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4 AS NORMAS TRIBUTÁRIAS COMO NORMAS DE DIREITOS HUMANOS

5 SUPRACONSTITUCIONALIDADE DOS TRATADOS E DIREITOS HUMANOS: UMA NOVA VIA PARA A MAXIMIZAÇÃO DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS

5.1 A OPÇÃO PELA SUPRACONSTITUCIONALIDADE: RAZÕES FUNDANTES

A efetividade dos direitos humanos na seara tributária é temática atual e matéria de indiscutível relevância, especialmente pelas implicações político-sociais, morais e jurídicas envolvidas.

Ao se propugnar a supraconstitucionalidade dos tratados internacionais de direitos humanos para um adensamento das bases protetivas e efetividade dos direitos do cidadão contribuinte, faz-se necessário delinear as razões dessa escolha, o que implica considerar preliminarmente o debate contrapondo as correntes universalista e relativista.

Para Bobbio (1992), a questão crucial do nosso tempo não está em um discurso filosófico sobre os direitos humanos, mas assegurar a sua proteção e efetividade na vida de todo homem, o que passa da órbita do pensamento puro para o campo da práxis.

Por essa via de pensamento, não se trata mais de reconhecer os direitos humanos, mas de dar-lhes efetividade, o que é questão atual e premente, num cenário de incertezas, que se mostra contraditório pois vive-se na era da supremacia da razão e de um pretenso progresso superior gerado pelo avanço do conhecimento e a expansão da democracia no mundo.

A literatura jurídica converge para o mesmo entendimento acerca da relação entre a garantia dos valores e princípios que embasam os direitos humanos, e o sistema democrático, no qual se encontram as diferenças e se constroem melhores vias de entendimento e convívio.

Por outro, não há consenso quanto à forma como o Direito pode ampliar as bases de efetividade dos direitos humanos, variando as opiniões de um otimismo extremo ao mais puro ceticismo ou, pelo menos, dirigindo-se para um posicionamento inconclusivo.

Tem contribuído para isso a emergência de novos e conturbados cenários. Em tempos de crise econômica, de mobilizações que ultrapassam o espaço local, configuram-se movimentos de caráter nacional e transnacional, no qual despontam como exemplos as revoltas nos países árabes e as tempestades sociais em países desenvolvidos, confrontados com inusitadas manifestações, ainda incompreendidas em suas causas e significados.

Na Europa, por exemplo, além da expressividade de grupos étnicos, não integrados social e economicamente, há uma crescente mobilização coletiva, com a participação de muitos cidadãos até então insuspeitos por integrarem a “massa” de beneficiários das benesses do consumo e das garantias sociais do Welfare State (Estado do Bem-Estar Social).

Parece distante o tempo em que se proclamou o “fim da história”129, e, por outro lado, tão atuais as situações tormentosas que marcaram, naquela época, o início de um ciclo de mudanças globais, iniciado com o fim da União Soviética e o desmoronamento dos sistemas socialistas em vários países do mundo.

Essas transformações, no seio da proclamada globalização, foram apontadas como efeitos de um modelo liberal capitalista exitoso, que teria progressivamente inflexão sobre sistemas mais retrógrados economicamente, pondo em movimento

129 Francis Fukuyama (1952- ), norte-americano, PhD. em Ciência Política pela Universidade de

Harvard, autor de “Fim da história e o último homem”, postulou nessa obra que o liberalismo econômico seria a culminância de um processo evolutivo da economia, ao qual estaria atrealado o desenvolvimento de novas de organização social, de cunho democrático, favorecendo uma crescente igualdade de oportunidade e a autonomia como base do desenvolvimento pessoal (FUKUYAMA, 1992).

um processo de mudanças políticas e sociais com tendência irreversível para uma “democratização” mundial.

Assim o entendeu Fukuyama (1992), quando postulou que o liberalismo seria a última e melhor expressão de uma sociedade articulada em torno de bases econômicas que permitiriam o adequado assentamento dos interesses interindividuais, sustentando o sistema democrático por excelência. A força irresistível da conveniência e da excelência dos seus resultados, em termos econômicos, sociais e políticos, acabaria por derrubar outros modelos sem a mesma capacidade de repercussão para a vida dos indivíduos, a exemplo dos regimes totalitários remanescentes, como a China, a Coréia do Norte e os Estados teocráticos islâmicos.

