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A SUPRACONSTITUCIONALIDADE DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS: UMA NOVA VIA DE MAXIMIZAÇÃO DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CONTRIBUINTE

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(1)

Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito

A SUPRACONSTITUCIONALIDADE DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS: UMA NOVA VIA DE MAXIMIZAÇÃO DA EFETIVIDADE DOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CONTRIBUINTE

(2)

HISASHI TOYODA

A SUPRACONSTITUCIONALIDADE DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS: UMA NOVA VIA DE MAXIMIZAÇÃO DA EFETIVIDADE DOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CONTRIBUINTE

Dissertação submetida ao Núcleo de Pesquisa em Direito Constitucional do Curso de Mestrado do Programa de Estudos Pós-Graduados da PUC-SP como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Direito.

Professora Orientadora: Dra. Flávia Piovesan

(3)

HISASHI TOYODA

Dissertação submetida ao Núcleo de Pesquisa em Direito Constitucional do Curso de Mestrado do Programa de Estudos Pós-Graduados da PUC-SP como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Direito.

Aprovada em ______/_________/2012.

(4)

À minha amada esposa, Amanda Larissa, que sempre me encorajando em momentos difíceis, vibrando comigo em momentos de alegria e acrescentando tanto à minha vida – eu amo você, minha outra metade.

Aos meus filhos, Ana Carolina e Victor Akio, que me fizeram conhecer a mim mesmo e, assim, amadurecer e adquirir experiências que jamais conseguiria se não fosse por vocês – meus filhos preciosos, eu passaria todas as lutas novamente só para tê-los!

Aos meus pais, Masaharu (in memorian) e Alice Toyoda, por acreditarem em mim (mesmo quando eu não acreditava), e por me ensinar o estudo – a minha herança! Vocês me deram tudo o que preciso. Obrigado.

(5)

Ao meu Senhor Jesus, pela força e coragem ao decorrer desta longa e árdua caminhada que quase foi interrompida por motivos de saúde. Por um breve momento, imaginei finda a minha história. Contudo, Deus foi mais, e me fez ressurgir no inimaginável, me trazendo a cura para que eu realizasse um dos meus sonhos, a conclusão deste mestrado! Obrigado meu amado e querido Deus;

À minha ilustríssima orientadora, Profa. Flávia Piovesan, que, para mim, desde sempre, foi uma honra tê-la como exemplo a ser seguido; À professora Maria Garcia, sempre iluminando meus pensamentos e idéias, com sua maneira sensata e crítica de pensar; Aos meus demais mestres e professores, pelo encorajamento e apoio em cada fase deste trabalho;

Ao Secretário de Fazenda, Dr. Isper Abrahim Lima e ao Secretário Executivo da Receita, Dr. Juarez Paulo Tridapalli, pelo apoio incondicional a esta pesquisa;

Ao Dr. Afonso Lobo de Moraes, meu amigo, pela sua amizade e solidariedade em todos meus momentos difíceis.

(6)

"O justo cai sete vezes, e levanta-se, mas os ímpios tropeçam na desgraça."

(7)

RESUMO

Este trabalho considera a supraconstitucionalidade como via inovadora, e indispensável, para maximizar a efetividade dos direitos humanos do contribuinte, considerando a sua vulnerabilidade frente à voracidade fiscal e às estratégias estatais de finalística estritamente arrecadatória. Teve como objetivo geral investigar como esses direitos podem ser materializados no campo das relações mediadas pelo exercício estatal do poder de tributar, tomando-se como pressuposto a aplicabilidade da supraconstitucionalidade dos tratados internacionais de direitos humanos. Seus objetivos específicos foram delinear o percurso do pensamento sobre o poder estatal e as inflexões político-jurídicas para as relações entre o Estado e os indivíduos a ele sujeitos; diiscorrer sobre as relações assimétricas de poder entre o Estado e o cidadão contribuinte vulnerando seus direitos; apresentar as bases fundantes do reconhecimento internacional dos direitos humanos e o adensamento protetivo alcançado por meio da construção de uma via supraconstitucional para a sua garantia e efetividade derivada dos tratados internacionais; demonstrar como a adoção da supraconstitucionalidade pode assegurar a maior efetividade dos direitos humanos do cidadão contribuinte brasileiro. A pesquisa demonstra que o Estado, firmando-se como ente peculiar frente aos indivíduos e à sociedade, a despeito de um processo histórico de mudanças na concepção e na forma de exercídio do poder, tem exaurido da soberania a sua força inconteste perante os indivíduos. Embora esta ainda seja um paradigma na existência do Estado, e referência para o exercício do poder de tributar, o cenário mais recente tem colocado em evidência a sua desconstrução, em razão do desenvolvimento de mecanismos de defesa e concretização dos direitos humanos que não levam em conta a territorialidade como espaço de atuação do Direito. Em sua expressão mais avançada, o direito comunitário europeu tem logrado alcançar importantes conquistas, revelando o papel e a contribuição crescente da aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos para a máxima satisfatividade dos direitos do contribuinte. Abandona-se a idéia de cidadania em termos de vinculação ao Estado, e define-se uma nova condição para o contribuinte, como sujeito do Direito Internacional. A definição de um espaço jurisdicional extraterritorial permite o alargamento do campo de proteção dos direitos humanos, com novas alternativas de acesso à tutela judicial, o que é indispensável em razão das estratégias e dos mecanismos sub-reptícios utilizados pelo Estado tendo em vista unicamente a praticidade fiscal e a eficiência da arrecadação, ameaça que não tem sido adequadamente afastada pelos mecanismos internos de jurisdição no trato dos direitos humanos do contribuinte.

(8)

ABSTRACT

This work considers the supraconstitucionality as an innovative way, essential, to maximize the effectiveness of human rights of the taxpayer, given its vulnerability to the fiscal voracity and state strategies for purposive strictly collection. The general aim was to investigate how these rights can be materialized in the field of relations mediated by the exercise of state power to tax, taking for granted the applicability of the supraconstitucionality of international human rights treaties. Its specific objectives were to delineate the path of thinking about state power and the political-legal inflections for relations between the state and individuals subject to it; discourse on asymmetrical power relations between state and citizen taxpayers weakening their rights; provide foundational bases of international recognition of human rights and protective densification achieved through the construction of a supraconstitucional way for their assurence and effectiveness derived from international treaties; demonstrate how the adoption of supraconstitucionality can ensure greater effectiveness of human rights of the Brazilian citizen taxpayer. The research shows that the state, establishing itself as a peculiar entity to individuals and society, in spite of a historical process of change in the design and form of power exercise, has exhausted from sovereignty its strength unchallenged towards individuals. Although this is still a paradigm in the existence of the State, and reference to the exercise of the taxing power, the most recent scenario has put in evidence its deconstruction, owing to the development of defense mechanisms and implementation of human rights that do not take into account the territoriality as space of execution of law. In its most advanced expression, the European Community law has managed to achieve important victories, revealing the role and contribution of the increasing application of international human rights treaties for maximum satisfaction of the rights of the taxpayer. Abandons the idea of citizenship in terms of bonding to the state, and sets up a new condition for the taxpayer, as a subject of international law. The definition of an extraterritorial jurisdiction space allows the extension of the protection field of human rights, with new alternatives for access to judicial protection, which is indispensable because of the strategies and mechanisms surreptitious utilized by state for convenience only and efficiency of tax collection, threat that has not been adequately pushed by the internal mechanisms of jurisdiction in dealing with the human rights of the taxpayer.

(9)

SUMARIO

INTRODUÇÃO...

