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61022 - Introdução à Economia - (Apontamentos) Jorge Loureiro

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61022 – Introdução à Economia

Apontamentos de: Jorge Loureiro

E-mail: jorgel@sapo.pt Data: 19.09.2008

Livro: Introdução à Economia (João César das Neves)

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1. Princípios fundamentais da Economia

1.1. A Economia

1.1.1. Origem da Economia

O que é a Economia? Esta é a pergunta natural no início da abordagem a esta ciência. A possibilidade de uma definição exacta será discutida adiante, mas logo de entrada é importante ter consciência da existência e da importância dos problemas económicos.

1.1.1.1. A Economia é essencial

É importante ter presente que a Economia está ligada ao essencial da vida de cada um. Somos incapazes de produzir as coisas mais básicas: um pão, um fósforo, uma lâmpada, um par de calças, um motor de automóvel. Foi a compreensão desta ideia que deu início à teoria económica.

ADAM SMITH (1723-1790)

O Ensaio sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações demonstrava,

com múltiplos exemplos, como, naturalmente, as relações económicas se ordenavam de forma espontânea, formando um sistema harmónico. O interesse por esta visão foi grande, não só nos salões elegantes mas também nas universidades e meios políticos, nascendo uma ciência para estudar esse sistema e fazendo de Smith o Pai da jovem Economia.

Esta ideia, tão simples mas tão importante, colocou-a Smith logo no início do seu livro, com a história do casaco de lã, hoje célebre, que demonstra bem o fascínio que motivou Smith:

«... Por exemplo, o casaco de lã que cobre um jornaleiro, por mais grosseiro e tosco que possa parecer, é o produto do labor combinado de grande número de trabalhadores. O pastor, o classificador da lã, o cardador, o tintureiro, o fiandeiro, o tecelão, o pisoeiro, o curtidor, e muitos outros, têm de reunir as diferentes artes para que seja possível obter-se mesmo este produto comezinho. E quantos mercadores e carreteiros hão-de, além disso, ter sido empregados no transporte dos materiais de uns desses trabalhadores para os outros, que, muitas vezes, vivem em regiões do país muito distantes! Quanto comércio e quanta navegação especialmente, quantos construtores navais, marinheiros, fabricantes de velas e de cordas terão sido precisos para reunir as diferentes drogas usadas pelo tintureiro, que muitas vezes provêm dos mais remotos cantos do Mundo! E que variedade de trabalho é ainda necessário para produzir as ferramentas do mais ínfimo desses trabalhadores! Se examinássemos da mesma forma as diferentes partes que compõem o seu vestuário e a mobília da sua casa, a camisa de linho que usa junto à pele, os sapatos que lhe protegem os pés, a cama em que se deita e as várias partes de que se compõe, o fogão de cozinha em que prepara os seus alimentos, o carvão que utiliza para esse fim, arrancado às entranhas da terra e trazido até ele provavelmente depois de uma longa viagem por terra e por mar, todos os outros utensílios da sua cozinha, tudo aquilo que utiliza na sua mesa, as facas e os garfos, os pratos de barro ou de estanho, nos quais serve e divide os seus alimentos, as várias

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mãos necessárias para produzir o seu pão e a sua cerveja, a vidraça que deixa entrar o calor e a luz e o protege do vento e da chuva, com todo o saber e a arte exigidos pelo fabrico dessa bela e feliz invenção sem a qual dificilmente se poderia proporcionar locais de habitação muito confortáveis nestas zonas frias do mundo, e ainda todas as ferramentas a que os operários empregados na produção de todos esses bens têm de recorrer; se examinarmos todas essas coisas, dizia eu, e considerarmos a variedade de actividades incorporada em cada uma delas, tornar-se-nos-á claro que, sem a ajuda e cooperação de muitos milhares, as necessidades do cidadão mais ínfimo de um país civilizado não poderiam ser satisfeitas, nem mesmo de acordo com aquilo que nós muito falsamente imaginamos ser a forma simples e fácil como elas são habitualmente satisfeitas. Na verdade, comparadas ao mais extravagante luxo dos grandes, as suas necessidades parecem, sem dúvida, extremamente simples e chãs; e, no entanto, talvez seja verdade que a satisfação das necessidades de um príncipe europeu não excede tanto a de um camponês industrioso e frugal, como a deste excede a de muitos reis africanos, senhores absolutos da vida e da liberdade de dez mil selvagens nus.» [Smith (1776), vol. 1, págs. 89-91.]

Foi a compreensão do facto de que esta realidade, tão complexa e intrincada na aparência, funcionava de forma tão regular e coordenada, sem que ninguém dela cuidasse, que deu origem ao estudo da Economia. E Smith sublinhava não só que a complexidade do sistema não impedia uma eficiência nos resultados, como também levava a que as suas diferenças internas, embora importantes, fossem muito pequenas em comparação com as diferenças que o separavam dos outros sistemas (a distância de nível de vida entre o príncipe e o jornaleiro é muito menor do que a que separa o jornaleiro do rei indígena, na expressão datada de Smith).

Esta maravilha fascinou Adam Smith e justificou um estudo que ele iniciou: a Teoria Económica. É importante notar que esta descoberta fez-se quase na altura em que Lavoisier na Química, Newton na Física, Mendel na Biologia e tantos outros, encontravam a mesma harmonia nos vários aspectos da Natureza. Não se tratava de encontrar leis naturais, onde o instinto ou outras forças profundas prendessem a realidade nessa harmonia. Era o encontrar dessa ordem na própria acção humana.

Na verdade, se cada um de nós tivesse de produzir tudo o que precisa e consome, da comida aos talheres, dos transportes ao mobiliário, não lhe seria possível possuir um décimo do que consome.

Mas, no fundo, cada família produz o que consome. Só temos o que consumimos por troca. Este, como veremos, é um dos princípios essenciais da Economia.

A troca está na base da nossa economia e, se ela falhasse, o nível de vida das sociedades desceria muito, mesmo que cada um continuasse a produzir o que produz. O sofrimento e a morte que esse facto provoca são consequências patentes da interrupção do funcionamento do sistema económico.

A Economia estuda factos e fenómenos que são essenciais à vida concreta das pessoas e sociedades de sempre. Os temas que vamos tratar, por muito abstractos que pareçam, estão ligados

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directamente a questões de que depende a prosperidade e o desenvolvimento do Mundo ou a fome de gerações e o desemprego de milhões.

1.1.1.2. A Economia é uma Ciência

Estes problemas tão importantes e cruciais para a vida real das pessoas podem ser analisados de muitas formas diferentes. Visto que se trata de questões tão centrais para a vida de cada um, é normal que todos se preocupem em ter opiniões sobre elas.

Na verdade, vamos apenas aqui tratar do que se chama a Ciência ou a Teoria Económica, que exige conhecimento rigoroso,

sistemático dessa realidade. Tais regras têm como principal

objectivo garantir que, nessa análise, não somos enganados por aparências, confusões, ideias feitas.

Só que essas ideias feitas, do «senso comum», são muitas vezes puramente falsas. É fácil que toda a gente esteja plenamente convencida de algo que é completamente errado. Por exemplo, no século XV todo o mundo, especialistas e leigos, acreditou durante décadas na existência do Mar Tenebroso, onde viviam monstros que destruíam os navios. Quem afirmasse o contrário seria apelidado de louco. Foi a experiência directa, científica, dos Portugueses que eliminou esse mito. Muitas vezes o que parece, não é.

Esta situação é o dia-a-dia das análises económicas. Os discursos de políticos, as notícias de jornais, as conversas de café estão cheios de ideias simples, atraentes, que parecem certezas indiscutíveis e que apenas denotam ignorância dos verdadeiros resultados rigorosos e científicos.

