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Política de inserção de psicólogos egressos das residências multiprofissionais em saúde na docência

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Academic year: 2021

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

POLÍTICA DE INSERÇÃO DE PSICÓLOGOS EGRESSOS DAS RESIDÊNCIAS MULTIPROFISSIONAIS EM SAÚDE NA DOCÊNCIA

Ana Helena Araújo Bomfim Queiroz

Natal 2019

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Ana Helena Araújo Bomfim Queiroz

POLÍTICA DE INSERÇÃO DE PSICÓLOGOS EGRESSOS DAS RESIDÊNCIAS MULTIPROFISSIONAIS EM SAÚDE NA DOCÊNCIA

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção do título de doutor em Psicologia.

Orientador (a): Profª. Dra. Magda Dimenstein Co-orientador (a): Profª. Dra. Candida Dantas

Natal 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Queiroz, Ana Helena Araújo Bomfim.

Política de inserção de psicólogos egressos das residências multiprofissionais em saúde na docência / Ana Helena Araújo Bomfim Queiroz. - Natal, 2019.

173f.

Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019.

Orientadora: Profa. Dra. Magda Dimenstein. Coorientadora: Profa. Dra. Candida Dantas.

1. Psicologia - Tese. 2. Residência Multiprofissional em Saúde - Tese. 3. Docência - Tese. I. Dimenstein, Magda. II. Dantas, Candida. III. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 159.9

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A vida é difícil, eu o sei. Ela se compõe de mil nadas que são picadas de alfinetes que acabam por ferir. Mas é preciso considerar os deveres que nos são impostos, as consolações e as compensações que temos, por outro lado, e, então, veremos que as bênçãos são mais numerosas do que as dores. O fardo parece menos pesado quando se olha para o alto, do que quando se curva a fronte para o chão.

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Agradecimentos

À orientadora Magda Dimenstein e à co-orientadora Candida Dantas, com cujos trabalhos, de maneira articulada e entrosada, fizeram toda a diferença na lapidação deste material e da minha trajetória profissional.

À minha Família, por todos os momentos de apoio durante toda a caminhada. À minha mãe, ao meu pai e meu irmão, pelo cuidado com o Pedro, e à minha irmã, pelas palavras de incentivo e otimismo. Mesmo à distância, estamos próximos.

Em especial, ao meu filho Pedro Ângelo, que, durante os quatro anos de sua ainda breve existência de sete anos, exigia a minha presença e perguntava quando eu terminaria a tese para poder cuidar de um projeto seu, um canal no youtube. Meu amor, agora seguiremos juntos, você e eu, com muitos outros projetos.

Ao Olivan, pelo incentivo e apoio financeiro durante toda a caminhada.

À tia Zú, tão presente em todos os momentos, pela crença inabalável na minha capacidade, até quando eu mesma duvidava.

Aos amigos, antigos e novos, que foram fundamentais no apoio, nas palavras de conforto... também por proporcionarem momentos prazerosos e por me mostrarem novos caminhos de fortalecimento para finalizar esse processo.

Aos colegas de trabalho e à coordenadora do curso de Psicologia da Faculdade Luciano Feijão, professora Geórgia Feijão. Agradeço pelo incentivo e pelo apoio na dupla jornada de pós-graduanda e docente. Certamente, a sensação de cansaço era minimizada com as nossas conversas e cafés.

À Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro por meio de bolsa de estudo.

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Sumário

Lista de tabelas ... viiii

Lista de siglas ... viii

Resumo ... x

Abstract ... xii

1. Introdução ... 13

2. Preparação: de onde partimos? ... 15

3. Inserção: compondo o plano de análise ... 30

3.1. Políticas educacionais e a formação dos profissionais de saúde ... 30

3.1.1. As Políticas de Educação Superior a partir dos anos de 1990 e o processo de mercantilização da educação ... 31

3.1.2. Políticas de formação de profissionais para o Sistema Único de Saúde (SUS) e as Residências Multiprofissionais de Saúde (RMS) ... 37

3.2. A Psicologia e o campo da saúde ... 54

3.2.1. Psicologia como ciência e profissão no Brasil ... 55

3.2.2. Os desafios do ensino de Psicologia no Brasil ... 64

4. Trajetória metodológica ... 72

4.1. Primeiros passos ... 73

4.2. Movimento das RMS no Ceará ... 78

4.3. Participantes da pesquisa ... 82

4.4. Produção dos dados: “com a palavra, os(as) egressos(as)” ... 84

4.5. Análise das entrevistas... 87

5. Marcas da pós-graduação: experiências na residência multiprofissional em saúde ... 89

5.1. Perfil dos(as) participantes ... 90

5.2. RMS como espaço de inserção profissional ... 93

5.3. Experiência nas RMS ... 96

6. Trajetória docente de psicólogos: (des)encontros entre as RMS e a formação do psicólogo ... 107

7. Interferências das RMS na trajetória docente de psicólogos: considerações finais ... 121

Referências ... 126

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Lista de tabelas

Tabela 1. Psicólogos egressos por programa e quantidade de entrevistados

(dados próprios) ... 84 Tabela 2. Perfil dos psicólogos egressos das RMS do Ceará: atividade principal atual (dados próprios) ... 90

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Lista de siglas

APS Atenção Primária À Saúde CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CINAEM Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico CFP Conselho Federal de Psicologia

CNRMS Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde CNS Conselho Nacional de Saúde

CRAS Centro de Referência da Assistência Social DCN Diretrizes Curriculares Nacionais

DMP Departamento de Medicina Preventiva EAP Estratégia de Atenção Psicossocial EPS Educação Permanente em Saúde

EFSFVS Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia ESP/CE Escola de Saúde Pública do Ceará

ESF Estratégia Saúde da Família

FUNCI Fundação da Criança e da Família Cidadã FNS Fundo Nacional de Saúde

IDA Integração Docente-Assistencial IES Instituição de Ensino Superior

MS Ministério da Saúde

MEC Ministério da Educação

NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família OPAS Organização Pan-Americana de saúde PET-SAÚDE Programa de Educação pelo Trabalho

PIASS Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento do Nordeste

PLUS Plano de Localização de Serviços de Saúde

PNEPS Política Nacional de Educação Permanente em Saúde PRMS Programas Multiprofissionais em Saúde

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PRMSF Programa de Residência em Saúde da Família

PRMSFC Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade

PRMSM Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental

PROMED Programa Nacional de Incentivo às Mudanças Curriculares de Medicina PRÓ-SAÚDE Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde PROUNI Programa Universidade para Todos

RAISM Rede de Atenção Integral à Saúde Mental

REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

RIS Residência Integrada em Saúde

RM Residência Médica

RMS Residência Multiprofissional em Saúde

RMSF Residência Multiprofissional em Saúde da Família RMSM Residência Multiprofissional em Saúde Mental

SGETES Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde SisCNRMS Sistema de Informação da Comissão Nacional de Residências

Multiprofissionais em Saúde

SigResidências Sistema de Informações Gerenciais do Pró-Residência SUS Sistema Único de Saúde

UNASUS Universidade Aberta do SUS

UNI Uma Nova Iniciativa na Educação dos Profissionais de Saúde: União com a Comunidade

