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Bandas de Música

3.3 Músicos, maestros e professores

Com a passagem dos séculos, o cenário musical de Campinas e suas principais personagens, entre músicos, maestros e professores, passaria também por um período de mudanças. Sabe-se que, marcadamente no ano de 1889, na evasão da cidade tomada pela epidemia de febre amarela, muitos foram-se de forma definitiva para outras localidades, o que naturalmente incluiu pessoas de boa contribuição na arte musical local. Um bom exemplo, como já comentado, foi o desaparecimento da Orquestra Campineira, cuja existência suspendeu-se por anos, uma vez que boa parte de seus membros foram dispersos pelo grande surto epidêmico.

Para além dos efeitos causados pela epidemia, deve-se reconhecer um movimento intrínseco de renovação sobre as principais figuras musicais de destacada atuação durante a segunda metade do século XIX. José Pedro de Sant’Anna Gomes, de maior representação, estenderia suas atividades por quase uma década no século XX, mas deixaria suas funções de regência nas mãos de José Moreira Lopes e de outros maestros, quando do seu falecimento em 1908. A morte de Azarias Dias de Mello em 1912 também se constituiria em um significativo vazio musical, e embora sua contribuição prática já fosse escassa nos últimos anos de sua vida, sua condição em vida, de certa forma, manteve unidas memórias e práticas a que esteve ligado.

Por outro lado, houve pontos de contato entre as figuras no processo de transição dos ofícios e funções musicais na cidade, de forma que não se tratou de rupturas de efeitos irredutíveis, e nem todas as substituições deram-se entre membros antigos e novos. Ainda que novos músicos e professores se estabelecessem em Campinas, ou mesmo ali se originassem, para se desenvolverem como notáveis professores e regentes, a permanência de outros de atuação bastante conhecida e apreciada manteve tradições e conduziu o prolongamento das práticas musicais com suas inevitáveis transformações de forma coerente durante a passagem do tempo.

Os músicos apresentados a seguir são representativos pelas funções que exerceram na cidade, e ainda que alguns deles, como Francisco Chiaffitelli, não tenham participado da vida musical de Campinas, aqui se encontram citados por terem nela sua origem e referência. De forma resumida, as informações sobre eles dizem respeito ao período a que se refere a pesquisa – a partir de 1889, embora muito se possa conferir

sobre seu histórico nas décadas anteriores com mais detalhes no trabalho de Lenita Nogueira38 .

José Pedro de Sant’Anna Gomes (Campinas, 1834 – 04.04.1908)

Irmão mais velho de Carlos Gomes, foi maestro e compositor de maior representação em Campinas e de papel central na vida musical da cidade, como organizador e articulador das atividades artísticas, em concertos e grandes apresentações orquestrais em teatros e igrejas.

Sua permanência em Campinas durante os surtos de febre amarela, a despeito dos apelos de Carlos Gomes para que se ausentasse da cidade, em muito contribuiu para a continuidade do desenvolvimento musical local em um período de paralização das atividades culturais. Ao menos durante a década de 1890 foi possível identificar as atividades de seu quinteto de cordas, no qual era o primeiro violino, participando de concertos e saraus. Nesse mesmo período ainda exerceu o ensino particular de seu instrumento, e até pouco tempo antes de sua morte manteve-se como principal regente de orquestra em festividades religiosas e espetáculos teatrais. Foi um dos principais responsáveis pelo ressurgimento da Orquestra Campineira, em 1899.

Joaquina Gomes Henking (Campinas, 1853 – Ribeirão Preto, 1939)

Irmã de Carlos e Sant’Anna Gomes por parte de seu pai Manoel José Gomes e filha de Francisca Leite. Como colocou Nogueira, assim como sua irmã Ana Gomes, foi uma das pioneiras da profissionalização musical, uma vez que moças de boa família não poderiam se dedicar à arte de forma profissional, o que lhe foi possível por não pertencer à alta sociedade (2001: 362-3). Foi destacada pianista e professora de piano, contribuindo ainda com a execução de solos vocais em celebrações sacras. Deixou a cidade durante a epidemia de 1889, retornando somente em 1893, quando de novo ali se estabeleceu à Rua da Misericórdia, oferecendo seus serviços de ensino. Seu marido Emílio Antonio Henking, austríaco e natural de Viena, foi músico amador e tocava cítara, apresentando-se em alguns concertos. Faleceu em 1903 após anos em condição

38 ver NOGUEIRA, Lenita W. M. “Música em Campinas nos últimos anos do Império.” Campinas:

enferma, por ter sofrido um ataque de serpente. O filho Ormeno Gomes Henking dedicou-se à composição.

