o ce rta s Asse m b lé ia s d e De u s, p or e xe m p lo, a ê n fa se re ca i n a cu ltu ra . O s p a store s d e ssa s ig re ja s critica va m n ã o os “ n e g ros” ou “ a frica n os” e m si, m a s “ os n ossos u sos e costu -m e s” ou a “ tra d içã o a frica n a ” . Ao fa la r e -m “ tra d içã o” re fe ria -m -se à fe iti-ça ria e a os cu ra n d e iros.

Va le a q u i le m b ra r q u e a p osiçã o crítica e m re la çã o a os cu ra n d e iros coloca tod a s a s ig re ja s p rote sta n te s e m con tra ste com a Ig re ja C a tólica , q u e é a cu sa d a d e sim p le sm e n te tole ra r (ig n ora r) tu d o q u e a con te ce fora d os se u s m u ros. De fa to, os in te le ctu a is su ce ssore s d a te olog ia d a lib e rta -çã o cu ltiva m a tiva m e n te a “ tra d i-çã o a frica n a ” , a tra vé s d a n o-çã o d e “ in cu ltu ra çã o” , e m forte con tra ste com o rig or d e ce rtos se tore s d a Ig re ja n o p e ríod o colon ia l, com o os fra n cisca n os, p or e xe m p lo. Essa “ tra d içã o a frica n a ” , a o con trá rio d a “ tra d içã o” d os p e n te costa is, ig n ora a fe itiça ria e m fa vor d os ritu a is d e solid a rie d a d e com o ritos d e p a ssa g e m , o con h e ci-m e n to d a n a tu re za e e xp re ssõe s a rtística s coci-m o d a n ça e ci-m ú sica .

(12)

Porta n to, com p re e n d e r o sig n ifica d o d a crítica à tra d içã o im p lica e n te n d e r o im e n so a p e lo d a s ig re ja s p e n te costa is d e tod os os m a tize s e m C h im oio. O d e sa fio, log o, e a q u i m e ve jo in sp ira d o p e la te se re ce n te d e C la ra M a fra (1999), é a ch a r in te rp re ta çõe s q u e le ve m e m con sid e ra çã o o a la s-tra m e n to g lob a l d a s ig re ja s p e n te costa is e a su a e sp e cia l re sson â n cia e m ca d a loca l p a rticu la r. O rg a n izo m e u a rg u m e n to b a se a d o n a q u e le s d os p róp rios m oça m b ica n os q u e , m e m b ros ou n ã o d e u m a ou ou tra ig re ja cristã ou se g u id ore s d o isla m ism o, re fle te m con sta n te m e n te sob re o fe n ôm e -n o d o cre scim e -n to d a s ig re ja s p rote sta -n te s, e sp e cia lm e -n te os p e -n te cos-ta is e os n e op e n te coscos-ta is. M in h a cos-ta re fa é “ tra d u zir” a p róp ria re fle xã o m oça m b ica n a p a ra u m a lin g u a g e m m a is ou m e n os con d ize n te com a tra -d içã o -d a a n trop olog ia e a cre sce n ta r -d a -d os p a ra re ssa lta r ou q u e stion a r a p la u sib ilid a d e d e ca d a u m a d e ssa s in te rp re ta çõe s.

Ela s sã o d e trê s tip os. A p rim e ira , q u e d e n om in o d e “ fu n cion a lista ” , a trib u i a força d a s ig re ja s à n e ce ssid a d e q u e a p op u la çã o se n te d e vive r e m “ com u n id a d e ” a p ós a d e sin te g ra çã o socia l p rovoca d a p e la g u e rra civil. A se g u n d a , a “ m a n ip u la tiva ” , a trib u i o su ce sso d a s ig re ja s à e sp e r-te za e a m b içã o p olítica e e con ôm ica d os p a store s e b isp os. A r-te rce ira in te rp re ta çã o é e strita m e n te te ológ ica e p a rte d e d e n tro d o ca m p o p ro-te sta n ro-te . Arg u m e n ta q u e o Esp írito Sa n to é m a is p od e roso q u e tod os os ou tros e sp íritos e q u e som e n te e le p od e a livia r e fica z e p e rm a n e n te m e n -te o sofrim e n to h u m a n o.

A int erpret ação f uncionalist a

O cre scim e n to d a s ig re ja s p rote sta n te s e p e n te costa is é in te rp re ta d o a q u i com o u m a re sp osta à n e ce ssid a d e d os a g e n te s socia is d e con stru í-re m í-re d e s d e solid a rie d a d e e d e se a g a rra í-re m a va loí-re s n ovos p a ra e n fre n ta r a d e sin te g ra çã o oca sion a d a p e la g u e rra civil q u e te rm in ou a p e -n a s e m 1992.

(13)

