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Vida musical em Campinas na passagem dos séculos : rupturas, permanências e novos caminhos (1889-1922)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

DEPARTAMENTO DE MÚSICA

MARIANA DE OLIVEIRA CANDIDO

VIDA MUSICAL EM CAMPINAS NA PASSAGEM

DOS SÉCULOS:

rupturas, permanências e novos caminhos (1889-1922)

CAMPINAS 2016

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VIDA MUSICAL EM CAMPINAS NA PASSAGEM

DOS SÉCULOS:

rupturas, permanências e novos caminhos (1889-1922)

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestra em Música, na área de concentração Música: Teoria, Criação e Prática.

Orientadora: Profa. Dra.Lenita W. M. Nogueira

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA POR MARIANA DE OLIVEIRA CANDIDO E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. LENITA WALDIGE MENDES NOGUEIRA.

CAMPINAS 2016

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Dedico este trabalho aos meus pais,

Walderci e Vanilde.

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À minha orientadora Profa. Dra. Lenita Waldige Mendes Nogueira. Sua aceitação em me receber como aluna, auxiliando-me em meus primeiros esboços de pesquisa, ajudou a dar sentido às minhas ideias, por vezes inconsistentes. Sua longanimidade e paciência no decorrer dos semestres foram para mim preciosas, em especial nos momentos de dificuldades e incertezas.

Ao Instituto de Artes da Unicamp e ao Departamento de Música, e aos funcionários do Instituto e da Secretaria de Pós-Graduação.

À CAPES, pelo auxílio concedido através da bolsa de mestrado.

Aos professores e pesquisadores que se fizeram disponíveis e me auxiliaram em meu exame de qualificação – Prof. Dr. José Roberto Zan, Dra. Eliane Morelli, Prof. Dr. Marcos da Cunha Lopes Virmond e Prof. Dr. Jorge Schröder. Aos três primeiros e também à Dra. Maria Alice Rosa Ribeiro, agradeço por participarem comigo no momento final de defesa da dissertação. A todos os professores das disciplinas cursadas durante o mestrado, cujas aulas deram-me mais perspectivas sobre a pesquisa musical e sobre minha própria pesquisa – Profa. Dra. Maria José Carrasqueira, Profa. Dra. Denise Hortência Garcia, Prof. Dr. Ricardo Goldemberg, Prof. Dr. Jorge Schröder, Prof. Dr. Marcos Virmond e Profa. Dra. Lenita Nogueira.

Aos funcionários das bibliotecas do Instituto de Artes, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Biblioteca Central Cesar Lattes, Instituto de Estudos da Linguagem, Faculdade de Educação, Instituto de Economia e do Centro de Memória da Unicamp.

Aos funcionários do Arquivo Edgard Leuenroth.

Aos funcionários do Centro de Memória da Unicamp, em especial à Denise, do Arquivo Fotográfico, e também ao diretor Fernando Abrahão.

Ao Museu da Imagem e do Som e à Eliane, do acervo fotográfico. Aos funcionários do Arquivo da Câmara Municipal de Campinas.

Ao Centro de Ciências, Letras e Artes e seus funcionários. Em especial, à Mary Angela Biason, responsável pelo Museu Carlos Gomes, e à senhora Maria Alice, da Biblioteca Cesar Bierrenbach.

À professora Maria Luiza Ribeiro e à senhora Lélia, do Colégio Progresso, pelo acesso ao Memorial do colégio e seu acervo.

Ao simpático e paciente senhor Antonio Boscolo, do Centro de Documentação do Correio Popular, e à secretaria Sirleide, que tantas vezes me receberam em seu local de trabalho. À Profa. Dra. Maria Sílvia Bassanezzi, pela amizade.

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e XX, entre os anos de 1889 e 1922, e busca identificar e observar seus caminhos e características desenvolvidos a partir das heranças musicais existentes, cujo movimento e maior relevância tiveram início durante os anos 1870. Durante essa década e pelos tempos seguintes, estabeleceram-se os principais fundamentos do universo musical na cidade, junto aos momentos de enriquecimento da vida cultural em florescimento no contexto do crescimento econômico impulsionado pela produção cafeeira nos territórios do município paulista, que se constituiu como centro urbano de referência nacional em seu processo de modernização.

Como objeto histórico, a pesquisa procurou pela música em suas diversas formas de cultivo, usos e apreciações, inserida nos universo social, econômico e cultural da cidade, e revelada em parte como produto de complexas combinações desses fatores na grande trama de relações presentes no espaço urbano. O estudo buscou-a, portanto, envolta na variedade cultural e social de indivíduos e grupos ali existentes, entre aproximações e confrontos, imersos em um período de transformações políticas e de prementes questões sociais.

Observaram-se ainda manifestações musicais segundo a diversidade de seus gêneros e suas variabilidades, alterações de práticas e funções no meio cultural em que emergia a expansão das tecnologias e do consumo, bem como seus principais espaços físicos de concretização, entre tradicionais e novos, segundo a marcha das novidades de entretenimento público trazidas pela renovação dos séculos. No todo, fez-se grande objetivo conhecer e acompanhar os percursos da música no universo campineiro entre importantes passagens de tempo, identificando processos de transição entre antigas e novas práticas e tendências musicais e, às vezes, a convivência entre elas.

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and twentieth centuries, between 1889 and 1922, and aims to identify and to observe its ways and characteristics developed by the musical heritages, whose movement and more important relevance started during the 1870’s. In this decade and by the following times, have stablished the fundamental basis of the city’s musical universe, with the enrichment of the cultural life in emergence by the economic growing context, pushed by the coffee production in the paulista city’s territories, that has formed as an urban center of national reference in its modernization process.

As a historical object, the search has looked for the music in its several ways of cultivation, uses and appreciations, inside of the social, economic and cultural city’s universe, and revealed like a product of complex combinations of these factors in the big web of relationships in the urban space. The study has looked for it inside of the cultural and social variety of individuals and groups, between approaches and confrontations, immersed in a period of political changes and important social issues.

The musical manifestations have been observed by the diversity of theirs genres and variabilities, alteration of practices and functions in the cultural environment in that emerged the expansion of tecnologies and consumption, as well as their more important spaces of achievement, between traditional and news ones, by the running of the new public entertainment ways brought by the passage of the centuries. At all, the big objective was know and follow the music’s courses in the universe of Campinas in this significant transition of time and identify the change’s process between old and new practices and between musical trends, with their possible simultaneous existence.

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Introdução

11 Capítulo 1

A vida musical em Campinas e a epidemia de febre amarela (1889-1900)

1.1 Campinas, uma pequena introdução 15

1.2 A epidemia de febre amarela em Campinas 19 1.3 A vida musical e a epidemia de febre amarela 29

Capítulo 2

A música e seus espaços: palcos, salões, altares e ruas

2.1 O Teatro São Carlos 53 2.2 O Teatro Rink 66 2.3 Concertos nos teatros 68 2.4 Óperas, operetas e revistas 73 2.5 Associações culturais 87 2.6 Música nas igrejas 104 2.7 Música popular 116

2.8 Gramofones e cinemas 125 Capítulo 3

Laços e relações do mundo musical

3.1 Grupos musicais 134

3.2 Ensino musical: professores e escolas 149 3.3 Músicos, maestros e professores 160 3.4 Comércio musical 173

Conclusão

177

Bibliografia

182

Fontes documentais

187

Apêndice

188

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Introdução

Historicamente, a cidade de Campinas constituiu-se como localidade relevante no país durante o século XIX pelo desenvolvimento econômico advindo da produção cafeeira. Como centro urbano de considerável importância durante o Império, Campinas possuiu uma importante vida cultural, com espaços, pessoas e instituições que a sustentaram culturalmente. Ao iniciar-se a era republicana, era ainda notável sua riqueza musical, evidenciada pelo Teatro São Carlos, com orquestra própria e no qual se realizavam concertos e variados gêneros musicais. Bandas de música, associações culturais, saraus e grandes celebrações, sacras ou profanas, nas quais estavam sempre presentes grupos musicais, caracterizavam a vida musical da pujante cidade.