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Resumo

Investigaram-se as interferências das Residências Multiprofissionais em Saúde (RMS) nas trajetórias docentes de psicólogos egressos da RMS, que se configura como uma Pós-Graduação Lato Sensu voltada à formação em serviço a partir da Educação Permanente em Saúde (EPS). Trata-se de uma pesquisa qualitativa orientada por autores das teorias pós-críticas da Saúde Coletiva, Psicologia e Educação. Foram identificados 51 psicólogos de programas de RMS de base comunitária no Ceará, dentre os quais, 23 atuam ou já atuaram na docência, conforme plataforma Lattes. Foram entrevistados 17 egressos com idades variando entre 28 a 39 anos; em sua maioria com mais de 5 anos de formados em IES públicas e privadas; e com menos de cinco anos de término da RMS. Quanto ao tempo de docência, estão distribuídos entre mais de cinco anos de experiência; entre cinco e dois anos; e com menos de dois anos de experiência. A maioria acumula atividades de assistência à saúde e/ou assessoria técnica juntamente com a docência. As entrevistas semiestruturadas presenciais e à distância foram transcritas e categorizadas em quatro eixos: Trajetória Profissional, Contribuições das RMS, Práticas Docentes e Relação entre trajetória docente e RMS. Grande parte dos(as) egressos(as) iniciou trajetória profissional nas políticas públicas ou pelas RMS. A experiência na RMS foi considerada como “divisor de águas”, com o potencial de provocar uma torção ético-política-pedagógica diante do modelo hegemônico de formação em saúde e de acionar outros modos de fazer Psicologia, produzindo engajamento e materialidade para o trabalho docente. A trajetória docente não pode ser desvinculada do cenário de retração do mercado de trabalho no setor público, ou daampliação de vagas no setor educacional privado. Como docente enfrenta desafios em operacionalizar os princípios pedagógicos da EPS, especialmente, a resistência de professores e alunos às metodologias ativas de aprendizagem, aos discursos da pedagogia tradicional e ao descolamento teoria-prática.

Palavras-chave: Psicologia; Residência Multiprofissional em Saúde; SUS; Docência; Ensino Superior.

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Abstract

Insertion Policy for Psychologists From the Multiprofessional Residencies in Health at Teaching

The influence from the Residências Multiprofissionais em Saúde - Multiprofessional Residencies in Health (RMS) in the teaching trajectories of psychologists was investigated. The RMS are a Latu Sensu post-graduate program, focused in services from the Permanent Education in Health - Educação Permanente em saúde (EPS). This is a qualitative research, guided by authors of the post-critical theory in Collective Health, Psychology and Education. The study identified 51 psychologists in RMS programs with a communitary base, among which 23 have worked in teaching according to the Lattes platform. Other seventeen, aged between 28 and 39 were interviewed; in their majority, they all had more than 5 years of experience in public and private IES, and less than five years from their last work at RMS. As for the experience at teaching, they were distributed between over five years of teaching experience; among five to two years; and with less than two years of experience. Most accumulates activities in health assistance and/or technical assistance alongside teaching. The presential semi-structured interviews and the long distance ones were transcribed in four axis: Professional Trajectory; Contributions to RMS; Teaching Practice and the Relationship between teaching trajectory and RMS. A large part of the participants started their professional trajectory in public policy or the RMS. The RMS experience was considered a “watershed moment”, with the potential to provoke an ethical-political-pedagogical twist when faced with the hegemonic model of health qualification and adding other ways to practice psychology, producing engagement and materiality for the teaching work. The teaching trajectory is a production that cannot be unlinked from the scenario of a shrinking job market in the public sector, the growing job offers for the private educational system. As a teaching professional, there are challenges in making the pedagogical principles of the EPS into operation, especially the resistance of professors and students to active learning methodology, the discourses from traditional pedagogy and the decoupling of theory-practice.

Keywords: Psychology; Multiprofessional Residency in Health; SUS; Teaching; Higher education

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1. Introdução

Esta proposta de tese foi se produzindo ao longo da minha própria trajetória docente1. Ao tentar localizar no tempo quando comecei a ser professora, encontrei-me no dilema entre escolher um marco institucional ou de buscar as referências afetivas de “sentir-me” docente. Acredito que ambas sejam importantes para discutir o cerne desta proposta: como tornar-se professor? Esta é uma questão fundamental porque questiona os propósitos da educação na contemporaneidade e de como se realiza essa função nas mais diversas instituições de ensino. Como psicóloga que atua na saúde pública há mais de treze anos e na docência há dez, partilho os percalços e as alegrias de atuar nesses espaços com os colaboradores da pesquisa. Desse modo, opto por contar nossas histórias de modo entrelaçado, apresentando-os − e a mim mesma − ao longo do texto.

A aposta nos afetos vem de longe. Entretanto, tomou contornos mais nítidos com uma breve pesquisa realizada com os residentes da equipe multiprofissional da qual eu era tutora. À época, interessava-me saber o que havia de diferente no funcionamento da nossa equipe que produzia movimentos e engajamentos diferenciados. A relação de ensino e aprendizagem estabelecida ou baseada no diálogo e na construção do conhecimento, bem como as relações de amizade para além dos espaços formais da residência, foram apontadas como fundamentais

1 Nota do revisor: As implicações acadêmicas e profissionais da pesquisadora com o objeto que se propõe estudar imprimem sobre a pessoa do discurso a marca inequívoca do “eu”, a 1ª pessoa do singular, a que a pesquisadora recorre sempre que necessário, em sintonia com as mais recentes práticas da escrita acadêmica. Há, no campo da epistemologia e da metodologia do trabalho científico, uma ampla discussão – que está longe de ser consensual – acerca da pessoa verbal no discurso acadêmico. De um lado, estão os que apostam na escrita “impessoal”, almejando o distanciamento do objeto, defendido pelas práticas mais tradicionais da ciência. Do outro, a reafirmação do compromisso com a verdade e do engajamento do pesquisador − em situação de conhecer “de dentro” − através do uso da 1ª pessoa do singular, “eu”. Uma terceira via, ainda, muito comum hoje, é o uso da 1ª pessoa do plural, “nós”. A autora do presente texto recorre ao uso do “nós” na maior parte do tempo, visando reconhecer através dele o papel da orientadora, da co-orientadora e dos autores referenciados. O uso da 1ª pessoa do singular, contudo, ainda se justifica metodologicamente pelo método da pesquisa-intervenção.

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para suportar o “peso” da caminhada em uma residência multiprofissional em saúde (RMS). Assim, localizo nesse tempo a semente para o interesse no estudo sobrea docência.

A tese está organizada da seguinte maneira: no primeiro capítulo, denominado “Preparação: de onde partimos?”, apontaremos as influências teóricas, metodológicas, éticas e políticas que nortearam as discussões deste trabalho. No segundo, chamado “Inserção: construindo um plano de análise”, pretendemos compor um plano de forças da trajetória docente de psicólogos egressos das RMS. O terceiro capítulo aborda a metodologia, isto é, descreve o passo a passo de como a pesquisa foi realizada. No quarto capítulo, discutimos as marcas da pós-graduação − no caso a RMS − na trajetória de psicólogos docentes. Por fim, no quinto capítulo, problematizamos como estes vêm desenvolvendo sua prática docente e como enfrentam os desafios acadêmicos cotidianos.

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2. Preparação: de onde partimos?

Este estudo situa-se na intersecção de três grandes campos científicos e profissionais: saúde, educação e psicologia. A implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme o movimento sanitário no contexto de redemocratização do Brasil, forma um cenário singular para pensar as questões da formação e atuação de psicólogos. Assim, diante da grandiosidade desses campos, a todo momento os estaremos colocando em articulação com a psicologia como ciência e profissão.

A ideia inicial era estudar a formação de psicólogos por meio das RMS, ou seja, o que essa formação pós-graduada poderia agregar à atuação do profissional da psicologia. Entretanto, no contexto no qual eu estava inserida – psicóloga docente de um curso de Psicologia em uma Instituição de Ensino Superior (IES) privada no interior do Ceará –, vários psicólogos(as) egressos(as) das RMS estavam entrando na docência logo após o término da residência; muitas vezes, ainda sem qualificação de mestrado ou com este ainda em curso. Assim, esse movimento me pareceu bastante interessante de ser abordado.