scu ra n tista s e ra m ta m b é m os cristã os e m u çu lm a n os, q u e , e m b ora tole ra -d os, sofre ra m b a sta n te re striçõe s à su a lib e r-d a -d e -d e a çã o13. Em p rin cíp io, cristã os p ra tica n te s n ã o p od e ria m se r m e m b ros d o Pa rtid o d a Fre lim o, o q u e os a fa stou d o a ce sso a o p od e r e d a s b e n e sse s d o re g im e socia lista . Em b ora se ja fá cil e xa g e ra r o e fe ito con cre to d e ssa s p olítica s n a vid a socia l, n ã o h á d ú vid a q u e e la s tive ra m u m im p a cto tã o g ra n d e q u a n to a s d os colon ia lista s q u e os a n te ce d e ra m . Ela s ta m b é m fora m ce n tra d a s n a “ con ve rsã o” d os a frica n os à cu ltu ra e u rop é ia via u m a p olítica d e a ssim ila -çã o, m a s, a o re con h e ce re m q u e e sse p roce sso se ria lon g o, se u s id e a liza d ore s se a com od a ra m e fe tiva m e n te com o q u e ch a m a ra m d e “ u sos e costu -m e s” a frica n os, q u e tive ra -m q u e tole ra r e -m n o-m e d a g ove rn a n ça p ossíve l. A id e olog ia e a p rá tica d a Fre lim o p rocu ra va m sola p a r a s in stitu içõe s “ tra d icion a is” n o se n tid o d e cria r u m “ h om e m n ovo” e m u m a socie -d a -d e n ova . Tive ra m , con tu -d o, p ou co te m p o p a ra p rova r su a e ficá cia , p ois log o e m se g u id a à In d e p e n d ê n cia u m m ovim e n to g u e rrilh e iro, a Re sis-tê n cia N a cion a l M oça m b ica n a (Re n a m o), in iciou u m a b ru ta l g u e rra d e g u e rrilh a con tra o g ove rn o d a Fre lim o. Form a d a p or u m g ru p o d e d issid e n te s issid a Fre lim o e a p oia issid a p e lo g ove rn o ra cista issid e Ia n Sm ith issid a Roissid é -sia , a Re n a m o com e çou su a ca rre ira sa b ota n d o a lu ta p e la lib e rta çã o d o Zim b a b u é . Q u a n d o a Rod é sia se torn ou Zim b a b u é e m 1980, a Re n a m o foi “ h e rd a d a ” p e la s força s d e se g u ra n ça d a África d o Su l, q u e via m n e la o ca m in h o m a is rá p id o p a ra a d e stru içã o d o g ove rn o d a Fre lim o. N e ssa é p oca d e G u e rra Fria , a Re n a m o p rocu rou le g itim a r su a s a tivid a d e s a fim a n d o a tu a r e fim n ofim e d a d e fim ocra cia . Até o fin a l d a d é ca d a d e 80, a g u e r-ra tin h a tom a d o con ta d e q u a se tod a s a s zon a s ru r-ra is d e M oça m b iq u e . Som e n te a s cid a d e s e se d e s d os d istritos e sta va m n a s m ã os d o g ove rn o e e sta s se in ch a ra m com m ilh a re s d e re fu g ia d os. De ze n a s d e m ilh a re s d e p e ssoa s fora m m orta s e m com b a te , e n q u a n to ou tra s ce n te n a s d e m ilh a re s m orre ra m d e fom e e d e d oe n ça s a e la a ssocia d a s. C e rca d e 4 m ilh õe s d e u m a p op u la çã o d e 15 m ilh õe s d e in d ivíd u os e sta va m re fu g ia d os n os p a í-se s vizin h os e ou tros ta n tos tin h a m b u sca d o sa n tu á rio n a s cid a d e s. Um a g ra n d e p a rte d a in fra -e stru tu ra d e tra n sp orte s foi a n iq u ila d a , a s e scola s e a s clín ica s m é d ica s n a s zon a s ru ra is fora m q u a se tod a s d e stru íd a s e a re n -d a n a cion a l ch e g ou a n íve is m a is b a ixos q u e a n te s -d a In -d e p e n -d ê n cia .

(14)

ra r. É n e ssa re la çã o e n tre a p a z e a vita lid a d e d a vid a re lig iosa q u e os “ fu n cion a lista s” b a se ia m os se u s a rg u m e n tos. A ru p tu ra d os la ços d e p a re n -te sco e d a s in stitu içõe s “ tra d icion a is” d e a ju d a m ú tu a -te ria p rod u zid o a n e ce ssid a d e d e e sta b e le ce r va lore s e in stitu içõe s socia is a lte rn a tivos.

O u tro a rg u m e n to d os fu n cion a lista s, e la b ora d o sob re tu d o p or a n ti-g os fre lim ista s, é q u e a in a d e q u a çã o d os se rviços d e sa ú d e e a m isé ria g e n e ra liza d a e xa ce rb a d a p e la p olítica n e olib e ra l d o g ove rn o p óssocia -lista p rod u ze m a “ n e ce ssid a d e ” d e p rocu ra r form a s a lte rn a tiva s d e cu ra e d e re solu çã o d e p rob le m a s.

A manipulação

A in te rp re ta çã o m a is cín ica d a e xp a n sã o d a s ig re ja s p rote sta n te s é q u e e la se d e ve à m a n ip u la çã o in e scru p u losa p or p a rte d e p a store s e b isp os d e u m a isp oisp u la çã o “ ig n ora n te ” e fa cilm e n te ilu d íve l. Ad vé m , sob re -tu d o, d e d e n tro d a Ig re ja C a tólica , d e a lg u n s q u a d ros d a Fre lim o e d e a lg u m a s lid e ra n ça s m u çu lm a n a s, a in d a n ã o con form a d os com a d e rrota d o “ socia lism o cie n tífico” e d o se u m on op ólio sob re o p e n sa m e n to corre -to. N ã o sã o a p e n a s os n ã o p e n te costa is q u e a trib u e m a a lg u n s p a store s e b isp os u m a cín ica m a n ip u la çã o; d e n tro d o p e n te costa lism o n ã o fa lta m a cu sa çõe s m ú tu a s d e m a n ip u la çã o re lig iosa p a ra fin s e scu sos.

“Ef icácia cosmológica”

A e xp lica çã o m a is g e n e ra liza d a q u e os p e n te costa is e e sp iritu a lista s m e d e ra m p a ra a p op u la rid a d e d e su a s ig re ja s é q u e o p od e r d o Esp írito Sa n to, se n d o m a ior q u e o d e tod os os d e m a is e sp íritos, é ca p a z d e ve n cê -los d e fin itiv am e n te . Ba sta a colh e r o Esp írito Sa n to e ob e d e ce r a s re g ra s d a ig re ja p a ra se torn a r im u n e à fe itiça ria e a os e sp íritos “ m a lig n os” ou “ re volta d os” .