1 O ENTE ESTAL COMO PRODUTO HISTÓRICO DO PENSAMENTO:

DO PODER ABSOLUTO À EMERGÊNCIA DA SUA

RELATIVIZAÇÃO... 1.1 MODERNIDADE E RAZÃO: CONCEPÇÕES TEÓRICAS SOBRE O

ESTADO E O DESENTRANHAMENTO DA SUA RELAÇÃO COM O

INDIVÍDUO...

1.2 AUTONOMIA E UNIVERSALIDADE DO SER COMO REFERÊNCIAS

PARA O ESTADO: O INDÍVIDUO COMO FULCRO DO DIREITO...

2 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: DO PENSAMENTO À PRAXIS POLÍTICA... 2.1 CONSTITUCIONALIZAÇÃO E FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS

HUMANOS: UM PERCURSO HISTÓRICO...

2.2 A EFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS: QUESTÕES HODIERNAS

3 A SUPRACONSTITUCIONALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS...

3.1 OS DIREITOS HUMANOS E SUA FORÇA NORMATIVA: A

RELATIVIZAÇÃO DA SOBERANIA ESTATAL E A PRIMAZIA DO

DIREITO INTERNACIONAL...

3.2 A SUPRACONSTITUCIONALIDADE: REVERBERAÇÕES NO DIREITO

PÁTRIO...

3.3 A SOBERANIA DO CIDADÃO : AVANÇOS DOUTRINÁRIOS E

JURISPRUDENCIAIS NA RECEPÇÃO DA SUPRACONSTITUCIONALIDADE

- O CASO EUROPEU... 10

17

18

45

53

53

71

80

80

85

(10)

4 AS NORMAS TRIBUTÁRIAS COMO NORMAS DE DIREITOS HUMANOS

4.1 O PODER ESTATAL DE TRIBUTAR...

4.2 A IMPOSIÇÃO FISCAL E OS DIREITOS DO CIDADÃO

CONTRIBUINTE...

4.3 A SUPERAÇÃO DO LEGALISMO E A GARANTIA DOS DIREITOS DO

CIDADÃO CONTRIBUINTE...

5 SUPRACONSTITUCIONALIDADE DOS TRATADOS SOBRE DIREITOS HUMANOS: UMA NOVA VIA PARA A MAXIMIZAÇÃO DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS DO CIDADÃO CONTRIBUINTE... 5.1 A OPÇÃO PELA SUPRACONSTITUCIONALIDADE: RAZÕES

FUNDANTES...

5.2 A SUPRACONSTITUCIONALIDADE NA PROTEÇÃO DO CIDADÃO

CONTRIBUINTE FRENTE À EXACERBAÇÃO DO PODER TRIBUTÁRIO

5.2.1 O exercício do poder de tributar e violação dos direitos humanos do

contribuinte: casos paradigmáticos ...

5.2.2 O direito de resistência frente aos excessos tributários: a

supraconstitucionalidade dos tratados e a satisfatividade dos direitos

humanos do contribuinte...

CONCLUSÃO...

REFERÊNCIAS...

115

115

123

130

143

143

165

165

214

231

(11)

INTRODUÇÃO

A emergência do Estado moderno pode ser rastreada até o final da Idade

Média. Não representou apenas uma nova etapa na conformação de sistemas

políticos estáveis e soberanos. Foi também o ponto de partida para uma evolução

histórica que iria culminar com a emergência do reconhecimento e proteção legal

dos direitos humanos, alguns séculos mais tarde.

O poder soberano e institucionalizado, além de delimitar a natureza das

relações entre os Estados, definiu um campo específico de regulação normativa

sobre a qual firmou-se a autoridade estatal e delineou-se o controverso caminho do

exercício do poder frente aos súditos internos.

A trajetória desse processo político foi marcada por intensos e continuados

debates no campo do pensamento, que deram visibilidade às contradições entre a

crescente afirmação do poderio estatal, por um lado, e a singular debilidade do

indivíduo, sujeito à vontade e ao arbítrio do Estado.

O questionamento das bases do exercício do poder estatal colocou em

movimento as forças propulsoras da luta contra o absolutismo, culminando com

novos modelos de governo fundados em ordem jurídica e política de base

democrática, conduzindo ao reconhecimento jurídico dos direitos humanos e à sua

constitucionalização.

Essa foi uma etapa crucial, definindo um novo rumo para a relação entre

Estado e indivíduo, historicamente permeada pela questão do exercício do poder

político e suas inflexões no Direito.

A fundamentalidade dos direitos não foi decorrência de atos voluntariosos do

(12)

civil organizada. Do mesmo modo, a democracia não pode ser vista como um mero

processo de adensamento dos direitos que culminou, de imediato, em maior

liberdade política e na sujeição absoluta do Estado aos ditames constitucionais.

Nesse sentido a constitucionalização dos direitos humanos e o sucessivo

acolhimento de outros, novos, representa um processo inacabado. E como tal,

também deve ser vista a sistemática legal para a sua proteção e efetividade.

Partindo desse reconhecimento preliminar, este trabalho foi construído com

base na identificação de uma processualidade histórica das relações de poder,

definindo a imperatividade da soberania estatal, fonte originária do poder de tributar.

Quando se fala em poder de tributar a primeira idéia que emerge é sobre o

exercício de uma prerrogativa vinculada a certos propósitos, econômicos ou

políticos, basicamente envolvendo a manutenção das funções estatais e a resposta

às demandas coletivas, no contexto da dinâmica das relações entre sociedade e

governo que se desenvolvem no Estado de Direito.

Todavia, tem se firmado uma outra visão acerca da posição do indivíduo

frente ao Estado, o que confere um novo sentido às reflexões e aos debates sobre

a natureza e o significado do poder de tributar.

Ao invés da considerar a teleologia da tributação, segundo o viés pragmático

que tem orientado a criação e a aplicação das normas tributárias, optou-se, neste

trabalho, por uma análise centrada na dimensão valorativa da relação tributária, o

que permite discernir novas e importantes concepções, em contraponto a conceitos

e idéias paradigmáticas que têm norteado a construção doutrinária e as

interpretações judiciais no que se refere à efetividade dos direitos fundamentais do

(13)

O espaço das relações mediadas pelo poder de tributar tem sido,

historicamente, uma instância marcada pela discricionariedade do poder estatal,

amparada na condição de supremacia do ente tributante enquanto poder soberano,

ainda que inserido num sistema democrático e vinculado às determinações legais

quanto aos limites da capacidade de instituir e impor tributos.

Este trabalho trata da relação tributária que se estabelece nesse espaço

jurídico-político contraditório, no qual, por um lado, verifica-se a afirmação dos

direitos do contribuinte, e por outro subsiste uma indiscutível vulnerabilidade do

indivíduo sujeito à exação fiscal frente ao poder arrecadatório do Estado.

A pesquisa parte do entendimento de que essa relação de poder tende a

ser excessivamente assimétrica, uma vez que o fulcro da normatização tributária

importa, muitas vezes, em desproporcionalidade, mesmo minorada pela

Constituição Federal de 1988 quando estabeleceu princípios que limitam o

exercício desse poder.

Embora exista uma expressa previsão constitucional servindo como

referência basilar para a proteção do contribuinte frente ao Fisco, é inconteste que

o exercício do poder de tributar ainda mantém-se distante do propósito primordial

de assegurar a efetividade dos direitos humanos daqueles sobre os quais incide a

exação fiscal.

Na seara tributária, dentre as matérias que suscitam maior atenção a esse

propósito de buscar a concretude dos direitos humanos, ganham destaque aquelas

que evidenciam incontestes excessos por envolver uma disparidade entre a

tributação e a capacidade contributiva, e também as que envolvem a imposição de

obrigações acessórias estapafúrdias, desnecessárias, sendo fixadas por mero

(14)

De outra parte, a imposição tributária no Brasil contribui para o agravamento

das condições sócio-econômicas da população, em razão de um modelo de

tributação regressiva que prioriza os impostos indiretos, o que contribui para elevar

a concentração da renda nacional e a perpetuação da miséria. Por conseguinte, a

tributação não é apenas uma questão de caráter administrativo, segundo o

propósito de financiamento dos gastos governamentais.