A única forma que o ser humano (excepto se possui poderes mágicos) tem para evitar isto é, pois, através da análise científica, do estudo sistemático e rigoroso dos problemas. É isto que aqui vamos fazer.

Como veremos, a Ciência Económica é composta por alguns princípios, poucos, muito simples, que devem ser sempre aplicados com inteligência. Desde que aplicados sempre, ninguém se engana. Se não o forem, como por vezes não são, dá erro.

Aliás, esta é uma característica muito importante que, ao longo da história da ciência, se tem notado em quase todas as «boas» teorias ou doutrinas:

– em primeiro lugar, a teoria baseia-se em poucos princípios, muito simples e de aplicação geral;

– por outro lado, a aplicação desses princípios a cada caso particular exige um estudo detalhado da situação concreta. Como disse Milton Friedman, um grande economista ainda vivo: «[A Economia] é uma disciplina fascinante. O que a faz mais fascinante é que os seus princípios fundamentais são tão simples que podem ser escritos numa página, que qualquer pessoa os pode entender, e que, no entanto, tão poucos o fazem.»

Mas, se os princípios essenciais são de aplicação geral, a sua concretização em cada caso gera resultados, prescrições completamente diferentes de situação para situação. Em Economia cada caso é um caso e não existem, como tantas vezes se observa nas propostas políticas reais, receitas de uso geral.

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Esta ideia, essencial para qualquer tratamento da política económica, é captada de forma muito particular por um dos mais célebres mottos do grande Alfred Marshall:

«A multiplicidade na unidade e a unidade na multiplicidade.»

Nela, o mestre queria significar que, em Economia, é necessário encontrar as muitas causas de cada fenómeno, mas também procurar as muitas situações em que a mesma causa aparece. Daqui sai a segunda conclusão da nossa introdução: poucos são os que procuram ter dos problemas económicos uma visão rigorosa e científica. É importante ter consciência de que a maior parte das ideias comuns sobre Economia não passaram pelo crivo científico e, por isso, podem estar erradas.

ALFRED MARSHALL (1842-1924)

Marshall, sem nunca deixar de ser um professor inglês metódico, brilhante e erudito, foi o grande arquitecto da Economia moderna. Tomando as obras dos seus predecessores, integrando-as mas ultrapassando-as, Marshall, no fim do século XIX e princípios do século XX, ordenou e estruturou a ciência económica em moldes que ainda hoje são as traves mestras da disciplina. Os seus profundos conhecimentos matemáticos, os seus raciocínios cristalinos e as suas grandes preocupações morais, sobretudo com os pobres, foram os elementos essenciais para essa construção. Desenvolvendo a sua actividade sobretudo na Universidade de Cambridge, as suas principais obras são Princípios de

Economia, de 1890, Indústria e Comércio, de 1919, e Moeda, Crédito e Comércio, de 1923.

1.1.1.3. A Economia é uma Ciência Humana

O facto de o objecto da ciência económica ser o próprio ser humano traz à Economia algumas características especiais, que ela partilha com as outras ciências humanas (a psicologia, a sociologia, a antropologia, etc.).

Em primeiro lugar, é de notar que esse facto torna a ciência muito mais difícil. É como jogar xadrez com peças que nunca estão paradas. O ser humano muda, é complexo e imprevisível. Se os resultados da análise da química, física, matemática se podem considerar imutáveis e obtidos de uma vez para sempre, nas ciências humanas a única garantia é que a certeza de hoje será contestada na nova realidade de amanhã.

Por outro lado, uma enorme quantidade de problemas científicos nasce do facto de o analista e o objecto de análise serem da mesma natureza. Os resultados da análise tocam pessoalmente o analista, pelo que é difícil separar o resultado científico da opinião pessoal.

Repare-se que, embora este aspecto seja típico das ciências humanas, ele está presente em toda a ciência sempre que esta toca um problema que afecte a vida de todos nós.

A principal questão que resulta daqui é a distinção entre ciência e

doutrina. A ciência, como vimos, descreve factos, estuda relações

de forma o mais rigorosa e neutra possível, para evitar ser enviesada por erros ou confusões. Estas envolvem ética e julgamentos particulares, que são diferentes de pessoa para pessoa.

A opinião de cada um, formada a partir do seu meio envolvente, da sua história concreta, dos seus interesses na vida, até dos seus estudos científicos particulares, é algo de pessoal e individual, que perdeu todas as características de generalidade e rigor do

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resultado científico. Na prática pode ser difícil separar as duas coisas, pois muitos fazem passar por indiscutivelmente científico algo que não passa da sua opinião pessoal.

No que toca às opiniões, o valor de cada uma é igual ao das outras. É por isso que nos sistemas democráticos os votos de todos e cada um são iguais, e não se dá peso à opinião do economista, do engenheiro ou do sociólogo nas votações sobre assuntos da sua especialidade.

Assim, sobre um certo problema podem existir várias doutrinas, representando as várias opiniões. Essas doutrinas baseiam-se em conhecimentos científicos, mas não são ciência. As duas, ciência e doutrina, são essenciais para enfrentar um problema económico particular, mas têm papéis diferentes. A ciência garante o rigor da análise e a exactidão das conclusões; a doutrina define os objectivos e a linha de conduta. Esta distinção é particularmente importante na Economia, como nas outras ciências sociais, porquanto é fácil e corrente alguns confundirem as noções, apresentando opiniões discutíveis como ideias cientificamente demonstradas.

É pois essencial, na análise de qualquer problema económico, buscar cuidadosamente quais das ideias presentes constituem resultados científicos e quais resultam da opinião doutrinal. Estes dois elementos estão sempre presentes, são ambos muito importantes, mas são diferentes e como tal devem ser tratados. É importante ainda notar a presença de um terceiro elemento que também aparece nessas discussões: o disparate. Uma boa análise económica tem de ter em conta o princípio essencial de toda a reflexão: nunca se deve subestimar a estupidez humana; o erro e o disparate aparecem por todo o lado e é sempre possível fazer pior do que se fez ou se previa.

1.1.2. Os princípios básicos de Economia

Como é que a teoria económica enfrenta os grandes obstáculos que se lhe apresentam e estuda este agente tão variável, multifacetado e imprevisível? O método utilizado baseia-se na aplicação sistemática de dois postulados de base, muito simples e gerais.

Estes dois princípios, que chamamos o postulado da racionalidade e o postulado do equilíbrio, constituem o essencial da abordagem

económica e são os elementos caracterizadores da Economia em relação às outras ciências. Como veremos repetidamente ao longo do nosso percurso, é a partir destes princípios que todos os resultados económicos são obtidos, e a sua riqueza é tal que uma enorme quantidade de ideias, com grande interesse prático e relevância concreta, resultam destas ideias muito simples.

Estes postulados são, hoje, justificados pelo facto de as teorias nele fundadas se terem mostrado eficientes. Mas a razão de fundo da sua escolha pode ser encontrada no tema do livro Principles of Economics de Alfred Marshall: «Natura non facit saltum», a Natureza não dá saltos. O verdadeiro significado destes axiomas, tão frequentemente confundido e mal compreendido, pode ser ilustrado brevemente com um exemplo muito simples e real e, à primeira vista, não económico.

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O PROBLEMA DO AUTOCARRO CHEIO

Repare-se que a compreensão do comportamento deste sistema (o autocarro cheio de pessoas) é uma tarefa científica semelhante à tarefa do economista que pretende entender o comportamento do sistema económico.