(15)

Em p rim e iro lu g a r, n e n h u m in fortú n io é fortu ito. A cosm olog ia “ tra -d icion a l” ofe re ce e xp lica çõe s p a ra o “ com o” e o “ p orq u ê ” -d a ca -d a e ve n to, p a ra u tiliza r os te rm os d e Eva n s-Pritch a rd . H oje e m d ia , a ciê n cia ocid e n ta l a cre sce n tou m u ito à s re sp osta s d e com o ocorre u m in fortú n io, m a s é a cos-m olog ia loca l q u e , a o cos-m e scos-m o te cos-m p o, e xig e e p rovid e n cia u cos-m a re sp osta a o

p orq u ê d e ca d a e ve n to p a rticu la r. C om o e m tod a s a s cosm olog ia s a frica n a s,

(16)

com d oe n ça e m orte p e los e sp íritos d os m ortos a té o p a g a m e n to d a re tri-b u içã o. Foi e ssa a ca u sa a tritri-b u íd a à e ste rilid a d e d e M a n u e l e d e su a m u lh e r q u e e n con tra m os n o in ício d e ste e n sa io e q u e fora re ve la d a p e lo Esp írito Sa n to a tra vé s d e u m a d a s m u lh e re s d a Ig re ja Be th le h e m .

A re trib u içã o, com o m e n cion e i a cim a , e ra e fe tiva d a n o p a ssa d o m e d ia n te o ofe re cim e n to d e u m a m u lh e r p a ra o e sp írito e m q u e stã o, com q u e m e la e fe tiva m e n te se ca sa va . Essa m u lh e r n u n ca se ca sa con ve n cion a lm e cion te , m a s m a cion té m re la çõe s se xu a is com q u e m q u e r, os filh os le va cion d o o n om e d o m orto. De ssa form a , o m orto e a su a lin h a g e m sã o com p e n -sa d os p e la m orte d e u m d os se u s m e m b ros, q u e foi im p e d id o, e le p róp rio, d e g e ra r filh os. Essa con ta b ilid a d e re ve la a lóg ica d a e con om ia p olítica d o siste m a socia l p ré -colon ia l, b a se a d o n a a cu m u la çã o d e riq u e za e p od e r a tra vé s d a a cu m u la çã o d e e sp osa s q u e con trib u íra m com a su a força d e tra b a lh o p a ra a p rod u çã o d e a lim e n tos e com a su a fe rtilid a d e p a ra a p rd u çã o rd e filh os. H oje e m rd ia , com a cre sce n te m on e ta riza çã o rd a e con o-m ia , a o-m u lh e r p od e se r su b stitu íd a p or u o-m a soo-m a d e d in h e iro q u e , e o-m p rin cíp io, d e ve se r u tiliza d a p a ra ob te r u m a m u lh e r p a ra a lin h a g e m ofe n -d i-d a com o e sp osa p a ra o h om e m m orto.

M a s a g u e rra civil re ce n te ta m b é m a u m e n tou o p e rig o q u e ve m d os a n te p a ssa d os za n g a d os. N o ca so d o d on o d a s v an s n o in ício d e ste e n sa io, a a fliçã o d e le e d a su a e sp osa fora a trib u íd a à a çã o d e u m sold a d o d e G u n g u n h a n e , m orto p e lo a n te p a ssa d o d e M a n u e l p a ra rou b a r a su a m u lh e r q u e in ve ja va . O u se ja , os vivos e stã o a in d a se a com od a n d o à s m a ld a d e s com e tid a s h á m a is d e ce m a n os. A g u e rra civil e n tre a Re n a m o e a Fre lim o é m u ito m a is re ce n te , m a s a s op ortu n id a d e s q u e a p re se n ta va p a ra a ssa ssin a tos m otiva d os p or rixa s p e ssoa is e p or in ve ja fize ra m com q u e h a ja a g ora u m a m u ltid ã o d e e sp íritos za n g a d os, p ron tos p a ra e xig ir re trib u içã o d os vivos. De a cord o com o n g an g a Be n e d ito, os e sp íritos d os m ortos d e ssa g u e rra re ce n te já com e ça ra m a p rovoca r d oe n ça s e ou tros sofrim e n tos p a ra ob te r re trib u içã o. A re con cilia çã o p ós-g u e rra n ã o e xclu i a e ve n tu a l re trib u içã o p e los m a le s com e tid os, n ã o a tra vé s d os trib u n a is, m a s sim d os e sp íritos d os m ortos q u e , m a is d ia , m e n os d ia , e xig irã o su a ju sta re com p e n sa d os vivos. A g u e rra , e n tã o, n ã o a p e n a s ca u sou m orte e d e sin te g ra çã o socia l, e la colocou e m m a rch a u m p roce sso d e a ju ste d e con ta s q u e le va rá ta n to te m p o p a ra se r e fe tu a d o q u a n to a g u e rra d e G u n g u n h a n e . De ixou os q u e sob re vive ra m p e rig osa m e n te e xp ostos à vin g a n -ça d a q u e le s q u e fora m m ortos p e los se u s p a re n te s14.

(17)

“ A p e ssoa fa z o m a l p a ra con se g u ir o b e m . Se tod os fosse m m a u s, n ã o h a ve

-ria b om , h a ve -ria só m a u . Se tod os fosse m b on s, h a ve -ria b on s, n ã o h a ve -ria

p rob le m a s. Esta d ife re n ça é a orig e m . É com o e n tre vista r a s p e ssoa s: q u e m

m a tou p e ssoa , h á d e a p a n h a r a ra zã o é b oa p a ra e le , ou p orq u e q u e ria a rra n

-ca r u m d in h e iro p a ra cu id a r d os filh os, se m p re h á u m m otivo q u e p rovocou

u m a , e e sse m otivo é p a ra b e n e ficia r a lg u é m . [...] Tod o o b e m q u e fa z é m a l

p a ra o ou tro. É p or ca u sa d isso q u e e le q u a n d o p rom ove u m a e q u ip e d e

m ú sicos, é b oa coisa p orq u e é d ive rsã o, a p a re ce m a d ve rsá rios. Você p rom

o-ve u m a e q u ip e d e b oxe a p a re ce m a d o-ve rsá rios, você p od e fa ze r b e m com

tod a von ta d e , m a s o se u b e m é m a l p a ra o ou tro. Se você a n d a r b e m ve stid o

n a ru a é m a u p a ra o ou tro. É m a u , É m a u . An d a r b e m ve stid o é m a u , a n d a r

m a l ve stid o é m a u .”