Considerando a tênue linha que separa o exercício do poder de tributação e

as instâncias de defesa e garantia concreta dos direitos dos cidadãos, este

trabalho teve como objetivo geral investigar como esses direitos podem ser

materializados no campo das relações mediadas pelo exercício estatal do poder de

tributar, tomando-se como pressuposto a aplicabilidade da supraconstitucionalidade

dos tratados internacionais de direitos humanos.

Seus objetivos específicos foram delinear o percurso do pensamento sobre o

poder estatal e as inflexões político-jurídicas para as relações entre o Estado e os

indivíduos a ele sujeitos; diiscorrer sobre as relações assimétricas de poder entre o

Estado e o cidadão contribuinte vulnerando seus direitos; apresentar as bases

fundantes do reconhecimento internacional dos direitos humanos e o adensamento

protetivo alcançado por meio da construção de uma via supraconstitucional para a sua

garantia e efetividade derivada dos tratados internacionais; demonstrar como a

adoção da supraconstitucionalidade pode assegurar a maior efetividade dos direitos

humanos do cidadão contribuinte brasileiro.

Além de abordar a controversa posição de doutrinadores e aplicadores do

Direito pátrio em face das questões enfrentadas com a aceitação da supremacia de

normas internacionais, sobrepujando a Constituição e a soberania do Estado

(15)

dispositivos dos tratados internacionais no Direito Comunitário europeu, levando

em conta o avanço paradigmático que ali alcançaram a garantia e a efetividade dos

direitos humanos em face do poder estatal.

Com esse enfoque, a pesquisa adentrou em novos espaços do

conhecimento, envolvendo debates doutrinários importantes por colocarem em

questão antigos dogmas e possibilitarem o redesenho do campo das relações entre

o Estado e os indivíduos.

Nesse mister, além de oferecer um olhar novo e alternativo sobre o campo

possível de construção de um Direito apto a maximizar a efetividade dos direitos

humanos em sentido amplo, a pesquisa contribui para lançar novos olhares sobre a

maior proteção e concretude dos direitos dos contribuintes, levando em conta sua

natureza indissociável como direitos imanentes a sua condição de seres humanos.

Com essa proposta, esta pesquisa partilha os mesmos propósitos das

correntes do pensamento hodierno preocupadas com a construção de caminhos

alternativos e mais ascendentes para o Direito, diante do questionamento

suscitado por novos cenários que exigem respostas inovadoras e ainda mais

ousadas para a real valorização do ser humano, seja como indivíduo, ou como

cidadão contribuinte.

Para a presente Dissertação foram levantadas as seguintes hipóteses:

a) A efetividade dos direitos humanos é um vir-a-ser, pois não se encontra

cristalizada nas instituições político-jurídicas, embora delas dependa,

transcendendo os modelos interpretativos sobre os quais foram

construídas as garantias constitucionais desses direitos;

b) A constitucionalização é instância fundamental, mas não derradeira, da

(16)

outras vias satisfativas, fora da órbita jurídica interna, onde se torna

possível alcançar maior grau de concretude desses direitos;

c) A aplicação das normas supraconstitucionais de direitos humanos

derivadas dos tratados internacionais é um novo caminho para a

efetividade dos direitos humanos do contribuinte, permitindo superar as

limitações impostas pelo viés reducionista da soberania estatal e do

legalismo constitucional à ampla aplicação de princípios e valores que

ultrapassam o campo do Direito elaborado em determinado país.

Os resultados do exame das hipóteses estão expostos na presente

Dissertação, de forma sintetizada, como segue:

- no Capítulo 1 faz-se uma revisão histórica do desenvolvimento dos

conceitos e idéias sobre o Estado moderno, como momento precursor do

reconhecimento dos direitos humanos e produto da preocupação revisionista que

marcou a busca de relações menos assimétricas entre o ente estatal e seus súditos.

- no Capítulo 2 discorre-se sobre o transcurso do pensamento para a práxis

política, com o estabelecimento de novos modelos de governo, configurando-se as

bases do Estado do Direito e um campo relacional mais objetivo quanto aos limites

do poder estatal no âmbito do reconhecimento da cidadania.

- no Capítulo 3 aborda-se a supraconstitucionalidade dos direitos humanos,

tomando-se como referência o campo emergente de uma mudança conceitual e

doutrinária acerca da soberania estatal, do sentido e significado do poder do

Estado, em consonância com a construção de uma ordem jurídica internacional

cada vez mais imbricada com as questões internas dos Estados na busca da

(17)

Adentra-se ainda no debate doutrinário e posição jurisprudencial sobre o

tema, aprofundado com estudo das decisões das Cortes Européias tendo como

panorama os avanços na construção de aplicação de um direito supranacional

que se coloca acima das cartas constitucionais dos Estados-membros.

- no Capítulo 4 é tratada a questão das normas tributárias como normas de

direitos humanos, tendo como fulcro dois aspectos interrelacionados: o poder

estatal de tributar e a imposição fiscal frente aos direitos do cidadão contribuinte.

- no capítulo 5, a partir das reflexões levantadas nos capítulos anteriores, o

pensamento converge para o adensamento do tema, tratando da necessária

aplicação das normas derivadas de tratados internacionais sobre direitos

humanos para alcançar uma nova e mais completa perfomance do Direito pátrio

na garantia e máxima efetividade dos direitos do cidadão contribuinte.

Este trabalho é encerrado com as Considerações Finais, nas quais são

apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à

continuidade dos estudos, apontando-se aspectos considerados relevantes para

novas investigações e adensamento do conhecimento construído nesta pesquisa.

Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na fase de investigação

foi utilizado o método indutivo, na fase de tratamento de dados o método

cartesiano, sendo que o relatório dos resultados, expresso na presente

dissertação, foi elaborado com base na lógica indutiva. Nas diversas fases desta

pesquisa, também foram acionadas as técnicas do referente, da categoria, do

(18)

1 O ENTE ESTAL COMO PRODUTO HISTÓRICO DO PENSAMENTO: DO PODER ABSOLUTO À EMERGÊNCIA DA SUA RELATIVIZAÇÃO

A acepção do termo ‘direito’ é bastante ampla, permitindo adentrar num

vasto campo de conceitos e significados, mas o sentido atual da sua imanência

ao sujeito somente veio a firmar-se no século XVIII.

A passagem do campo idealístico para o concreto se deu quando o

conceito de “direito” passou a mediatizar o próprio homem, fazendo com que o

ser em si, enquanto objeto e fim da tutela jurídica, fosse corporificado em

instrumentos e meios pelos quais o Estado assegurava a possibilidade de

vivência concreta daquilo que antes era apenas idealístico e abstrato.

Historicamente, isso ocorreu em um período de mudanças de impacto na

organização social e política européia, para as quais contribuiu uma práxis

política que derrubou paradigmas e substitui formas tradicionais de pensamento:

A principal distinção entre a moderna linguagem dos direitos que surge com as Declarações e Constituições do final do século XVIII, e os privilégios existentes no período medieval é a idéia de universalidade e reciprocidade intrinsecamente ligada aos direitos (VIEIRA, 2001, p. 297).

A concepção de direitos universais apresenta-se como contraponto a um

modelo arbitrário de exercício do poder, corporificado no Estado, que marcou

historicamente a relação entre governantes e indivíduos desde a Antiguidade.