Uma das hipóteses de abordagem possível ao problema consiste em impor que os agentes que se encontram no autocarro são racionais. Trata-se da aplicação do postulado da racionalidade. Neste caso, a racionalidade significa que cada passageiro, no caso geral, vai procurar sair por aquela porta que está mais perto de si ou, em termos económicos, vai tentar minimizar o espaço percorrido, o esforço e o tempo despendido para obter o seu fim: sair do autocarro. «Sair pela porta que está mais perto» é a regra de conduta que cada um vai aplicar. Se está a chover ou se temos um amigo na parte de trás do autocarro, por exemplo, o comportamento racional leva a atitudes diferentes. O princípio básico da racionalidade é geral, mas a regra particular que dele foi deduzida só se aplica a certos casos, mesmo que seja à maioria, como no exemplo.

Claro que pode haver alguém que, sem razão, queira sair pela porta mais distante, empurrando todos ou esperando para ser o último. Mas este caso é claramente uma excepção e a sua existência não vai perturbar significativamente o nosso estudo do esvaziamento do autocarro.

Assim, o sistema (o autocarro) encontra um equilíbrio, que é como que uma racionalidade do grupo, onde cada um decide por si. Aplicamos assim o segundo postulado, o postulado do equilíbrio.

Não é preciso que todas as pessoas em todos os autocarros obedeçam estritamente a esta regra para que, com esta ideia, se consiga explicar o esvaziamento normal dos autocarros no fim da carreira.

Se os agentes são racionais e a sua interacção equilibrada, sabemos imediatamente o que esperar do sistema.

Por exemplo, é de notar que a utilização do princípio da racionalidade ou da maximização do bem-estar não implica necessariamente comportamentos éticos. Uma pessoa pode ser delicada e, ao mesmo tempo, ao escolher a porta de saída do autocarro, procurar a que lhe está mais perto.

Torna-se assim clara a verdadeira natureza dos axiomas e dos mecanismos económicos que deles derivam. Da sua aplicação resulta apenas a tentativa de evitar o desperdício e, por isso, eles são conceitos funcionais na sua essência.

Ao supor-se que maximiza o lucro, exige-se apenas que o empresário tente usar da melhor maneira os recursos de que dispõe para prosseguir os seus objectivos, que podem ser os mais altruísticos. A questão de saber se uma pessoa será respeitosa ou não, depende da atitude de cada um, e nada tem a ver com o postulado da racionalidade. Todo o comportamento humano tem um valor ético. Mas, qualquer que ele seja, ele pode ser (ou não) racional.

É também importante notar outra ideia que se pode deduzir do exemplo referido. Repare-se que, embora cada um esteja dedicado apenas à resolução do seu problema (o que, como vimos, nada tem a ver com egoísmo), consegue, sem dar por isso, resolver o problema global: o autocarro é esvaziado da maneira mais rápida possível. Este é o conceito da « mão invisível » que afirma que, se cada um prosseguir os

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seus objectivos próprios, se consegue no fim o máximo bem-estar para todos. Adam Smith foi o primeiro a notar de forma sistemática este aspecto, e algumas das suas observações tornaram-se célebres:

«Não é da bondade do homem do talho, do cervejeiro ou do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração em que eles têm o seu próprio interesse.» Smith (1776), vol. I, pág. 95.

«Cada indivíduo [...] não pretende, normalmente, promover o bem público, nem sabe até que ponto o está a fazer. Ao preferir a indústria interna em vez da externa só está a pensar na sua segurança; e, ao dirigir essa indústria de modo que a sua produção adquira o máximo valor, só está a pensar no seu próprio ganho, e neste caso, como em muitos outros, está a ser guiado por uma mão invisível a atingir um fim que não fazia parte das suas intenções.» Ibidem, I, 757-758.

Mais uma vez é patente o fascínio de Adam Smith por um sistema que, de forma surpreendente, aparece ordenado naturalmente sem que ninguém directamente contribua para isso.

Também neste caso, o conceito não apresenta qualquer conotação ética e pode também ser ilustrado pelo citado exemplo do autocarro.

Se na saída for respeitado o princípio da minimização do espaço percorrido pelas pessoas, como impõe a hipótese do teorema, então metade dos passageiros, a situada na parte dianteira do autocarro, tenderá a usar a porta da frente e a outra metade a porta de trás. As duas portas estarão completamente ocupadas durante o processo de saída, conseguindo-se assim esvaziar o autocarro no mínimo de tempo. Esta ideia é talvez o aspecto mais importante do estudo económico da sociedade global: a sociedade funciona bem, sem que ninguém se preocupe com isso. Na verdade, uma das motivações essenciais do estudo da Economia residiu no interesse em compreender este sistema em que, de forma inesperada, surgiu uma ordem onde seria de suspeitar que reinaria o maior caos se ninguém impusesse a disciplina.

Em todo este raciocínio nunca foram invocados conceitos éticos ou obtidos resultados valorizáveis subjectivamente. A solidariedade, noção eminentemente moral, não teve de ser chamada para a solução do problema global, e por isso, é aqui independente das análises de eficiência. Não é pois neste campo que se encontra o seu lugar na Economia e portanto não se procure aqui a sua aceitação ou recusa pela teoria económica.

O carácter funcionalista desta noção é posto em destaque pelo facto de nem sempre ela ser verdadeira. Na verdade, ainda no exemplo do autocarro, existe uma hipótese adicional que teve de ser introduzida para a sua verificação: a colocação simétrica das portas.

Considerando o tipo de veículo actualmente mais usado em Lisboa, a colocação das portas à frente e ao meio do veículo perturba a demonstração do teorema. O mesmo princípio de minimização do espaço leva, neste caso, a que pela porta da frente só saiam cerca de um quarto dos passageiros, os colocados mais perto do condutor, pois os outros todos estão mais próximos da porta central. Assim se impede que o autocarro seja despejado no mínimo tempo.

Aliás, é interessante notar que, neste caso, a equivalência entre a solução de minimização do espaço percorrido e a de minimização do tempo deixa de existir, sendo para alguns mais rápido sair pela porta mais afastada, o que fere a sensibilidade de qualquer economista que use os transportes públicos lisboetas.

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Se cada um dos agentes se preocupa apenas com a sua situação, não é neles que poderemos encontrar a resposta para um problema que é global. Mas na maioria dos casos (de certeza nos que nos interessam) existe um, mas só um agente que se preocupa com o problema global. A esse agente chamamos o Estado (que neste exemplo é substituído pela empresa de camionagem). No nosso exemplo, poderia ser colocado um funcionário na porta do meio, impedindo que por essa porta saíssem pessoas que se encontram na parte da frente do autocarro.

Mas, por vezes, o custo da intervenção é tal que não vale a pena. Este caso é um exemplo evidente: o custo de ter um funcionário à porta do autocarro é de tal maneira elevado que não justifica o ganho de alguns minutos na desocupação do autocarro. E aqui aparece outro dos princípios fundamentais da Economia: como em todas as decisões económicas, só o que der maior benefício líquido é que deve ser feito.

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1.2. A ciência económica

Antes de analisarmos os principais resultados da teoria, é conveniente delimitar o campo da nossa análise. Vamos nesta secção ver com mais cuidado o que é e como se faz o estudo da Economia.

1.2.1. Definição de Economia

Ao longo do tempo, muitas definições têm sido apresentadas para caracterizar a Economia. O que vamos fazer é reflectir um pouco sobre a essência da Economia, a partir de algumas ideias de definição apresentadas ao longo do tempo.

O grande Alfred Marshall, de que já falámos, um dos maiores economistas de todos os tempos, que viveu em Inglaterra no fim do século passado e princípio deste século, começou o seu livro essencial,

Principles of Economics, de 1890, com a frase:

«Economia é o estudo da humanidade nos assuntos correntes da vida.» [Marshall (1890), p. 1.]