Pa ra o se n h or Be n e d ito sã o a p e n a s os a d ivin h os q u e p od e m re solve r tod os e sse s p rob le m a s. O s h om e n s e a s m u lh e re s d a s ig re ja s, p oré m , n ã o con cord a m . Ele s a rg u m e n ta m q u e os a d ivin h os n u n ca p od e rã o a p a zig u a r os e sp íritos re volta d os d e fin itiva m e n te . N ã o h á com o g a ra n tir, se g u n d o e le s, q u e a p e ssoa a ssa ssin a d a , e la p róp ria , n ã o te ria a ssa ssin a d o u m a ou tra p e ssoa cu jo e sp írito p od e rá m a is ta rd e ta m b é m e xig ir re trib u içã o, n ã o d a lin h a g e m d o a ssa ssin o, m a s d o a ssa ssin o d o a ssa ssin o. É com o se ca d a d ívid a re solvid a re ve la sse a p e n a s m a is d ívid a s a se re m sa ld a d a s se g u id a m e n te e se m fim . De ssa form a , os vivos n u n ca p od e m se livra r d os a tos d os se u s a n te p a ssa d os. Alé m d isso, a cu sa m os a d ivin h os a té d e in ve n ta re m e sp íritos m a lig n os p a ra p od e re m a u m e n ta r a s su a s re ce ita s. O b isp o J oh n in siste q u e , a lé m d e se r m a is e fica z, o cristia n ism o cu sta m u ito m e n os!

De a cord o com os cristã os, a s a fliçõe s re su lta n te s d a fe itiça ria e d a cob ra n ça d e d ívid a s d e cu rta e lon g a d u ra çõe s só p od e m se r re solvid a s, d e fin itiva m e n te , p e la a çã o d o Esp írito Sa n to. M a is p od e roso q u e tod os os ou tros e sp íritos, só e le p od e g a ra n tir a p e rm a n e n te im u n id a d e d os vivos d a vin g a n ça d os m ortos ofe n d id os e d o fe itiço d os vivos. Pa ra q u e o Esp írito Sa n to p ossa a tu a r n e sse se n tid o, o in d ivíd u o d e ve se filia r a u m a ig re -ja , ju n ta n d o-se à “ fa m ília d e C risto” .

(18)

e scrita p rim e iro p or M oisé s e , m a is ta rd e , p e los a p óstolos. A le i e a n oçã o d e p e ca d o torn a m -se fu n d a m e n ta is, e vá rios p a store s com e n ta ra m com ig o q u e foi a vin d a d a p a la vra d e De u s q u e trou xe a con com ita n te re sp on -sa b ilid a d e d os in d ivíd u os.

Reflexões analíticas

Te n d o e n u m e ra d o a s in te rp re ta çõe s d os m e u s in te rlocu tore s d e C h im oio sob re a g u e rra d os cristã os con tra a “ tra d içã o” , ca b e a g ora a va liá -la s à lu z d a s m in h a s p róp ria s ob se rva çõe s.

Em p rim e iro lu g a r, n ã o h á com o n e g a r q u e a in te rp re ta çã o fu n cio-n a lista te m lá os se u s m é ritos. Aficio-n a l, a s ig re ja s sã o d e fa to com u cio-n id a d e s fu n cion a is, ofe re ce n d o, sim , a p oio in te le ctu a l, socia l e e m ocion a l p a ra os se u s a d e p tos. M a s e sta in te rp re ta çã o, com o q u a lq u e r in te rp re ta çã o fu n cion a lista , n ã o con se g u e d a r con ta d a s ra zõe s p a ra e ssa form a m u ito e sp e -cífica d e socia b ilid a d e . Alé m d isso, n ã o h á com o n e g a r q u e , a p e sa r d e a e n g e n h a ria socia l e id e ológ ica d a Fre lim o e , sob re tu d o, a d e stru içã o p rom ovid a p e la g u e rra te re rom tra zid o u rom a d e sin te g ra çã o socia l se rom p re ce -d e n te s, a soli-d a rie -d a -d e socia l a n tig a n ã o foi -d e to-d o -d e stru í-d a . Re -d e s -d e p a re n te sco con tin u a ra m a p rovid e n cia r ca m in h os d e fu g a e d e a ju d a m ú tu a ; g ru p os re lig iosos re d u zid os a se m icla n d e stin os con tin u a ra m a fu n cion a r. Alé m d isso, e a p e sa r d a s in ve stid a s con tra o “ ob scu ra n tism o” , a s ca la m id a d e s d e ca d a u m con tin u a ra m a se r com p re e n d id a s e m te rm os d a s a çõe s d os e sp íritos e d o fe itiço. O s re la tos q u e colh i sob re a e xp e riê n -cia d e g u e rra se re fe re m a u m a m iría d e d e d isp u ta s p e ssoa is m a is d o q u e a u m a b a ta lh a ca m p a l e n tre e xé rcitos e id e olog ia s. C om o e n te n d e r p or q u e ta n ta g e n te op ta p e la “ fa m ília d e C risto” q u a n d o a s re d e s d e p a re n -te sco a in d a e xis-te m e p od e m se m p re se r a tiva d a s? Va le a q u i re ssa lta r q u e o con vite p e n te costa l à con ve rsã o n ã o ofe re ce p a ra o n ovo a d e p to u m a fa m ília q u e n ã o p ossu i; ofe re ce u m a fa m ília a m ais.

(19)

in te rp re ta çã o. M e sm o se M oça m b iq u e tive sse u m a re d e d e h osp ita is ca p a z d e a te n d e r a tod a a p op u la çã o, a s in stitu içõe s ofe re ce n d o in te rp re -ta çõe s e re solu çõe s “ e sp iritu a is” d e ca d a a fliçã o con tin u a ria m in cólu m e s. Ba sta olh a r p a ra o Bra sil.