Para melhor compreensão de como se deu essa passagem, é oportuno

conhecer o percurso histórico da transformação das bases de exercício do poder,

condensadas em momentos e modos diferentes de pensar o Estado e a sociedade,

dos quais emergiram a constitucionalização dos direitos e sua força normativa,

(19)

mais no plano interno dos Estados, mas em uma dimensão internacional e

supraestatal.

1.1 MODERNIDADE E RAZÃO: CONCEPÇÕES TEÓRICAS SOBRE O ESTADO E O DESENTRANHAMENTO DA SUA RELAÇÃO COM O INDIVÍDUO

No final da Idade Média, as bases políticas do poder estavam subvertidas,

em razão da emergência do poder real amparado em um conjunto normativo

com força para se impor perante os senhores feudais, e também devido a uma

ruptura definitiva com as antigas concepções acerca do homem e do mundo.

Pode-se afirmar que ocorreu uma revolução no pensamento, sendo

Maquiavel apontado como o homem que estabeleceu definitivamente um rumo

inovador em relação ao modelo medieval de reflexão sobre as bases de ação e

de exercício do poder, e acerca das relações entre Estado e sociedade.

É importante situar esse momento no contexto de uma nova cultura

européia, na qual se delineou uma posição crítica sobre o conhecimento, como

a descreve Reale (1991, p. 645):

O homem coloca-se no centro do universo e passa a indagar da origem daquilo que o cerca. Não recebe do alto qualquer explicação, porque sujeita tudo a uma verificação de ordem racional, dando valor essencial ao problema das origens do conhecimento, a uma fundamentação segundo verdades evidentes.

Essa é a era do Renascimento, assim chamado porque houve um retorno às

fontes clássicas do humanismo, da Grécia e de Roma, colocando o homem como

centro das atenções, e não mais a religião como ocorrera na Idade Média.

Niccollò Machiavelli ou Maquiavel1 foi o precursor da ciência política, sendo

considerado o fundador de uma nova visão sobre o Estado enquanto instituição

1 Maquiavel (1469-1527) foi chanceler e secretário das relações exteriores da República de Florença,

(20)

jurídico-política e um dos precursores da modernidade como um novo momento do

pensamento sobre as grandes questões humanas.

Representante da racionalidade renascentista, em contraposição ao

teocentrismo2 medieval, Maquiavel desenvolveu uma concepção de poder que não

estava baseada no idealismo ou nos moldes dos debates teológicos medievais.

Maquiavel não elaborou suposições sobre a essência do poder, preocupou-se

com os aspectos práticos do seu exercício3, abandonando o modo de pensar

escolástico, então predominante. Buscou na realidade histórica elementos que

permitissem analisar as formas e meios pelos quais os governantes estabelecem

relações de autoridade com seus súditos ou governados.

Analisando o modo de pensar de Maquiavel voltado para a realidade,

Ricciardi (2005, p. 39) comenta: “Se o objetivo for uma ação política digna de êxito, é

necessário ler os tempos e suas contínuas mudanças, ainda que a realidade não

seja completamente disponível à ação consciente e virtuosa.”

Enfocando a imanência do poder político, historicamente situado na trama das

relações concretas e imediatas entre os homens, e não num plano transcendental,

metafísico, Maquiavel definiu o percurso do pensamento racional para se chegar à

compreensão das questões práticas relativas ao exercício do poder.

Em sua obra “O Príncipe”, deixou claro que não podia mais subsistir a

concepção de poder abstraída da realidade, idealizada filosoficamente ou com base

nas crenças religiosas da justificação da sua gênese e existência na vontade divina.

2 Comentam Arnaut; Bernardo que (2002, p. 94), “Os humanistas trataram desde o início em realizar uma

ofensiva contra a Escolástica, especialmente no que se refere à metodologia, baseada nas abstrações. O humanismo repudiava tal metodologia, pois de acordo com sua tese, a filosofia deveria ter algum uso prático na vida social e política, ou seja, todo conhecimento deveria servir para ser usado”.

3 Goyard-Fabre (2002) descreve o projeto político de Maquiavel como sendo “[...] embasado numa

(21)

Ele proclamou a necessidade de se concentrar na “verdade efetiva”4, para daí se

extrair os elementos fáticos, os princípios que fundamentam o poder enquanto

práxis, e não como conjunto de valores ou dever-ser.

A construção lógica do pensamento maquiavélico caracterizou, portanto, um

modo próprio de abordar o poder político, deixando de lado tudo o que não fosse

aplicável como conhecimento útil para os atos e decisões de governo.

Esse propósito relacionava-se a um dos principais fundamentos do

pensamento renascentista: o entendimento de que o homem é dotado de

autonomia e vontade, como ser dotado de uma plenitude criadora e não mero

objeto de um destino traçado pelas mãos do Todo-Poderoso que não pode

alcançar a felicidade, aqui e agora, por seus próprios meios.5

Maquiavel (2000, p. 44), ao tratar da mobilização popular em prol da

construção de um Estado liberto das amarras do poder da Igreja, afirma: “Deus não

fará tudo para não nos retirar o livre arbítrio e a parte de glória que nos cabe”.

O poder em Maquiavel relaciona-se à virtu. Não era um conceito puramente reflexivo, mera especulação filosófica, mas qualidade essencial do governante, a

partir da qual seria possível superar o acaso e direcionar as energias e recursos

para atingir finalidades práticas por intermédio do poder político.6

4

“A efetividade das coisas e a efetividade da ação política, portanto, somam-se para sintetizar não só a análise correta do estado atual das coisas, mas também a capacidade de se adequarem àquilo que as circunstâncias pedem por causa da sua incontestável objetividade” (RICCIARDI, 2005, p. 40).

5 Pico della Mirandola, filósofo neoplatônico do período inicial do Renascimento (1486), em sua obra

Oratio de hominis”, ressalta a liberdade do ser humano, com total liberalidade para tomar decisões e fazer suas opções, de maneira a atender a seus anseios e desejos e criar as suas próprias leis, produzindo sua própria história (BIGNOTTO, 1992).

6 Na concepção maquiavélica, o príncipe deve conciliar a capacidade (virtu) da intransigência com o

(22)

Por conseguinte, o pensamento maquiavélico excluiu qualquer interferência

divina, vinculando o poder a uma teleologia pessoal daquele que o exerce. Nesse

sentido, resgatou os antigos valores da ordem grega e romana fundados no eixo

cidadania e polis.7

Maquiavel não desconstruiu a ética, pelo contrário, substituiu a moral cristã,

que entendia ser incompatível com as exigências de construção e manutenção de um

Estado articulado em torno de um poder político forte, pela ética clássica. Distinguiu

então duas éticas, a cristã, “[...] fundada na revelação e na consciência, e outra antiga,

fundada no respeito ao bem público e às leis da polis.” (BIGNOTTO, 1992, p. 6).

Esse resgate do sentido político da polis para a reflexão sobre como deve se conduzir o governante, invalidou a ética cristã, por considerá-la metafísica pura, e

não uma referência para a ação concreta. Para Maquiavel, somente por meio da

ação, decorrente da vontade e da liberdade do homem, e não de uma vontade

superior divina, é que seria possível formar o Estado. Substituiu o universalismo,

pautado nas regras e costumes do cristianismo, enquanto bases do exercício do

poder, pelo individualismo8.

A centralidade no subjetivismo marcou o pensamento de Maquiavel, para

quem o indivíduo, dotado de certas virtudes ou qualidades podia, por si mesmo,

alçar-se à condição de governante e, utilizando-as, manter-se no poder.