Esta definição parece tão simples que quase é inútil. Pode dizer-se que o que vamos deduzir desta frase de Marshall é algo de essencial, que a maioria das pessoas, mesmo grandes especialistas da ciência, por vezes não leva em conta.

A primeira coisa que esta frase nos indica é que o que vamos estudar ao aprofundar esta ciência não são casos especiais, ou problemas grandiosos, não são questões que se situem longe, ou que só ocupem as pessoas importantes. O que a Economia estuda é o comum das realidades, a vida corrente das pessoas, de todas as pessoas e, sobretudo, das pessoas normais, porque são essas as que mais encontramos.

Na verdade, a Economia não estuda os assuntos económicos, e não os estuda por uma razão também muito simples: porque não há assuntos

económicos. O que existe são problemas.

Não há fenómenos eminentemente económicos. Os fenómenos não

são económicos, ou sociológicos, ou químicos. Os fenómenos são

fenómenos! A realidade é única e, na sua riqueza natural, contém

múltiplos aspectos particulares. Essa realidade e os seus múltiplos aspectos podem ser analisados de variados pontos de vista, económico, sociológico, químico, etc. Não é a Natureza que classifica a realidade, mas sim o estudo humano, organizado em ciência. Assim, qualquer problema real pode ser analisado do ponto de vista químico, físico, económico, social, etc.

Será que, quando uma pessoa compra um jornal, isso é um fenómeno económico? Por que razão não é possível ao sociólogo analisar o aspecto de encontro de classes sociais diferentes entre o jornaleiro e o comprador?

O que Marshall quer captar com a sua frase é exactamente este facto: a Economia estuda os assuntos correntes da vida. Não é só a Economia que estuda os assuntos correntes da vida, mas a Economia estuda

todos os assuntos correntes da vida.

Quer isto dizer que é possível fazer uma teoria económica de coisas tão «pouco económicas», mas pertencentes à nossa vida corrente, como as da poesia, do namoro, da religião ou dos divertimentos? Basta a esses

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fenómenos aplicar a metodologia, o prisma de análise da Economia, e obtém-se uma teoria económica desses fenómenos.

Uma questão diferente é saber se essa análise económica capta, através do seu prisma particular de enfoque, os aspectos mais relevantes para o estudo desse fenómeno. É provável que, se nos debruçarmos sobre um poema, o amor entre dois jovens ou as relações pessoais com Deus, e o fizermos através de um método económico (ou sociológico, ou químico), apenas captemos aspectos secundários dessa realidade.

Mas essa predisposição para certo tipo de fenómenos não impede a ciência de ser aplicada a outros problemas, e não quer dizer que a análise não possa captar aspectos inesperados e interessantes em campos que pareciam ser-lhe estranhos. Todos os assuntos correntes da vida do homem podem (e devem) ser objecto da Economia.

Mas qual é a particularidade do estudo da Economia? Para vermos isso vale a pena usarmos umas outras das tentativas de definição da ciência económica. Vamos ver a usada por Paul Samuelson no livro de 1948

Economics, que sucedeu ao livro de Marshall como manual básico que

ensinou Economia a gerações e ainda hoje é usado. Aí, Samuelson afirmou que «Economia» é o estudo de como as pessoas e a sociedade escolhem o emprego de recursos escassos, que podem ter usos alternativos, de forma a produzir vários bens e a distribuí-los para consumo, agora e no futuro, entre as várias pessoas e grupos na sociedade».

PAUL SAMUELSON (n. 1915) O

americano Paul Samuelson é um dos economistas vivos mais famosos e influentes.

Estes aspectos voltam a ser repisados adiante, com mais pormenor, mas vale a pena começar já por enunciá-los.

1.2.1.1. Estudo do comportamento dos agentes e

da sociedade

O objectivo da Economia é, como já dissemos, o ser humano, mas nele, a Economia dirige-se à compreensão do seu comportamento. Trata-se, como já vimos, de uma ciência e, por isso mesmo, o seu propósito é o conhecimento e a compreensão da realidade. Se alguém julgava que o propósito da Economia era outro (por exemplo, aprender a ganhar dinheiro) o melhor é desistir já.

Uma sociedade é uma amálgama de agentes, que se compõe do comportamento diferente de cada um deles. A Economia estuda agentes, mas agentes em relação, e o comportamento individual tem sempre de ser colocado na perspectiva da relação interpessoal. Claro que é possível analisar economicamente os problemas de um agente isolado, mas a relação (neste caso a falta dela) tem sempre efeito sobre o comportamento individual.

1.2.1.2. Bens e recursos

Na definição de Samuelson, os elementos essenciais são referidos à formulação gramatical da frase.

Aparece aqui, pela primeira vez, um conceito essencial em Economia: o bem. O que é um bem? A definição económica de bem é algo que satisfaz uma necessidade humana. O pão que satisfaz a fome, a roupa, a chapa de ferro são bens. Mas também

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uma aula de Economia, um concerto, o ar, uma cama, um cão, uma conversa com um amigo, tudo isto são bens económicos. O erro de considerar que só algumas coisas, as materiais, é que são económicas, é um erro comum, mas que deve ser refutado.

Isso quer dizer que o que determina se uma coisa é ou não um bem é o ser humano e as suas necessidades. Por isso é que a Economia é uma ciência humana. As necessidades que aqui são consideradas são as necessidades, todas as necessidades dos seres humanos. Não se entra aqui com discussões ético-morais que, embora sejam muito importantes para a vida da sociedade, não é aqui que têm a ver com a nossa análise científica.

Como vimos atrás, estas realidades, além de serem, para o economista, bens económicos, são, simultaneamente, componentes sociais, fenómenos físico-químicos, etc. É importante não ignorar que a realidade permanece una, mesmo quando nós, por motivos de análise, a dissecamos.

Mas existem algumas coisas que não satisfazem directamente as necessidades humanas e, por isso, estritamente não são bens, mas servem para produzir bens. A essas entidades económicas chamamos recursos. Um pedaço de terra ou uma máquina não são bens, mas algo que produz bens; são recursos. O trabalho é também um recurso, mas também pode ser um bem, se se tira prazer do que se faz.

1.2.1.3. Escolha e escassez

O outro elemento caracterizador da definição de Samuelson é o verbo, o predicado da frase.

Um dos elementos humanos que mais encaixam na abordagem particular da economia é o da escolha. A escolha é um elemento essencial da Economia, pois é dessa decisão que nasce o problema a resolver pelo agente ou pela sociedade, o qual vai motivar o comportamento. Como veremos adiante, a Economia gosta de analisar a realidade em termos de decisões ou escolhas, pelo que a sua presença é essencial.

Para haver escolhas são precisos vários elementos. Um dos principais é a existência de alternativas. Se não há alternativas para escolher, a escolha é forçada, pelo que não existe.

Outro elemento essencial para a existência de escolha é a liberdade. Para existir uma escolha é não só necessário que as alternativas existam, mas também que seja física e humanamente possível optar entre elas e eleger qualquer uma delas. A liberdade de opção é um elemento essencial da escolha. Uma escolha forçada não é escolha.

Mas mesmo que existam alternativas, muitas necessidades para satisfazer, e a liberdade de escolher como satisfazê-las, se os bens disponíveis para satisfazer essas necessidades forem mais do que suficientes para todas elas, não há problema económico. Embora a respiração seja uma necessidade vital para todos nós, não há problema económico no consumo de ar, pois a atmosfera chega e sobra para todas as nossas necessidades de ar1.

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1 A poluição pode tornar a respiração do ar um problema económico, tal como ela já é para um

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Por essa razão, a economia está muito ligada ao conceito de

escassez, porque é ela que causa a necessidade de escolhas e

decisões que, como vimos, são essenciais para um problema económico.