A última década do século XIX, no entanto, trouxe um período de dificuldades pelo enfrentamento de epidemias de febre amarela, ainda que em momentos isolados. Mudanças estruturais e novos discursos marcariam o desenvolvimento da cidade, cuja modernidade já se buscava e se construía desde meados daquele século. A marcha do progresso urbano, porém, manteve-se constante, levando consigo a vida cultural que se ampliaria e se diversificaria com a entrada do novo século. As transformações sociais do crescente urbanismo e aumento populacional dariam novos e mais complexos cenários para o desenvolvimento musical.

Em seus primeiros intentos, esta pesquisa buscava tratar da vida musical de Campinas entre os anos de 1889 e 1920, observando seus aspectos de sobrevivência e desenvolvimento durante e após o período marcado por surtos de febre amarela na cidade, ocorridos na última década do século XIX. O crescente conhecimento acerca do assunto, no entanto, permitiu perceber a existência de questões de maior extensão do que as inicialmente postuladas, ampliando a visão inicial e mudando um pouco as primeiras hipóteses da pesquisa.

Ao constatar as reais amplitudes e os efeitos da epidemia sobre a cidade, a qual, combalida em momentos críticos, não apresentou regressão em seu desenvolvimento ou de sua população, tornaram-se inadequadas as ideias de que os anos seguintes aos grandes surtos tenham sido de recuperação lenta do cotidiano urbano e de sua agitação. Pelo contrário, a

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retomada da cidade deu-se de maneira mais prática e bem menos traumática do que se imaginava.

Assim, sob o âmbito cultural, foram também desfeitas as hipóteses semelhantes em relação à questão musical, passando-se a observar o século XX como proporcionador de renovações próprias das práticas culturais e musicais, ao invés de uma extensão gradativa e dependente dos efeitos negativos dos anos anteriores. Não se omitem, no entanto, algumas rupturas infalivelmente provocadas pela intensidade das desagregações durante os principais momentos de estagnação trazidos pela epidemia, ainda que pontuais.

Após essas percepções, portanto, a busca passou a privilegiar a cultura musical em suas formas de expressão nos diferentes espaços e meios em que se manifestou, segundo as influências das transformações urbanas e tecnológicas cada vez mais evidentes após o final do século XIX. O recorte temporal, por sua vez, estendeu-se ao ano de 1922, a fim de percorrer a história do Teatro São Carlos até seu desaparecimento, motivo relevante que demarcou o limite final da pesquisa.

A pesquisa documental deu-se através de periódicos, crônicas, almanaques, revistas, fotografias e partituras. Em menor medida, recorreu-se a documentos como registros cartoriais, processos ou livros administrativos. Nas fontes de maior extensão e abrangência, como os jornais, e também nas crônicas, foram buscados registros de informações sobre a vida musical da cidade, a fim de identificar a atuação de músicos, realização de eventos nos teatros, tendências musicais, comércio especializado e ensino, entre outros aspectos. Separados em temas, portanto, os registros foram tratados buscando um contexto de suas informações, formando-se um fio condutor de entendimento de seus dados sobre os assuntos neles contidos. Complementando a pesquisa em fontes primárias, foi feito também o levantamento e leitura de referências bibliográficas referentes ao contexto e aos objetos observados.

O acesso aos antigos jornais de Campinas, as principais bases documentais que viabilizaram a pesquisa, foi determinante para a execução do estudo, que jamais seria levado à frente apenas com esparsas referências nos livros de memória da cidade e das outras fontes. Embora com grande riqueza e regularidade de informações, muitas são as limitações apresentadas pelos periódicos, em parte devido à seletividade de suas publicações segundo a ordem social predominante, com a omissão de importantes realidades sociais e culturais

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presentes em Campinas naquele período. As dificuldades relativas às crônicas dos memorialistas devem-se mais a certas imprecisões e generalizações, como informações pouco datadas, ou erroneamente indicadas, sobre a música e seus representantes de atuação definida no tempo.

No todo, como a grande tarefa, tratou-se de reconstruir o quanto possível o cenário musical campineiro na passagem entre os séculos XIX e XX, identificando as permanências e alterações das práticas musicais ao longo do tempo. No entanto, ao lidar com fragmentos deixados pelos documentos quase sempre sem a intenção de preservação da memória, fez-se natural a recorrente incompletude do conhecimento acerca do que se buscou. Imagina-se, portanto, um mundo musical muito mais amplo e rico.

O primeiro capítulo introduz o tema da vida musical em Campinas a partir de 1889, percorrendo a última década do século XIX. Trata-se de um período à parte da história da cidade e, portanto, da história de sua vida cultural, marcado pelos reveses da epidemia de febre amarela e pelas transformações modernizadoras do meio urbano. Após uma breve introdução e antes de abordar propriamente a questão musical, fez-se necessário expor, ao menos de forma geral, sobre os mesmos momentos críticos por que passou o município. Na terceira parte, então, pode-se acompanhar as descontinuidades e retomadas das atividades musicais durante o mesmo período, buscando identificar suas maiores rupturas com o passado imediato, bem como as forças que ainda a sustentaram e a conduziram ao novo século.

O segundo capítulo passa a buscar a vida musical da cidade em seus principais espaços de concretização, na intenção de reconstruir os cenários e as situações da música como acontecimento, com suas formas e repertórios, ao mesmo tempo em que procura pelos músicos e seus públicos. O Teatro São Carlos, por exemplo, era desde 1850 o ponto central da cultura e da música daquela sociedade. Grande parte da história musical de Campinas deu-se em seus concertos, óperas, zarzuelas e outros espetáculos, que neste estudo serão acompanhados até 1922, o ano final da existência daquele espaço. O mesmo se dará com o Teatro Rink, de características mais populares, e com as sociedades culturais, como o Club Semanal de Cultura Artística e o Club Campineiro, com frequentes atividades artísticas. Ainda são consideradas as atividades musicais nas igrejas, protagonizadas pela orquestra – da qual o maestro Sant’Anna Gomes fora regente por muitos anos, e por cantores,

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apresentando-se nas grandes festividades religiosas. Deve-apresentando-se tratar também da música popular, preapresentando-sente nas múltiplas faces da vida urbana e seus personagens. No todo do capítulo, abordam-se as mudanças que a agregação ou substituição de gêneros e hábitos musicais trouxeram à vida musical da cidade no importante período de passagem dos séculos, abrangendo ainda a última década de 1890 e prolongando-se, então, pelos vinte e dois primeiros anos do século seguinte.

Os últimos tópicos desse capítulo propõem-se a tratar, especificamente, das novas formas de apreciação da música que se estabeleceram no princípio do século XX e que passam a ocorrer a partir de novos suportes e contextualizações. O gramofone, por exemplo, vem a ser novo meio de divulgação musical, e de executante de conhecidas canções torna-se também fonte de novo repertório para a execução musical tradicional. Um pouco mais adiante, após a exibição de cinematógrafos itinerantes na cidade, afirma-se o novo espaço do cinema, com filmes cujas exibições, ainda por muito tempo, foram acompanhadas pelo som de pianos, bandas e orquestras. Para a música, surgem então outros usos, funções e demandas, dentre as quais a necessidade de novas habilidades dos músicos e de variação e adequação de repertórios. Em Campinas, a música do cinema representou-se pela pianista Ana Gomes, por bandas como a do maestro Troiano, e por orquestras conduzidas por diferentes regentes.

No terceiro e último capítulo serão abordadas as diferentes relações de afinidade percorridas pela arte musical, passando pelos interesses culturais e econômicos que se estabeleceram a partir da música. Os grupos musicais, como orquestras, bandas de música ou pequenas formações, como o quarteto dos irmãos Álvaro ou o quinteto de cordas de Sant’Anna Gomes, podem representar o encontro do conhecimento e do compartilhamento dos saberes entre músicos, fossem profissionais ou amadores. Nas relações de ensino musical que, por sua vez, davam-se em algumas instituições escolares, como o Colégio Progresso ou o Externato São João, e na pessoa de diversos professores da cidade, afirmavam-se os valores culturais e educacionais atribuídos ao conhecimento e à prática da música. Apresentam-se também, acompanhando e correspondendo às demandas materiais daquela cultura musical, alguns estabelecimentos comerciais, que através da negociação de instrumentos musicais, sobretudo pianos, e de profissionais tecnicamente especializados em serviços de conserto e afinação, constituíram adequadamente suas redes de interdependência econômica com a música.