7 Conforme Silva (2010, p. 40), “Sendo o palco do ressurgimento de um conjunto de valores clássicos

associados ao republicanismo, a Florença da virada do século XIV para o século XV viu surgir uma nova vaga de interesse em clássicos como Aristóteles e, principalmente, Cícero, cuja influência no movimento intelectual do renascimento é enfatizada por Baron. O principal legado desses clássicos da antiguidade para os humanistas do renascimento italiano teria sido a lição de que a plena realização da humanidade dos indivíduos só seria possível mediante a participação desses indivíduos – qua cidadãos – nos assuntos públicos.”

8 O Renascimento exalta o homem e sua liberdade, libertando-o das amarras da idéia de um destino

(23)

As virtudes do governante, todavia, não deveriam, nem poderiam

negligenciar o sentido ou finalidade do exercício do poder político, que é a polis. A vontade coletiva representava o fim e referência primeira do governante. Se este

devia e podia utilizar-se dos meios a sua disposição para manter-se no poder, não

menos necessário era que estivesse voltado para o atendimento do interesse geral.

De modo que a obra maquiavélica elaborou um significado próprio para a

ética, não mais aquele conferido pelo cristianismo, preocupado com o agir individual

e com a divindade como a suprema julgadora dos atos humanos. Sua ética dizia

respeito aos valores públicos. Não lhe interessava a abstração, mas o que podia ser

racionalmente deduzido da realidade9 ao se observar como se conduziam os

governantes enquanto homens concretos, vivendo em uma dimensão real.10

O agir do governante, na concepção de Maquiavel, só tinha sentido e

justificativa enquanto conduta baseada nas normas11, como Direito efetivo, não

ideal, visando a defesa do interesse público.

A ética política nesse caso não significava, necessariamente, agir conforme

os ideais cristãos, tais como fraternidade ou caridade. Em Maquiavel, a conduta

justificava-se pela exigência primordial de preservar o Estado, e como tal o

governante não precisa preocupar-se em abstrações de ordem filosófica, mas com

as questões práticas tendo em vista esse propósito precípuo.

O rigor lógico e a dimensão prática do pensamento político maquiavélico

mostram-se aqui em toda a sua força e significado. Nada há, fora desse objetivo,

que possa ser questionado ou submetido à luz de reflexões metafísicas.

9 Observa Reale (1984, p. 367) que “O Poder, para o qual Machiavelli atentara, passou a ser

examinado a uma nova luz, como fato ou relação de fatos”.

10 Refere Goyard-Fabre (2002, p. 66) que “[...] o florentino abre a via de uma compreensão moderna do

direito público, na medida em que o humanismo que o conduz se reporta à experiência e à história.”

11 “O Príncipe, fundador de uma ordem inteiramente nova, tem a seu cargo fazer de seu ‘principado

(24)

Por isso afirma Goyard-Fabre (2002, p. 64) que Maquiavel não somente

adentra em um caminho novo “[...] ao associar a noção de ‘poder público’ ao seu

conceito de Estado, mas também lhe é impossível pensar o Estado

independentemente do sistema regulador que é a própria expressão do Poder”.

A prioridade na manutenção do Estado, na ótica do pensador florentino, era

necessária em razão da natureza humana, sujeita à corrupção. A ordem pública só

poderia ser mantida pela sagacidade, pelas qualidades do Príncipe, seja pela via da

atenção e dedicação ao povo, mas também, pelo uso da força e por atitudes

comedidas, de modo a evitar que a benevolência passasse a ser vista como

debilidade, favorecendo a intransigência e a insubordinação popular.

Evidente, portanto, a preocupação de questionar como os Estados podiam

subsistir, não mais nos termos do pensamento escolástico, isto é, pela força dos

costumes ancorados em um conjunto de valores religiosos, mas por meio da escolha

racional, da vontade autônoma dos sujeitos, e nesse caso ele não pensava no

governante como alguém que deve e pode agir apenas por si mesmo, mas a partir

da relação com os seus governados.

Por conseguinte, ao mesmo tempo em que louvava a virtude do Príncipe, não

deixava de reconhecer que acima deste estão as normas, o conjunto de leis,

expressão máxima da vontade do povo, afirmando em sua obra “Histoires Florentines” que “[...] a ‘Cidade’ não tem necessidade de basear sua salvação na virtude de um homem só” (GOYARD-FABRE, 2002, p. 69).

Não era a personalidade política superior à lei, embora Maquiavel entendesse

que o Príncipe deveria recorrer à força, quando necessário, para que não

triunfassem os interesses individuais e se desvirtuasse a supremacia do Estado em

(25)

Mesmo assim, Maquiavel vincula o exercício do poder ao interesse coletivo,

ressaltando que toda ação do governante deve ser realizada de modo a não onerar

a população, isto é, os governados. O Príncipe, para manter-se no poder,

precisava ser capaz de discernir entre o que constitui fruto da arrecadação

tributária interna, onerosa para os seus súditos, e o que ele poderia dispor sem

maiores preocupações por ser produto das suas políticas de conquista e das

guerras contra outros povos.

Se Maquiavel deixou transparecer a preocupação com a manutenção do

principado, tampouco ignorou a responsabilidade do governante em promover o

bem-comum, no sentido do Estado atender aos interesses gerais que se

traduzem na prosperidade coletiva. A grandeza do ente estatal não decorria do

interesse particular, mas da vontade coletiva (MAQUIAVEL, 1982).

Para o pensamento maquiavélico, a força do Estado era indispensável ao

desenvolvimento da sociedade, uma vez que

[...] o bem estar de todos estaria dependente do desenvolvimento das relações sociais (Verkehr), do alargamento sem limites da capacidade burguesa para o comércio e a indústria, do jogo livre das forças econômicas (HORKHEIMER, 1970, p. 23).

A virtude para Maquiavel não era uma qualidade intrínseca ao governante,

destinada apenas a manter a estabilidade do Estado e a preservar as suas

instituições. Deveria conduzir os destinos do principado, conduzindo o seu exercício

do poder ao seu fim: o interesse geral.

O pensador expressa a sua preocupação com o exercício do poder segundo a

imponderável natureza humana, por ele considerada mesquinha, arrogante,

propensa à mentira, ao engano e à busca egoística dos próprios interesses. Em

(26)

espaço de constantes conflitos. De modo que somente o Príncipe, dotado de certas

qualidades, poderia assegurar a ordem e fazer imperar a vontade estatal como

instrumento para a efetivação dos verdadeiros interesses coletivos.

O núcleo de tal pensamento, ou seja, o poder e os conflitos humanos também

foi o ponto de partida para o debate erigido por Hobbes12. Todavia, na sua obra

acentua-se a preocupação não com a natureza ou a essência do poder, mas com a

relação de forças entre o Estado e o indivíduo.

O pensamento hobbesiano comungou de certo modo da visão maquiavélica

acerca da natureza humana falível, sujeita às fraquezas de caráter, inconstante,

malévola, exigindo uma necessária contraposição para assegurar a ordem social e a

perenidade do Estado e das instituições políticas.

Todavia, Hobbes não considerou as qualidades individuais, mas a existência

do Estado, como instância maior de poder na sociedade. Numa visão de totalidade,

buscou situações comuns a todos os homens, das quais nasceria o Estado, e as

encontrou no temor dos homens à morte, à violência, ao caos, e na busca de uma

vida proveitosa e pacífica para desfrute dos próprios esforços.

Explicando a gênese desse ponto de vista que fundamentou sua obra

política, afirma Lessa (2002, p. 62):

Hobbes recusa a concepção montaigneana13, assim como a de Maquiavel,

para quem a maldade humana é um teatro inesgotável de grandes e pequenas vilanias, e procura entender o gênero humano a partir do que, para ele, teria sido sua característica essencial. [...] Hobbes concluiu que há um fundamento universal para a humanidade: o medo da morte violenta. A morte violenta aparece, para os seres humanos, como o pior dos males.