A in te rp re ta çã o cín ica d a m a n ip u la çã o só p od e se r le va d a a sé rio ca so se n e g u e q u a lq u e r se n so crítico d a p op u la çã o com o u m tod o. Foi con tra o a rg u m e n to d o a frica n o ig n ora n te fa cilm e n te e n g a n a d o p or a d i-vin h os, p rofe ta s e líd e re s p olíticos se m e scrú p u los, u tiliza d o com ca n sa tiva fre q ü ê n cia p e los d e tra tore s d a s cu ltu ra s colon iza d a s, p e los m ission á -rios, a d m in istra d ore s e p olíticos, q u e m u ito d a a n trop olog ia d o p e ríod o colon ia l se d e se n volve u . Evid e n te m e n te , o a la stra m e n to d e u m m ovi-m e n to re lig ioso n ã o p od ia se r coovi-m p re e n d id o e ovi-m te rovi-m os d o volu n ta risovi-m o d e p rofe ta s cín icos. A a n trop olog ia fu n cion a lista in g le sa , p or e xe m p lo, d e m on stra va a coe rê n cia d a s cre n ça s e a su a e stre ita re la çã o com a “ e stru -tu ra socia l” . O ca rism a d e líd e re s re lig iosos d e riva ria d a su a ca p a cid a d e n ã o d e e n g a n a r os se u s se g u id ore s, m a s d e ca p ta r os a n se ios d e ste s e for-m u lá -los e for-m u for-m id iofor-m a con d ize n te cofor-m a su a e xp e riê n cia cu ltu ra l. Ba sta p e n sa r n a s a n á lise s d e Pe te r Worsle y (1968) d os carg o cu lts, d e Ern e st G e lln e r (1969) sob re os p rofe ta s Bé rb e re s e d o h istoria d or Te re n ce Ra n -g e r (1967) sob re os m é d iu n s Sh on a q u e a rticu la ra m a re b e liã o con tra os p rim e iros colon iza d ore s d a Rod é sia e m 1896-97. N o m e u e stu d o sob re o n a cion a lism o cu ltu ra l n o fin a l d o re g im e colon ia l n a Rod é sia , a rg u m e n te i q u e os m é d iu n s q u e in corp ora va m os a n te p a ssa d os e fe tiva m e n te tra n s-form a ra m vox p op u li e m v ox d e i (Fry 1976). M e u s in te rlocu tore s n u n ca coloca ra m e m q u e stã o a s p re m issa s d a cosm olog ia n a tiva , m a s, com o os Aza n d e , n ã o e ra m cré d u los a p on to d e a ce ita r q u a lq u e r in te rp re ta çã o d os se u s in fortú n ios, a p e n a s a q u e la s q u e p a re cia m socia l e p olitica m e n te p la u síve is.

(20)

a in te rp re ta çã o e m te rm os d e m a n ip u la çã o ta m b é m te ria q u e d a r con ta d a re la çã o e n tre o d iscu rso d a s ig re ja s e os con te xtos sociológ ico e cu ltu -ra l d os se u s m e m b ros.

Se a s in te rp re ta çõe s e m te rm os d a s su p osta s fu n çõe s d a s ig re ja s ou d a m a n ip u la çã o cín ica d os p a store s n ã o sã o su ficie n te s p a ra d a r con ta d o fe n ôm e n o q u e d e scre vo, te m os q u e le va r a sé rio a in te rp re ta çã o cos-m ológ ica , q u e a p on ta p a ra o p od e r su p e rior d o Esp írito Sa n to sob re a “ tra d içã o” .

Em p rim e iro lu g a r, é p re ciso a p rofu n d a r u m p ou co m a is a ca ra cte ri-za çã o d a n a tu re ri-za d a “ tra d içã o” q u e é re p re se n ta d a n a fa la d os cristã os e d os ou tros. N a s a ce p çõe s d o se n h or Be n e d ito e n a fa la q u a se e stru tu ra -lista d o b isp o J oh n , é com o se se tra ta sse d e u m jog o d e som a ze ro. A fe li-cid a d e h u m a n a é fin ita . O b e m d e u m é o m a l d o ou tro. Pa ra ca d a g a n h o p or p a rte d e u m in d ivíd u o h á u m a corre sp on d e n te p e rd a p or p a rte d e u m ou tro p roxim a m e n te lig a d o a e le . Pa ra a m b os, p orta n to, a s re p re se n ta -çõe s q u e tê m a re sp e ito d a “ tra d içã o” se a sse m e lh a m m u ito à s q u e Fos-te r d e se n volve u p a ra o q u e e le ch a m a d e “ socie d a d e s d e p riva çã o” (d e p riv ation socie tie s), on d e com p orta m e n tos in ve josos sã o p a rticu la r-m e n te a p a re n te s. Socie d a d e s d e p riva çã o se ria r-m a q u e la s ca ra cte riza d a s n ã o p or p ob re za sim p le sm e n te ou p e la a u sê n cia d e re cu rsos m a te ria is e d o p od e r a e le s a ssocia d os, “ m a s a n te s a socie d a d e s n a s q u a is a lg u m a s p e ssoa s sã o p ob re s e n q u a n to ou tra s n ã o o sã o, e n a s q u a is o b e m -e sta r e p od e r d a q u e le s q u e tê m m u ito é visíve l p a ra , e re sse n tid o p or, a q u e le s q u e tê m p ou co” (Foste r 1972:168). Socie d a d e s d e p riva çã o, e m p a rticu la r socie d a d e s ca m p on e sa s, sã o ca ra cte riza d a s, a in d a se g u n d o Foste r, p e la “ im a g e m d o b e m lim ita d o” , “ e n q u a n to socie d a d e s e m q u e a vid a é vivid a com o u m jog o vivid e som a ze ro, n o q u a l a va n ta g e m vivid e u m jog a vivid or é se m -p re à cu sta d o ou tro” (Foste r 1972:168). C on tin u a :

“ O p on to im p orta n te n e ssa s socie d a d e s é q u e tod os os re cu rsos — tod a s a s

coisa s b oa s d a vid a — sã o vistos com o con stitu in d o u m siste m a fe ch a d o, fin

i-to e m q u a n tid a d e d o p on i-to d e vista d o g ru p o, in ca p a z d e e xp a n sã o ou cre

s-cim e n to. C on se q ü e n te m e n te , tod a va n ta g e m ob tid a p or u m in d ivíd u o ou

fa m ília é vista com o u m a p e rd a p a ra ou tros, e a p e ssoa q u e ob té m a q u ilo

q u e o m u n d o ocid e n ta l la u d a com o ‘p rog re sso’ é e n ca ra d a com o u m a a m e a

-ça à e sta b ilid a d e d e tod a a com u n id a d e . […] N e ssa s socie d a d e s a sa ú d e

socia l é con ce b id a com o b a se a d a n a p ob re za com p a rtilh a d a , u m d e lica d o

e q u ilíb rio n o q u a l a s p osiçõe s re la tiva s d e ve m m u d a r o m ín im o p ossíve l.

