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O exercício do poder de tributar e violação dos direitos humanos do contribuinte: casos paradigmáticos

4 AS NORMAS TRIBUTÁRIAS COMO NORMAS DE DIREITOS HUMANOS

5 SUPRACONSTITUCIONALIDADE DOS TRATADOS E DIREITOS HUMANOS: UMA NOVA VIA PARA A MAXIMIZAÇÃO DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS

5.2 A SUPRACONSTITUCIONALIDADE NA PROTEÇÃO DO CIDADÃO CONTRIBUINTE FRENTE À EXACERBAÇÃO DO PODER TRIBUTÁRIO

5.2.1 O exercício do poder de tributar e violação dos direitos humanos do contribuinte: casos paradigmáticos

Impende considerar preliminarmente que o reconhecimento da relação intrínseca entre direitos humanos e direitos do contribuinte é uma questão que ainda não recebeu total atenção, e tem sido tratada de forma pouco contundente no campo da judiciliazação desses direitos. Como lembra Ergec (2005, p. 5):

A penetração no Direito pelos direitos humanos não se fez sentir senão progressivamente depois da Segunda Guerra Mundial, a favor de instrumentos universais como o Pacto Internacional relativo aos direitos civis e políticos e regionais, no topo dos quais figura a Convenção Européia dos Direitos do Homem. O avanço se manifestou primeiramente no Direito Penal, depois no Direito Civil, nos domínios onde a liberdade individual se expõe às ingerências arbitrárias. Na época, ninguém sonhou que isso ocorresse no Direito Tributário. O pagamento de impostos não corresponde a um dever cívico de primeira ordem e o direito de estabelecer e cobrar impostos não constitui uma prerrogativa elementar à idéia do poder público?144

Tomando os direitos humanos como foco, e afastando-se da justificativa da finalística tributária, ou em termos mais sutilmente empregados pelo Estado, do

144 Tradução livre do original: “La pénétration du droit par les droits de l’homme ne s’est fait sentir que

progressivement après la seconde guerre mondiale, à la faveur des instruments universels comme le Pacte international relatif aux droits civils et politiques et régionaux au premier rang desquels figure la Convention européenne des droits de l’homme. La percée s’est manifestée d’abord en droit penal, puis em droit civil, dans les domaines où la liberte individuelle s’expose le plus aux ingérences arbitraires. À l’époque, personne n’aurait songé au droit fiscal. Le paiement de l’impôt ne correspond-il pas à um devoir civique de premier ordre et le droit d’établir et de collecter des impôts ne constitue-t-il pas une prérogative consubstantielle à l’idée de puissance publique?”

propósito de realização do “interesse público”, identifica-se um campo extenso de objeções à imposição fiscal.

Para isso é necessário considerar a tributação não como fim em si mesmo, mas segundo a sua imbricação com o sistema de garantia e proteção aos direitos humanos em sua conformação mais extensa, ou seja, levando em conta a construção de um Direito supranacional e a aplicação da supraconstitucionalidade para dar efetividade a tais direitos.

A supraconstitucionalidade permite substituir pela centralidade no indivíduo o que, na objetividade do modelo jurídico tradicional, tem privilegiado as sistemáticas tributárias de caráter pragmático e finalidade arrecadatória. Apesar de fundadas na racionalidade e na legalidade, se esvaem em fumaça diante de um conjunto de elementos axiológicos, intrínsecos ao sistema jurídico como um todo, que desvelam o conflito entre dois eixos: a intenção ou busca da praticidade, e a preservação dos direitos humanos intrínsecos ao indivíduo, o qual, além de contribuinte é, primordialmente, um ser humano.

Engle (2012, p. 1) questiona a rigidez dos sistemas tributários e, principalmente, o problema do não-reconhecimento judicial da inafastável supremacia dos direitos humanos inclusive no campo da tributação.

Para esse autor, a posição recalcitrante dos juízes (embora fazendo alusão à França), não deixa de ser aplicável ao nosso país, vislumbrando-se traços comuns de uma tradição jurídica fundada na justificação de uma imprecisão no campo dos direitos humanos, o que pode ser também interpretado como um apego à objetividade jurídica, em face do aspecto axiológico imanente a esses direitos, e que justifica o foco na finalística fiscal consoante seu caráter prático e imediato.