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Capítulo 1

A vida musical em Campinas e a epidemia de febre amarela

(1889-1900)

1.1 Campinas, uma pequena introdução

A história da cidade de Campinas representa, de forma icônica, a história do sudeste paulista durante século XIX, alcançando importante desenvolvimento sob o contexto econômico da expansão cafeeira e depois, abrigando os ideais políticos que ajudariam a dar ao país passagem ao regime republicano.

Foi a partir da década de 1870 que se deu um salto em seu processo de modernização, quando o capital excedente advindo da exportação do café foi direcionado pela aristocracia, que aos poucos se metamorfoseou em alta burguesia (LAPA, 2008: 20), em melhoramentos e serviços urbanos, modificando a paisagem e a vida na cidade. Afirma Semeghini que, já na década de 1880, “o fluxo da renda gerada na lavoura desenvolvera na cidade uma estrutura de serviços e um aparato cultural que em São Paulo só encontrava paralelo na capital.” (SEMEGHINI, 1988: 51).

Ainda antes de adentrar ao século XX, a cidade passaria por períodos de dificuldades e de grandes custos sociais, com o enfrentamento da epidemia de febre amarela. Considera-se que entre 1889 e 1897, cinco foram os surtos epidêmicos que atingiram a cidade, causando a morte de mais de duas mil pessoas. Ao passo em que a cidade era atingida pelo mal, metamorfoseava-se através da ação pública no empreendimento de renovação do meio urbano segundo os padrões modernos de estruturação sanitária, que se baseavam na defesa da saúde geral.

Sobre várias cidades do complexo cafeeiro paulista estabelecia-se o mesmo quadro epidêmico, criando-se, na década de 1890, um forte aparato institucional do governo estadual para os combates em prol saúde pública. Legitimando as políticas públicas postas em prática em parceria com os poderes municipais, impunha-se a legislação, como o

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Regulamento de Higiene de 1892 ou o Código Sanitário de 1894. As ações governamentais davam-se, na prática, segundo o modelo campanhista, em que o Estado intervinha na normatização de aspectos do cotidiano da vida urbana (TELAROLLI, 1993: 239).

Para Campinas, exemplarmente, os últimos anos do século XIX representaram uma forte retomada no processo de rompimento com o passado de feições coloniais, catalisado pela presença da epidemia e pelas respostas demonstradas pelo poder público na transformação da cidade e dos hábitos cotidianos. Até então, sua área urbana desenvolvera-se espontaneamente, mas embora atrativa econômica e culturalmente,

A cidade apresentava-se com problemas estruturais sérios, que comprometiam o seu desenvolvimento e a qualidade de vida dos seus moradores, o que contrastava com sua riqueza acumulada ao longo dos últimos quarenta anos, com a modernização que conseguira em vários setores de sua vida pública, particularmente nas adoções tecnológicas que empreendeu beneficiando o conforto dos habitantes, em melhoramentos públicos e equipamentos, que de alguma maneira contribuíram para as manifestações de cultura e inteligência com que a cidade começou a atrair a atenção do país. (LAPA, 2008: 204).

A modernidade, anteriormente traduzida pela beleza da arquitetura e dotação de alguns serviços urbanos tecnicamente avançados, parecia ressignificar-se. No curso do desenvolvimento da cidade rumo à atualização e melhorias técnicas aplicadas a seu espaço, ali iniciado há décadas pelos recursos econômicos da cafeicultura, despontava, talvez, um novo indicativo de adiantamento para o viver urbano. No alvorecer da República, entre os enérgicos enfrentamentos às epidemias e no banimento de toda insalubridade causadora de males, estabelecia-se como paradigma de avanço e progresso a imagem da cidade higiênica.

No entanto, foi na contramão da cultura popular permanente em antigos hábitos, que a união do poder político e do saber médico buscou implantar o modelo ideal de cidade, segundo uma racionalidade burguesa. Como resume Amaral Lapa, “(...) é em grande parte na área da saúde que se coloca e se resolve a questão da modernidade. O econômico, o político e o cultural se curvam a esse acerto (...)” (Opus cit., p. 195). Também nos lembra Chalhoub que o pensamento higienista baseado nos sentidos que concebera sobre “civilização”, especialmente após o golpe militar de 1889 que estabeleceu o regime republicano, tornaria-se o suporte ideológico da “ação ‘saneadora’ dos engenheiros e médicos que passariam a se encastelar e acumular poder na administração pública” (CHALHOUB, 1996: 35).

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A travessia de Campinas para o novo século deu-se, portanto, sob o contexto dos combates epidêmicos e das transformações urbanas. A continuidade de seu desenvolvimento como centro de produção agrícola e de atividades comerciais seria observada, no entanto, de forma positiva mesmo durante esse período e nas décadas seguintes. A partir de sua ascendente trajetória econômica em percurso durante o século XIX, o município segue em crescimento populacional e também industrial no século XX, quando a cafeicultura dá espaço a outros gêneros alimentícios e o mercado urbano torna-se mais complexo, com maior diversificação de setores do trabalho e de serviços, em um cenário de expansão do meio urbano (ABRAHÃO, 2014: 55-6).

Inserindo-se no cenário geral do desenvolvimento das cidades durante a passagem dos séculos, Campinas também se constrói, à sua maneira, como uma “civilização urbano-industrial”. Essa característica dos centros urbanos no referido período de transição englobou os fatores das movimentações imigratórias, que contribuiu para a conformação da mão-de-obra urbana e das questões trabalhistas, do crescimento da população nacional, da urbanização e da acelerada divisão social gerada pelo modo capitalista de produção cada vez mais presente, com o aparecimento de estratos sociais diversificados (NAGLE, 1976: 23-34).

Ao agregar esses elementos históricos de formação econômica e social, reunindo massas de trabalhadores estrangeiros aos libertos e livres já existentes no contexto de expansão de suas indústrias e companhias, como as estabelecidas estradas de ferro, e de complexidade da malha urbana, bem como à continuidade da produção das lavouras, Campinas desenhou-se como lugar de sensíveis transformações. A cidade envolveu-se ainda na ambiguidade dos processos em andamento dos aspectos econômicos, sociais e políticos, com a confluência dos mundos rural e urbano em suas respectivas dinâmicas de recuo e crescimento, e com a heterogeneidade dos atores sociais, dos quais apenas ínfima parte alcançou real representação jurídica junto à República.

Junto a esse universo urbano em contínua evolução, manifestou-se, por fim, um notável mundo cultural, potencializado pelo progresso desde a segunda metade do século XIX. Como prática da cultura e do lazer, a música ocupou um papel de destaque entre os variados meios sociais, com circunstâncias, espaços e instituições próprios de desenvolvimento. Nos passeios públicos, nas ruas, nos palcos do Teatro São Carlos e do Teatro Rink, nos clubes e associações culturais, nas salas íntimas das residências e nas igrejas

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presenciava-se a música. Nas retretas, carnavais, festividades cívicas, concertos, óperas, saraus, missas, apresentavam-se bandas, músicos, cantores e orquestras. Professores de música, casas comerciais e serviços especializados completavam o quadro musical da cidade.

Ao acompanhar a história da cidade, a música revelou-se também em suas estreitas relações com o meio, e de forma recíproca interagiu com os aspectos da cultura e da sociedade em que se encontrou. Dos momentos finais do século XIX, marcados pelas paralizações do cotidiano durante os surtos de febre amarela, ao aceleramento da vida urbana no século XX, as práticas musicais estiveram em constante desenvolvimento e transformação, em pleno diálogo com os contextos de seu mundo urbano.

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1.2 A epidemia de febre amarela em Campinas

“Foi em começos do ano da República: de quantos caíam, morria uma porcentagem aterradora!” (MARTINS, 1939: 401)

A febre amarela manifestou-se em Campinas como surto epidêmico a partir de março de 1889. Ainda em 1876, o médico Valentim Silveira Lopes afirmara serem alguns casos surgidos na cidade a própria febre, o que gerou sérias discussões médicas na imprensa e grande repúdio a tal afirmação, tida como afronta. Uma crença dominante era a de que a doença jamais chegaria ao interior, existindo apenas em cidades litorâneas, como Santos ou Rio de Janeiro, local em que a epidemia se manifestava desde 1850.