Em b ora e m socie d a d e s d e jog o d e som a ze ro q u a lq u e r u m q u e p ossu a com

(21)

a g ra va d a q u a n d o u m a d e sta s d u a s situ a çõe s se d e se n volve : (1) a lg u é m , ou

a lg u m a fa m ília , se e le va sig n ifica tiva m e n te a cim a d a m é d ia , ou (2) a lg u é m ,

ou a lg u m a fa m ília , ca i sig n ifica tiva m e n te a b a ixo d a m é d ia ” (Foste r 1972:169).

A situ a çã o q u e d e scre vo se a sse m e lh a m e n os à s socie d a d e s ca m p o-n e sa s e m a is a u m ou tro locu s d a s “ socie d a d e s d e p riva çã o” a p oo-n ta d o p or Foste r, n om e a d a m e n te se g m e n tos d e socie d a d e s com p le xa s q u e e stã o e se n te m q u e e stã o e m d e sva n ta g e m e m re la çã o a ou tros se g m e n tos.

“ Ao lon g o d a h istória , os ca m p on e se s tê m a p a re cid o com o os q u e vive m e m

p riva çã o p or e xce lê n cia , m a s u m com p orta m e n to sim ila r p a re ce ca ra cte riza r

a vid a n o g u e to, e m socie d a d e s in d íg e n a s n orte -a m e rica n a s, com u n id a d e s

d e ‘ch ica n os’, ca m p os d e p rision e iros d e g u e rra e ou tra s situ a çõe s n a s q u a is

p e ssoa s e m p riva çã o sa b e m q u e sã o d iscrim in a d a s” (Foste r 1972:168).

M a s h á u m a d ife re n ça im p orta n te e n tre a situ a çã o q u e d e scre vo e a s ob se rva çõe s d e Foste r. Em p rim e iro lu g a r, a s p e ssoa s com q u e m con ve rse i n ã o se se n te m d iscrim in a d a s, e ce rta m e n te n ã o o sã o p e los b ra n -cos q u e re p re se n ta m u m a p a rce la m u ito p e q u e n a d a p op u la çã o. Em se g u n d o lu g a r, n ã o sou e u q u e m id e n tifica u m jog o d e som a ze ro: sã o os p róp rios p rote sta n te s n e g ros. Sã o e le s — e n ã o o a n a lista — q u e p rod u ze m a crítica à “ tra d içã o” , con stru in d o u m a op osiçã o e n tre a s re p re se n -ta çõe s q u e tê m d os “ b ra n cos” e d os “ n e g ros” , e n tre o q u e e le s ch a m a m d e “ civiliza çã o” e “ tra d içã o” .

(22)

d a Fre n te p a ra a Lib e rta çã o d e M oça m b iq u e . Sa m ora M a ch e l in sistia se m -p re n e ssa -p ostu ra a n ti-ra cista , in ce n tiva n d o a -p o-p u la çã o a com b a te r o colo-n ia lism o e o im p e ria lism o, e colo-n ã o os b ra colo-n cos com o ta l. M a is re ce colo-n te m e colo-n te , su rg e ta m b é m e m M oça m b iq u e u m forte n a cion a lism o cu ltu ra l, q u e p re g a os va lore s d a “ tra d içã o” com o con tra p on to a u m d e se n volvim e n to p a u -ta d o n o n e olib e ra lism o p rom ovid o a p a rtir d o C on se n so d e Wa sh in g ton .

A vita lid a d e d a p ostu ra a n titra d icion a lista d e ve se r in te rp re ta d a , p orta n to, e m te rm os d a a va lia çã o q u e os m e u s in te rlocu tore s fa ze m d a situ a çã o e m q u e vive m , a va lia çã o e sta e vid e n te m e n te con stru íd a a p a rtir d os con ce itos e a rg u m e n tos d isp on íve is. Em p rim e iro lu g a r, p a re ce q u e a tra n siçã o d a “ tra d içã o” p a ra a “ civiliza çã o” re p re se n ta a ce le b ra çã o d a id e olog ia in d ivid u a lista a ssocia d a p or Lou is Du m on t à s socie d a d e s m od e r-n a s ocid e r-n ta is.

C om o vim os, d e n tro d o p rote sta n tism o, a s a fliçõe s n ã o se rã o m a is in te rp re ta d a s e m te rm os d a m icrop olítica fa m ilia r e a trib u íd a s à m a ld a d e a lh e ia , m a s e m te rm os d os p e ca d os d o p róp rio sofre d or q u e é con sid e ra -d o re sp on sá ve l p e lo ê xito ou n ã o -d a su a vi-d a . O s m ú ltip los in im ig os -d a “ tra d içã o” , com o os fe itice iros e os e sp íritos re volta d os, sã o re in te rp re ta -d os com o e m issá rios -d e u m ú n ico in im ig o, o -d e m ôn io. O s m ú ltip los a m i-g os d a “ tra d içã o” , ou se ja , os a n te p a ssa d os, ce d e m lu i-g a r a u m ú n ico p od e r p rote tor, De u s e o Esp írito Sa n to. A con ve rsã o a u m a ig re ja com o a d o b isp o J oh n im p lica u m a ra d ica l re orie n ta çã o d a vid a . O fie l é ob rig a d o a com p a re ce r a vá ria s re u n iõe s p or se m a n a , a con trib u ir re g u la rm e n te com se u d ízim o e a ob e d e ce r à “ d iscip lin a ” ou “ d ou trin a ” d a ig re ja à q u a l p e r-te n ce . Acre d ita -se q u e q u e m ob e d e ce à s re g ra s se im u n iza con tra a s a çõe s d o d e m ôn io, ou se ja , con tra a a m b içã o e in ve ja a lh e ia s e con tra a ira d os e sp íritos d os m ortos. Se g u e q u e o in fortú n io é a g ora in te rp re ta d o n ã o a p e -n a s e m te rm os d a m icrop olítica d o sofre d or, m a s ta m b é m , e sob re tu d o, p e la su a in ca p a cid a d e d e ob se rva r a s re g ra s d a su a ig re ja . O se u in fortú n io é in te rp re ta d o com o p u n içã o d e De u s. O q u e a s ig re ja s ofe re ce m , p orta n to, é u m sa n tu á rio se g u ro con tra a in ve ja e o ód io, con tra o fe itiço e os e sp í-ritos, e n fim , lib e rta çã o, com o d ize m os p a store s, d os m a le s d a “ tra d içã o” .