[...] um formalismo rígido e uma recusa sistemática de admitir inovações jurídicas para garantir os direitos dos contribuintes. A nosso ver, a fonte desse formalismo é a ambiguidade e ambivalência inerentes ao conceito de direitos humanos. Esse formalismo nos parece ser a reposta prática da Administração em face à incerteza teórica inerente à idéia dos direitos humanos. A consequência desses dois fatos é que os direitos do homem podem ter pouco peso para a proteção das pessoas. Todavia, a defesa dos contribuintes pelos direitos humanos permanece possível. Mas nosso estudo mostra que uma transformação real desses direitos potenciais se mostra problemática – ao menos sem colocar em causa radicalmente os fundamentos do sistema, como a soberania (não grifado no original).145

No excerto destacado, observa-se a mesma idéia que norteia este trabalho, ou seja, a soberania aparece como restrição à ampla satisfatividade dos direitos humanos do contribuinte, justamente porque a ela se vincula o sistema jurídico interno sob a égide da judicialização, a qual não ocorre de forma aberta, mas segundo uma visão fechada do Direito interno e da sua relação exclusiva com as normas constitucionais.

É possível avançar mais, e afirmar que, além da recalcitrância dos tribunais em aceitar as normas internacionais como fundamento da efetividade dos direitos humanos do contribuinte, adotando a relativização da soberania, também se encontram óbices à plena satisfatividade dos direitos humanos do contribuinte no âmbito do processo hermenêutico.

E a razão para isso é uma postura dúbia, situada entre a estrita preocupação com o legalismo constitucional e uma interpretação pretoriana sujeita às ingerências políticas, o que torna questionável a idéia de uma efetiva separação entre os Poderes no Brasil. Nesse caso, cabe ressaltar que a separação dos poderes não elimina a necessária interrelação entre eles, mas sem que a influência determinante

145 Tradução livre do original: “[...] un formalisme rigide et un refus systématique d'admettre des

innovations juridiques pour garantir les droits des contribuables. Selon nous, la source de ce formalisme est l'ambiguïté et l'ambivalence inhérentes au concept des droits de l'homme. Ce formalisme nous paraît être la réponse pratique de l'administration face à l'incertitude théorique inhérente à l'idée des droits de l'homme. La conséquence de ces deux faits est que que les droits de l'homme peuvent avoir peu de poids pour la protection des personnes. Néanmoins, la défense des contribuables par les droits de l'homme reste toujours possible. Mais notre étude montre qu'une transformation réelle de ces droits potentiels s'avère problématique - du moins sans une remise en cause radicale des fondements du système, tel que la souveraineté.”

de um Poder se faça sentir além do que lhe é inerente nos termos constitucionais, passando a adentrar no campo exclusivo de atuação dos demais, o que contraria o necessário equilíbrio do modelo de tripartição.

O que se observa, todavia, é que são frequentes as decisões do Supremo Tribunal Federal baseadas em critérios questionáveis à luz de uma ampla e adequada interpretação da Constituição Federal, resultando em evidente inobservância das regras elementares da hermenêutica constitucional.

A pretexto de viabilizar uma rápida solução do caso, a postura dos julgadores acaba por subverter a lógica da necessária apreciação de todos os aspectos e valores envolvidos, desconstruindo o próprio sentido da existência dessa instância decisória última, que é a de perscrutar ao máximo a questão sob julgamento, e assim oferecer a melhor solução possível.

Melhor possível não significa neste caso limitar-se a um mínimo admissível de coerência com o sistema legal e o processo racional de sua interpretação, consoante o permissível para a tarefa da hermenêutica constitucional, mas buscar o máximo refinamento do processo intelectivo e analítico debruçando-se sobre o texto constitucional, para dele extrair elementos suficientes e adequados à solução do caso tendo em vista não somente a garantia das expectativas normativas, como também a sua concretude por meio da decisão judicial.