Joaquina Gomes Henking

Fonte: História de Campinas. Correio Popular, Suplemento Cultural, 13.02.1969. p.7.

Anna Luiza Gomes Funck (09.09.1865 – 01.11.1936, Campinas)

Como Joaquina Gomes, filha de Manoel José Gomes e de Francisca Leite. Pianista, atuou como professora particular e, ao menos por pouco tempo, no Colégio Progresso. Possuindo perfil de regente, conduziu orquestras em reuniões de sociedades familiares e em cinemas, nos quais também acompanhava filmes ao piano. Casou-se com José Mariano Funck, nascendo-lhe uma filha em 1887, Maria Benedicta Gomes Teixeira Pinto.

Ana Luiza Gomes Funck

Alice Gomes Grosso (Campinas, 18.02.1884 – Rio de Janeiro, 03.06.1963)

Filha de José Pedro de Sant’Anna Gomes e de sua esposa Deolinda Maria das Dores. Tendo seu pai como primeiro professor de música, estudou também com o mestre de piano Luiz de Pádua Machado, além de possuir boa voz. Tornou-se destacada pianista e professora, chegou a se apresentar em concertos em Campinas e São Paulo, além de atuar ao lado de sua tia Anna Gomes em cinemas da cidade na condução de orquestras. Em 1913 atuou junto à orquestra do Teatro João Caetano, em Amparo. Casou-se com Rodolfo Grosso e foram seus filhos Iberê Gomes Grosso, violoncelista admitido em primeiro lugar no Instituto Nacional de Música em 1920, tornando-se professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Alfredo Gomes Grosso, Ilara Gomes Grosso, pianista, Alda Gomes Borghert, violinista e José Pedro Santana Gomes Netto, musicólogo e médico.

Alfredo Sant’Anna Gomes (Campinas, 29.04.1888)

Filho de José Pedro de Sant’Anna Gomes e Deolinda Maria das Dores. Violoncelista, obteve do governo do estado uma bolsa de estudos, prometida pelo governador Jorge Tibiriçá por ocasião da inauguração do monumento a Carlos Gomes em 1905. Partindo para a Europa no ano seguinte, alcançou o primeiro prêmio do Conservatório Real de Bruxelas, onde estudou. Tornou-se professor do Conservatório Musical do Rio de Janeiro.

Azarias Dias de Mello (Piracicaba, 19.03.1834 – Campinas, 17.11.1912)

Foi estimado professor e regente de bandas, funções que mais exerceu em seu ofício musical em diversas localidades antes de estabelecer-se em Campinas por volta de 1863, a pedido de Sant’Anna Gomes (NOGUEIRA, 2001: 372-3). Nas últimas décadas do século XIX, conduziu a Banda Azarias, de importante destaque na cena musical da cidade e cuja formação resistiu aos anos da epidemia de febre amarela, graças aos esforços de seu maestro. Mestre de muitos discípulos, alguns de seus alunos de fato exerceram atividades musicais, como Joaquim Álvaro de Souza Camargo e Antão Fernandes, este regente da prestigiada Banda da Brigada Policial de São Paulo e

que em suas visitas a Campinas lhe homenageava em sua residência acompanhado da corporação.

Casado com Narcisa Maria do Carmo, teve seis filhos, dos quais cinco chegaram à idade adulta: Fausto Dias de Mello, Antonio Dias de Mello, Magdalena de Mello, Marcellina de Sousa, esposa de Bernardo de Sousa, Amazília de Mello Vieira, casada com o também maestro Ananias José Vieira.

Ao final da vida encontrava-se em difíceis condições financeiras, e por isso foi diversas vezes auxiliado por amigos através de festivais artísticos, promovidos nos teatros da cidade. Uma resolução da Câmara Municipal no início de 1908 (nota: Livro de Leis e Resoluções de 1908, Resolução n. 258, p.7-8), por exemplo, concedia-lhe o prazo de dois anos para o pagamento de impostos a que estava obrigado. As doações conseguidas em abril e dezembro de 1909, portanto, parecem dever-se a essa razão, pois coincidem com o término do tempo estipulado para a quitação das dívidas.