Para Santos (2002), todavia, o chamado “fim da história’, pressupondo a supremacia inconteste do capitalismo como a culminância de um percurso humano em busca de um modo de vida ideal, é idéia que repousa na descrença de alternativas e no desconhecimento do valor das experiências sociais.

Esse autor afirma que o capitalismo e o liberalismo têm as suas origens no que chama de “razão indolente”, produto de um conhecimento gerado nos últimos duzentos anos, o qual tem possibilitado a transformação de interesses hegemônicos em dogmas e verdades incontestáveis, ou suficientes enquanto conhecimento adequado para interpretar o mundo e o homem, e conferir significado e sentido às relações e modos de ser no interior das sociedades.

Os argumentos de Santos (2002) conduzem a uma conclusão inevitável: a crise do pós-modernismo, a desesperança e a descrença no próprio homem enquanto ser no qual se encontra a potência para encontrar alternativas, levando à perspectiva niilista do “fim da história”, são produtos dessa razão indolente que,

contraditoriamente, pressupunha poder levar a humanidade a um ápice existencial, sintetizado na idéia de “progresso”.

Em sentido contrário, há quem entenda estar em curso um processo de aproximação progressivo e inevitável das sociedades. No plano jurídico, essa tese do universalismo identifica um núcleo originário de direitos, anterior a qualquer reconhecimento do Direito positivo, por isso válidos em todos os lugares e tempos, vinculados ao que é comum a todos, a essência humana.

Por essa via de pensamento, é possível a construção de um Direito Internacional como instância superior de garantia e efetividade dos direitos humanos.

A tese, porém, é atacada por não se adequar ao cenário hodierno de um mundo marcado por conflitos, diferenças e incertezas. Os relativistas consideram que a noção de direitos varia conforme a cultura. O multiculturalismo é traço essencial das comunidades humanas, haurindo suas forças de uma natureza humana primordialmente propensa às diferenças e que se torna mais evidente no mundo globalizado e a diluição das fronteiras nacionais.

A conclusão dos relativistas é que não é possível a construção de um Direito Internacional que possa servir a todos. A dinâmica das relações internacionais, e mesmo dentro dos Estados, coloca em evidência o multiculturalismo. As diferenças subjacentes à formação de grupos com valores e modos de pensamento locais apontam para a impossibilidade de um reducionismo unificador, de caráter mundial e transnacional.

Santos (1997, p. 22) sintetiza a posição contrária ao universalismo, observando que “[...] a incompletude provém da própria existência de uma pluralidade de culturas, pois, se cada cultura fosse tão completa como se julga, existiria apenas uma só cultura”.

Para o referido autor, particularismos e singulares posições contraditórias no interior dos Estados apontam um caminho inverso ao universalismo. De modo que, ao contrário de uma tendência para uma unificação mundial, lastreada em Direito comum, o que se vislumbra, nesse ponto de vista, é a consolidação de uma dupla via jurisdicional no campo dos direitos humanos.

Não se admite, portanto, uma concepção linear da história, ou o devir do Direito enquanto produto de uma processualidade histórica, na qual os conflitos possam ser resolvidos pela transposição de paradigmas diversos rumo à construção de um sistema mais homogêneo e superior.

Nega-se a possibilidade de um “campo unificado do Direito”130, no qual a supraconstitucionalidade dos tratados dos direitos humanos possibilitaria passar do campo idealístico, ou meramente declaratório de direitos universais, a uma práxis maximizadora da sua efetividade para qualquer indivíduo, independentemente do local onde se encontra.

Em posição mediadora, a tese do diálogo das fontes propõe a superação dos debates entre universalismo e relativismo cultural, propondo uma interlocução entre o Direito Internacional e o Direito interno.

Pode-se então resolver as tensões decorrentes da antinomia das fontes, por intermédio de um processo comunicativo, como expõe Jayme (1996, p. 259):

[...] o fenômeno mais importante é o fato de que a solução do conflitos de lei surge como resultado de um diálogo entre a maioria das fontes heterogêneas. Os direitos humanos, constituições, convenções internacionais, os sistemas nacionais: todas estas fontes não são mutuamente exclusivas, elas "falam" uma à outra. Os juízes são necessários para coordenar essas fontes, ouvindo o que elas dizem.131

130 Recorre-se aqui à teoria de Einstein, que não logrou jamais completar, sobre um sistema

matemático capaz de abarcar todas as forças fundamentais do Universo em um único campo.