Dito isso, partimos da tese de que as RMS se constituem em dispositivos pedagógicos no SUS e para o SUS, uma vez que produzem interferências ético-político-metodológicas nos modos de aprender, de ensinar, de produzir conhecimento e de fazer psicologia. Desse modo, interessaaquiproblematizar:

 Como vem se dando a trajetória docente dos(as) psicólogos(as) egressos(as)?  Quais os conceitos/ferramentas pedagógicas que o(a) psicólogo(a) egresso(a)

incorporou na docência?

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 A apropriação desse modelo na prática docente produz uma nova prática pedagógica?

Alicerçado nesses questionamentos, este estudo tem como objetivo geral investigar as interferências da formação nas RMS nas trajetórias docentes de psicólogos(as) egressos(as). Como objetivos específicos foram definidos:

 Conhecer as trajetórias docentes de psicólogos(as) egressos(as) das RMS do Ceará;

 Discutir a formação de psicólogos por meio das RMS;

 Analisar as práticas docentes de psicólogos(as) egressos(as) das RMS do Ceará com base nos saberes e nas práticas envolvidas na atividade acadêmica;

 Problematizar em que medida a experiência na RMS produz outros modos de atuação docente.

Como referenciais teórico-analíticos, adotamos autores das teorias pós-críticas das áreas da Saúde Coletiva (Campos, 2000; Ceccim, 2005, 2008; L’abbate, 2003, 2013; Merhy, 2002), da Psicologia (Dimenstein & Macedo, 2012; Kastrup, 2005; Neves, 2004; Paulon, 2013; Prado, 2014) e da Educação (Bondía, 2002; Díaz, 1998; Silva, 2011).

É importante destacar esses referenciais no contexto da chamada crise paradigmática, marcada pela transição entre paradigmas epistemológicos, sociais, políticos e culturais. Segundo diversos autores (Morin, 1999; Santos, 1999, 2013), o modo de produção do conhecimento baseado nos fundamentos filosóficos do positivismo não tem conseguido dar conta dos desafios na contemporaneidade. Os modos de pensar e as soluções da modernidade já não respondem aos problemas de hoje e há uma descrença generalizada no futuro do mundo e da humanidade diante dos riscos ecológicos (Santos, 2013). Assim, surge um movimento de questionamento da existência de um pensamento único e linear, propondo um

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pensamento complexo que propõe desfazer dicotomias próprias da concepção positivista (teoria-prática, individual-coletivo, mente-corpo) que marca o pensamento moderno.

Na modernidade, o conflito instalado é entre a ciência moderna e a ciência pós-moderna. Para o velho paradigma – que ainda é hegemônico – a ciência é o único modo válido de conhecer. Por meio dela, é possível identificar as recorrências do mundo e formular previsões. Esse conhecimento produzido é cumulativo e nos levaria no sentido do progresso da sociedade. A ciência moderna é baseada na divisão técnica e profissional e social do trabalho e pelo desenvolvimento tecnológico ilimitado. A racionalidade científica e instrumental, bem como a busca pela realidade para além das aparências, colocam a ciência como prática social diferenciada de outras práticas intelectuais, como as artes e as humanidades.

Na pós-modernidade, parece não haver uma única forma de conhecimento válido. Práticas sociais alternativas gerarão outras formas de conhecimento. Para Santos (2013), o novo paradigma aspira a um pensamento complexo, permeável a outros conhecimentos e em articulação com conhecimentos locais. Assim, o paradigma ético-estético-político proposto por Guattari em contraposição ao paradigma científico coloca-se como alternativa.

Ao optar pela emergência dos diferenciais promotores da vida, as interferências na produção social da existência são tecidas em um plano, ao mesmo tempo, ético, estético e político. Ético, no que se refere ao desejo de diferir e acolher a diferenciação constante; estético, no que se refere a tomar a existência e as práticas nas quais as interferências se produzem como matéria de criação e outramento; político, porque requer a problematização e a desnaturalização constante dos intoleráveis, que atravessam a nossa existência e nos servem como indicadores de nossas ações em relação a nós mesmos e aos outros. (Neves, 2004, p. 12).

Nesse sentido, convocaremos como intercessores autores da saúde coletiva, da educação e da psicologia que estão buscando olhar o mundo considerando sua complexidade e a vida em sua potência de variação.

Partimos da concepção de saúde coletiva como uma “invenção tipicamente brasileira” (L’abbate, 2003), que surgiu na década de 1970, cuja origem está relacionada às críticas às

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práticas sanitárias tradicionais da saúde pública e ao movimento de reforma sanitária. A marca da conformação do campo é a entrada das ciências sociais para pensar os determinantes do processo saúde-doença-cuidado. Como campo disciplinar e movimento político, foram-se produzindo tensionamentos nos modos de pensar e de fazer de várias áreas − inclusive na psicologia, à medida em que esta foi se inserindo nas políticas públicas de saúde.

A aproximação entre a saúde coletiva e o movimento institucionalista no Brasil pode ser considerada um processo em articulação. L’abbate (2013) estabelece como marco um encontro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) ocorrido em 2000, cujo tema − “O Sujeito na Saúde Coletiva” − provocou muitas discussões acerca do sujeito e de suas múltiplas dimensões, em sua articulação com a coletividade, que reverberaram muito além do próprio encontro.

L’abbate (2003) destaca o crescimento de produções acadêmicas na saúde coletiva acerca do sujeito, da subjetividade e da autonomia, tanto na dimensão teórica quanto em relação às intervenções nas instituições de saúde. A autora aponta alguns exemplos que são referências para a área, tais como: O processo de trabalho como “trabalho vivo em ato” (Merhy, 2002); A relação entre subjetividade e gestão (Campos, 1997); A educação em saúde (L’abbate, 1997); A inter-relação entre as dimensões analíticas, pedagógicas e da gestão na

proposta de um novo modelo para os serviços de saúde (Campos, 2000). Acrescentamos

outros mais recentes, como: a Análise Institucional e Intervenção na Saúde Coletiva (L’abbate, 2012) e a Análise Institucional e Saúde Coletiva (L’abbate, 2013).

A análise institucional e a esquizoanálise podem ser consideradas as correntes do “institucionalismo francês” (Rodrigues, 1994) mais comuns à realidade brasileira (L’abbate, 2013). Aguiar e Rocha (2007) afirmam que os “conceitos-ferramentas” da análise institucional e dos estudos foucaultianos e esquizoanalíticos foram se inserindo no Brasil a

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partir de experiências na década de 1970. Assim, foram problematizando os referenciais da psicologia Social.

As diversas correntes do movimento institucionalista têm em comum o pressuposto de que nada é natural, tudo é sócio-historicamente construído (L’abbate, 2013). A análise institucional e a sócio-análise baseiam-se nas obras de René Lourau e Georges Lapassade, tendo como proposta compreender uma realidade social e organizacional de acordo com os discursos e as práticas dos sujeitos. Assim, o conceito de instituição torna-se central, juntamente com os conceitos de encomenda e demanda, campo de análise e campo de intervenção, transversalidade, analisador e implicação (L’abbate, 2012).

Partimos do conceito de instituição como “formas”, como construções coletivas produzidas no movimento entre o instituído e o instituinte, diferenciando-se da ideia de estabelecimento ou organização (Rossi & Passos, 2014). Esse conceito nos auxilia a pensar a saúde, a educação e a psicologia e seus processos de institucionalização, problematizando as estruturas naturalizadas e cristalizadas desses campos disciplinares. Já os analisadores são acontecimentos, indivíduos, práticas ou dispositivos que revelam em seu funcionamento o impensado de uma estrutura social, tanto a não conformidade quanto o instituído. Assim, contar histórias por meio de analisadores é buscar instaurar novos regimes de verdade (Aguiar & Rocha, 2007).