12 Thomas Hobbes (1588-1679) foi secretário de Francis Bacon entre 1621 e 1626. Escreveu

“Elementos da Lei Natural” (1640). As lutas políticas inglesas o fizeram exilar-se em Paris, onde lançou o ensaio “Sobre o cidadão”. Retornando à Inglaterra, publicou “O Leviatã” em 1651.

13 Michel de Montaigne (1533-1592), filósofo francês, autor de “Essaies”, foi um notório representante

(27)

Ao contrário de Maquiavel, que se preocupou com a virtu como meio pelo qual o governante conquista o poder e o preserva, Hobbes buscou as origens do

Estado e as causas para a sua manutenção, identificando-as na tendência natural

do ser humano para o conflito em uma existência de liberdades sem limites.

Postulou que os homens, vivendo em estado de natureza, tinham uma

liberdade sem limites, o que propiciou a ocorrência de conflitos que tornaram

necessária a instituição de um ente superior para refrear e conter as vontades

individuais. De um pacto comum surgiu O Estado, como uma força apta a

estabelecer regras ao convívio social e impor limites.14 Sem o ente estatal, os

homens retornariam à sua primitiva condição, digladiando-se em luta permanente15.

O governante adquiriu o status de representante, não de determinado povo, mas da própria humanidade, ao personificar o que todos os homens ansiavam, isto

é, a paz, a tranqüilidade e a segurança individual. Esses propósitos transformam-se

em exigência e condição para o bom governo, pois “[...] aquele que irá governar a

nação inteira deve ler, em si mesmo, não este ou aquele indivíduo em particular,

mas o gênero humano” (HOBBES, 1974, p. 10).

Por conseguinte, enquanto Maquiavel se voltou para questões específicas do

poder e o seu exercício em um Estado em particular, a perspicácia de Hobbes está

em não levar em conta particularidades, mas a humanidade em seu todo.

Isso não invalida o rigor racional com que Hobbes estruturou suas idéias,

discutindo a assimetria que o Estado impõe, já que o seu poder é soberano frente a

todos os indivíduos. Se antes todos eram iguais, com o surgimento do ente estatal

14 “É este o fundamento daquele direito de punir que é exercido em todos os Estados. Porque não foram

os súditos que deram ao soberano esse direito; simplesmente ao renunciarem ao seu, reforçaram o uso que ele pode fazer do seu próprio [...] para a preservação de todos eles” (HOBBES, 1974, p. 190).

15 Hobbes, no Leviatã (6:46), fala sobre a natureza humana, identificando o desejo como fonte dos

(28)

firmou-se uma distinção essencial entre governante e governado, base para a

garantia da observância das normas de regulação do convívio social.

O pacto constitutivo do Estado16, no cenário das irrestritas liberdades,

representou a transcendência da igualdade, no dizer de Ribeiro (2003), como

passagem do estado de natureza para o de sociedade civil organizada em torno

de um poder superior, cuja força era indispensável à ordem e paz social: “A

função do Estado é dar consistência à diferença primeira, a que separa o

Leviatã17 dos súditos” (RIBEIRO, 2003, p. 31).

Para Hobbes, o contrato social firmou-se não de modo aleatório, mas em

conjunção de vontades orientadas pela razão. Sendo esta a fonte originária do

poder estatal e, por extensão, da propriedade, no pensamento hobbesiano não

se fala em um direito natural da propriedade, anterior ao Estado, pois apenas

com o pacto social18 é que se tornou possível (MORRISON, 2006).

Hobbes identificou no soberano o mediador necessário das relações

individuais de maneira a assegurar a igualdade que, no estado de natureza, havia

sido anulada pelos conflitos de interesses. O Estado tinha o direito legítimo de

intervir nas relações privadas, para assegurar a todos o acesso à propriedade:

16 Entende Hobbes que, por mútuo acordo (o contrato social), os indivíduos transferiram parte da sua

liberdade em troca da proteção do Estado, e para isso este foi dotado de soberania, tendo um poder superior para atingir seus fins: “É como se cada homem dissesse a cada homem: Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã [...] Aquele que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui poder soberano. Todos os restantes são súditos” (HOBBES, 1974, p. 109).

17 Hobbes usa o Leviatã (do latim Leviathan com derivação do hebraico, aparece no Livro de Jó, cap.

40, 20-22), monstro bíblico, como representação do Estado, figura onipresente, suprema que, inspirando temor em todos, conduz os homens ao caminho da obediência às normas que com o ente estatal surgem para o regramento da vida coletiva.

18 Importante destacar que nem Hobbes, nem outros contratualistas, consideravam o contrato social

(29)

Bem o sabiam os antigos, que chamavam nómos (quer dizer, distribuição) ao que chamamos lei, e definiam justiça como a distribuição a cada um do que é seu. Nesta distribuição, a primeira lei diz respeito à distribuição da própria terra, da qual o soberano atribui a todos os homens uma porção, conforme o que ele, e não conforme o que qualquer súdito [...] considera compatível com a equidade e com o bem comum. [...] De onde podemos concluir que a propriedade que um súdito tem de suas terras consiste no direito de excluir todos os outros súditos do uso dessas terras, mas não de excluir o soberano [...] (HOBBES, 1974, p. 150-151).

É compreensível a posição de Hobbes quanto ao direito à propriedade no

contexto histórico em que viveu, com a burguesia inglesa em ascensão frente à

nobreza em cujas mãos estava a maior parte das propriedades.

O Estado e o Direito possibilitaram o surgimento da propriedade. A

juridicidade desta justificou e legitimou a cobrança dos tributos descabendo, para

Hobbes, a tese de que seria um roubo ou expropriação do Estado, pois se a gênese

deste foi o contrato social, por extensão o tributo também teve origem no livre

consentimento de todos firmado nesse pacto coletivo.

No pensamento hobbesiano, o contrato foi decorrência da terceira lei

natural. Foi produto da razão, levando os homens a perceberem a inelutável

relação entre os desejos pessoais, a liberdade irrestrita e a perenidade dos

conflitos. Foi também a via pela qual surgiu um poder soberano, necessário para

impor certas condições indispensáveis à manutenção da autoridade estatal, como

as restrições à liberdade individual e o direito de cobrar impostos.

Portanto, a efetividade do contrato social estaria na garantia que Estado podia

oferecer de que o contrato não seria violado:

Embora possa haver alguma tendência natural a usar os contratos, estes serão inúteis a menos que exista algum poder capaz de fazê-los cumprir – e punir seu rompimento -, mas tal poder é, ele próprio, criado pelo pacto” (MORRISON, 2006, p. 110).

A garantia estatal estabeleceu o direito à propriedade, pois sem a estabilidade

(30)

pacífica. Num estado de liberdade irrestrita, todos podiam fazer o que bem

entendessem. A ausência de regras tornava a posse violenta uma regra natural.

O contrato social criou o Direito, e com ele surgiu a figura do soberano, não

sendo este apenas uma pessoa, mas uma instituição que representava a vontade

dos que cederam parte da sua liberdade no pacto coletivo. O soberano representava

a vontade geral, desde o momento em que foi firmado o contrato social,

transformando-se em poder exclusivo e incontestável,

[...] de cujos atos cada um dos membros de uma grande multidão, por acordos mútuos, transformou-se em autor, a fim de que ela possa usar a força e os meios de todos eles, como lhe parecer oportuno, tendo em vista a paz e a defesa comuns a todos (MORRISON, 2006, p. 112).