131 Tradução livre do original: “Les droits de l’homme, les constitutions, les conventions internationales, les

systèmes nationaux: toutes ces sources ne s’excluent pas mutuellement ; elles ‘parlent’ l’une à l’autre. Les juges sont tenus de coordonner ces sources en écoutant ce qu’elles disent.”

Trata-se de uma abordagem pós-modernista, objetivando estabelecer novos parâmetros para a capacidade satisfativa do Direito frente às requisições que se apresentam no campo da maior complexidade das relações sociais, fenômeno que ultrapassa as fronteiras nacionais quando se trata dos direitos humanos.

O “diálogo das fontes” é concebido como via possível e necessária para resolução mais adequada das as antinomias, propugnando a coordenação dos campos jurídicos interno e internacional.

O expoente principal dessa proposta, Erik Jayme (1996)132, afirma que o pluralismo jurídico deve ser transposto por meio da verticalização do diálogo. Pressupõe a coexistência entre as normas do Direito interno e Internacional, tomando como referência os direitos humanos e a sua força normativa que se irradia para além dos limites nacionais e as fronteiras arbitrárias do Estado-nação.

Mazzuoli (2010, p. 166), analisando essa proposta, comenta que a dialogia entre as fontes pressupõe

[...] uma nova hierarquia (em nada semelhante ao modelo positivista formalista) pautadas em valores e no conteúdo substancial dos direitos fundamentais, que consegue coexistir e transigir quando necessário com a ordem doméstica.

A dialogicidade como meio inerente à superação das antinomias pode ser entendida como um refinamento da teoria monista, ajustada a uma nova visão sobre a efetividade dos direitos humanos, levando em conta a possibilidade de transigirem os dois sistemas, ou seja, deve-se priorizar a maximização da efetividade dos direitos humanos a qualquer tempo, a despeito de conflitos normativos entre o Direito Internacional e o Direito interno.

132 Erik Jayme é expoente do Direito Pós-Moderno, vertente que considera a emergência de novas

possibilidades no campo da afirmação e imperatividade dos direitos humanos no contexto do pluralismo das fontes do Direito.

Por essa proposta, a tutela jurídica dos direitos humanos implica afastar-se do debate sobre hierarquia normativa, coexistindo o Direito Internacional e o Direito interno. A soberania estatal pode ser relativizada para a aplicação da norma mais apta a maximizar a efetividade desses direitos for o tratado internacional.

Essa interpretação transpõe, portanto, a tradicional perspectiva dos limites precisos da aplicação das normas definidos pela territorialidade, que embasa a teoria dualista, para a qual existem campos diferentes e limítrofes, no plano do Direito interno e Internacional. Apesar da interface entre eles, um não pode adentrar o espaço do outro, configurando-se estruturas estanques e incomunicáveis.

A problemática da antinomia das fontes e a sua superação pela postura dialógica foi levantada pelo Ministro Gilmar Mendes, por ocasião da manifestação do Supremo Tribunal sobre a aplicação da lei pátria que prevê a prisão por dívida133, vedada expressamente pela Convenção Americana de Direitos Humanos ou Pacto de San José da Costa Rica134, assim se pronunciando em seu voto sobre a matéria no Recurso Extraordinário nº 466.343-1/SP:

Posta a questão nesses termos, a controvérsia jurídica remeter-se-á ao exame do conflito entre as fontes internas e internacionais (ou, mais adequadamente, ao diálogo entre essas mesmas fontes), de modo a se permitir que, tratando-se de convenções internacionais de direitos humanos, estas guardem primazia hierárquica em face da legislação comum do Estado brasileiro, sempre que se registre situação de antinomia entre o direito interno nacional e as cláusulas decorrentes de referidos tratados internacionais.