Eles funcionam como catalisadores de sentido, expõem o saber e o não saber de uma sociedade sobre si mesma e, poderíamos dizer, desnaturalizam o existente, suas condições, e, ao realizar análise, desestabilizam a cena natural de um cotidiano que nos parece estático. (Aguiar & Rocha, 2007, p. 656)

O conceito de análise de implicação parte inicialmente da concepção de contratransferência da clínica psicanalítica para questionar o paradigma da neutralidade científica. Lourau (2004) chama a atenção para a necessidade de realizar a análise das condições de pesquisa, mas que pode ser pensada para toda e qualquer inserção nossa no mundo. Aguiar e Rocha (2007) argumentam que a implicação não é uma questão de decisão

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consciente do pesquisador, mas uma tentativa de quebra das formas instituídas, ao colocar em questão os lugares ocupados pelo pesquisador e os riscos decorrentes dessas posições. Lourau (2004) também trabalha o conceito de sobre-implicação, ou seja, a negação da análise de implicação, que é marcada pelo ativismo e a aceitação tácita das certezas.

A esquizoanálise é um campo de saberes criado por Deleuze e Guattari, após as manifestações de maio de 1968 na França. Tal fato começou a contribuir com a psicologia brasileira, especialmente no final da década de 1970 e na década de 1980, sobretudo na área da saúde mental e da clínica (L’Abbate, 2013). De acordo com esse referencial, o político está inter-relacionado aos fenômenos psíquicos, contribuindo para pensar a subjetividade hoje, nessa fase atual do capitalismo. Assim, para esses autores, o capital sobrecodifica todos os processos políticos, sociais e psíquicos, fazendo com que todos trabalhem a seu serviço (Hur, 2013), produzindo subjetividades serializadas e, em substituição à compreensão dialética, propõe a ideia de agenciamentos, ou seja, uma rede de múltiplas conexões que estão além das dicotomias. Nesse sentido, não teria nada a ser desvelado, e sim produzido, conforme os discursos e seus efeitos performativos, engendrando realidades e subjetividades.

Segundo Aguiar e Rocha (2007), os conceitos da esquizoanálise permitem uma noção de real além do concreto e da presença.

Estamos, desse modo, trabalhando na perspectiva da imanência, na qual as relações de forças, engendramentos e produções (plano micropolítico/virtualidades) não se encontram em relação de oposição com as formas e as organizações de poder (plano macropolítico/simbólico), mas num regime de coextensão – o desejo é potência e é coextensivo ao social. (Aguiar e Rocha, 2007, p. 659)

Molar (ou dimensão macropolítica) e molecular (micropolítica) são dois modos de recortar a realidade, que se atravessam a todo momento e que são indissociáveis. O primeiro diz respeito ao nível do visível, dos processos constituídos, em que predominam as linhas duras, marcadas por uma classificação binária e classificatória. O segundo refere-se ao plano da formalização do desejo (Neves, 2004), no qual predominam as linhas flexíveis, que

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buscam desviar-se da sobrecodificação, operando aberturas para a multiplicidade (Neves, 2004).

Assim, quando nos referimos à política de inserção de psicólogos na docência, buscamos problematizar as relações de forças contidas no cenário atual do mercado de trabalho do psicólogo e da educação, os modos de ser psicólogo e psicóloga, formatados pelas graduações e pós-graduações e moldados em seu processo de trabalho no cuidado em saúde na contemporaneidade. Neves e Massaro (2009) alertam que “os objetos (tecnologias), as práticas (programas, propostas) e as intenções (discursos, leis) não são ‘bons ou maus’ ‘em si’, fora das relações e do campo problemático que os engendram e podem produzir” (p. 511). Entendemos saberes como discursos verdadeiros que têm efeitos de poder específicos e que, por meio de códigos, regras e normas, produzem modos de subjetivação. Portanto, o discurso é uma prática que define e transforma os objetos de que fala (Díaz, 1998).

Nessa direção, apoiamo-nos na concepção de subjetividade como produção, fabricada e modelada no social (Guattari & Rolnik, 2012). Em cada tempo histórico, circulam valores e ideias por meio de instituições e práticas que são atualizadas de diferentes maneiras para cada um. Nesse sentido, o sujeito é um efeito provisório da produção de subjetividades (Mansano, 2009). Essa concepção se contrapõe a uma ideia de subjetividade individualizada e afirma uma heterogeneidade da subjetividade atravessada pelo “romance familiar”, mas também pelas questões histórico-culturais. Assim, a subjetividade está relacionada à “(...) possibilidade de viver a existência de forma única, no entrecruzamento de diversos vetores de subjetivação” (Miranda, 2005, p. 38). A subjetividade não está somente no indivíduo, mas no

socius, sem se reduzir também a este. Assim, tomar a dimensão histórica da vida social requer

considerar as instituições, suas funções e papéis como invenção da humanidade no encontro e no confronto de interesses.

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mundo. O capitalismo, em sua versão recente – Capitalismo Mundial Integrado (CMI) –, transpôs as fronteiras físicas, estabeleceu a padronização de tarefas e de modelos subjetivos; desfez dicotomias (local de casa/trabalho; público/privado) e investiu na potência de vida para sua expansão, “(...) fazendo do sono, do desejo, da afetividade e da sexualidade, um terreno direto da valorização do capital” (Neves, 2004, p. 147).

Desse modo, abordar o cuidado e a formação dos profissionais na saúde exige pensar sobre como isso se dá no cenário atual do estágio neoliberal do capitalismo, cuja marca é a “colonização” dos espaços planetários, homogeneizando as diferenças culturais e políticas dos povos, especialmente os países mais pobres e em desenvolvimento. Neves e Massaro (2009) afirmam que as estratégias de poder na contemporaneidade são: a ciência, o capital, o Estado e a mídia.

Coelho e Fonseca (2007) resgatam que, na história da saúde, além do poder estatal interessado no corpo saudável para a produção, outros dois dispositivos de poder – a Religião e a Ciência – intervêm na saúde das pessoas. Atualmente, a persuasão das ideias de prazer e de felicidade são constantemente recodificadas pelo mercado e pela mídia. “Nos dias de hoje, o biopoder2 passa por um mecanismo de docilizar e controlar os corpos para que se adaptem aos padrões e respectivos produtos de saúde vendidos no atacado e varejo” (Coelho & Fonseca, 2007, p. 65). Assim, diante do padrão de saúde dominante, esquece-se o corpo singular. Para Guatarri e Rolnik (2013), o CMI até incentiva subjetividades singulares, porém, para torná-las mercadorias de consumo.

Discursos sobre “viver melhor, viver com qualidade” levam as pessoas a se afastarem dos sofrimentos da vida, tentando resolver, de maneira rápida e definitiva, tudo que causa dor

2 Para Foucault (1999), emerge, a partir do século XIX, uma nova tecnologia de poder, a biopolítica, que tem

como alvo a população conforme a regulamentação e as relações de cuidado. “O biopoder incita, conjuga, modula equilíbrios e médias visando otimizar estados de vida que ele submete. Já não toma mais o corpo para individualizar, docilizar e disciplinar, mas o toma para operar uma individualização que recoloca os corpos nos “processos biológicos de conjunto” (Foucault, 1999, p. 297).

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e desprazer. “Se concordamos que viver a saúde é também viver um processo de saúde-adoecimento, é porque sentimos que os estados precários e imperfeitos das pessoas também fazem parte da saúde” (Coelho & Fonseca, 2007, p. 68). Deleuze anuncia a gorda saúde dominante como uma saúde de ferro que toma nossos corpos e nos impede de entrar em contato com o devir da vida, que é o que tememos.