1.2.1.4. Consumo

A finalidade da Economia é o estudo da satisfação das necessidades humanas através de bens. Ao acto de satisfação das necessidades, chamamos consumo. Assim, o consumo é a utilização de bens para a satisfação das necessidades. Tal como antes, o que determina este conceito é o ser humano e a sua actividade.

Repare-se que o consumo não tem de ser material. Um soneto, uma sinfonia, são bens económicos e o acto de os utilizar, contemplando-os ou escutando-os, é consumo. O problema do eremita ou o problema do empresário com duas casas e três carros é, economicamente, do mesmo tipo: um problema de consumo. A nós parece-nos diferente porque ele é social, moral, culturalmente diferente. Mas economicamente, o problema é o mesmo: necessidades (diferentes) satisfeitas por consumos (diferentes) de bens (diferentes).

Por outro lado, o consumo é a única finalidade do comportamento económico: a satisfação das suas necessidades.

1.2.1.5. O tempo

Todas as pessoas, ao decidirem como devem usar os bens para consumo hoje, entram em conta com o que prevêem que possa vir a acontecer. Por outro lado, o facto de o futuro ser incerto complica fortemente essa decisão. Por todas estas razões, o tempo é um dos elementos mais importantes da Economia e mais difíceis de analisar. Assim, e mesmo que, para simplificar, tenhamos que abstrair da sua existência em certas partes da nossa análise, é importante ter consciência da sua presença.

Através destas definições de Economia foi possível determinar os principais elementos de uma análise económica. Seguidamente, estes elementos serão observados com mais cuidado, para determinar a sua verdadeira natureza.

1.2.2. A abordagem científica

Não é aqui o lugar para descrever em pormenor este instrumento nos seus detalhes, mas vale a pena considerar algumas das suas características e dos seus problemas.

Métodos expeditos e fáceis de acesso à realidade podem, normalmente, gerar uma visão distorcida e errónea dos fenómenos. Daí que a actividade científica seja, simultaneamente, uma aventura, cheia de emoções e percalços, e um exercício de rigor e pormenor, exigindo extrema atenção e minúcia.

É costume dizer que a experimentação não tem lugar na Economia. Na verdade, poucas são as situações em que é possível realizar algo de semelhante aos testes laboratoriais controlados da Física ou da

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Química2, pois seria imoral usar pessoas ou sociedades como cobaias

da ciência. Mas se o cientista social tem de se privar do recurso a testes para avaliar as suas teorias, a História tem criado verdadeiras experiências, que em tudo são semelhantes às laboratoriais, excepto no controlo das amostras. Talvez a experiência mais simples fosse dividir um país ao meio, aplicar um dos sistemas em cada parte do país, deixar passar umas décadas e avaliar os resultados. Na história recente, o fluir natural dos acontecimentos criou exctamente essa situação, com a Alemanha e a Coreia, por exemplo. É claro que o facto de o país não ter sido escolhido pelos cientistas e a sua divisão não ter sido realizada em condições laboratoriais pode enviesar os resultados. Mas seria possível conceber uma experiência rigorosa que fosse muito diferente?

Na verdade, este exemplo corresponde ao segundo instrumento do método científico, a observação. A observação directa dos fenómenos é a grande fonte de informação para a Economia. Ao longo dos tempos, muito do esforço que os economistas gastaram nos seus estudos foi na recolha de factos e dados. O rigor e a minúcia na recolha desses dados é algo de essencial para a Economia, de tal modo que muitos dos avanços na metodologia geral de recolha e tratamento de dados quantitativos se deve a economistas3.

Na verdade a observação da vida económica concreta, do comportamento dos consumidores, empresas e governos fornece uma enorme quantidade de informação que está disponível ao cientista para classificar, delimitar e interpretar.

A análise científica constitui a terceira parte do método científico. Na verdade, é preciso alvitrar uma explicação, um mecanismo para compreensão do fenómeno observado. Essa explicação, a que se chama «teoria», consiste numa invenção abstracta do analista, o seu entendimento profundo do fenómeno. Pode estar cpmpletamente errada, por nada ter a ver com a realidade, ou adaptar-se muito bem aos contornos do problema em análise. Mas, de qualquer forma, trata-se de uma construção abstracta e metodológica, que é sempre artificial.

Devido a essa artificialidade, torna-se necessária uma fase posterior de teste da teoria, ou seja, da verificação se a forma como se comporta o fenómeno tem alguma relação com a teoria particular que foi construída. A simples descrição destas actividades é suficiente para sublinhar a sua dificuldade. Apresentar uma ideia sobre um problema, com todas as suas implicações e consequências, e verificar a semelhança entre esta construção abstracta e a realidade é uma das tarefas mais profundas e complexas da ciência. Por essa razão, ao longo do tempo, a ciência foi aperfeiçoando instrumentos para facilitar a sua execução.

Muito se tem dito da matemática e da estatística como veículos de exposição e teste de teorias, apoiando ou contestando o seu uso. Não é aqui o lugar para debater este assunto, mas vale a pena notar que o uso destes instrumentos tem como única finalidade facilitar a apresentação e desenvolvimento da teoria científica.

Na verdade, a matemática é apenas uma linguagem, mas uma linguagem que tomou o rigor como linha condutora da sua estrutura. Assim, ela foi construída para ser a única linguagem no mundo na qual

_______________________________________

2 Embora se tenham realizado, em alguns países, actividades que em tudo podem ser classificadas

como experiências económicas. Por exemplo, as autoridades fiscais de alguns Estados introduziram variações no sistema de tributação em determinadas zonas de um país, as quais, depois de verificadas as suas consequências, eram estendidas a todo o país ou eliminadas.

3 Isto é de tal modo assim que muitos ainda chamam à técnica de regressão, uma das principais

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não pode haver mal-entendidos. Por essa razão, ela é um instrumento precioso para o analista de qualquer ciência, que quer ser claro e rigoroso. Por isso, a matemática é óptima para a «dedução», ou seja, para o desenvolvimento pleno das implicações da ideia teórica.

No que toca à estatística, ela é também um instrumento para testar, da forma mais rigorosa, a semelhança ou a diferença entre duas realidades, quantitativas ou não.

No fundo, o que se passa é que o cientista tem consciência da facilidade com que se engana e do enorme número de erros, confusões e mal-entendidos que se fazem em qualquer estudo. Se for possível apresentar em termos matemáticos e estatísticos as suas ideias, é muito mais difícil cair em erros e muito mais fácil detectá-los e corrigi-los se eles acontecerem.

Estes dois aspectos que vamos focar resultam, em particular, do facto de a Economia ser uma ciência humana. Assim, o objecto desta ciência é a realidade complexa e variável das relações humanas, que constitui uma intrincada rede, influenciada por múltiplos factores incontroláveis.

Os dois elementos que vamos tratar, a hipótese coeteris paribus e a do estatuto estatístico das leis económicas, são os métodos mais poderosos que a ciência pode utilizar para o domínio da complexidade da realidade. Mas o poder destes métodos faz com que, se mal utilizados, se gere o risco de cometer erros graves de análise. Estes mau uso é de tal modo frequente que, para muitos, os pontos que vão ser referidos são considerados as principais fontes de erro em Economia.

Para resolver esta questão, o economista vê-se obrigado a isolar uma parte do problema, anulando, por meio do que pode ser considerado um truque laboratorial, o resto dos elementos relevantes. Assim, quando um economista afirma que uma subida de preços, por exemplo, causa uma descida da quantidade procurada supõe sempre que tudo o resto para além dos preços (as condições do produto, o meio ambiente, a vontade do consumidor, etc.) se mantém constante, e que apenas este pequeno aspecto da realidade foi alterado. Deste modo é-lhe possível, reduzindo o problema a uma dimensão tratável, obter conclusões claras.