133 Julgamento do R.E. 466.343-1/SP tendo como Relator o Ministro Cezar Peluso, o Banco Bradesco

S/A como recorrente e o Luciano Cardoso Santos como recorrido. O recurso extraordinário foi interposto pelo referido banco com arguição do artigo 102, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal, contra o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que negou provimento ao recurso de apelação n° 791031-0/7, manifestando-se pela inconstitucionalidade da prisão civil do devedor fiduciante em contrato de alienação fiduciária em garantia, frente à previsão da Carta Constitucional em seu artigo 5º, inciso LXVII: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;”

134 Firmado em San José, Costa Rica, em 1969, entrou em vigor em 1978. Tem como signatários os

Estados-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA). O Brasil aderiu oficialmente à Convenção apenas em 1992. Dispõe a referida pactuação: “7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.” (BRASIL, 2012).

Apesar da alusão ao diálogo das fontes, a solução emanada da interpretação majoritária do Supremo Tribunal Federal pendeu para a supralegalidade dos tratados internacionais sobre direitos humanos. Por outro lado, a proposta de constitucionalistas como Mazzuoli (2010) e Piovesan (2010) considera que se trata de entendimento restritivo.

Na opinião dos insignes doutrinadores, as normas de tratados internacionais de direitos humanos equiparam-se às normas constitucionais, de modo que, verificada a sua maior adequação para a garantia e máxima efetividade dos direitos humanos, devem ser aplicadas automaticamente, não havendo necessidade de observância de trâmites congressuais.135

Mazzuoli (2010) assevera que o princípio internacional pro homine136 exige a prevalência dos interesses humanos, conforme sua natureza e a finalidade precípua de sua garantia e efetividade. Deve ser considerada a aplicação da norma mais favorável às vítimas que têm seus direitos humanos violados ou ameaçados, para harmonizar os contrários, rumo a uma nova contextualização do Direito nos planos interno e externo, pautada no primado dos direitos humanos como referência primeira da atividade judicial.

A intransigência que tem marcado a aplicação das normas é hoje questão que exige essa comunicabilidade entre os sistemas, para que se estabeleça uma complementaridade entre as fontes, operando “[...] ipso facto e sem a necessidade de se buscar qualquer outra justificativa fora do contexto da

135 Segundo o entendimento da aplicabilidade automática, os tratados internacionais versando sobre

direitos humanos, desde o momento da sua ratificação pelo Executivo, ficam incorporados automaticamente à legislação interna, tendo equiparação às normas constitucionais, não dependendo de aprovação por maioria qualificada no Congresso Nacional como prevê a Emenda Constitucional n° 45/2004 que acrescentou o parágrafo 3º ao artigo 5º da Carta Magna.

136 Bonavides (2000) denomina de princípio da proporcionalidade, entendendo-o como um princípio

que possibilita compatibilizar realidades não captadas, pautando a escolha daquela que for menos nociva aos interesses do cidadão.

integração dos tratados de direitos humanos no plano do direito interno” (MAZZUOLI, 2010, p. 159-160).

A integração de que fala esse autor implica desconsiderar a hierarquia normativa, para centrar-se objetivamente no telos em questão, que é ultrapassar o âmbito meramente territorial e estabelecer maior amplitude tutelar aos direitos humanos. Trata-se, como observa Piovesan (2003, p. 61), de uma “garantia

adicional de proteção” aplicável quando “[...] o Estado se mostra falho ou omisso

na tarefa de implementar direitos e liberdades fundamentais” (não grifado no original).

A interlocução entre as fontes é considerada o caminho para a superação das antinomias, como explicita Mazzuoli (2010, p. 112-113):

Esta natureza objetiva da proteção internacional dos direitos humanos e dos respectivos tratados requer novos métodos de harmonização entre o direito internacional dos direitos humanos e o direito interno, ante a ineficácia dos critérios tradicionais de solução antinomias. O problema é que muitos tribunais locais parecem ainda não ter compreendido o funcionamento e o

telos da proteção internacional dos direitos humanos, criando assim um

problema gnosiológico (ou seja, de conhecimento) a ser resolvido.

Esse “diálogo das fontes” consiste em construir uma uniformidade interpretativa, possibilitando superar as divergências que obstam a ampla tutela jurídica daqueles que têm seus direitos violados ou ameaçados.

A dialogicidade seria então a possibilidade de passar da consagração internacional dos direitos humanos, e do compromisso formal dos Estados que aderem aos instrumentos de pactuação, para um maior grau de proteção e efetividade no âmbito das suas respectivas jurisdições a partir de uma comunicação mais estreita entre o Direito Internacional e o Direito interno.