Desse modo, a relação de cuidado é atravessada por estas questões próprias ao nosso tempo, como uma produção de subjetividade massificada e de neutralização da alteridade; e de uma busca de como a “saúde deve ser” e não “como ela é”. Assim, o desafio da formação e atuação dos profissionais de saúde passa por concebê-la como singularidade e em reconhecer “(...) de quê o corpo precisa e não o quê deve precisar” (Coelho & Fonseca, 2007, p. 68). Torna-se central discutir a formação de profissionais que consigam romper com territórios já formatados e que consigam criar intervenções singulares e comprometidas com a autonomia das pessoas. Para Neves e Massaro (2009), é justamente o campo das tecnologias leves e leves-duras que tem sido alvo do capital acumulativo em processos de restruturação produtiva.

Nesta direção, nossas práticas de gestão e produção de cuidado em saúde se fazem em meio a este funcionamento paradoxal da biopolítica contemporânea, imanente nos funcionamentos do biopoder que quer colonizar e abstrair a vida e, ao mesmo tempo, imersos na potência constituinte do vivo, em sua biopotência, como produção de liberdade, de reexistência e autonomia (Neves & Massaro, 2009, p. 510).

No campo da saúde, discutiremos as experiências de mudança na formação profissional que foram sendo produzidas em meio à problematização da assistência à saúde no Brasil e no Mundo, dentre elas, a Residência Multiprofissional em Saúde (RMS). Essas experiências educativas tiveram em comum o questionamento da pedagogia tradicional para formar o profissional que o sistema de saúde nascente ansiava.

No campo da Educação, abordaremos os saberes e práticas envolvidos no ensino de psicologia, em um contexto de expansão do ensino universitário por meio de instituições

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privadas como parte de um modelo político e econômico neoliberal. Compreendemos a docência como “(...) prática social complexa carregada de conflitos de valor e que exige posturas éticas e políticas.” (Pimenta & Anastasiou, 2002, p. 14). Considerando o discurso como prática que define e transforma os objetos de que fala, o discurso pedagógico regula como as relações devem se dar no contexto de ensino e essas formas se materializam nas práticas pedagógicas. O discurso do professor não é produto de um falante autônomo e sim de um sistema de produção que controla e seleciona significados e define práticas específicas atravessadas pelos discursos dominantes da educação (Díaz, 1998).

Essa perspectiva analítica é particularmente interessante para pensar a prática docente, considerando que, desde a modernidade, a escola configura-se como dispositivo de normalização, disciplinarização e regulação dos indivíduos e populações. Assim, as práticas docentes são atravessadas pelos discursos dominantes da educação, produzindo práticas tanto repressivas quanto libertadoras.

Com a influência do liberalismo, foram incorporados à educação os seguintes pressupostos: a ideia de que todos são responsáveis pelo seu próprio sucesso ou seu próprio fracasso, porque todos teriam suas potencialidades; caberia, então, ao Estado e à Educação, facilitar para que todos os indivíduos possam expressar seus talentos. Logo, o trabalho consiste no caminho legítimo de ascensão social. Esses discursos influenciaram fortemente as concepções de Educação, as propostas pedagógicas e as práticas docentes.

Saviani (2005) afirma que as pedagogias tradicionais foram predominantes até final do século XIX. A marca do século XX é exatamente o deslocamento da centralidade da teoria para a prática nas teorias pedagógicas, sob a forma do movimento escolanovista.

A pedagogia tradicional é considerada a mais conhecida expressão do pensamento liberal na educação e ampara-se na visão de que o professor é o centro do processo educativo. A educação brasileira assimilou essas ideias e as conhecemos como pedagogia da

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transmissão, na qual o processo de aprendizagem está baseado nos conteúdos, nas disciplinas e na memorização, tendo como estratégias didáticas a exposição, a demonstração e a memorização mecânica.

Após a Primeira Guerra Mundial, houve uma profunda descrença na capacidade da educação desenvolver os talentos inatos. A pedagogia tradicional recebeu intensas críticas a partir do denominado movimento escolanovista, fortemente amparado nas ideias do filósofo norte-americano Jonh Dewey (1859-1952). Apesar de considerar a pedagogia tradicional centrada no professor, Dewey não acreditava na capacidade de autoeducar-se do aluno. Para a Teoria da Escola Nova, cuja filosofia é baseada no pragmatismo e na epistemologia empirista, partindo de uma visão naturalista do homem e funcionalista das relações sociais, os problemas sociais poderiam ser solucionados se a escola realizasse seu papel adequadamente.

Saviani (2005) discute que, apesar dos “novos ventos” trazidos pelo movimento da escola nova, a pedagogia tradicional prevaleceu por meio da renovação das escolas católicas, que eram, de fato, quem formava a elite do país. Por pressão de tornarem-se modernas, adotaram novas metodologias sem abrir mão da sua doutrina.

No início da década 1960, intensifica-se o processo de mobilização popular que envolveu a educação: o Movimento de Educação de Base (MEB) e o Movimento Paulo Freire de educação de adultos. Para Saviani (2005), estas organizações tinham aproximações com os princípios da Escola Nova e, ao mesmo tempo, eram inspiradas na Teologia da Libertação. Assim, podemos encontrar, nessas raízes históricas, discursos e práticas estabelecidas até hoje em uma mistura entre pedagogia tradicional e outras correntes pedagógicas.

Após o golpe militar de 1964, a tendência tecnicista da educação, de base produtivista, estabeleceu-se principalmente por meio das reformas educacionais. A educação, por meio do aparelho estatal, assumiu um papel fundamental no desenvolvimento econômico do país. Saviani (2005) aponta que, depois do embate com as correntes pedagógicas críticas e com a

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crise do capitalismo nas décadas de 1970 e 1980, a visão produtivista permaneceu, só que agora ligada ao modelo neoliberal, segundo o qual a responsabilidade recai sobre o indivíduo, que deve se capacitar cada vez mais para obter emprego e desenvolvimento profissional.

Em síntese, podemos afirmar que as correntes pedagógicas dominantes no país foram: 1) a Pedagogia Tradicional de base católica; por um certo período, 2) o movimento da Escola Nova; e, atualmente, 3) uma corrente pedagógica tecnicista, que atende à lógica neoliberal de produzir cidadãos flexíveis para um mundo em constante mudança.

Em contraposição às perspectivas hegemônicas, as correntes pedagógicas críticas tencionaram, desde a década de 1960, evidenciar o caráter reprodutor da escola na manutenção das relações sociais. Essas correntes postulavam uma relação dialética entre educação e sociedade. Não propunham um método específico, mas advogavam que os conteúdos abstratos dessem lugar a conteúdos concretos e que o indivíduo fosse concebido em sua construção histórica. Nessa perspectiva, a escola teria o papel de socializar o conhecimento que já foi construído pela humanidade. Assim, deveria articular conteúdo e método. Saviani (2005), como representante desse movimento, posiciona-se como crítico da pedagogia tradicional, na medida em que os conteúdos passam a ser transmitidos mecanicamente e vazios de significado. Assim sendo, como crítico da Escola Nova, o referido autor compreende que toda transmissão de conhecimento seria mecânica e sem criatividade.

Mais recentemente, a pedagogia das competências vem tornando-se um discurso bastante legitimado no ensino na área da saúde. Lemos (2010) defende que, sob o discurso do desenvolvimento e da modernização, o papel da escola é de preparar a mão de obra em nome da empregabilidade e se ampara em concepções construtivistas, reconhecidas pelo lema “aprender a aprender” e pela pedagogia das competências. Assim, não faz sentido “perder tempo” com transmissão de conteúdos que não terão aplicabilidade em um mundo em constante transformação. “Assim, o ‘aprender a aprender’ emerge como proposta que dá

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maior capacidade de adaptação ao sistema produtivo, que exige perfis de trabalhadores mais flexíveis, dotados de novas competências e habilidades” (Lemos, 2010, p. 77).