Em 1886, a Câmara Municipal havia criado a Comissão de Higiene e Saneamento, composta por três médicos, com o fim de inspecionar casas, ordenar a limpeza de locais insalubres e indicar medidas para o bem da saúde pública. Tais providências de caráter preventivo justificavam-se pela possibilidade sempre presente de ameaças epidêmicas. Anos antes, a cidade havia passado por episódios de epidemia de varíola, entre 1855 e 1875, além de casos de cólera morbo. Essas ações estão também relacionadas à sensível participação de médicos na vida política do município que, ocupando cargos de vereança ou de assessoria, contribuíram para a prática legislativa em torno da salubridade pública e auxiliaram no direcionamento do poder local em favor dessas questões (LAPA, 2008: 267). As medidas, no entanto, ainda foram insuficientes para evitar o expansivo desdobramento da febre amarela três anos depois.

Os livros de memória de Campinas e a literatura em geral recontam a história da epidemia de febre amarela na cidade como tendo origem com a chegada de uma jovem estrangeira, Rosa Beck, referida como suíça ou alemã. No Rio de Janeiro ou no porto de Santos teria contraído a doença, trazendo-a depois a Campinas, onde intencionava ser professora. Embora o caso da jovem Beck seja tido como marco original da febre nessa cidade, é possível supor que a ligação de Campinas com outras localidades, através das malhas ferroviárias de que dispunha, já possibilitasse a presença do vetor da doença em seu território. Há apontamentos de que algumas mortes causadas por febre perniciosa no ano anterior, 1888, pudessem ser, na verdade, os primeiros casos de febre amarela.

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O primeiro surto epidêmico, portanto, iniciou seu ciclo em março de 1889, com a efetiva disseminação da febre. As primeiras providências tomadas pela Câmara resumiam-se em duas questões – a nomeação de médicos para o tratamento dos doentes e a nomeação de servidores para uma intensa operação de remoção de lixo e fiscalização de casas e áreas em condições irregulares de higiene. Intensos trabalhos de inspeção tomaram as ruas da cidade. O popular pensamento da época sobre os perigos dos miasmas, do quais provinham as temíveis enfermidades, embasava tais ações, e a imundície e a umidade do solo eram apontadas como originadoras de todo mal. Desconhecia-se, vale lembrar, o inseto como verdadeiro vetor da doença, muito menos sua causa viral. 1

Nas páginas dos jornais, severos discursos a favor do asseio e da higiene pública figuravam-se diariamente. A imprensa colocou-se

a serviço da higienização da cidade, atuando como atenta vigilante, denunciando ela própria o desrespeito aos preceitos que eram baixados nesse sentido, como também divulgando denúncias de terceiros e intermediando a acusação com a decorrência do ato corretivo da autoridade. (LAPA, 2008: 184.)

Frente à ameaça da epidemia, deu-se o êxodo da população urbana em grandes proporções. No ano de 1886, a população apontada para Campinas é de 41.253 habitantes, incluindo suas cercanias (BAENINGER, 1996: 24). Embora não haja números certos para o ano de 1889, pode-se construir uma pequena noção da população especificamente urbana, nesse período. Santos cogita a possibilidade de um número de 10.000 ou mais, baseado no que tem como referência do ano de 1871, de 10 mil habitantes na cidade e de 23 mil nas fazendas. Segundo o que afirma Baeninger sobre o crescimento da população da cidade entre 1886 e 1900, pode-se imaginar que, para o perímetro citadino, no ano da epidemia haveria certamente mais do que dez mil habitantes. Há um apontamento de 15 a 20 mil habitantes para o período (LIMA, 2013: 140).

Enfim, nas impressões do médico Angelo Simões, após a epidemia a cidade teria se reduzido a 3 mil habitantes, sendo que 1000 haviam morrido. E para outro médico, Clemente Ferreira, os que permaneceram na cidade foram 5 mil (SANTOS FILHO, 1996: 36).

1 Na década de 1880, o médico cubano Carlos Juan Finlay y de Barrés (1833-1915) havia apontado o mosquito

Aedes Aegypti como o transmissor da febre amarela, mas sua hipótese, até então desacreditada, só se confirmou em 1900, pelos experimentos da Comissão de Saúde do Exército Norte-Americano, chefiada por Walter Reed (1851-1902).

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Embora sejam simples impressões, a cifra de aproximadamente 5 mil habitantes remanescentes após a deserção é recorrente.

Os primeiros a se ausentarem da cidade foram os fazendeiros, permanecendo em suas propriedades rurais ou em outras localidades, seguidos dos menos abastados, que fugiram como puderam. “Fecharam-se as residências, as lojas, os armazéns, oficinas, hotéis, repartições públicas, escritórios e até as cocheiras localizadas nos centros citadinos” (SANTOS FILHO, 1996: 36). Assim diz o historiador, cuja obra sobre a febre amarela em Campinas2 é a mais completa. Em suas memórias, Amélia de Rezende Martins, filha do Barão

Geraldo de Rezende, também escreveu que

“Na cidade assolada reinava o pânico! Quantos puderam, fugiram, refugiando-se nas fazendas. Todo o teto que meu pai pôde arranjar foi posto à disposição de amigos, de conhecidos, de quem pedia socorro... Quando já não havia mais lugar, o Diretor da Estação Agronômica pediu abrigo para a família! Meu pai pôs a mão na cabeça! Onde, meu Deus, fazer entrar mais gente! Mas que remédio! Era preciso servir! E desalojado o administrador, que arranjou-se como foi possível, foi sua casa cedida ao Dr. Dafert.” (MARTINS, 1939: 403).

Nesse grande êxodo urbano, a cidade reduziu-se a seus moradores sem recursos e sem destinos para a fuga. Naquelas condições, sobressaíram-se as relações familiares e de amizade e a conveniência dos bens materiais, ao passo que os que tais auxílios não possuíam, sofreram graves riscos e, boa parte deles, suas consequências fatais. Esse fato ajuda a demonstrar o aspecto social da epidemia que, embora tenha atingido todas as classes sociais, incluindo membros de famílias abastadas, de forma muito mais severa ceifou a população desfavorecida, como ex-escravos e seus descendentes, e em maior escala, os imigrantes.

Junto à morte massiva, que no auge da epidemia atingiu o número de trinta óbitos por dia, aliava-se a fome, levando a maior parte da população remanescente ao nível máximo da precarização de suas condições de sobrevivência. A escassez dos gêneros de primeira necessidade elevou os preços a níveis inalcançáveis para as famílias pobres, atirando-as, muitas vezes, à mendicância.

2 Neste trabalho a obra de Lycurgo de Castro Santos Filho, “A epidemia de febre amarela em Campinas:

1889-1900”, foi tomada recorrentemente como referência, por se tratar de um estudo histórico de maior abrangência e maior critério na investigação de informações.

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Com o intuito de amenizar tal situação, no dia 7 de abril, pelo cônego Cipião Junqueira e por Alberto Sarmento (1864-1927), fundou-se a Sociedade Protetora dos Pobres que, abrigada no consistório da Matriz Nova, “promoveu campanhas e distribuiu alimentos, roupas, dinheiro aos necessitados, chegando a atender mais de mil pessoas por dia” (LAPA, 2008: 266). O acolhimento aos enfermos, por sua vez, deu-se inicialmente em uma enfermaria da Santa Casa de Misericórdia e no Lazareto do Guanabara, seguindo-se a abertura de enfermarias na Beneficência Portuguesa, na Escola Correa de Mello e no Circolo Italiano Uniti (SANTOS FILHO, 1996: 175).