O fio condutor da proposta da comunicação entre as fontes é a pretensão emancipatória dos indivíduos, a partir do reconhecimento das suas diferenças e

da necessária busca de um entendimento comum entre os campos do Direito, possibilitando maior grau de efetividade dos direitos humanos.

Todavia, se o diálogo entre as fontes pressupõe uma conexão mais direta entre o Direito interno e o Direito Internacional, contraditoriamente, preserva a dualidade do Direito, interno e internacional, embora propugnando a aplicação da norma mais favorável para a máxima efetividade dos direitos humanos.

Por conseguinte, o que se verifica é que a dialogicidade das fontes pressupõe a continuidade de uma dupla racionalidade, no campo interno e internacional, a despeito de propor um processo dinâmico de aproximação e “entendimento”.

A fragmentação, pela coexistência de múltiplas racionalidades no campo do Direito, tem sido considerada insuperável, destacando-se nesse sentido as observações de Koskenniemi (2005, p. 15), para o qual a tendência é uma crescente divisão em áreas especializadas, dotadas de lógicas internas próprias, expressão de uma crescente racionalidade sistêmica do mundo pós-moderno, de modo que “Muito longe de unificar o mundo, isso iria intensificar o embate entre regimes legais e modos de pensar, alguns mais centrais do que outros, cada qual organizado por meio de uma hierarquia interna”.137

Günther (2001) refuta essa ideia, postulando a possibilidade de superação da fragmentação rumo à construção de um Direito Internacional unificado. Entende que os teóricos da fragmentação não consideram que as racionalidades, embora aparentemente fechadas em si mesmas, são dinâmicas e, para além da aparente autonomia, podem atingir um adequado grau de coordenação entre si.

137 Tradução livre do original: “Far from unifying the world, this would intensify the clash of legal

regimes and modes of thought, some more central than others, each organized through an internal hierarchy.”

Mas além do pressuposto da comunicação, como no diálogo das fontes, existe a possibilidade de superação da aparente dicotomia entre os sistemas normativos. É possível o desenvolvimento de uma ordem constitucional supranacional, se for considerado que as especificidades culturais não são absolutas, mas convergentes para uma maior interpenetração das sociedades humanas.

Reporta-se aqui à transição paradigmática para uma sociedade mundial pautada em valores comuns. Neste particular, observa Canotilho (2011), uma aproximação crescente das culturas humanas, o que está em consonância com a teoria das redes de Castells (2002), que aponta o desenvolvimento de uma nova ordem mundial, de natureza inovadora no sentido de constituir-se a partir de um substrato cultural comum que permeia todas as comunidades humanas do planeta.

O viés do multiculturalismo, que tem sido invocado como impedimento a uma ordem supraconstitucional, pode ser assim derrubado. Ao invés de múltiplas racionalidades fechadas em si mesmas, vislumbra-se o desenvolvimento de um sistema único, baseado em uma metalinguagem, de caráter centralizador.

Essa metalinguagem passa a fundamentar o caminho do Direito Internacional, servindo de “ponte” para a superação de sistemas racionais fragmentados. Pode-se assim construir um sistema único, com base num substrato comum a todas as sociedades e culturas, envolvendo valores mínimos138, que delimitam um conteúdo normativo elementar em matéria de direitos humanos, a despeito de diferenças culturais ou múltiplas racionalidades dos sistemas jurídicos nacionais.

138 Walzer (2001, p. 17) postula a existência do que chama de moralidade mínima, comum às

diferentes culturas humanas, consistindo em “[...] princípios e regras que são reiterados em diferentes épocas e locais, e que são vistos como similares ainda que sejam expressos em diferentes idiomas e reflitam diferentes histórias e diferentes versões de mundo”. Tradução livre do original: “[…] principles

and rules that are reitered in different times and places, and that are seen to be similar even though they are expressed in different idioms and reflect different histories and different versions of the world”.

A adoção de regras supraconstitucionais sobre direitos humanos sobrepondo- se às Constituições nacionais faz-se de modo a estabelecer, como inovação, um ponto de partida de uma nova tradição no Direito, a qual não tem como origem experiências da sociedade nacional, mas da comunidade internacional.