(23)

os ou tros m e m b ros d a “ fa m ília d e C risto” . N a “ tra d içã o” , a fe licid a d e e o sofrim e n to re su lta m d o e sta d o d a s re la çõe s socia is q u e o in d ivíd u o com o “ p e rson a lid a d e socia l” (Ra d cliffe Brow n 1965) m a n té m com se u s fa m ilia re s vivos e m ortos e com se u s vizin h os e ou tros con h e cid os. Evid e n te m e n -te , p orta n to, a “ tra d içã o” , q u e e n fa tiza o p a rticu la rism o d a m icrop olítica d a s p e ssoas, op õe -se log ica m e n te à “ civiliza çã o” d a s ig re ja s, q u e re ssa l-ta o u n ive rsa lism o d a re la çã o d o in d ivíd u o com a “ d ou trin a ” d a su a ig re ja . M a s e ssa in te rp re ta çã o e m si n ã o b a sta . C om o vim os, o sofrim e n to d o se n h or M a n u e l e d a su a e sp osa foi a trib u íd o à s con se q ü ê n cia s n ã o d a su a d e sob e d iê n cia à s re g ra s d a ig re ja , m a s d a s a çõe s d e u m a n te p a ssa d o p a trilin e a r. M e sm o se é ve rd a d e q u e h á u m a ê n fa se forte n a re sp on sa b ilid a d e d e ca d a in d ivíd u o d e g a ra n tir o se u b e m e sta r a tra vé s d a su a a d e -sã o a os e n sin a m e n tos d a su a ig re ja , é ta m b é m ve rd a d e q u e e sta a d e -sã o e m si n ã o é su ficie n te p a ra p re ca vê -lo con tra os e fe itos re ta rd a d os d os p e ca d os d os a n te p a ssa d os p a trilin e a re s. Por m a is q u e a ig re ja d o b isp o J oh n p re g u e a lu ta con tra a “ tra d içã o” , a p rim e ira se e n con tra se m p re à m e rcê d a ú ltim a . A “ tra d içã o” con tin u a ron d a n d o os in d iv íd u os, le m b ra n -d o-os se m p re q u e ta m b é m sã o p e ssoas p orta -d ora s -d e re sp on sa b ili-d a -d e s d e corre n te s d os g ru p os d e p a re n te sco corp ora d os a os q u a is p e rte n ce m . A re a lid a d e d o p od e r d os a n te p a ssa d os n ã o é n u n ca coloca d a e m q u e s-tã o, e ta m p ou co sã o os in d ivíd u os a livia d os d a re sp on sa b ilid a d e a d vin d a d e su a filia çã o lin h a g e ira15.

Efe tiva m e n te , p orta n to, a via g e m p a ra a “ fa m ília d e C risto” n ã o re p re se n ta u m rom p im e n to com a fa m ília d e orig e m d o in d ivíd u o q u e con tin u a p a i, irm ã o, m a rid o, p rim o, tra b a lh a d or e tc. Ta m p ou co a con ve rsã o a o p rote sta n tism o re p re se n ta u m rom p im e n to d e fin itivo com a s cre n -ça s d a “ tra d içã o” , p ois o d e m ôn io se m a n ife sta ju sta m e n te atrav é s d a fe i-tiça ria e d os e sp íritos re volta d os. O u se ja , o d e m ôn io n a d a m a is é q u e a a m b içã o e a in ve ja q u e sã o con stitu tiva s d a s re la çõe s socia is p rim á ria s d o in d ivíd u o e m q u e stã o tra n sp orta d a s p a ra u m p la n o e m p rin cíp io u n i-ve rsa lista . Se é i-ve rd a d e q u e a s ig re ja s com b a te m os m a le s d a “ tra d içã o” , é ta m b é m ve rd a d e q u e a te sta m a su a vita lid a d e . C om o os p a store s e n fa -tiza ra m , tra ta -se d e u m a g u e rra , e u m a g u e rra se m fim .

Reflexões finais

(24)

-volve r com m a is p rofu n d id a d e e m tra b a lh os fu tu ros, sob re os d ile m a s d a s m e tá fora s ra cia is n o m u n d o con te m p orâ n e o e sob re o statu s socia l e e p is-te m ológ ico d a fe itiça ria .