Na realidade, a variação de preços seria acompanhada por uma enorme variedade de outros fenómenos, alguns acidentais, outros paralelos e outros até resultantes da própria variação dos preços. É dessa enorme quantidade de factos que resulta a situação concreta que a Economia vive, e elas poderiam perturbar os resultados do estudo.

No nosso exemplo, se a subida de preços fosse acompanhada de uma descida de impostos, a quantidade procurada do bem poderia até subir. Ou se, depois da subida do preço, o bem (uma camisola) tivesse uma etiqueta Cristian Dior, um símbolo do Benfica ou a fotografia do Marco Paulo, ou ainda se agora estivesse mais calor, tudo isto faria, possivelmente, alterar a conclusão. Este truque ficou conhecido em ciência como «hipótese coeteris paribus», expressão latina que significa que «oresto fica igual».

Na verdade, cada economista, ao estudar um problema, necessita de, logo de início, escolher o que é relevante, para introduzir na sua análise, enquanto o resto é eliminado, porque mantido constante (coeteris

paribus). Se forem esquecidos aspectos importantes, o estudo erra nas

suas conclusões, se incluídos aspectos irrelevantes como variáveis a investigação torna-se demasiado complexa.

Cada teorema ou conclusão foi deduzido em condições claras e bem definidas, e só é válido nessas condições. Se isto for esquecido e se tentar aplicar a outras condições, eles deixam de ser válidos, resultando

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graves erros, que não são culpa dos teoremas, mas de quem os não sabe aplicar.

O outro problema, também ligado às características humanas do objecto da Economia, é o da incerteza. A realidade, além de complexa, é extremamente volúvel e variável e, consequentemente, as leis e os teoremas económicos nunca conseguem captar a enorme variedade das realizações concretas dos fenómenos. Por essa razão, as leis e os teoremas económicos são leis estatísticas. Assim, elas não são leis universais e imutáveis, não se aplicam a todos os casos, mas apenas, «em média», à generalidade das situações «normais». Marshall resumia este facto ao afirmar que «As leis da Economia devem antes ser comparadas com as leis das marés em vez de com a lei, simples e exacta, da gravitação« [Marshall (1890), p. 26].

Assim sendo, ao observar um tipo de problema económico, é de esperar que a maior parte das situações obedeça ao teorema apropriado, mas não é de excluir o aparecimento de um caso estranho e abstruso, que não se enquadra nesse teorema. O mal não está no teorema nem na situação; apenas é a manifestação da enorme variedade da Natureza. Exigir que toda a realidade humana caiba numa fórmula geral é um erro de incompreensão dessa realidade.

Por exemplo, uma subida de preços reduz, normalmente, a quantidade procurada. Se é de esperar que, na generalidade dos casos, exista mesmo uma queda da quantidade procurada, pode acontecer que, em certo bem, para certo consumidor, tal não aconteça. Ou então, se um economista chega à conclusão de que, para cada subida de 10 €, a quantidade procurada cai de 4 unidades, ninguém espera que essa queda seja exactamente de 4 unidades, mas apenas de cerca de 4 unidades.

Existem outras fontes de erro na Economia. Em primeiro lugar o facto de, sendo uma ciência humana, o grau de subjectividade incluído nos julgamentos ser muito maior que numa ciência chamada exacta4. Não ter

consciência desta subjectividade pode ser extremamente perigoso. Outra fonte de erro é a chamada «falácia da composição»: o que se passa numa parte não é necessariamente válida no todo.

Finalmente, deve ser referida uma das fontes de erro mais frequentes da Economia, como o é de toda a ciência, e até da vida corrente: a falácia

do post hoc. Esta falácia – que está ligada à frase latina post hoc, ergo

propter hoc, ou seja, «depois de, por isso por causa de» – corresponde à

atribuição de um nexo de causalidade entre dois factos apenas contemporâneos. É um erro comum, de conclusão precipitada.

Porque eu velo as acções na bolsa descerem depois de subir um imposto deduzo que a bolsa caiu por causa do imposto. Pode ser que haja razão para isso, mas pode também ser que não. Se existe uma teoria que supõe que a subida dos impostos tem efeitos negativos na bolsa, é claro que esta verificação pode ser utilizada como observação abonatória para a teoria.

Por vezes, a simultaneidade dos acontecimentos é mera coincidência. Outras vezes é apenas uma má interpretação. Noutros casos, o que se passa é que existe uma terceira causa, que provoca os dois factos verificados, sem haver causalidade directa entre os dois.

Esta falácia do post hoc é das mais perigosas, porque se baseia numa observação directa. É muito difícil convencer alguém que viu algo de que ________________________________

4 Quando a física trata de energia atómica ou a biologia discute quando é que um feto é uma pessoa,

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a conclusão que tirou dessa observação é um produto do seu raciocínio ou da sua imaginação, não partindo necessariamente da informação que obteve.

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1.3. O problema económico

Vimos que a Economia era o estudo da realidade, da realidade toda, de um ponto de vista particular. Mas vimos também que, se toda a realidade pode ser encarada de um ponto de vista económico, nem toda a realidade tem um

problema económico. Só existe um problema económico quando existe a

necessidade de tomar uma decisão, e esta só aparece quando existe

escassez e escolha . Estes casos são aqueles onde a aplicação da análise

económica traz algum resultado interessante. Quando não há necessidade de tomar decisões, não há problema.

1.3.1. Escassez e escolha

A escassez é um elemento fundamental para o aparecimento de um problema económico. A escassez consiste na impossibilidade de os bens disponíveis satisfazerem as necessidades presentes. Assim, o conceito de escassez, como todos os outros conceitos económicos, depende centralmente das necessidades humanas. São estas que definem se um bem é ou não escasso. Assim, a situação de escassez de um bem pode ser alterada radicalmente devido apenas à alteração de gostos das pessoas.

O petróleo ou o urânio não eram escassos antes de se ter descoberto a tecnologia que permitiu aproveitá-los como fonte de energia. Um programa de televisão pode tornar escasso um produto que até então nem sequer era um bem económico (se um cantor da moda convencer os seus fãs a usarem ossos de frango ou cascas de melão na lapela, por exemplo).

Não há escassez de ar para respirar (embora ar puro seja muito escasso nas nossas cidades), ou de lugares num cinema vazio. Mas cuidado, a escassez nem sempre é o que parece e varia com as circunstâncias. Por exemplo, existem muitas pedras pelo mundo, e por isso elas parecem não ser excassas, mas algumas delas são escassas, porque é preciso apanhá-las, cortá-las, para fazer calçadas. O que é escasso é a pedra tratada e colocada no sítio em que é necessária.

Mas a principal razão que causa a escassez é a existência de necessidades humanas ilimitadas. Por isso, não é fácil imaginar uma sociedade sem escassez.

É importante notar que a escassez e a escolha estão ligadas. É a escassez que gera alternativas. Se não houvesse escassez era possível ter todas as alternativas e, se se pudesse ter todas as alternativas, não teria de haver uma escolha. Daí a razão de haver escolha reside na

escassez5, ou seja, o facto de não ser possível produzir tudo o que se

deseja. Se é preciso escolher, isso significa que para satisfazer uma necessidade é preciso sacrificar uma outra, ou seja, existe um custo. Chamamos ao conceito económico de custo (o único conceito económico de custo) custo de oportunidade. O custo de algo é o valor do que de melhor deixámos de fazer para fazer o que fizemos.

O custo de um livro não são os 25 € que uma pessoa pagou por ele, mas o valor do que ela deixou de fazer com esses 25 €, para poder comprar ________________________________

5 É importante referir um outro caso em que, mesmo existindo escassez, não existe problema

económico. Esse é o caso de inexistência de alternativas. Se há apenas uma hipótese, nesse caso não existe escolha, e mesmo que as necessidades não possam todas ser satisfeitas, havendo escassez, não há problema económico.