Há quem identifique no pensamento hobbesiano a glorificação do poder

irrestrito do soberano, a justificação do absolutismo inglês, pois Hobbes

considerava inadmissível que aquele que fora designado pelo pacto social para

sobrepor-se a todos os demais, a fim de garantir que os homens não fizessem o

que bem entendessem ficasse sujeito de algum modo a esses indivíduos:

O soberano de um Estado, quer se trate de um homem, quer de uma assembléia, não tem de sujeitar-se às leis civis. Como tem o poder de criar e revogar as leis, deve libertar-se dessa sujeição quando bem lhe aprouver, revogando as leis que o incomodam e criando novas leis; e, conseqüentemente, já era livre antes, uma vez que é livre todo aquele que pode ser livre quando quiser (MORRISON, 2006, p. 112).

Embora essa afirmativa possa ser considerada como a validação da

imperatividade absoluta do soberano, deve-se observar que Hobbes não

pretendeu derrogar o direito individual ao afirmar que a vontade do rei se

sobrepunha a todas as vontades individuais. O que afirmava é que o soberano não

podia afastar-se do propósito que levou todos os homens a abdicarem de parte da

sua liberdade para o surgimento do Estado, isto é, a garantia da proteção de cada

(31)

Assim, apesar de ser interpretado por muitos como um dos articuladores da

defesa do poder absoluto do rei ou de um Estado forte e autoritário, Hobbes é

considerado o portador de uma visão política que compreende a necessária defesa

dos direitos dos indivíduos sempre que não observados pelo soberano.

Na concepção hobbesiana, agindo o soberano de maneira a obstar a

efetividade dos direitos dos seus súditos, seu poder poderia ser contestado, pois não

mais subsistiria o pacto social originário: “Se os súditos devem agir conforme a lei e

de modo previsível, o soberano deve ver a si próprio em termos semelhantes”

(MORRISON, 2006, p. 115).

Evidencia-se aqui a preocupação em colocar o Estado, na pessoa do

soberano, como meio e fim para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, e

assim o absolutismo a que se faz referência garante que a coletividade não seja o

cenário do caos que a natureza humana individualista pode gerar.

Trata-se de uma concepção racional do poder, suplantando o modo medieval

de pensar, o que explica a perenidade do trabalho de Hobbes para a posteridade em

razão do caráter inovador de seu trabalho, repercutindo em tempos mais recentes:

O convencionalismo jurídico de Hobbes é inimigo mortal do direito natural clássico. Constata-se, pois, que a revolução epistemológica que Hobbes colocou sob a égide do mecanicismo e do racionalismo introduz uma reviravolta radical na filosofia e, particularmente, na maneira de conceber o direito. A metamorfose mais espetacular reside nesse convencionalismo mediante o qual Hobbes transforma a fonte, a forma e o sentido da juridicidade, uma vez que, a seu ver, cabe à forma da lei definir o direito e conferir-lhe força obrigatória. Nessa metamorfose antinaturalista, encontra-se o princípio do que, três séculos depois, se chamará ‘positivismo jurídico (GOYARD-FABRE, 2002, p. 50).

O Estado e sua origem, nos termos hobbesianos, foi questionado por outros

pensadores, destacando-se Jonh Locke19, que entendeu ser o pacto social não a

19 John Locke (1632-1704) nasceu na Inglaterra, estudou em Oxford e visitou a França e a Holanda,

(32)

busca da proteção individual em si, mas da garantia da propriedade20 pessoal a qual

era ameaçada no estado de natureza pela liberdade ou igualdade sem limites.

Na concepção de Locke, os homens, a partir do contrato social, renunciaram

ao direito de fazer justiça, mas preservaram os seus direitos naturais, tais como o

direito à vida, à liberdade e à propriedade.

Há uma diferença diametralmente oposta com relação ao modelo hobbesiano

quanto ao significado desse acordo coletivo:

[...] o pacto de instituição do poder público, o Estado, é muito diferente do que Grócio21 imaginava e do que Hobbes prescrevia. O primeiro pensa num contrato que liga os cidadãos entre si, por um lado, e, por outro, tais cidadãos enquanto coletividade e a instância suprema; o segundo o concebe como cessão integral que obriga os súditos e não implica nenhuma obrigação por parte do Estado. Locke tem uma posição diversa na medida em que, em sua opinião, a sociedade enquanto tal - no estado da natureza - possui a capacidade de se organizar de modo harmonioso, sem que haja necessidade de recorrer à ordem política. O que impõe a instauração dessa ordem é a impotência a que se encontra reduzida uma tal sociedade, quando sua organização natural é ameaçada por inimigos internos e externos. Os direitos naturais não têm força: é indispensável constituir um poder que os enuncie e formalize - que lhes dê força de lei - e que imponha sua efetividade (mediante a coerção) (CHÂTELET, 1985, p. 122).

Colocando o estado natural como anterior ao Estado, a teoria lockeana

reinterpretou a questão do poder, identificando um propósito subjacente à ordem

coletiva, derivado do pacto social.

Para Locke, a natureza belicosa do ser humano em princípio foi mediada pela

razão. Porém, não sendo esta capaz de assegurar a igualdade entre todos,

20 Embora seja apontado como um dos representantes dos ideais do liberalismo, a concepção

lockeana sobre um poder político dissociado do direito de propriedade não faz nenhuma referência a um modelo de economia pautado nas relações de mercado: “A propriedade é sempre pensada em conexão com a necessidade de assegurar a preservação da humanidade (e não dos indivíduos isoladamente) e condicionada a este objetivo. Não se trata, portanto de uma propriedade privada tal como a conhecemos, ilimitada, pois a categoria propriedade não é abordada de um ponto de vista exclusivamente econômico, mas essencialmente moral” (CERQUEIRA, 2000, p. 11).

21 Jurista holandês, também chamado Hugo Grotius (1549-1632), amparando-se no racionalismo,

(33)

principalmente quando a população aumentou e se estabeleceram os conflitos de

interesse envolvendo a propriedade, o Estado fez-se necessário.

De modo que a concepção lockeana não se refere a uma natureza humana

inelutavelmente determinante de um conflito social permanente, mas ao convívio

naturalmente harmonioso. Somente quando essa harmonia foi quebrada,

instalando-se a divergência de interesses em torno da propriedade, é que o Estado

se tornou indispensável (MORRIS, 2002).

A concretização da vontade coletiva estaria então na consecução do bem

comum, por intermédio dos poderes atuando segundo as suas competências e

limitações. Locke sugeriu uma relação direta entre o Estado e a vontade popular,

intermediada pelos representantes no legislativo, o qual, junto com o poder

executivo, deve assegurar “[...] tudo o que for útil à comunidade” (MORRIS, 2002,

p. 151).

A propriedade em Locke é anterior ao Estado, pensamento próprio da

corrente jusnaturalista. Trata-se, portanto, de direito natural, inerente ao ser

humano.22 A concepção lockeana concebeu a propriedade como produto do

trabalho individual23, não sendo algo que nasceu com o Direito, como supunha

Hobbes. Para Locke ela existia antes mesmo do Estado e das normas que dele

emergiram.

Na acepção jusnaturalista, o poder do Estado é restringido por um limite

externo, derivado

22 “A Escola do Direito Natural ou do Jusnaturalismo distingue-se da concepção clássica do Direito

Natural aristotélico-tomista por este motivo principal: enquanto para Santo Tomás primeiro se dá a lei para depois se pôr o problema do agir segundo a lei, para aquela corrente põe-se primeiro o indivíduo com o seu poder de agir, para depois se pôr a lei. Para o homem do Renascimento o dado primordial é o indivíduo, como ser capaz de pensar e de agir. Em primeiro lugar, está o indivíduo, com todos os seus problemas, com todas as suas exigências. É da autoconsciência do indivíduo que vai resultar a lei” (REALE, 1991, p. 645-646).