As a firm a çõe s sob re a su p e riorid a d e d a cu ltu ra d os b ra n cos a b a la -ra m -m e p rofu n d a m e n te . Foi d ifícil a cre d ita r n o q u e e sta va ou vin d o d e p ois d e ta n to sofrim e n to com a g u e rra d e In d e p e n d ê n cia q u e visa va livra r o p a ís d o ra cism o. Alé m d isso, d oe u ou vir op in iõe s q u e p a re cia m id ê n tica s à s d os p róp rios colon iza d ore s sob re os “ u sos e costu m e s” d os a frica n os, e m p a rticu la r a fe itiça ria . Doe u ta n to q u e p e n se i se ria m e n te e m su p rim ir tu d o. M a s com o te m p o, fu i p e rce b e n d o q u e a ssistia a p e n a s a m a is u m e xe m p lo d a con ce p çã o d e con h e cim e n tos e p rá tica s com o se fosse m “ p ro-p rie d a d e s” d e u m a ou ou tra “ ra ça ” , tra n sm itid a s a tra vé s d o “ sa n g u e ” . Fu i ob rig a d o a d e d u zir q u e a a u tod e p re cia çã o ra cia l ob e d e cia à m e sm a lóg ica ra cia lista q u e a a u top rom oçã o. Am b os os p roce d im e n tos a te sta m a vita lid a d e d o ra cia lism o a p e sa r d o a n ti-ra cism o se cu la r d a a n trop olog ia m od e rn a e d a s id e olog ia s a n tira cista s d os m ovim e n tos d e d e scolon iza -çã o. As id e olog ia s ra cista s sã o m u ito m a is forte s e a rra ig a d a s q u e a ra zã o q u e a s con te sta .

N o q u e d iz re sp e ito à re lig iã o e à fe itiça ria , fu i ob rig a d o a re con h e -ce r n ã o a p e n a s a m in h a d e scre n ça n a ca p a cid a d e d e a g e n te s socia is d e fe rir ou m a ta r os se u s in im ig os a tra vé s d e m é tod os “ sob re n a tu ra is” , com o o m e u ig u a l d e sg osto p e la id é ia d e q u e p ossa m te n ta r fa zê -lo. De fa to, e sse d e sg osto ve io in icia lm e n te d a s m in h a s p e sq u isa s sob re u m b a n d a , m a cu m b a e ca n d om b lé n a d é ca d a d e 70, q u a n d o log o p e rce b i q u e e m b o-ra os to-ra b a lh os e xe g é ticos clá ssicos (ve r, p . e x., Ba stid e 1961; Sa n tos 1993) d ê e m p ou ca a te n çã o à te oria e à p rá tica d a fe itiça ria , e la é p a rte fu n d a -m e n ta l d e tod a s e ssa s d e n o-m in a çõe s16e , com o m ostra m a g istra lm e n te Yvon n e M a g g ie (1992), d a socie d a d e b ra sile ira com o u m tod o. N a é p oca , a rg u m e n ta va q u e a s cre n ça s e m fe itiça ria n ã o “ e xp re ssa m ” sim p le sm e n -te -te n sõe s socia is e a in se g u ra n ça d os in d ivíd u os; e la s ta m b é m a s p rop u l-sion a m . Ao forn e ce re m ra zõe s d e sob ra p a ra se ve r e m ca d a in fortú n io a m a ld a d e a lh e ia , e la s con stitu e m u m a ve rd a d e ira “ cosm olog ia d a p a ra -n óia ” (Fry 1998a ).

Em a rtig o sob re u m viole n to m ovim e n to con tra fe itice iros con d u zi-d o p or p a zi-d re s zi-d a Ig re ja C a tólica e n tre os Le le zi-d a Re p ú b lica zi-d o C on g o, M a ry Dou g la s le va n ta e xa ta m e n te e ssa q u e stã o. Va le a p e n a citá -la e x-te n siva m e n x-te :

“ A cre n ça e m fe itiça ria n ã o é ra ra ; a o con trá rio, é com u m n a s re lig iõe s a

(25)

-m a d o Te rce iro M u n d o. En tre os a n trop ólog os, a fir-m a -se q u e re je ita r a lg o tã o

ce n tra l com o a fe itiça ria sig n ifica im p or su b -re p ticia m e n te , sob re o p ovo q u e

se p re te n d e e stu d a r, a s cre n ça s q u e su ste n ta m a n ossa p róp ria cu ltu ra . Até

m e sm o a d e scre n ça n a ca p a cid a d e d o fe itice iro d e ca u sa r d a n o re ve la ria u m

d e sre sp e ito d e fu n d o, u m a fa lh a n a ob je tivid a d e . A q u e stã o força -m e a e xp

li-ca r e ju stifili-ca r m in h a d e scre n ça . N ã o coloco e m d ú vid a a p ossíve l e xistê n cia

d e m a g os e fe itice iros, n e m m a is n e m m e n os d o q u e a d e a n jos, a lm a s im

or-ta is ou d e m ôn ios, m a s d u vid o q u e fe itice iros te n h a m p od e re s sob re n a tu ra is

a u tôn om os ca p a ze s d e fe rir ou m a ta r te rce iros. E, p e ssoa lm e n te , n ã o a ch o

ju sto q u e a lg u é m se ja p roce ssa d o p or u m m a le fício d o q u a l n ã o e xiste

n e n h u m a p rova p ossíve l. M in h a s sim p a tia s sã o lib e ra is e e m e rg e m e m fa vor

d a q u e le s q u e sã o a cu sa d os (q u a se se m p re com m á in te n çã o) d e te re m fe ito

coisa s im p ossíve is; e ste s, n orm a lm e n te , n ã o tê m m e ios d e p rova r su a in

ocê n cia . E n ã o é u m a b oa e stra té g ia a rg u m e n ta r q u e e ssa s p e ssoa s e stã o se n

-d o a cu sa -d a s -d e coisa s fisica m e n te im p ossíve is -d e re a liza r, p ois a p róp ria

im p ossib ilid a d e é tom a d a com o m a is u m a p rova d e se u s p od e re s ocu ltos.”

(Dou g la s 1999:7-8)

M a s q u e a n trop olog ia é e ssa q u e M a ry Dou g la s critica ?

Referências

Documentos relacionados

Este artigo é um exame crítico de três premissas que dominaram e viciaram o debate recente sobre divisão racial e pobreza urbana nos Estados Unidos: a) diluir a noção de gueto

Disse rta tion in An th rop olog y, Sta n ford Un ive rsity... Be rk e le y: Un ive rsity of C a liforn ia

[r]

Pa

Prin ce ton : Prin ce ton. Un ive rsity

[r]

Foi um d

No caso do Brasil, por exemplo, uma sociedade na qual valores hierárquicos são importan- tes no cotidiano, a produção da liminaridade carnavalesca abre um espa- ço dentro do qual