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esse livro. É a satisfação que deixou de ter com o que poderia ter comprado em vez de comprar o que comprou. Claro que poderia escolher fazer muitas outras coisas, mas o que nos interessa para definir o custo é o que de melhor deixou de fazer.

Na verdade, como é racional, se não tivesse comprado o livro, teria gasto o dinheiro noutra coisa, a que lhe daria mais satisfação a seguir ao livro. Por exemplo, se uma cassete fosse o que, na ausência do livro, mais gostaria de ter comprado, então o valor da cassete seria o custo de oportunidade do livro. O custo do livro é pois a satisfação que a cassete (que não se comprou) daria6.

Repare-se que em Economia, na verdade, não há custos. O que existe são benefícios das alternativas. Se o que interessa são as necessidades humanas, o custo de uma satisfação é a satisfação que se deixou de ter, por ter a que se teve.

A forma mais simples de expressar o fenómeno da escassez é através de uma velha frase da Economia: «não há almoços grátis». Esta frase é a expressão simples da ideia de que não é possível ter uma coisa escassa de borla.

Se alguma coisa, sendo escassa, é, em certo caso, grátis, então ou alguma outra pessoa pagou ou pagou-se sem dar por isso. Uma coisa escassa nunca é de graça, embora possa parecer. Muitos querem fazer-nos crer que alguma coisa fazer-nos é oferecida (remédios da Caixa, autocolantes das campanhas eleitorais, etc.). Mas, na realidade, o que aconteceu é que o custo foi disfarçado, foi já pago por nós anteriormente, ou virá depois. Uma coisa grátis só o é porque não há escassez dela: água do rio, luz do Sol, areia da praia. Mas a maior parte das coisas da vida não são grátis.

Mas então que pensar da frase popular: «As melhores coisas da vida são grátis?» O sentido económico dessa frase seria que a amizade, um sorriso, uma paisagem, não são bens escassos. Se é esse o sentido, então devemos deduzir que a Economia tem pouco interesse para as melhores coisas na vida. Mas o facto de apenas interessar a coisas menos importantes (como os almoços) não quer dizer que a Economia deixe de ser importante.

Mas será esse o sentido? Será que a amizade é grátis? Uma coisa é grátis quando não tem custo. Mas o custo não está apenas definido em dinheiro. Como vimos atrás, o custo de algo é aquilo que tivemos de sacrificar para satisfazer essa necessidade. E todos sabemos como a amizade, um sorriso, uma paisagem exigem sacrifícios para serem mantidos. Talvez que a frase «as melhores coisas na vida são grátis» queira apenas dizer que não custam dinheiro, e não que não têm custo. Em termos económicos seria mais correcto dizer «as melhores coisas da vida não passam pelo mercado», mas bem sabemos que têm custo. Deste modo, sabemos que nem tudo o que desejamos pode ser satisfeito. As necessidades são de mais para os bens disponíveis ou produzíveis. É preciso escolher, decidir. A questão que se levanta é a da

escolha. A selecção das necessidades que vão ser satisfeitas em

relação às que vão ser preteridas.

Na visão popular, os problemas económicos são apenas problemas materiais, de produtos comprados e vendidos no mercado, pagando im-________________________________

6 Note-se que o valor dessa cassete deve ser inferior ao do livro, pois se fosse maior, a pessoa seria

irracional, pois não devia ter comprado o livro, mas sim a cassete. Como se disse atrás, só é racional tomar decisões que têm um benefício líquido positivo, ou seja, em que o seu valor é maior do que o custo.

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postos e recebendo subsídios.

Mas sabemos já que o que é determinante para a existência de um problema económico não é a presença do mercado, de fábricas ou do dinheiro. O que é determinante é a presença de necessidades humanas e a escassez de bens. Assim, o problema de ir hoje ao cinema ou ficar em casa a ver televisão, a questão de escolher entre Shakespeare ou Gil Vicente para representar são problemas económicos igualmente, pois neles está presente a escassez e a escolha.

Várias formas foram utilizadas, por vários autores, para exprimirem as características essenciais desta escolha, do problema económico. Qualquer problema económico se resume a uma destas perguntas:

O que produzir? O que é que as pessoas querem consumir?Como produzir?

Para quem produzir?

Outros preferem resumir o problema económico em várias actividades:

produção, consumo e distribuição. Segundo esses, o problema

económico pode ser de aplicação dos recursos escassos na produção de bens, de distribuição dos bens produzidos pelos vários agentes da economia ou de satisfação das necessidades dos agentes, através do consumo.

1.3.2. Racionalidade e interdependência

Daqui saem as duas hipóteses fundamentais, que já atrás vimos e que nos vão acompanhar ao longo de todo o estudo da Economia:

os agentes são racionaisos sistemas equilibram

Estas são as hipóteses-base de toda a teoria económica, e delas saem praticamente todos os teoremas da economia. Nesta secção veremos com mais cuidado o que são e o que significam estas hipóteses.

As escolhas económicas podem ser feitas de muitas maneiras diferentes, tantas quantas as pessoas que existem. Elas respeitam a hipótese essencial, pois a resolução económica exige a racionalidade. À primeira vista, a hipótese da racionalidade parece algo estranha, mas, como já vimos, ela representa algo que é eminentemente humano, e por isso foi escolhida como base da ciência humana que é a Economia.

1.3.2.1. Optimização

O primeiro elemento da racionalidade é tirar partido de uma

melhoria, em relação aos objectivos do agente, sempre que essa

alternativa não represente custo adicional. Como disse o grande economista irlandês Francis Y. Edgeworth, «o primeiro princípio da Economia é que cada agente é motivado apenas pelo interesse próprio» - Edgeworth (1881), p.6.

Equivale a supor que não se escolhe uma má solução, quando estão disponíveis outras melhores. Mas para saber se uma situação é ou não racional, preciso de ter a certeza de duas coisas: a) Disponibilidade: as oportunidades têm de estar mesmo

disponíveis e todas igualmente disponíveis. E é fundamental notar que disponibilidade não é só disponibilidade física, mas moral, social, etc. Como já vimos atrás, a racionalidade e a busca da optimização não implica que se roube ou atropele as

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regras (repare-se que nesse caso existe um custo, pela perda de respeito próprio, de bem-estar do próximo, que pode ser muito importante).

Na verdade, duas situações que parecem iguais nos seus resultados podem ser muito diferentes na avaliação de pessoas diferentes. Pode ser racional uma pessoa recusar-se a pagar um suborno a um burocrata, mesmo que estivesse disponível para pagar-lhe o mesmo montante em taxas. É claro que se uma pessoa não tem escrúpulos, o crime pode ser racional. Assim, para avaliar da racionalidade da atitude de uma pessoa é pois necessário ter em conta a subjectividade particular dessa pessoa, que define a posição moral do agente e é essencial para determinar da disponibilidade de certas acções. b) O outro aspecto é a definição de o que é melhor. O que é

melhor para uns pode não ser para outros. Mas porque ele não escolhe o que eu escolheria na situação dele, ele não é necessariamente irracional, apenas tem gostos diferentes.

1.3.2.2. Coerência

O segundo elemento da racionalidade é a coerência: se, entre duas alternativas, uma pessoa escolhe uma, todas as vezes que estiver nas mesmas circunstâncias, deve manter a escolha.