As normas constitucionais não terão sentido, especialmente quando se fala em direitos humanos, se não puderem ser materializadas em situações fáticas, deixando de ser meras expectativas de direitos para se corporificarem na existência dos cidadãos.146

146 Não se pode esquecer que as normas constitucionais são elaboradas pelo poder constituinte

derivado, mas o seu fulcro está na vontade do poder originário que consubstancia a própria idéia de Constituição, estando este no povo.

Para isso é oportuno valer-se das idéias de Häberle (2002) e o seu entendimento de que a interpretação da Constituição deve ser um processo dinâmico e integrativo, no qual também é preciso “ouvir” a sociedade; ela é fonte elementar, mas importante, de interpretação das normas constitucionais.

Por conseguinte, a Corte Suprema deve considerar todas as interpretações possíveis, não somente aquelas emanadas dos órgãos jurisdicionais, como também as oriundas do amplo espectro de atores do corpo social, embora não façam parte do ente estatal, tais como a opinião pública, os estudiosos do Direito Constitucional, e as entidades representativas de classe, entre outros.

Indo em direção contrária a esse avanço do pensamento constitucional representado pela perspectiva häberliana acerca da necessidade de uma interpretação plural da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados sobre matérias tributárias, tem preterido o adensamento do processo hermenêutico em favor da satisfatividade dos interesses estatais e da exação fiscal, desconhecendo os direitos humanos dos contribuintes, em evidente afronta às normas e aos princípios constitucionais, bem como aos valores a eles conexos.

Cai por terra assim a afirmação recorrente de que o Superior Tribunal é o “baluarte” da Constituição, constatando-se que essa retórica assume um conteúdo axiomático, no sentido de negar qualquer outra possibilidade de reconhecimento dos direitos fora do âmbito da interpretação a cargo dos julgadores.

A teoria häberliana afirma que a ordem constitucional é um sistema aberto, no qual o processo comunicativo permite intermediar e integrar idéias, fornecendo um amplo material para a análise e a orientação do pensamento, rumo a uma síntese que, abarcando as várias possibilidades hermenêuticas, resulta numa intepretação muito mais alinhada com as situações concretas vivenciadas pelos jurisdicionados,

conferindo assim à Constituição o caráter de instrumento primordial de ligação entre o Direito e a realidade.

Nesse sentido, o excessivo apego ao formalismo jurídico e à interpretação estrita da norma dá lugar a uma atuação criativa dos julgadores, a qual não desvirtua a força imanente da norma constitucional, apenas lhe confere maior possibilidade de resposta às expectativas de direitos, com o acolhimento das múltiplas opiniões, para delas construir uma resposta adequada à solução do problema jurídico em causa.

Não basta desenvolver uma interpretação consistente lógica e legalmente, primeiro porque nem sempre a norma é estritamente racional, e depois porque não é suficiente que a motivação do julgador seja aceitável sob o ponto de vista da racionalidade, pois não se pode deixar de levar em conta os valores envolvidos.

Nesse sentido, particularmente no campo tributário, além da influência política nas decisões do Supremo Tribunal Federal, também se fazem presentes questões relacionadas à forma como tem sido abordada a questão dos princípios e valores para a formulação das decisões da Corte.

A constatação é que, quando se trata de questões tributárias, ainda há uma firme recusa em admitir a aplicação dos princípios constitucionais como forma de alcançar maior efetividade dos direitos dos contribuintes.

Conceitualmente, o princípio consiste em um elemento basilar, ordenador de uma estrutura de pensamento, e no campo jurídico, de comportamento. Consoante a exposição de Mello (2002, p. 808), representa um

[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo- lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalização do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

Mais do que instrumento informativo, o princípio é dotado de força e eficácia normativa, como observa Espíndola (2002, p. 60) ao comentar que

[...] existe uma unanimidade em se reconhecer aos princípios jurídicos o status conceitual e positivo de norma de direito, de norma jurídica. Para este núcleo de pensamento, os princípios têm positividade, vinculatividade, são normas, obrigam, têm eficácia positiva e negativa sobre comportamentos públicos ou privados bem como sobre a interpretação e a aplicação de outras normas, como as regras e outros princípios derivados de generalizações mais abstratas.

