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Laços e relações do mundo musical

3.1 Grupos musicais

Quinteto de Cordas de Sant’Anna Gomes

Atuante em saraus e concertos, foi um dos poucos exemplos de formação camerística existentes na cidade. Era formado por José Pedro de Sant’Anna Gomes, José Emygdio Ramos Junior, Juvêncio Augusto Monteiro, João Monteiro e Luiz Monteiro. Segundo os registros, no entanto, as atividades parecem ter se limitado à década de 1890. O falecimento de Emygdio Junior em 1900 é uma possível explicação para a extinção do quinteto.

Quarteto dos irmãos Álvaro

Por volta de 1901, o Quarteto dos irmãos Álvaro, da tradicional família Souza Camargo, ainda achava-se em atividade, existente há anos e atuando em reuniões musicais, com notável repertório. Sabe-se que sua distribuição dava-se com Joaquim Álvaro ao violino, Candido Álvaro à flauta, Antonio Álvaro ao bombardino e com o professor José Braccheto ao piano. Embora haja muito poucas referências sobre esse conjunto, há registros da atuação de seus membros no auxílio do serviço musical em festividades religiosas junto à orquestra.

Orquestras

As formações orquestrais possuíam considerável importância durante do século XIX no provimento musical de celebrações religiosas, peças teatrais, óperas e reuniões dançantes nas muitas sociedades culturais da cidade. Como se comentou no capítulo anterior, nos primeiros anos do século seguinte, com a popularização das casas de cinema, criaram-se novos espaços para a atuação de músicos e de orquestras, visto o surgimento de outras circunstâncias sociais nas quais a música deveria exercer um papel agregador, além das óbvias necessidades de acompanhamento musical aos filmes ainda mudos.

Foi crescente, portanto, a valorização dessas formações instrumentais, pequenas ou de maior porte, potencializando as possibilidades de desenvolvimento da música orquestral e das oportunidades constantes para o ofício musical. Necessárias diariamente em alguns cinemas cujos programas davam-se de forma ininterrupta, devido à lucratividade pela grande concorrência de espectadores, as orquestras passavam por proveitoso momento de expansão.

Sobre a música circunstancial nas sessões cinematográficas e o repertório empregado, escreveu José de Castro Mendes, em suas Efemérides Campineiras:

Entrando o cinema em franca aceitação como divertimento ideal para todas as idades, a partir de 1909, foram se registrando a abertura de várias casas no gênero, que passaram a funcionar em caráter permanente (...) Dirigia a orquestra o maestro Moreira Lopes, caprichoso da organização do repertório, sempre de acordo com o gênero dos filmes programados. Para as cenas naturais, nada melhor do que uma bela mazurca. As correrias do Tontolini e as graças de Max Linder desenrolavam-se ao som de tanguinhos e maxixes bem marcados, reservando-se para os dramas quase sempre em doze partes, as seleções de óperas e fantasias escolhidas. (Mendes, 1963: 91)

Naquele momento, José Moreira Lopes era regente da orquestra do Cine Recreio, mas passou a conduzir também uma das mais completas orquestras de cinema da cidade, a do Teatro Rink. No Cassino Carlos Gomes, atuava outra orquestra tendo à frente Francisco Russo, acompanhando também artistas cantantes que frequentemente ali se apresentavam. Outros regentes eram Antonio Leal, Salvador Bove e Gutemberg Moraes. Ana Gomes, pianista, achava-se sempre atuante na condução de pequenas orquestras, como a do Club Mogiana em suas reuniões sociais.

Nas igrejas da cidade, ao menos nas principais datas festivas do calendário católico, músicos e cantores envolviam-se em notável movimentação de ensaios de obras sacras, cujas apresentações tomavam lugar especial nos ofícios e missas celebrados. Nesse meio, a presença de uma orquestra há muito tornara-se habitual, e em suas formações, quase sempre de proporções moderadas, participavam instrumentistas profissionais e amadores.

Embora sob a regência predominante de Sant’Anna Gomes durante a maior parte dos anos 1900, não se pode dizer ao certo se a orquestra sempre oficiante nos principais templos em suas festividades seria a Orquestra Campineira, pouquíssimas vezes referenciada. Há espaço para que se pense em uma possível combinação de músicos em torno das necessidades das igrejas, ainda que se possa reconhecer a permanência de alguns indivíduos ligados a uma formação instrumental mais ou menos fixa, aos quais tenham-se somado outros segundo as ocasiões e as peças executadas.

Uma oportuna descrição dos componentes da orquestra que tomaria parte nas celebrações da Festa de Nossa Senhora da Boa Morte, em 1905, possibilitou o conhecimento de alguns músicos e de seus respectivos instrumentos:

Regente: José Brachetto Primeiros violinos: Joaquim Álvaro H. Armbrust Edgard Gerin Raul Gerin Segundos violinos: David Mendes Cesar Monteiro Francisco Guilherme Carlos Cordz Violas: Sant’Anna Gomes Narciso Monteiro Violoncelos: Alfredo Gomes32 Luiz Monteiro J. Ladeira Contrabaixo: Antonio Cesar Pedro de Castro Pedro Crasso Flauta e oboé: Candido Álvaro Oscar Zimbres Luiz Monteiro Clarinetes: Antonio Braz

Antonio F. de Carvalho e Silva Fagotes:

Juvenal Placídio da Costa Moreira Lopes

32 Filho de Sant’Anna Gomes.

Trompas: A. de Tullio P. Procópio

Tímpano: F. Maryssa

Uma comparação entre esses nomes e a lista de músicos da Orquestra Campineira em 1908, exposta linhas abaixo, leva a pensar que, embora vários nomes de músicos sejam coincidentes, não se trata desse grupo musical, mas de outro, de caráter não oficial e talvez reunido somente para a tal finalidade. No entanto, deve-se lembrar que os registros são pontuais e distam-se em três anos, dentro dos quais não seria impossível a ocorrência de mudanças e metamorfoses na composição da orquestra. Por outro lado, outro fator que contribui para o primeiro pensamento é o fato de que não foram encontrados registros em que José Moreira Lopes, regente sucessor de Sant’Anna Gomes após sua morte, conduzisse orquestras em igrejas. Ao contrário, despontam outros maestros, como Jeronymo Lobo, Elias Lobo Netto e Primo Sartori.