23 Segundo Locke (2001, II, p. 35) “[...] a condição da vida humana, que requer trabalho e materiais

(34)

[...] do fato de que, além do direito proposto pela vontade do príncipe (direito positivo), existe um direito que não é proposto por vontade alguma, mas pertence ao indivíduo, a todos os indivíduos, pela sua própria natureza de homens, independentemente da participação desta ou daquela comunidade política. Estes direitos são os direitos naturais que, preexistindo ao Estado, dele não dependem, e, não dependendo do Estado, o Estado tem o dever de reconhecê-los, não pode violá-los, pelo contrário, deve assegurar aos cidadãos o seu livre exercício (BOBBIO, 1997, p. 16).

O pressuposto do pensamento lockeano estava no primado da propriedade

em relação ao Estado e às normas que instituiu para a regulação do viver coletivo.

O homem, em estado natural, estava voltado para o atendimento de suas

necessidades, assim o fazendo por intermédio do trabalho, daí surgindo a

propriedade. As regras jurídicas se tornaram necessárias como instrumento para a

sua preservação, com elas nascendo o estado civil.

A vontade individual não foi concebida por Locke no sentido egoístico

vislumbrado por Hobbes, como causa dos conflitos entre os homens, mas

enquanto resultado de necessidades individuais, as quais foram atendidas por

meio da posse e da propriedade. A garantia destas pelo Estado, tutelando o direito

natural de cada um, permitiu a consecução do bem-estar pessoal e coletivo.

As idéias lockeanas representam um panorama convergente no cenário

europeu da época, de intenso questionamento do absolutismo. Voltaram-se para o

indivíduo, identificando como seu atributo natural o direito à liberdade, ponto de

partida para discutir os fundamentos do exercício do poder político.

É oportuno considerar que Hobbes, embora criticado pelos opositores como

defensor do absolutismo, foi justamente o precursor dessa nova era no

pensamento político, pois nele já se identificava a preocupação com a

representação: o Leviatã, “[...] enquanto ‘pessoa única’ ou unum quid [...] é uma

(35)

multidão reunida – o povo – que ele representa” (GOYARD-FABRE, 2002, p. 91)

(grifado no original).

Para essa autora, o pensador inglês tem sido erroneamente interpretado,

quando se fala da forma como discutiu as bases do exercício do poder:

[...] longe de simbolizar, como muitos leitores pretenderam, um Poder individualizado ou um monstro de tirania, o Leviatã sai, muito pelo contrário, de uma democracia originária. O Estado não é uma entidade separável do povo: no Poder do qual ele é a sede, a potência soberana, que pertence originariamente ao povo, é mediada pela representação (GOYARD-FABRE,2002, p. 91).

Portanto, o rei é o povo24, concepção que confere ao pensamento hobbesiano

outro sentido. Não era propriamente um defensor intransigente do poder absoluto do

rei, embora entendesse que o Estado devia estar dotado de um poder superior

irrepreensível, o que se justificava pela necessidade da garantia da paz social.

Apesar disso, a representatividade não era ainda ao tempo de Hobbes um

conceito acabado, talvez porque a idéia de uma necessária e inquestionável razão

imanente ao poder do soberano não se adequada a um poder que se espraiava para

além da pessoa do rei. Foi somente no século XVIII, com Sieyès25 (1988) que se

estabeleceu um entendimento objetivo sobre o liame essencial entre um governo

representativo e o Estado-nação.

Subindo a montanha da razão, Locke preparou o caminho para a edificação

de novas interpretações contratualistas, dentre elas a de Montesquieu26 e

24 Rex est populus.

25 Emmanuel Joseph Sieyès (1748-1836), escritor, eclesiástico e político francês, considerado o

precursor do constitucionalismo.

26 Charles Louis de Secondat, Barão de La Brède e Montesquieu (1689-1755), foi um dos principais

(36)

Rousseau27. Ambos insignes representantes do Iluminismo28, traduziram a seu modo

a preocupação com um processo de transformação política para superar os entraves

de um modelo político retrógrado.

O espírito crítico desses embates com a “velha ordem” é bem caracterizado

por Foucault (2009), quando fala da pretensão de uma reforma penal, no bojo das

muitas aspirações do pensamento vanguardista no seio da sociedade francesa do

século XVIII, do qual emergiu uma nova consciência sobre o poder e seu exercício,

não mais firmada em uma vontade exclusiva, mas num interesse geral.

No campo da aplicação das penas, estavam presentes os anseios de uma

nova sociedade baseada na distribuição da justiça de modo coerente com os

requisitos da igualdade entre todos, sem imperar a vontade do soberano e suas

escolhas parciais, feitas de acordo com a posição do indivíduo no corpo social.

Buscava-se, segundo Foucault (2009, p. 79) fazer com que o poder de julgar

“[...] não dependesse mais de privilégios múltiplos descontínuos, contraditórios da

soberania às vezes, mas de efeitos igualmente distribuídos do poder público.”

Resgatando essa questão de uma nova forma de poder político, atrelado a

um corpo social coeso, conforme o conceito de Nação-Estado, encontra-se em

Montesquieu uma visão das exigências de mudança propugnadas pelos iluministas

em geral. Não concebeu o conflito como situação onipresente antes do

surgimento da sociedade civil, considerando o estado de natureza como

27 Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), tendo nascido em Genebra, Suíça, tornou-se um dos mais

influentes pensadores iluministas na França, participando da elaboração da Encyclopédie. Transitando entre a razão e a fé calvinista, retornou em 1754 a Genebra pra professar sua fé, mas em 1755, de volta à França, se lança em um projeto pessoal para discutir as questões cruciais da época, do qual nascem seus livros mais importantes: “Nova Heloísa” (1760); o “Contrato Social” (1762) e “Emílio” (1762). Esse período, porém, foi marcado pela ruptura com os enciclopedistas e com as suas próprias raízes suíças.

28 Os filósofos iluministas assim eram denominados porque entendiam que a razão, imiscuída nos

(37)

pacífico. Somente quando os homens se reuniram para viver coletivamente é

que se tornaram mais evidentes as paixões, as diferenças, ou o que ele chamou

de “estado de guerra”.29

Nesse entendimento, as leis positivas surgiram em razão de um cenário

marcado pela belicosidade e a ameaça ao equilíbrio da vida em sociedade. Mas

embora necessário, o poder estatal não estava necessariamente vinculado a

uma vontade exclusiva e indiscutível, na pessoa do soberano.

Era preciso definir um modelo de governo apropriado à efetivação do

primado da ordem natural, da lei e da justiça, o que significava a consagração

da vontade da sociedade civil a partir de um modelo representativo, que fosse

apto a realizar as mudanças que defendiam na ordem política e social vigente.

Montesquieu (1973, p. 180-181) considerou necessária uma tripartição do

poder: executivo, judiciário e legislativo. Discutiu a correlação de forças num

sistema de governo desse tipo, explicitadas na sua obra “O Espírito das Leis”:

Quando os Poderes Legislativo e Executivo se reúnem na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistrados, não poderá haver liberdade, porquanto sobrevirão apreensões de que o mesmo monarca ou o mesmo senado promulguem leis tirânicas e executem estas leis de maneira tirânica. Também não haverá liberdade se o Poder Judiciário não for separado do Legislativo e do Executivo. Se unido ao Legislativo, a vida e a liberdade dos governados estariam expostas à arbitrariedade, porquanto os juízes seriam legisladores. Se unido ao Poder Executivo, os juízes poderiam portar-se com violência e opressão.

No pensamento hobbesiano, a lei é a expressão da autoridade máxima do

soberano30. Para Montesquieu, a lei expressa o primado de uma vontade geral, a

qual não se confunde com o Poder Executivo, nem com o Legislativo ou o

29 “O Espírito das Leis”, Livro XI, cap. VI.

30

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