Para Bernardes (2012), o conceito de aprendizagem passa de uma concepção ambientalista, na qual os conteúdos são o centro do processo na pedagogia tradicional, para aprendizagem centrada em processos cognitivos dos estudantes (competências e habilidades), ou seja, centrada no corpo do indivíduo. Para o autor, esse movimento faz parte de uma tendência liberal tecnicista, considerada tendência mundial para o Ensino Superior, que produz práticas voltadas à aplicação de técnicas.

Ramos (2010), ao pesquisar sobre a educação profissional e as escolas técnicas do SUS, identificou que a concepção teórico-metodológica predominante é uma “(...) pedagogia escolanovista permeada por elementos da pedagogia libertadora e atualizada pela pedagogia das competências” (p. 34). De algum modo, essa afirmação talvez seja válida também para as graduações na área da saúde.

Aos discutirmos as RMS, torna-se necessário apontar como estratégia política e pedagógica a Educação Permanente em Saúde (EPS). Esse conceito, para a educação, tem origem na década de 1960 e foi inspirada nas teorias desenvolvimentistas, portanto, disseminada pelos organismos internacionais. Entretanto, adquiriu outros contornos à medida em que foi sendo incorporada à saúde, em articulação com diferentes contribuições teóricas, no contexto de expansão dos serviços e de qualificação profissional (Ramos, 2010; Vargas, 2015).

Ceccim (2008) afirma que a educação permanente em saúde é um:

(…) conceito que embasa uma invenção do Sistema Único de Saúde para marcar o encontro da saúde com a educação, ligação inextricável entre ensino (educação formal, educação em serviço, educação continuada), trabalho (gestão setorial, práticas profissionais, serviço) e cidadania (controle social, práticas participativas, alteridade com os movimentos populares, ligações com a sociedade civil). (p. 17)

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educação permanente é um desdobramento da educação popular, de influência freiriana, tendo a aprendizagem significativa como importante conceito. Para outros, é um desdobramento do movimento institucionalista na educação representado por René Lourau e George Lapassade, contribuindo com os conceitos de autoanálise e autogestão. Há também os que o consideram como fruto dos movimentos de mudança de formação dos profissionais de saúde, com diferentes contribuições teóricas e práticas.

A EPS propõe a transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho com base em atividades educativas inspiradas na problematização do processo de trabalho e da aprendizagem significativa (Portaria n.º 198, 2004). Nessa perspectiva, o conhecimento é compreendido como um processo dialético ação-reflexão-ação que ocorre em um contexto de autoaprendizagem.

Com isso, provoca-se um pensar a Educação Permanente em Saúde como processo de formação acionador de movimentos de estranhamento, de desacomodação, de “perguntação” e de implicação, potência para um coletivo diferir de si mesmo e de dobrar novas práticas (Ceccim, 2008, p.18).

Partindo da compreensão de cognição como autopoiese (Maturana & Varela, 2001), Kastrup (2005) concebe duas políticas distintas na construção do conhecimento: uma política cognitiva inventiva e uma recognitiva. A primeira está baseada na problematização e toma o conhecimento como invenção de si e do mundo. O segundo tipo pressupõe o posicionamento de que o mundo é dado a priori ou de que o centro do processo de aprendizagem é o indivíduo, tomando o conhecimento como representação. O que acontece com a prática docente ao adotar uma ou outra política? Uma atitude cognitiva inventiva está atenta ao plano das forças, reconhecendo que o processo educativo se produz em ato. Assim, não é possível prever ao certo o que ocorrerá em um ambiente de sala de aula ou de docência em serviço. Em uma perspectiva de recognição, a prática docente volta-se para a transmissão de um saber.

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Assim, nos propomos a pensar a formação em saúde e a docência em sua dimensão micropolítica, tomando-as muito mais em sua potência disruptiva do que de transmissão de conhecimento (Heckert & Neves, 2007). Ceccim (2008) afirma que:

A sala de aula ou o ambiente de trabalho em saúde é campo de construção cognitiva (aprendizagem formal) e afetiva (socialidade), onde se vivem experiências éticas do estar junto e estéticas de grupo que compõem as atualizações da experiência quotidiana (...) (p. 21).

Aqui partimos do pressuposto de que a relação pedagógica é um acontecimento (Barboza, 2015), ou seja, apesar de previsível e rotineiro, é intempestivo e repleto de nuances. É uma composição singular do encontro entre o eu e o outro, atravessado pelas metodologias, recursos didáticos e tecnológicos, pela avaliação da aprendizagem e pela cultura acadêmico-pedagógica. Nesse sentido, estão em jogo, além dos aspectos didáticos e pedagógicos, as relações intersubjetivas em suas dimensões ético-estético-políticas.

Talvez, para o caso do trabalho docente, a concepção de professoralidade seja mais adequada do que a de profissão. Isto porque o exercício da docência nunca é estático e permanente; é sempre processo, é mudança, é movimento, é arte; são novas caras, novas experiências, novo contexto, novo tempo, novo lugar, novas informações, novos sentimentos, novas interações (Cunha, 2010, p. 31).

Os saberes e práticas hegemônicos sofrem alterações em decorrência das interações que se dão naquele espaço e tempo. E, então, abre-se a possibilidade de superação do modelo tradicional da aula e de construção de novos modos de fazê-la (Cordeiro, 2006). Para Cunha (2006), intervir no processo de naturalização profissional exige que o professor possa refletir sobre sua prática e sobre sua formação. Esse deveria ser o objetivo da formação de professores, seja ela inicial ou continuada. Para Nóvoa (2015), “(...) o futuro da pedagogia universitária passa pela capacidade de integrar, no processo docente, uma atitude de experimentação, de reflexão e de criação” (p. 16).

Nesse sentido, nos questionamos acerca dos saberes, práticas e modos de subjetivação que estão em jogo na atividade acadêmica de psicólogos formados pelas RMS e que estratégias e artimanhas vêm utilizando para operar nos espaços de docência.

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3. Inserção: compondo o plano de análise

Refletir acerca das experiências docentes de psicólogos egressos das RMS − num momento histórico de avanço de um projeto neoliberal que questiona e mina os direitos sociais − exige-nos um esforço de articulação entre vetores macro e micropolíticos que compõe o campo da formação em saúde e da Psicologia como ciência e profissão. Assim, na primeira parte deste capítulo, abordaremos as políticas de educação superior no Brasil e de formação dos profissionais de saúde, em especial a partir da década de 1990, no sentido de compreender como discursos e práticas foram produzindo modos de pensar e fazer saúde. Na segunda parte do capítulo, lançaremos um olhar para a Psicologia como campo disciplinar em sua articulação com a Saúde Coletiva. Além disso, discutiremos como a profissão da área da saúde conectou-se a movimentos profundamente articulados com as Reformas Sanitária e Psiquiátrica que ocorreram no processo de redemocratização do Brasil. Em seguida, problematizaremos o ensino de Psicologia como importante questão na formação de psicólogos para o SUS.

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3.1. Políticas educacionais e a formação dos profissionais de saúde

3.1.1. As Políticas de Educação Superior a partir dos anos de 1990 e o processo de mercantilização da educação

Neste tópico, interessa-nos pensar os efeitos no trabalho docente das políticas de educação superior a partir dos anos 1990, pondo em análise os jogos de forças que as produzem sob a égide da globalização e do avanço do projeto neoliberal de sociedade.

As políticas de educação superior estão voltadas para a formação após o Ensino Médio e podem ser ofertadas por um sistema diversificado e heterogêneo de instituições de ensino (Barboza, 2015). Para o presente estudo, focaremos no contexto das universidades e faculdades, tanto públicas quanto privadas, uma vez que estas são responsáveis pela formação de psicólogos e também são espaços de atuação destes profissionais como docentes.