Incapaz de arcar sozinha com as demandas de socorro à população e com os custos que se somavam, a edilidade municipal recebeu auxílio das instâncias maiores do poder. Do governo da província, cuja presidência era então ocupada por Antonio Pinheiro de Ulhoa Cintra, o Barão de Jaguara, Campinas obteve apoio com o envio da Comissão Provincial de Socorro, composta por trinta e cinco membros, entre médicos, estudantes de medicina, farmacêuticos e desinfetadores. Ainda por influência do Barão de Jaguara, aprovou-se na Asaprovou-sembleia Provincial a doação de 2 mil contos de réis para a Câmara da cidade a aprovou-serem destinados à Companhia de Água e Esgotos, para a realização das obras de saneamento, provendo instalações de abastecimento de água e destinação de dejetos sanitários.

O governo imperial também enviou sua comissão de socorro, ainda mais numerosa e eficiente no atendimento aos doentes, permanecendo na cidade durante o mês de abril. Campinas recebera uma terceira Comissão no mesmo mês, desta vez a mando dos jornais do Rio de Janeiro que, reunidos sob a Comissão Central da Imprensa Fluminense3, rapidamente angariaram recursos de variadas ordens para o auxílio da cidade.

Passado o mês de abril, chamado “mês do terror”, recuava a epidemia em meados de maio, com a diminuição do número de enfermos e início do retorno de parte dos que haviam deixado a cidade. Durante esse mês, no entanto, muitos dos que volviam eram ainda acometidos da enfermidade, de modo que havia um apelo para que se aguardasse a absoluta ausência da febre. Ao final de junho, enfim, a última enfermaria, no Correa de Mello, fechava suas portas. Para o número de mortos, Santos Filho estima-o em 1100, embora a situação caótica da cidade tenha impossibilitado o adequado registro dos óbitos pela febre amarela, de

3 Em razão das doações da imprensa do Rio de Janeiro em auxílio a Campinas, em 1889 o Passeio Público da

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forma que muitas vítimas foram enterradas sem qualquer registro em cartório. Assim, não pode haver cifras exatas.

O ano seguinte, 1890, assistiu ao retorno da epidemia, cuja realidade foi aceita com relutância pela população. De quatro periódicos circulantes na cidade, somente o Diário de Campinas, através do médico Eduardo Guimarães, denunciava a nova ameaça da febre com a ocorrência de óbitos de alguns amarelentos, contra a opinião inflexível de outros médicos. Em meados de fevereiro, porém, já se registravam novas mortes.

Uma declaração nos jornais no dia 2 de março, do Dr. Antenor Guimarães, delegado de Higiene e pai de Eduardo Guimarães, causou real revolta na cidade contra pai e filho. Afirmava ocorrer nova propagação da epidemia, devendo-se abandonar a cidade. No dia seguinte, algumas centenas de pessoas, reunindo-se no largo do Visconde de Indaiatuba e lideradas pelo cidadão Rodrigues Costa, pediram a demissão de Antenor Guimarães de seu cargo na Intendência. Nesse dia, os médicos foram hostilizados e até mesmo alvo de apedrejamento pelos revoltosos. Na mesma tarde, o Dr. Germano Melchert, que travara na imprensa sua rivalidade a Guimarães, era ovacionado pela população. (SANTOS FILHO, 1996: 200).

A obstinação popular, no entanto, fundamentava-se na aterrorizante ideia da iminência de uma nova onda epidêmica. Havia também o fato de que, não poucas vezes, afirmações equivocadas sobre a existência de epidemias causavam na cidade pânico desnecessário, prejudicando-lhe o comércio e impedindo a vinda de visitantes (LAPA, 2008: 256). Não sendo esse um caso de equívoco, o fato era que a febre alastrava-se em seu segundo surto, dessa vez atingindo fazendas e localidades circunvizinhas.

Novamente foram necessários auxílios governamentais, enviados do então governo da República e do estado de São Paulo na forma de assistência médica. A relevância política de Campinas e sua forte militância republicana facilitaram-lhe também a liberação de grandes somas pelo poder federal. Com a mediação de Francisco Glicério e Campos Sales, políticos campineiros em cargos ministeriais do Governo Provisório, a Câmara Municipal obteve o crédito de 50 contos de réis para o socorro da cidade, medida aprovada pelo Marechal Deodoro.

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Extinguia-se o surto epidêmico em inícios de junho. Tivera, dessa vez, menores proporções em relação ao primeiro, no ano antecedente. Para o número de mortos, Santos Filho faz uma estimativa entre 334 e 400 vítimas, sendo que a quase totalidade delas pertencia às classes médias e baixas.

No ano de 1891, por sua vez, não houve surto epidêmico. Segundo Santos Filho, “se houve casos de febre amarela em 1891, eles foram poucos e não mortais. Por todo esse ano, não se registrou um só enterramento de vítimas de febre” (Santos Filho, 1996: 217). Nesse ano, foram instalados os serviços de abastecimento de água na cidade, que muito contribuiriam, além da modernização e desenvolvimento da área urbana, para a diminuição da gravidade da epidemia nos anos seguintes. Embora já existissem planos para a implantação de tais serviços desde a década de 1880, as obras só foram iniciadas durante os difíceis tempos da ameaça epidêmica. E na cidade cujo território possuía, naturalmente, terrenos pantanosos, somavam-se práticas domésticas um tanto desfavoráveis ao bom uso da água:

Charcos, brejos, alagadiços, distribuíam-se pela zona central e periférica de Campinas. Eram focos criatórios de mosquitos e outros insetos. Fossas negras contribuíram para poluir a água de serventia retirada dos poços cavados muitas vezes junto às mesmas, nos quintais das residências. Eram, de fato, precárias e lamentáveis as condições de higiene da cidade. (SANTOS FILHO, 1996: 231).

Somente após muitos empecilhos de ordem política para a liberação do empréstimo, como já se disse, concedido pelo governo da Província, a Companhia Campineira de Águas e Esgotos, sob a direção do engenheiro Francisco de Sales Oliveira Junior (1852-1899) iniciou as obras. Foram concluídas com excelência tanto a rede de abastecimento de água como a rede de esgotos, esta inaugurada no ano seguinte e incluindo uma estação de tratamento e destinação dos dejetos para a lavoura. Embora tais obras tenham sido de grande contribuição para as mudanças dos padrões higiênicos da cidade, muitos esforços no mesmo sentido ainda se seguiriam anos depois.

O terceiro surto epidêmico deu-se no ano seguinte, 1892. Ao contrário do que ocorrera por ocasião do segundo surto, a população reagiu ao retorno do mal sem relutâncias, enquanto outras cidades próximas enfrentavam a epidemia da mesma forma. Como quadro epidêmico, o surto de febre iniciou-se em março, não havendo grande êxodo da população. Ainda assim, durante o recrudescimento da peste o cotidiano e as atividades eram suspensos

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na cidade. No mês de maio recuava novamente a epidemia, e no dia 22, lia-se no Diário de Campinas:

Felizmente Campinas volta ao seu antigo estado de movimento e prosperidade. Os negócios (estabelecimentos comerciais) que se achavam fechados pela retirada de seus proprietários, reabriram suas portas, animando assim a cidade. Não tem havido novos casos da terrível febre, sendo a mortalidade insignificante. (SANTOS FILHO, 1996: 220).

Segundo as investigações de Santos Filho, aponta-se para esse ano o número de 191 mortos. O autor refere-se à imunização de muitos como responsável pelo livramento de centenas de vidas, dimensionando os níveis de mortalidade da epidemia de 1892 como sensivelmente inferiores aos de 1889. Para tanto, as obras de saneamento foram de grande contribuição, diminuindo os focos de mosquitos transmissores. (SANTOS FILHO, 1996: 218).

Os anos de 1893 e 1894 não registram surtos epidêmicos. Para 1893, apontam-se aproximadamente 40 casos de febre amarela, e para o ano seguinte, acredita-se que houve cerca de 10 casos. Em 1895, de igual modo, não houve epidemia, com casos esparsos da doença.

“A instalação da rede de água e esgoto e as medidas profiláticas de desinfecção devem ter contribuído para que não houvesse epidemia de febre amarela em 1893.” (SANTOS FILHO, 1996: 230). Certamente muito significou para a cidade a canalização da água e a destinação adequada dos dejetos, amenizando os efeitos devastadores da epidemia. O novo modelo de saneamento, no entanto, implicava no banimento das antigas fossas, localizadas nas propriedades dos moradores. Sob o comando das autoridades municipais, a desinfecção e inutilização das chamadas cloacas, e também dos poços, deveriam ser sistematicamente executadas, o que gerou, no entanto, grande descontentamento de muitos. Ultrapassando os limites do espaço público, tais medidas higiênicas adentravam ao ambiente privado das residências, além de exigirem, para o seu cumprimento, despesas dos próprios particulares.