Aqui, o elemento fundamental é a questão de saber o que significa

as mesmas circunstâncias. É claro que pode preferir chá no

Verão e café no Inverno, ou chá se não tiver açúcar e café com açúcar. Isso são situações diferentes, avaliadas de maneira diferente pelas mesmas preferências. Uma pessoa pode mudar de gostos, ao longo do tempo, e isso não implica falta de coerência, desde que, quando tem certas preferências, elas sejam coerentes. Estes são os elementos fundamentais da racionalidade: a optimização e a coerência. A utilização da hipótese da racionalidade traz à Economia uma ordem e lógica de raciocínio que são a sua característica essencial.

Será que é realista a racionalidade?

Na verdade, nem sempre é realista supor a racionalidade. Há exemplos estudados de irracionalidade, e todos nós conhecemos, em nós, decisões que não foram feitas ou coerentes. No fundo, a hipótese da racionalidade é uma simplificação teórica que é feita pela Economia para facilitar a obtenção de resultados. O economista supõe que não existem decisões irracionais, ou que estas são pouco importantes.

Mas, a racionalidade não é tão irrealista como pode parecer. A exigência que se coloca a uma escolha para ela ser racional é tão fraca que se pode dizer que a grande maioria das decisões humanas, se bem analisadas, são mesmo racionais. É certamente impossível encontrar alguém que, sistematicamente, decide escolher o que sabe ser contra os seus próprios desejos. Na verdade, definida com a generalidade com que o fizemos, é mesmo difícil encontrar uma decisão totalmente irracional.

Só é irracional se violar as condições muito gerais que foram apresentadas. É preciso confirmar se as alternativas são mesmo acessíveis, e quais os gostos, circunstâncias e subjectividade dos agentes envolvidos.

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Por exemplo, se num supermercado, entre produtos iguais, com preços diferentes, se vende mais o mais caro, a situação parece irracional. Mas será que são mesmo iguais? A embalagem, o nome, o brinde, a atitude da empresa não levará um a ser mais atractivo? Ou será que é um truque do supermercado, pondo mais acessível o mais caro, levando o cliente a creditar, automaticamente, que todas as embalagens iguais têm igual preço, e por isso nem confirmam os preços?

Outra situação muito frequente é tomar a posteriori como irracional uma decisão já tomada. A racionalidade da decisão deve ser avaliada no momento da decisão, a priori, e não quando vemos os seus resultados, a posteriori; deve ser avaliada nas condições iniciais, e não pelos resultados.

A racionalidade leva cada um a produzir o que sabe fazer melhor, e a consumir o que gosta mais.

Mas como é que isto é possível? Aqui temos um paradoxo central da Economia, mas cuja solução é bem simples, como aliás todos os princípios económicos. Para a sua solução teremos de chamar a segunda hipótese, do equilíbrio dos mercados.

O sistema económico, que é forma de resolver o problema económico, centra-se na troca. E quanto mais trocas existirem melhor, porque quanto mais trocas forem possíveis mais racional é a afectação, menos se é obrigado a consumir o que se produz e menos obrigado a produzir o que se consome.

Voltamos a encontrar a descoberta de Adam Smith que deu origem à teoria económica. O essencial desta descoberta é que, na troca,

as duas partes ganham. E agora somos capazes de perceber

porquê. A razão reside no facto de, pela troca, cada um poder aproximar-se mais da situação em que produz o que melhor sabe fazer e consome o que mais gosta, ou seja, melhorar a sua situação. E como a troca tem de ser voluntária, os dois lados da troca estão a conseguir essa melhoria. Foi este facto que o maravilhou e que motivou o estudo da Economia.

Devemos, no entanto, dizer que se esta descoberta esteve na base da Economia ela não é consensual. Alguns economistas discutiram este aspecto, defendendo que, na maioria das situações, quando duas pessoas trocam, um ganha e o outro perde, um explora e outro é explorado.

Será que no nosso mundo há harmonia e benefício mútuo, como dizia Smith, ou «anda meio mundo a enganar outro meio», na opinião de Marx? Será que devemos evitar trocar, com medo de sermos explorados, ou podemos trocar normalmente, embora devamos ter cuidado para não sermos enganados? Repare-se que a questão não é moral mas económica. Nem Smith achava que todos eram santos, nem Marx que todos eram facínoras. O que se passa é que o sistema, no caso smithiano, funcionava bem e, no caso marxista, mal.

KARL MARX (1818-1883)

Marx foi um grande economista alemão, discípulo de Smith que juntou a um profundo conhecimento de teoria económica uma forte formação filosófica e política. As suas principais obras são o Manifesto Comunista de 1848, que escreveu com o seu amigo Friedrich Engels, e uma análise de fundo do sistema económico da época, a que Marx chamava «capitalismo», no livro O Capital, de que publicou apenas o primeiro volume em 1867, encarregando-se os seus amigos de editar, depois da sua morte, os outros volumes.

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Por exemplo, por que razão há países ricos e países pobres? Trataremos esta questão na parte final do livro, mas podemos desde já ver que Smith dizia que a razão estava nas trocas não serem suficientes entre os pobres, por vários motivos (isolamento, dificuldades de contacto, falta de vontade, etc.).

Tudo isto é consequência de que, ao recusar o benefício mútuo da troca, Marx recusa um aspecto central da Economia, porque tem a ver com a troca. Daí nasce o grande cisma da economia.

Mas voltemos à troca. A constatação da sua importância tem como consequência um dos factos mais importantes do sistema económico: em economia, tudo tem a ver com tudo. A

interdependência é uma realidade essencial do problema

económico.

1.3.3. As possibilidades de produção

O problema económico constitui o tema central da Economia e, por isso, será o tema mais analisado adiante. Mas, nesta primeira abordagem, será conveniente exemplificar com uma ilustração desse problema. Vimos que o objectivo da actividade económica era o de satisfazer as necessidades humanas, as múltiplas e variadas necessidades humanas. Para isso, os agentes faziam consumo de bens. Normalmente precisam de ser produzidos, ou seja, de sofrerem alterações que os tornem aptos para satisfazerem as necessidades humanas. A produção faz-se a partir de recursos e factores produtivos.

No entanto, chamamos factores ou recursos apenas a três tipos de coisas:

a terra ou recursos naturais, que inclui a terra arável, os minérios, a

água, a energia, os peixes do mar, etc.;

➢ o trabalho , que é toda a actividade humana para produção;

➢ o capital , que é constituído pelos instrumentos duráveis, como

máquinas, fábricas, estradas, pontes, prédios, etc.7

Estes são os recursos ou, como alguns preferem chamar-lhes, os «recursos primários». As outras coisas que servem para a produção de um bem podem sempre resumir-se a estes três, a que chamamos «bens» ou «recursos intermédios», por estarem entre os recursos e os bens. Para produzir pão , é preciso trabalho, forno (capital) e farinha. Para produzir farinha é preciso trigo, trabalho e o moínho (capital). Para produzir trigo é preciso terra, trabalho, máquinas agrícolas e sementes, e assim por diante.

Assim, temos três tipos de entidades económicas:

os bens (o pão) que têm utilidade em si,

os recursos ou factores produtivos (terra, trabalho e capital) e

recursos intermédios , que são produzidos mas não têm utilidade em

si.

Por vezes, em certas situações particulares, há dificuldades de distinção entre os três:

• um lápis pode ser considerado capital ou, como se gasta rapidamente

na produção, ser um recurso intermédio;

• o pão pode ser bem final, ou recurso intermédio para fazer açorda;

________________________________

7 O conceito de «capital» é claramente o mais complicado dos três. Temos de ter cuidado com o facto

de alguns chamarem «capital» a um montante de dinheiro, acções, etc. (o capital financeiro). Como adiante veremos, isso só é capital na medida em que representa o verdadeiro capital, que são os instrumentos de produção. Todas estas dificuldades, resultantes da própria natureza do capital, serão, na medida do possível, abordadas adiante.

Referências

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