Segundo Nóvoa (2015), as universidades têm passado por profundas transformações, nos últimos anos, na organização da vida acadêmica, na estrutura dos estabelecimentos de ensino, na convergência de disciplinas e na relação universidade/sociedade, com os avanços tecnológicos etc. e a tendência, segundo ele, é de que ainda irão mudar muito nas próximas décadas.

A universidade moderna de inspiração iluminista tem suas origens no século XIX e é marcada pela tensão entre formação acadêmica e formação profissional, conflito que permanece até os dias atuais (Barboza, 2015). Segundo Meneghel (2001), historicamente, prevaleceu o modelo alemão baseado nos princípios da pesquisa e da ciência desinteressada, tendo sua função relacionada à produção e difusão de novos conhecimentos e de cultura.

Chauí (2001) problematiza a transformação da universidade de uma instituição social, em suas origens – legitimada de acordo com a autonomia do saber em relação ao Estado e à religião –, para uma organização social, passando à condição de prestadora de serviços e não

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mais de direito social. A universidade assumiu uma ação instrumental regida pela lógica da competitividade, eficácia e produtividade típicas de uma empresa capitalista (Cordeiro, 2006); o que Chauí (2001) denominou de universidade operacional.

Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à formação intelectual, está pulverizada em micro-organizações que ocupam seus docentes e curvam seus estudantes a exigências exteriores ao trabalho intelectual (...) Virada para seu próprio umbigo, mas sem saber onde se encontra, a universidade operacional opera e por isso não age. (Chauí, 2001, p. 190)

Assim, a universidade, tal qual a conhecemos, sofre uma crise em relação à sua função social, em meio às transformações das sociedades modernas com os novos modos de acumulação de capital, com o processo de globalização da economia e da cultura e com a crise de paradigma da ciência moderna (Chauí, 2001; Cordeiro, 2006; Santos, 1996). Nesse sentido, a universidade é colocada em xeque em sua capacidade de responder por meio da pesquisa científica aos problemas cada vez mais complexos do mundo atual, principalmente em um contexto de avanço das ideias neoliberais.

A partir da década de 1990, sob a influência dos organismos internacionais, o Brasil inicia seu processo de reforma das diretrizes educacionais, no sentido de adequar-se à nova realidade mundial. Em relação à universidade, a partir da lógica neoliberal, argumenta-se que o Ensino Superior precisa diversificar seus formatos para atender às necessidades do mercado, lançando mão de certas estratégias, tais como educação à distância/EaD, certificação por módulos, bacharelados interdisciplinares, cursos sequenciais etc. Assim, abriu-se espaço para a expansão do ensino privado, amparado pela Lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB) (Lei n.º 9.394, 1996), através dos decretos n. 2.207/97, 2.306/97 e 3.860/01 e por meio dos programas de transferência de renda e de renúncia fiscal (Léda & Sousa, 2018). A Constituição de 1988 previa a concessão de educação à iniciativa privada, desde que submetida às regras gerais da educação nacional e autorizada e avaliada pelo poder público (Barboza, 2015). Essas diretrizes estariam – como estão − em consonância com as mudanças

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econômicas mundiais, ou seja, “as nações precisam modificar seu campo de Ensino Superior se quiserem obter competitividade no acirrado mercado global” (Seixas, 2014, p. 62).

As reformas ocorridas no governo Fernando Henrique Cardoso fizeram parte de um processo denominado “modernização conservadora”, iniciada pelos governos democráticos anteriores. A ideia era a administração racional dos recursos, ou seja, não aportar mais recursos, mas sim aumentar a eficácia das IES. Tal discurso foi profundamente articulado com as políticas neoliberais. Para Léda e Sousa (2018), a reforma universitária que vem sendo empreendida no Brasil desde a década de 1990 está relacionada a um projeto político gestado desde a década de 1980 para refrear os “ventos de mudança” do processo de redemocratização do país. Nesse projeto, o modelo universitário baseado na articulação ensino-pesquisa-extensão e no desenvolvimento da pós-graduação consagrado na Constituição de 1988 é entendido como “caro” e “inviável” para ser mantido pelo Estado, diante da necessidade de garantia dos demais níveis de ensino. Infelizmente, é possível perceber hoje o retorno desse discurso e, mais, através de decisões políticas no sentido do corte de recursos para as instituições públicas dessa natureza.

A democratização do acesso ao Ensino Superior é uma via de redução das desigualdades sociais (Borges & Ribeiro, 2019). Nesse sentido, ações que considerem aumento do número de vagas, estratégias de permanência e de combate à evasão e políticas de democratização do acesso são um caminho para a reorganização social por meio da educação. A partir de 2002, houve um importante processo de expansão e interiorização da formação superior, com programas como o Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa Universidade para Todos (PROUNI)3. Segundo Léda e Sousa (2018), a ideia de educação

3 O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) e o

Programa Universidade para Todos (Prouni) fazem parte da política de Ensino Superior no Brasil, sendo o primeiro voltado para instituições públicas e o segundo para as privadas (Seixas, 2014).

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como “bem público” possibilitou ao Estado tentar garantir a oferta universal por meio do investimento e expansão de IES públicas; pela alocação de verbas públicas em instituições privadas (programas de transferência e de renúncia fiscal) e o financiamento privado de IES públicas (Lei de Inovação Tecnológica e parceria público-privadas).

Nos governos do presidente Lula (2002-2010), houve um grande investimento na rede federal e em programas de acesso e permanência para setores historicamente excluídos, visando o acesso de oportunidades. Entretanto, permaneceu a lógica anterior de expansão por meio das IES privadas e privadas mercantis.

Desde então, a expansão do Ensino Superior vem sendo marcada pelo crescimento exponencial do setor privado-mercantil, enfraquecendo a concepção de educação como direito público e como responsabilidade do Estado, abrindo espaço para o empresariamento do setor (Léda & Sousa, 2018). Guarany (2012) destaca que a lógica neoliberal se utiliza do mecanismo de financerização do fundo público para estabilização do capitalismo, o que significa utilizar recursos públicos para socorrer o capital privado em detrimento do atendimento das necessidades da população. O FIES e o PROUNI, portanto, foram importantes meios da expansão privada financiada por fundo público, demonstrando que a prioridade do governo federal apoia-se no pagamento da dívida pública, em detrimento do investimento nas políticas sociais. Se, por um lado, houve um maciço investimento do setor privado, por outro, houve também um sucateamento das instituições públicas por meio das políticas de austeridade (Barboza, 2015).

Após o término da vigência do REUNI, houve um esgotamento da capacidade das IFES quanto à manutenção das unidades e dos cursos criados durante o Programa. As instituições mergulharam em uma situação crítica, agravada pelos progressivos cortes e contingenciamentos de recursos para financiamento. As medidas de ajuste fiscal adotadas pelo governo federal para conter a crise econômica, a partir de 2015, agravaram ainda mais o quadro. (Léda & Sousa, 2018, p. 169).

Assim, no cenário de uma educação voltada às necessidades do mercado, a educação superior é um dos principais focos da adoção do modelo neoliberal e um negócio altamente

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rentável. Observa-se atualmente, a fragmentação das carreiras e a interiorização de cursos, fruto de um dinâmico processo de fusões e aquisições entre as Instituições de Ensino Superior (IES) privadas em todo o Brasil (Macedo, Lima, Dantas, & Dimenstein, 2017). Ademais, há impactos diretos na autonomia universitária, por meio da mercantilização das atividades de pesquisa, ensino e extensão. Os processos de avaliação institucional passam a ser pautados por um discurso utilitarista e critérios quantitativistas. (Bosi, 2007; Chauí, 2001).