Em meio ao contexto de crise na saúde pública revolviam-se, então, as questões do público e do privado, cujas relações tornavam-se mais difíceis com o endurecimento do

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poder jurídico das autoridades municipais na necessidade de regulação do comportamento e dos hábitos populares. Como pontua Amaral Lapa,

Mas antes é preciso reconhecer que as mudanças que são exigidas não serão tão espontâneas como se pretendia. É preciso conferir-lhes caráter compulsório, criando-se um aparato capaz de constranger e reprimir os cidadãos resistentes e recalcitrantes, a fim de que o seu comportamento e relações sociais obedeçam à padronização requerida pela ciência médica (...). (LAPA, 2008: 189).

Os dois últimos surtos de febre amarela deram-se nos anos de 1896 e 1897. No entanto, em 1896, há alguns anos sem a ocorrência de quadro epidêmico, as notícias de aumento de casos da febre davam-se de encontro às positivas expectativas da população, pelas melhores condições em que se encontrava a cidade. Novamente desenrolava-se um surto, e de tais proporções que provocou dessa vez considerável emigração de habitantes. Deve-se ressalvar apenas que, apesar do abandono de várias famílias e paralização de diversos serviços públicos, observou-se uma continuidade no cotidiano da cidade, como a abertura permanente das casas comerciais ou a celebração da Semana Santa, ainda que em outro local.

Com a cidade dividida em três distritos, atuavam os médicos designados pela intendência municipal no tratamento dos doentes, auxiliados por outros vindos na Comissão Sanitária enviada pelo governo estadual. O número de mortos nesse ano oscila entre 782, 788 e 894, sendo que “as vítimas fatais foram, na quase totalidade, pessoas da classe média baixa, principalmente imigrantes.” (SANTOS FILHO, 1996: 245).

Nesse ano novas providências em favor do saneamento da cidade eram tomadas pelo poder municipal, com uma ação intensiva de drenagem do solo, arborização e fechamento de poços e fossas, ainda existentes em larga escala. Tais serviços foram, pouco depois, assumidos pelo governo estadual que, através da lei de 03/08/1896 assumia a responsabilidade pelo saneamento de Campinas e outras cidades que haviam passado por situação semelhante. Para tanto, a Comissão Sanitária atuou nas mesmas diretrizes sob a supervisão do sanitarista Emílio Ribas, completando-se as ações ao final de 1897.

Ainda no mesmo período, novos melhoramentos foram feitos nas redes de saneamento da cidade pela Comissão de Saneamento, chefiada pelo engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de Brito (1864-1929). Executaram-se, por exemplo, obras de canalização nos córregos do Serafim e do Tanquinho, dando saída também às águas pluviais.

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Subsistindo pela última vez em caráter epidêmico, retornou a febre amarela em 1897. No entanto, poucos foram os habitantes que deixaram a cidade, e a vida urbana transcorreu com regularidade. Segundo as aproximações de Santos Filho, o número de mortos se deu em torno de 325.

A partir de então, até o ano de 1903, quando se atestaram os últimos casos, muito poucas foram as ocorrências de febre amarela na cidade, permanecendo apenas em sua forma endêmica. O período marcado pelos reveses da epidemia havia sido superado, em grande parte devido às ações de ordem estrutural levadas a cabo pelos poderes local e estadual. Ao fim, muito embora por ocasião dos surtos epidêmicos o real transmissor da febre fosse ainda desconhecido, as obras de drenagem e saneamento da cidade fizeram-se adequadas no combate à sua disseminação.

Sob uma perspectiva geral, o período em que a epidemia de febre amarela sobreveio a Campinas não deve ser considerado, em termos exatos, como um tempo de pausa na marcha de desenvolvimento em que se conduzia a cidade. Os recuos que certamente existiram nas movimentações cotidianas, e que afetaram a vida comercial e cultural em certos momentos, deram-se de forma pontual e passageira.

Os tempos de desestabilidade urbana, ainda que marcados pelo grande êxodo de habitantes, não trouxe à cidade maiores danos para o seu desenvolvimento: “Apesar da febre amarela e da estabilização da produção, não houve involução ou decadência populacional e econômica” (SEMEGHINI, 1988: 63). Outra afirmação do autor, porém, não nega a existência de algum impacto no crescimento industrial: “De fins de 1880 até 1900, na segunda expansão cafeeira, a indústria local, embora cresça, é afetada pela febre amarela.” (idem, p.79).

Ao analisar as atividades econômicas em Campinas ao final do século XIX, através do conhecimento sobre os diversos serviços comerciais e financeiros existentes na cidade, Bianconi também conclui que o município manteve-se como centro de destaque econômico, tendo-se mostrado capaz de superar os períodos adversos por sua articulação urbana e diversificação de investimentos no complexo cafeeiro (BIANCONI, 2002: 95-6).

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Como ainda afirma Baeninger, a cidade cresceu economicamente mesmo durante os anos da epidemia, ao menos em relação às atividades comerciais: “Na década de 1890, as atividades de comércio e prestação de serviços tenderam a se ampliar e se diversificar, reforçando a posição de Campinas como pólo regional.” (BAENINGER, 1996: 33). Quanto à questão populacional, segunda a mesma autora, Campinas avançava em suas cifras a 3,6% a.a. desde 1886, e ao ano de 1900 sua população, incluindo as cercanias, era de mais de 67 mil habitantes. Deve-se lembrar, no entanto, que houve definidos períodos de baixa no número de habitantes como resultado da epidemia, marcadamente durante o primeiro surto. No todo, há concordância com a análise de Semeghini, pois apesar da emigração dos habitantes e do número de óbitos, não houve involução nos números populacionais, mas sim um crescimento que não foi detido.

Ao findar do século, “Campinas voltou ao normal, readquirindo em 1900, a população urbana de 19 000 habitantes, numericamente próxima da que possuía em 1889, antes do início da epidemia. (Berquó apud Badaró, 1996: 32). De forma geral, apesar dos momentos críticos por que passou, a cidade prosseguiu em seu caminho de desenvolvimento. A única ressalva, talvez, seja a de que então foi superada por São Paulo, única cidade do estado com a qual se comparava em sua desenvoltura, por vezes excedendo-a em diversos aspectos:

Em 1900 a área urbana já retornara aos 20 mil indivíduos. Estava saneada. Mas irreversivelmente perdera para a capital do Estado a primazia do desenvolvimento paulista. E muitas cidades como São Carlos, Araraquara e Jaboticabal haviam crescido às expensas da peste amarela campineira. (MELLO, 1991: 23).

Considerando-se, agora, a relevante vida cultural de Campinas, passamos a deter-nos em sua vida musical do período até aqui abordado. Uma vez reconhecidas as relações entre música, cotidiano e sociedade, deve-se observar que a epidemia perpassou e interferiu na estabilidade do quadro musical da cidade, pois atingiu em vários momentos os mesmos aspectos da regularidade da vida urbana e das práticas sociais de seus habitantes no tocante ao cultivo da música. Ao mesmo tempo, tal vida musical acompanhou, na mesma marcha, as retomadas da cidade em tempos propícios, até mesmo reflorescendo de forma notável.

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1.3 A vida musical e a epidemia da febre amarela

De todo o conhecido impacto sob o qual Campinas se desarticulou durante os piores períodos da epidemia, foi o a vida cotidiana o primeiro aspecto a ser por ele atingido. Diante da cessação da normalidade na qual transcorria a vida e perante um futuro duvidoso, portanto, entende-se como natural, ou automático, o recuo das atividades culturais da cidade.