O caráter normativo dos princípios representa um retorno a sua valorização como substrato necessário à eficácia e amplitude das normas, observando Joseph Esser apud Bonavides (2000, p. 243) que, ainda que não tenham natureza e caráter de lei, “[...] como ratio legis – prossegue o abalizado jurista – são, possivelmente , direito positivo, que pelos veículos interpretativos se exprimem, e assim se transformam numa esfera mais concreta.”

Compreende-se nessa exposição o teor e alcance dos princípios na ordem jurídica contemporânea, momento em que se tornam mais evidentes e necessárias as relações entre a aplicação do direito em sentido amplo e a resposta a variadas e complexas situações sociais.

É preciso levar em conta que os princípios em sua aplicação devem ser vinculados a situações fáticas, mas levando-se em conta outros princípios. Alexy (1993, p. 62) arrazoa sobre o tema:

El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los principios son mandatos de optimización mientras que las reglas tienen el carácter de mandatos definitivos. En tanto mandatos de optimiziación, los principios son normas que ordenam que algo sea realizado en la mayor media posible, de acuerdo con las posibilidades jurídicas y fácticas. Esto significa que puden ser satisfechos en grados diferentes y que la medida ordenada de su satisfacción depende no sólo de las posibilidades fácticas jurídicas, que están determinadas no sólo por reglas sino también, esencialmente, por los principios opuestos.

Larenz (1989) entende que os princípios, por fundamentarem a interpretação e aplicação do direito, definem o sentido do ordenamento jurídico

em sua aplicabilidade, o que impende considerá-lo como espécie diretiva de norma ou fundamento normativo, tendo nesse sentido uma função normativa como as normas em sentido estrito.

Orientam os princípios a busca da regra que se pode considerar mais apropriada para aplicação em um caso específico, embora os princípios em si mesmos não sejam diretamente aplicados no sentido de substituir a norma para a resolução de uma situação específica.

Habermas (2002), ao tratar da comunicação entre os sujeitos, apresenta a razão comunicativa como via necessária para a superação da perspectiva racionalista ao extremo dos iluministas, e, por outro lado, na negação absoluta da racionalização nos termos postos por Nietzsche147, entre outros.

Assim, entende ser possível encontrar na comunicação elementos comuns para uma efetiva aplicação dos princípios, superando o problema da relativização dos valores que opera pela via de interpretações subjetivas e de níveis diferentes de valoração do fato.

Esse pressuposto conduz à identificação de “consensos de fundo” como elementos basilares comuns de entendimento, constituindo o que ele denomina de “idéia de mundo da vida” (HABERMAS, 2002a, p. 83).

A solução desse filósofo aponta para a necessária confluência das razões particulares, ínsitas em cada indivíduo, de maneira a se criar uma ponte por meio da prática dialógica, o que permitirá superar as barreiras da relativização dos valores que influencia mentes e comportamentos no mundo pós-moderno.

147 Filósofo alemão, crítico contumaz do racionalismo, do iluminismo e das idéias de Kant. Descreve o

‘imperativo categórico’ como uma forma de acorrentar o espírito humano, diluir a liberdade verdadeira disfarçando-se em única via para sua efetividade.

A questão que se coloca nesse caso é quanto à resistência dos julgadores com relação ao caráter normativo elementar dos princípios, considerando-os como sendo irrelevantes juridicamente, denotando assim um dogmatismo de caráter positivista.

Esse problema é comentado por Guimarães (2006) ao referir-se às decisões do Supremo Tribunal Federal, remetendo também à posição do doutrinador Canotilho (2011, p. 1.160): “[...] os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras, enquanto as regras são susceptíveis de aplicação directa [...]

Em direção oposta, o entendimento predominante tende a firmar a primariedade dos princípios em sua força normativa, como necessário caminho para que não se dissociem as normas do alcance necessário desejado para a satisfatividade dos direitos, que de outro modo deixam de ser efetivamente usufruídos para se tornarem meros objetos idealísticos.148

Nesse sentido, os princípios podem ser considerados não como expressão apriorística do direito natural e como postulados de ordem meramente metafísica enquanto conteúdos relacionados às aspirações humanas, mas instrumentos para que a positivação do direito tenha real efetividade no vínculo com a realidade humana, a qual não se restringe a questões de ordem fática, mas a anseios, a necessidades imateriais indissociáveis do que se entende por pessoa humana.