Bosi (2007) aponta em especial a lógica produtivista, que atinge professores e alunos, implementada pelos órgãos de fomento (CAPES, CNPQ e seus equivalentes estaduais) e é reiterada pelos sistemas de avaliação institucionais. A produtividade é compensada financeira e simbolicamente. Entretanto, representa a perda da autonomia intelectual e do controle do professor sobre seu próprio processo de trabalho. Além disso, a ideia do “docente empreendedor” como aquele que precisa captar recursos no mercado para financiar seus projetos tem estimulado a competitividade entre os docentes e tem fortalecido o capitalismo acadêmico (Léda & Sousa, 2018).

A expansão do Ensino Superior público proporcionou o aumento do quantitativo de professores universitários, porém, de modo insuficiente em relação à velocidade de expansão, intensificando o trabalho docente por meio da ampliação da carga-horária voltada ao ensino em detrimento das atividades de pesquisa e extensão. Além disso, o déficit de agentes administrativos exige que os docentes assumam também demandas administrativas (Léda & Sousa, 2018; Mancebo, 2007). Vale ressaltar que o enxugamento orçamentário impacta nos formatos de contratações dos docentes, que, em geral, ocorrem por via de contratos temporários (professores substitutos). Isso traz implicações individuais e para a própria dinâmica das IES, como a intensificação do regime de trabalho, o aumento do sofrimento subjetivo, a neutralização da mobilização coletiva e o aprofundamento do individualismo (Mancebo, 2007).

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A precarização do trabalho docente está para além da flexibilização dos direitos e dos contratos trabalhistas, tendo como uma das questões o estabelecimento da lógica do capitalismo acadêmico. É possível identificar vários sintomas dessa lógica, tais como a grande quantidade de horas-aula por professor/professora; a diminuição do tempo para mestrado e doutorado e avaliações institucionais baseadas em número de publicações (Bosi, 2007; Cordeiro, 2006). Mancebo (2007) destaca a nova relação que o docente estabelece com o tempo, que pode ser analisada a partir da aceleração da produção e do prolongamento que professor dedica ao seu trabalho. Com o aumento das atividades e as exigências da produção acadêmica, o trabalho não cessa “(...) nem em época de greve, tampouco nas férias (...)” (Mancebo, 2007, p.77). “Dessa forma, vai diminuindo o tempo para as atividades coletivas, para a reflexão, para a crítica da própria prática docente, para a pesquisa da sala de aula e da universidade” (Cordeiro, 2006, p. 54).

A partir da primeira década do século XXI, o capitalismo acadêmico brasileiro tornou-se ainda mais complexo, à medida em que as instituições privadas foram-tornou-se fundindo, associando-se a outras do exterior, atuando fora do país e abrindo capital na bolsa de valores (Peixoto, 2017). Tomando como referência a análise dos cursos de psicologia em IES “internacionalizadas”, Macedo et al. (2017) destacam a padronização dos conteúdos, afastando a formação profissional das necessidades locorregionais; a gestão acadêmica dos cursos baseada na gestão empresarial; e o enxugamento do quadro de docentes e a consequente precarização do trabalho como grandes questões a serem debatidas no âmbito no Ensino Superior na atualidade.

Machado e Ximenes (2018) asseveram que a expansão do ensino privado, principalmente o ensino à distância, e a iniquidade na oferta de cursos nas diferentes regiões do país são fatores que impactam a disponibilidade de profissionais qualificados para enfrentar os desafios do cuidado em saúde no SUS. Apesar do ordenamento dos profissionais

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da saúde ser uma atribuição do SUS, a forte privatização da educação superior favoreceu a abertura de novos cursos, principalmente nos grandes centros urbanos, contrariando a legislação sanitária e as orientações do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Além disso, políticas setoriais específicas da saúde estimularam a expansão do Ensino Superior e direcionaram os projetos político-pedagógicos por meio das diretrizes curriculares nacionais. Temos como exemplo a ampliação da cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF), do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) e do Brasil Sorridente.

Portanto, faz-se mister uma competente educação na saúde, como diretriz para a qualidade do cuidado, devendo esta ser pautada com base nos determinantes sociais da saúde, nas necessidades da população e de grupos vulneráveis, no perfil epidemiológico locorregional, com vivências teórico-práticas voltadas para a realidade local, e com um currículo que permita a inserção do estudante de graduação em cenários das práticas desde o primeiro semestre da universidade. (Machado & Ximenes, 2018, p. 1973).

Após 30 anos de implantação do SUS, ainda persistem problemas relacionados à formação profissional. Nesse sentido, torna-se fundamental problematizar como foram possíveis as transformações no sistema de saúde brasileiro e os efeitos na formação dos profissionais de saúde no contexto de transformação do sistema de saúde brasileiro.

3.1.2. Políticas de formação de profissionais para o Sistema Único de Saúde (SUS) e as Residências Multiprofissionais de Saúde (RMS)

Historicamente, a formação dos profissionais de saúde é profundamente atravessada pela racionalidade científica4, que estabeleceu a separação entre as ciências naturais e as ciências humanas com o objetivo de esquadrinhar a realidade e encontrar a verdade. Desde o século XVIII e durante todo o século XIX, o corpo – considerado um instrumento de

4 Constituída na revolução científica ocorrida no século XVI, a racionalidade moderna ou científica

desenvolve-se nas ciências naturais nos séculos XVII e XVIII, e, no século XIX, estende-desenvolve-se às ciências sociais emergentes. Pressupõe a categorização e simplificação dos saberes, a objetivação, a verdade absoluta, a separação entre sujeito e objeto, afetando o modo como pensamos e realizamos nossa prática de atenção e formação na saúde (Pasini & Guareschi, 2010).

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produção – foi objeto de estudo da ciência como máquina, instaurando a cisão mente/corpo e produzindo uma concepção de saúde como ausência de doença. Esse paradigma biologicista norteou as práticas em saúde e a formação profissional no século XX, levando à conformação de um modelo de compreensão e intervenção em saúde: o modelo biomédico (Ceccim & Carvalho, 2005; Pasini, 2010).

A partir da década de 1940, houve a introdução das recomendações do Relatório Flexner5, marco paradigmático considerado como primeira teoria sobre a formação dos profissionais de saúde (Carvalho & Ceccim, 2006; Ceccim, 2008). O modelo denominado flexineriano é centrado na doença e no hospital, orientado para a especialização e para a pesquisa experimental. O resultado prático é uma educação de caráter instrumental, baseada em disciplinas fragmentadas em áreas básicas e clínica, cuja prática pedagógica está amparada no acúmulo de conhecimento por meio de aulas e manuais de diagnóstico e tratamento.

Segundo Ceccim e Carvalho (2005), a formação conforme esse modelo tem contribuído para uma especialização precoce e a utilização excessiva de tecnologias de apoio diagnóstico e terapêutico. Com isso, temos uma atuação baseada no modelo queixa-conduta voltado para a remissão de sintomas cujo caráter prescritivo ameaça outros modos de existência e inviabiliza um cuidado em rede. Podemos afirmar que esse é o modelo hegemônico de atuação no SUS para todas as categorias profissionais envolvidas na produção de saúde.

Segundo Chaves e Kisil (1999),

Foi a partir da década de 50 que começaram a surgir as críticas ao paradigma flexineriano e as tentativas de introduzir novas ênfases nos modelos de ensino das profissões da saúde, reforçando dimensões preventivas, psicossociais, comunitárias e ambientais. (p. 8).

5 Relatório Flexner: Esse relatório é resultado de uma iniciativa de organização conceitual e prática do ensino

médico no início do século XX nos Estados Unidos que serviu de modelo para a formação médica em todo o mundo e também para outras profissões da área da saúde (Palgiosa & Da Ros, 2008).

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O SECRETÁRIO DA SAÚDE DO ESTADO DO CEARÁ e GESTOR ESTADUAL DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE NO CEARÁ – SUS/CE, no uso da atribuição que lhe confere o Artigo 93,