No geral, a prática musical ocorre, como cultura, sob as possibilidades da mais imediata constância proporcionada pela estabilidade social e econômica, aspectos certamente comprometidos durante os primeiros anos de enfrentamento da crise epidêmica. Sabe-se, porém, que foram crescentes as condições da cidade na superação da epidemia, de modo que o cotidiano urbano, de forma direta, recobrou sua fluência pouco a pouco. A vida musical acompanhou, então, os mesmos movimentos urbanos de recuos e avanços, até mesmo sobrepondo-se a eles, em alguns momentos.

Nesse subcapítulo, busca-se expor as características da vida musical, partindo-se de 1889 e prolongando-se pela última década do século XIX, sob as condições por que passou a cidade nesse período. Uma ênfase maior coloca-se na busca pelos aspectos da sobrevivência e dos avanços musicais naquele contexto e, portanto, as questões mais propriamente intrínsecas à musica e sua cultura, bem como as instituições e pessoas que a representaram, serão reservadas a outros capítulos.

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Foi musical o início daquele ano de 1889. O maestro Sant’Anna Gomes organizava um grande concerto em seu benefício, realizado no Teatro São Carlos no dia 20 de janeiro como grande festa artística, com enorme concorrência e aprovação do público. Orquestra, solistas, alguns deles vindos da Corte e de São Paulo, e o coro da Sociedade Concórdia tomaram parte no seguinte programa:

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Primeira parte

Carlos Gomes: O Guarany, ouvertura para grande orquestra.

Schumann: Impromptu, de Stephen Heller, pela exc. Senhora D. Placidina Amaral. F. Abt. : Abend in Wald, coro pela sociedade de canto Concórdia.

L. Sessa: Fantasia para violino, por Julio Bastiani acompanhado ao piano por Antonio Leal.

N. Celega: Gavotta Pompadour, para instrumento de cordas, 9 violinos, 3 violetas, 2 violoncelos e 2 contrabaixos.

Carlos Gomes: Lo Schiavo, aria para soprano, pela exc. Senhora D. Adelaide Lopes Gonçalves, acompanhada ao piano por Emilio Giorgetti.

Segunda parte

Nicolai: Die lustigen Weiber von Windsor, sinfonia para grande orquestra. Chopin: Ballada para piano, pela exc. Senhora d. Placidina do Amaral.

Poncchielli: Gioconda, terceto por Adelaide Lopes Gonçalves, Maria Luiza Almeida e Emilio Giorgetti, acompanhados ao piano por Maria Lopes Duque.

Storch: Vorwärts in die Schenke, marcha coro, pela sociedade de canto Concordia, com acompanhamento de orquestra.

J. Danbé: Berceuse, para violino, por Sant’Anna Gomes, com acompanhamento de quinteto, com surdina.

Sant’anna Gomes: Semira, romance por Adelaide Lopes Gonçalves, com acompanhamento de orquestra.

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No espaço privado, prosseguiam-se as soirées musicais e dançantes, como o concerto de canto e piano na residência de D. Joanna Maria de Andrade, em que a cantora Ludovica de Andrade causara, em alguns trechos de sua apresentação, entusiasmo em seus ouvintes. No dia 1º de fevereiro, o Club Mozart, das alunas de piano do professor Luiz de Pádua, comemorava seu 6º aniversário com outro apreciado concerto.

No palco do Rink, o famoso ator Xisto Bahia4 trazia suas comédias, enquanto nos intervalos do espetáculo o pianista Vespasiano tocava suas polkas, como “Os caixeiros de Campinas”, que foi bisada várias vezes. Como de costume, A Banda Italiana dos irmãos Tullio, de larga atuação na cidade, achava-se semanalmente no jardim público, ao qual concorria grande quantidade de passeantes.

Em março, quando cresciam na cidade as festas e bailes carnavalescos, no entanto, aumentavam-se os números de casos de febre amarela, que logo assumiria suas proporções epidêmicas. Em fevereiro, ainda com as primeiras mortes, há registros de eventos musicais em toda a duração do mês, como um concerto dado pelo pianista cego Luigi Avesani realizado no teatro São Carlos.

Após os anúncios dos bailes de carnaval do Rink e do Salão Enax, nos dias iniciais de março, não mais se encontram indícios de quaisquer manifestações musicais na imprensa, dando-se o mesmo nos meses seguintes de abril e maio. Naturalmente, deve-se negar a existência de uma interrupção abrupta e geral da vida cultural na cidade mesmo no período da crescente ameaça epidêmica em março, pois do contrário se estabeleceria uma interpretação um tanto tendenciosa dos fatos. Da mesma forma, ainda que as fontes documentais possam muito bem servir de parâmetro para o conhecimento dos níveis de agitação da vida musical na cidade, não podem, de maneira absoluta, determinar a ocorrência do início ou do fim das atividades musicais, pois não as contemplam de todo.

As conhecidas condições caóticas a que se reduziu Campinas em abril e maio, por sua vez, reforçam a possibilidade real da inexistência de práticas musicais no perímetro urbano nesse período. Ao menos é o que se pode deduzir sobre a realidade de uma cidade com um reduzido número de habitantes, na convivência da doença e das privações. Não se pode dizer o mesmo, ou na mesma gravidade, sobre as famílias residentes ou refugiadas nas

4 Xisto de Paula Bahia (1841-1896) foi famoso ator, compositor e cantor. Compôs a primeira música gravada no

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fazendas do município. Ao comentar sobre a estadia do casal Dafert na propriedade de seu pai, o Barão Geraldo de Resende, Amélia de Resende Martins relembra momentos musicais vividos enquanto a cidade era assolada pela epidemia:

Tinha, Mme. Dafert, uma linda voz; natural de Vienna, não podia deixar de ser musical... e quando não estavam os espíritos muito abatidos, vinha para nossa casa e, acompanhada por minha mãe, cantava os lindos Lieder de Schubert. (Martins, 1939: 403)

Na superação do primeiro surto epidêmico, alcançada apenas no mês de junho, com o retorno da maior parte da população que se ausentara, a cidade retomava seu cotidiano. Um primeiro registro no jornal pode levar a crer que o lento retorno à música se deu com a importante ação das bandas de música:

“Passeio público

Amanhã de tarde irão tocar a banda de música Azarias de Mello e a banda italiana, reunidas sob a regência do professor Azarias. Entre outras composições serão executadas as seguintes: um grande pout-pourri do Trovador, um dito Omaggio a

Bellini, um dito do Baile Brahms, o Hymno Alpino, de Carlos Gomes, e a

marcha Uberaba, do maestro Presciliano Silva.” (Diário de Campinas, 29.06.1889).

Naquele domingo houve numerosa presença de ouvintes, e as bandas ainda se dirigiram ao Hotel Europa para tocarem no banquete oferecido em gratidão às comissões médicas e servidores que se destacaram durante a epidemia. De fato, pelos meses seguintes, observa-se grande esvaziamento da vida musical nos espaços do teatro e nas associações culturais. As corporações musicais, por sua vez, embora tenham elas mesmas passado por processos de reorganização, em muito sustentaram a continuidade das tradicionais audições públicas durante o ano todo. Pode-se citar ainda que poucos meses depois, em agosto, a Banda Silvestre estreava no jardim público como nova sociedade musical.

Em outubro, deu-se nova iniciativa em prol do desenvolvimento da música na cidade, através de um concerto organizado pelo proprietário da Casa Livro Azul, Antonio Benedito de Castro Mendes, que na cidade “teve importante atuação no campo cultural” (NOGUEIRA, 2001: 225). Pelo contexto e finalidade em que se realizou o chamado “Concertinho”, ao qual seu idealizador pretendia dar sequência em outras ocasiões, era muito provável que houvesse, de forma geral, uma dissipação do cultivo musical na forma desses encontros sociais. Justifica-se, assim, a ação inventiva de Mendes, e reafirma-se novamente seu papel como colaborador da vida cultural.

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Esse concerto, já comentado por Nogueira (2001: 227-29) , realizou-se no salão da própria Livro Azul, cuidadosamente decorado, e no qual se achava um piano Cassel. Apresentaram-se ali o quinteto de cordas de Sant’Anna Gomes e outros músicos, como os pianistas amadores Antonio Lobo, advogado e figura de crescente importância política na cidade, e Maria Amélia de Freitas Guimarães, sempre presente em reuniões musicais. Várias das composições executadas eram de autoria dos próprios músicos, como o quinteto Il lamento degli orphanelli e a valsa Frederiquinho, do presente maestro Gomes, ou a Gavotta também para quinteto de cordas, da citada pianista, e se encontram guardadas no Museu Carlos Gomes5. Sobre o repertório, Nogueira ressalta a ocorrência de uma abertura, no cenário musical da cidade, para a apresentação de composições de autores locais, capazes de escrever obras de maior refinamento (NOGUEIRA, 2001: 229).