Em março de 1912, por ocasião do que seria seu último aniversário, as bandas União Campineira e Ítalo-Brasileira dirigiram-se ao então velho Azarias, como era chamado, para cumprimenta-lo. Já afastado de suas atividades pela avançada idade e com saúde debilitada, faleceu meses depois aos 78 anos no Hospital da Beneficência Portuguesa, após alguns dias de internação. Em seu funeral, ocorrido na Matriz de Santa Cruz, seguindo-se o sepultamento no Cemitério do Fundão (Cemitério da Saudade), houve grande acompanhamento público com quatro bandas de música e a orquestra de Moreira Lopes. A banda Ítalo-Brasileira executou a marcha fúnebre Memórias, de Sant’Anna Gomes.

À esquerda, Azarias Dias de Mello, ao centro José Emygdio Ramos Junior e à direita, Sant’Anna Gomes Fonte: Museu Carlos Gomes

Antonio Leal (São Paulo, 02.09.1865)

Natural de São Paulo, contrariou a sugestão de seus pais para tornar-se advogado, preferindo a música e a regência. Aos 16 anos tornou-se organista da Catedral, ali permanecendo por dez anos. Além de violoncelista, foi regente de orquestra de várias companhias de operetas, zarzuelas e líricas, com grande destaque e reconhecimento. Em um período de poucas oportunidades, trabalhou no Teatro Polytheama por dois anos e atuou como organista da Matriz de Santa Cecília em São

Paulo. Em Campinas, regeu orquestras em cinemas e participou de concertos ao lado de Sant’Anna Gomes e Azarias Dias de Mello.

Hugo Bratfisch (Araras, 1885 ou 1886 – 1947?)

Músico, professor, maestro e compositor, Hugo Bratfisch – ou Diogo Theodoro Bratfisch, foi figura atuante no cenário das bandas de música do interior paulista no início do século XX. Em meio às incursões pelo estado, que caracterizaram sua trajetória profissional, Campinas destaca-se como uma das cidades com a qual criou mais representativos vínculos.

A partir do registro civil de seu casamento, ocorrido em Campinas em 18.12.1909, sabe-se que era natural da cidade de Araras, nascido entre 1885 e 1886 e filho de Theodoro Bratfisch e Anna Amélia, esta residente em Leme. Casado com Carolina Romano, costureira e natural de Campinas, divorciou-se em 1912, possuindo então dois filhos, Amélia e Francisco.

A atuação de Diogo Bratfisch em Campinas, segundo indicam os almanaques contemporâneos, parece iniciar-se pela Banda Ítalo-Brasileira, da qual foi regente entre os anos de 1910 e 1912. As partituras de seu acervo, por sua vez, registram sua presença na cidade já no ano de 1908. Uma vez que o registro de seu casamento, em 1909, apresenta como testemunhas duas figuras da referida banda, o maestro José Troiano e Martinho Bahde, torna-se provável que sua chegada a esta cidade coincida com sua entrada nessa sociedade musical.

Suas atividades como compositor e arranjador, através de diversas partituras preservadas, acabaram por deixar os vestígios de datas e lugares em que exerceu seus ofícios musicais. As variadas valsas, polcas e mazurcas assinadas em Campinas, por exemplo, indicam a rua Duque de Caxias, n.33, no ano de 1910. Outras peças, por sua vez, registram as cidades de Araras em 1907, Leme, em 1914 e 1918, Itatiba, em 1919, Cosmópolis e Ribeirão Preto, ainda que menos representativamente, e Elias Fausto, durante a década de 1930, lugar com o qual estabeleceu, assim como Campinas, laços mais fortes.

Revelam-se interessantes, da observação de seus manuscritos musicais, as diferenciações em suas assinaturas, apresentadas sob duas formas – Diogo Theodoro Bratfisch e Hugo Bratfisch. O segundo nome passa a figurar nas partituras, segundo o

que se pode inferir pelas indicações de data, a partir de 1916. É tal assinatura que se torna predominante em toda a documentação posterior a esse ano, até 1947. Esse nome é também referenciado como pistonista e regente da Sociedade Musical Rebouncense, na atual cidade de Sumaré, por volta de 1917, quando substituiu o seu até então maestro José Moreira Lopes, de Campinas.