Para Espíndola (2002, p. 34), os princípios devem ser considerados como normas jurídicas “[...] vinculantes, dotados de efetiva juridicidade, como quaisquer

148 “Deve-se ter claro que a Constituição, como documento jurídico-político, está submersa em um

jogo de tensões e poderes, o que não pode significar como querem alguns, a sua transformação em programa de governo, fragilizando-a como paradigma ético jurídico da sociedade e do poder, ao invés de este se constitucionalizar, pondo em prática o conteúdo constitucional” (STRECK; MORAES, 2006, p. 153).

outros preceitos encontráveis na ordem jurídica; consideram as normas de direito como gênero, dos quais os princípios e as regras são espécies jurídicas.”

Em decorrência, se depreende que os princípios passam a ser vistos como dotados de imperatividade. Não se trata de negar a força da norma positiva, como expressão imediata e concreta de uma vontade social transposta pela via legislativa na forma de lei escrita que, por força da estrutura normativa na qual se inscreve, dotada de legitimidade e conforme as exigências da sua validade jurídica, não pode deixar de ser observada e aplicada.

Todavia, os princípios não podem ser considerados apenas como referências secundárias ou sem caráter normativo, por encerrarem valores. Não somente a norma jurídica em si de alguma forma traz em seu bojo referência a um mundo de valores, como os princípios não podem ser dissociados da vontade coletiva, ainda que representam valores em sua mais alta abstração, sendo mais difusos quanto ao conteúdo e genéricos quanto aos casos em que podem ser aplicados.

Consoante a explanação de Rothenburg (2003, p. 18), os princípios são dotados de “um significado determinado, passível de um satisfatório grau de concretização [...]”.

Seus efeitos têm caráter restritivo para a aplicação das regras, e também fixam conteúdos específicos para as normas. Ao se debruçar sobre a questão, Clève (2006, p. 33) afirma:

A dimensão objetiva também vincula o Judiciário para reclamar uma hermenêutica respeitosa dos direitos fundamentais e das normas constitucionais, com o manejo daquilo que se convencionou chamar de filtragem constitucional, ou seja, a releitura de todo o direito infraconstitucional à luz dos preceitos constitucionais, designadamente dos direitos, princípios e objetivos fundamentais (grifo nosso).

A dimensão de peso (dimension of weight) concebida por Dworkin (2007) é apontada por ele como o núcleo da diferenciação entre princípios e regras. Estas, ao contrário dos primeiros149, em caso de conflito entre si, não podem ser ponderadas, pois só existe uma solução: ou a regra é válida, e aplicável, ou é inválida não cabendo sua aplicação (é o que ele chama de modo do tudo ou nada).

Assim, com relação ao conflito entre princípios, Dworkin (2007) aponta como solução a ponderação entre eles, entendendo que cada um tem peso diferenciado. Em casos difíceis, deve-se dimensionar o peso ou importância dos princípios envolvidos, para escolher o que tem mais peso no caso em questão150.

Embora em geral admita-se como relevante essa ponderação da teoria de Dworkin, pois fundamenta o que chamou de teoria da integridade do Direito, uma alternativa ao dogmatismo positivista, não se pode deixar de considerar que existem ressalvas à idéia da possibilidade de uma decisão adstrita a um valor supremo, ínsito nos princípios, que por si só é suficiente para dar bom termo a cada caso concreto.

Essa crítica consubstancia o entendimento da carga de subjetividade envolvida na decisão, no sentido de que toda decisão tem sempre um substrato ideológico que impregna a formação, as experiências, o modo de pensar do julgar, que não está isolado no mundo, mas vivendo nele. Conseqüentemente a sua decisão nunca pode subtrair-se a isso.

149 Conforme a idéia da concordância, os princípios não se sobrepõem hierarquicamente: "Na