A visita de Carlos Gomes a Campinas ao final de 1889, no mês de novembro, ainda promoveu um momento festivo na cidade com a participação da Banda Azarias. Outras ocasiões comemorativas com acompanhamento musical das bandas foram também os festejos a Francisco Glycério, dias depois da proclamação da República, bem como as saudações, na estação, de sociedades campineiras vindas da capital, onde tomaram parte nas celebrações pela instituição do novo regime e do Governo Provisório no estado de São Paulo. Na ocasião, a Banda Italiana executou o hino “A Marselhesa”.

O ano parece ter seguido a seu fim sem eventos musicais de grande representatividade. A presença da epidemia na cidade afastara para longe as possibilidades de visita das tão frequentes companhias líricas e de zarzuelas, bem como a vinda de reconhecidos músicos ou grupos musicais para a realização de concertos. Ainda um tanto fragilizada, a vida musical, representada por seus conjuntos musicais, sociedades e diletantes, deveria buscar reconstituir-se em sua capacidade de articulação e inventividade nos próximos anos.

Um quadro mais positivo se desenharia em 1890, ainda que marcado pelo segundo surto epidêmico. Fora de menores proporções em relação ao primeiro, e embora também afetasse a regularidade da vida urbana, seus impactos sobre o cotidiano foram um pouco reduzidos.

5 Ver Nogueira, Lenita. W. Mendes. “Museu Carlos Gomes: catálogo de manuscritos musicais”. São Paulo: SP,

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Logo no início do ano, encontrava-se na cidade a jovem violinista Giulietta Dionesi, cujos concertos no teatro atraiu grande público. Seria no mês de dezembro, como se verá adiante, que os meios musicais de Campinas se curvariam à presença da menina solista. No Club Semanal, ao final de janeiro, realizou-se um concerto dado por uma premiada harpista, Mathilde Cerutti, jovem instrumentista que passara pelo Conservatório de Paris. Na mesma soirée apresentaram-se o cantor Colantoni Rossi, o quarteto de cordas de Sant’Anna Gomes e as irmãs pianistas Freitas Guimarães. Dias depois, no mesmo Club, deu-se também o já tradicional concerto de aniversário do Club Mozart, organizado pelas alunas do professor de piano Luiz de Pádua.

A partir de meados de fevereiro, embora estando já a cidade sob o segundo surto de febre amarela, os festejos carnavalescos ocorreram com grande alarde, contrastando com o aspecto geral de tristeza e silêncio, deixado pelo abandono de muitos habitantes e pela apreensão dos que haviam permanecido. Embora não tenham sido muitas e extensas as festas de carnaval naquele ano, destacou-se a organização do Club dos Democráticos, com acompanhamento popular e carros alegóricos durante a tarde de domingo, e a presença da Banda Italiana. Ao salão do Rink, de igual modo, afluiu grande quantidade de pessoas.

Um recuo maior das atividades musicais se deu nos meses de março e abril, período mais crítico do ciclo epidêmico. Permaneceram em ação, de forma mais ou menos presente, as bandas de música, com destaque para a Banda Silvestre e a Banda Luiz de Camões. Em maio, os preparativos para a Festa do Divino através de bandos precatórios movimentam as ruas com a companhia de uma banda musical. Na festa religiosa, realizada em junho na paróquia de Santa Cruz, a música da orquestra unia-se à renovação dos ânimos na cidade:

Em todas as solenidades executou as peças respectivas a excelente orquestra dirigida pelo hábil maestro Sant’Anna Gomes (...) Durante as festas a cidade apresentou desusual (sic) movimento de povo, o que quer dizer que, felizmente Campinas voltou ao seu antigo estado de invejável animação. (Diário de Campinas, 10.06.1890).

A Festa do Coração de Jesus, na mesma paróquia, deu-se em um sábado à noite na praça Bento Quirino, iluminada para ocasião, e em cujo coreto tocou a Banda Silvestre, com grande participação popular. Na igreja os serviços de música haviam-se dado de forma especial:

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A orquestra de amadores, auxiliada por alguns profissionais, que se prestaram desinteressadamente, esteve na altura de ser apreciada. Executou-se uma pequena, porém bonita missa francesa, com acompanhamento de piano, órgão e orquestra; a Ave Maria, mimosa composição de Leopoldo Amaral, cantada pela sra. D. Maria da Costa. (...) antes do sermão, as sras. D. Eliza Pereira e Bárbara Bueno cantaram um bonito dueto, com acompanhamento de piano, e duas flautas. Não só no respectivo templo como na procissão foi avultada a concorrência de devotos. (Diário de Campinas, 08.07.1890).

As festas de São Sebastião e de Nossa Senhora da Conceição, que se dariam em dezembro, tiveram a participação da orquestra sob a regência de Sant’Anna Gomes, com a execução da missa de Nossa Senhora da Conceição, de Carlos Gomes.

No teatro São Carlos, no segundo semestre do ano de 1890, registraram-se acontecimentos musicais com maior frequência em comparação com o ano antecedente, quando o espaço foi desvalorizado pelas circunstâncias mais graves da crise urbana. Considerando o período após a cessação da epidemia, em fins de junho houve ali um concerto de guitarras espanholas de onze cordas, dado pelos músicos José Martinez Toboso e Praxedes Gil Orozco. O repertório baseou-se em polkas, mazurcas, trechos de zarzuelas conhecidas e em fantasias de óperas de Verdi, gêneros que já eram do conhecimento e do agrado geral do público. Em setembro, apresentaram-se por duas noites “Os Três Bemóis”, artistas europeus cujo programa fora de grande aprovação no Rio de Janeiro e em São Paulo. Os músicos traziam um espetáculo excêntrico, executando trechos de obras famosas, como Lucia de Lammemoor, em instrumentos desconhecidos e de sonoridades estranhas. Foi enorme a afluência de espectadores.

Em outubro o teatro recebeu a companhia dramática da atriz Adelina Castro, para a qual a orquestra, regida por Sant’Anna Gomes, tocou várias peças de seu repertório nas aberturas e nos intervalos dos espetáculos. A Companhia de Variedades apresentou, em novembro, operetas cômicas, cançonetas e comédias musicais, com muitos trechos bisados. No entanto foi ao final do ano, como já se disse, que se deu grande agitação na cidade pela presença da jovem menina de grande habilidade ao violino, Giulietta Dionesi. A série de seis concertos levou um massivo público ao teatro São Carlos.

Sendo sua precocidade já conhecida em Campinas, em sua chegada à cidade, na tarde do dia 07 de dezembro, Giulietta foi recebida na estação por membros da colônia italiana e por uma banda musical. No primeiro concerto, entremeado de comédias pelo grupo

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dramático que a acompanhava, executou fantasias sobre Souvenirs de Faust e Un Ballo in Maschera. Na segunda noite, com o teatro repleto, apresentou o Grande Concerto Militar e Variações sobre o Tema do Carnaval de Veneza. Em seu repertório estavam o Neuvième Concert, de Beriot, Premier Rapsodie La Hongroise, de Hauser, o Andante Cantabile de Damela, o Cinquième Concert de Leonard a berceuse Dors mon Enfant de Loret.

Giulietta Dionesi

Para o último concerto, Giulietta saiu às ruas acompanhada de Sant’Anna Gomes e Emílio Grossoni, seu pianista acompanhador, para a venda dos últimos ingressos, pois não havia mais lugares nos camarotes e já se achavam vendidas 321 cadeiras. No concerto tomariam parte também D. Noemia Barbosa, aluna de Sant’Anna Gomes, o quinteto do referido maestro, formado também por Juvêncio Augusto Monteiro, Luiz Monteiro, João Monteiro e Emygdio Junior.

Referências

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