Luiz de Pádua Machado (Bananal, 02.02.1856 – Campinas, 17.06.1929)

Professor de piano de grande influência em Campinas, educou-se no Rio de Janeiro, estudando no Instituto Nacional de Música, onde concluiu seu curso aos 22 anos. Casou-se com Maria de Campos da Paz e mudou-se para Campinas, cidade em que lecionaria música durante cinco décadas. Por algum tempo manteve-se no Rio de Janeiro devido ao mau estado de saúde de sua esposa, mas retornou a Campinas por não obter melhoras. Enviuvou em 1894 e casou-se no ano seguinte com Laura de Campos da Paz, também pianista e professora e provavelmente irmã de sua falecida esposa, nascendo-lhe três filhos – Djalma, Laurita e Luizita. Como primeiro professor do Colégio Progresso desde sua fundação em 1900, atuou no ensino até sua morte e foi responsável pela formação de muitas professoras de piano. Fundou o Club Mozart, sociedade musical de longa duração na qual se organizavam concertos pianísticos com o concurso de várias alunas.

Seu filho Djlama de Campos Pádua, nascido em 1898, dedicou-se à música, tornando-se pianista e aluno de Luigi Chiafarelli, completando seus estudos no Conservatório Nacional de Música da Argentina. Atuou como regente de orquestras e também como professor no Colégio Progresso, onde fundou o Conservatório Santa Cecília, além de possuir cargos em outras instituições musicais.

O professor Luiz de Pádua rodeado de suas alunas no Colégio Progresso Campineiro no início de 1900 Fonte: Acervo do Colégio Progresso

Francisco Chiaffitelli (Campinas, 15.03.1881 – Rio de Janeiro, 1954)

Violinista e compositor, estudou no Conservatório Real de Bruxelas, onde recebeu o primeiro prêmio de violino em 1897. Apresentou-se em Paris, Londres e Haya. De volta ao Brasil, deu concertos com grande reconhecimento. Em 1902 e 1907 esteve em Campinas para apresentar-se no Club Campineiro com sua esposa Orminda Chiaffitelli, pianista. Em 1911, tornou-se professor do Instituto Nacional de Música. Compôs obras como Fantasia Brasileira, para violino e piano, Dança Regional Brasileira e Canção Sertaneja, para instrumentos de arco e Cismas de Matuto, para piano.

Francisco Chiaffitelli Academia Brasileira de Música

Mário Monteiro (Campinas, 1900? – 1945)

Filho de Luiz Monteiro e Ana Monteiro, estudou piano com Azarias Dias de Mello, revelando notável precocidade musical. Em 1913, ainda muito jovem, compôs a ópera em três atos sobre tema sacro Ressurreição, com libreto de Benedicto Otávio. Em 1914, agraciado por uma bolsa de estudos, seguiu para o Conservatório de Milão. As dificuldades trazidas pela Primeira Guerra Mundial, no entanto, o trouxeram de volta ao Brasil, onde manteve-se estudando no Conservatório Musical de São Paulo, formando- se aos 16 anos. Dedicando-se ao ensino e à regência de orquestras em cinemas e teatros, voltou à Europa para estudar com o professor Richter em Hamburgo. Também escreveu Suíte Macabra, Catira, de estilo regional, um quarteto para violinos, piano e flauta e outra ópera de temática bíblica, que não chegou a ver representada.

Mário Monteiro

Fonte: Monografia Histórica de Campinas, p.457

Outros houve que, como regentes, instrumentistas e professores, exerceram reconhecidas funções musicais, mas de origens e de biografias menos conhecidas em seus detalhes. São exemplo os irmãos Di Tullio, ativos na antiga Banda Italiana e alguns de seus membros na Banda Ítalo-Brasileira.

José Moreira Lopes, compositor, professor e maestro ocupou a regência de orquestras, que possuíam grande destaque sob sua condução em espetáculos cinematográficos. Nesse ofício também atuaram Francisco Russo e Luiz Provesi, este também pianista e professor.

José Troiano, regente e fundador da Banda Progresso Campineiro, atuou à frente da corporação por longo tempo. Salvador Bove estabeleceu-se em Campinas já no século XX, alcançando notoriedade como regente, compositor e pistonista. Foi o organizador da Sociedade Sinfônica Campineira em 1929.

Salvador Bove