Outros interessantes espaços em que atuaram formações orquestrais, provavelmente de pequeno porte em sua maioria, foram alguns bares e restaurantes da cidade, com destaque para a Casa Barsotti, à rua Barão de Jaguara. Ao menos a partir de 1908 registram-se com maior frequência a presença de música em seus salões, frequentados pela elite. Nesse ano, após uma reforma no espaço, foi instalado um estrado no qual uma orquestra e um piano ofereceriam música às quintas-feiras, sábados e domingos.

Como repertório tocavam-se peças de caráter leve ou dançante, apropriadas ao ambiente de sociabilidade e distração do restaurante. Ao menos até 1909, o grupo de músicos apresentava-se sob a regência do maestro Moreira Lopes, cujas composições foram bastante empregadas nessas funções musicais:

Nair, polca – J. Santos Odyla, valsa – Moreira Lopes Serenade – Schubert

Gavotte des Mathurins – G. Lemaire Geysha – Sydney Jones

Tesoro mio – Ernesto Becucci Moreninha, polca – Moreira Lopes

Por volta de 1915 ainda encontraram-se indicativos da existência de música na Casa Barsotti, com a presença de um sexteto. Certamente a música esteve presente em vários estabelecimentos, embora poucos registros tenham sido localizados. Sabe-se que em 1907 o Café Guarany também oferecia momentos musicais através de um quinteto dirigido por Paschoal Penteado, e que se apresentava ali todos os domingos à

noite. Em 1921, o Bar Christofani informava em um pequeno anúncio no jornal sobre uma “grande orquestra” em seu espaço.

Dessa forma, com a abertura e diversificação da vida social no cenário urbano em relação a tais espaços de convivência pública, embora seletivos quanto às camadas sociais que os frequentavam, observa-se como processo simultâneo o direcionamento inclusivo das funções musicais junto à expansão dos ambientes de sociabilidade. Nesses espaços, as formações orquestrais também se sobressaíram, em grande parte devido aos paradigmas de refinamento a que poderiam corresponder, através de suas próprias características estéticas.

Orquestra Campineira

Tendo sofrido grande dissolução no período epidêmico, reapareceu em 1899, através da iniciativa do maestro Sant’Anna Gomes e de dezenas de músicos e colaboradores. Sua atuação foi pouco comentada e muito provavelmente tenha se reservado a atividades coadjuvantes no teatro. Segundo a descrição do Almanaque de Campinas de 1908, formava-se por 19 músicos e por seu regente Moreira Lopes, uma vez que Sant’Anna Gomes falecera nesse mesmo ano.

Regente: José Moreira Lopes Julia de Toledo

Juvencio Monteiro Carlos Cordz Cassio Monteiro José Narciso Monteiro Luiz Monteiro

Juvenal Placidio da Costa Haroldo Monteiro

Oscar Zimbres de Carvalho Luiz Gonzaga Monteiro Edgard Gérin Clemente Hilkner Diógenes Neves Bernardo Stapelfeldt Joaquim Tappareli José Piovesan João de Tullio Cesar Cardoso

Grupo musical em Campinas, década de 1900. Arquivo Fotográfico do Centro de Memória da Unicamp.

José de Castro Mendes também registrou nomes de vários músicos atuantes em grupos orquestrais nos diversos espaços, alguns dos quais já mencionados: os violinistas Gutemberg de Moraes, Eugenia Franchi, Fritz Gottwald, Jorge Whitemann, Wilfrido Pacheco, Antonio de Paula Souza, Tiberio Focesi e Angelo Barreta; os flautistas Lulu Monteiro, Oscar Zimbres, Antonio Salustiano da Silva e Theodoro Meireles; o pistonista Galdino Guimarães; Luiz Monteiro ao violoncelo; Procópio Assunção e José Moreira Lopes ao contrabaixo e os pianistas Ana Gomes, Alice Gomes Grosso, Lalá Cezar, Julia de Toledo, Antonio Leal, Luiz Provesi, Francisco Russo, Guilherme Mignoni, Luiz Quesada, João do Amaral, Oswaldo Serra, Francisco de Andrade Santos, Mario de Tulio, Miguel Ziggiatti, Julieta Landmann e Aldo Gomes Pinto.

O forte movimento de elaboração de orquestras nesse período tornou-se salutar ao amadurecimento da prática orquestral na cidade, que ao final dos anos 1920 viria a possuir, de forma um pouco mais constante, uma representativa orquestra. Como reconheceu Júlio Mariano,

O que muito contribuiu para a criação da Sinfônica Campineira foi o obrigatório treino dos músicos nas orquestras de cinema mudo, cujo repertório se constituía, a maior parte, de composições dos mais festejados mestres das mais variadas escolas. (1970: 196)

Através de seu desenvolvimento nos cinemas, como também em igrejas, teatros, associações culturais e familiares e até mesmo em bares, restaurantes e cafés, as formações orquestrais atingiram um ponto alto de atuação e crescimento, cujos efeitos resultaram no bom provimento de profissionais que ajudariam a iniciar e a compor, a partir de 1929, a Sociedade Sinfônica Campineira, sob a direção de Salvador Bove e Jorge Whitemann.