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2. Teoria Económica

2.1. Teoria do valor: agentes racionais

2.1.1. Teoria do consumidor

2.1.1.2. A decisão do consumidor

Partindo da utilidade que atribui a cada bem, aos mais diferentes bens, o agente, que é racional, vai escolher a combinação que lhe dá maior satisfação, dadas as limitações.

Atrás já vimos que os bens podem ser de qualquer natureza, pelo que neste estudo podemos incluir decisões sobre poemas, amigos ou viagens. Mas também os conceitos de «rendimento» e «preços», como a escassez, podem ser generalizados.

Na verdade, o «rendimento» poderá ser um certo período de tempo, que o agente tem de afectar a várias actividades, cada uma com certa duração; ou a atenção que uma mãe tem de dedicar aos vários filhos, cada um com as suas personalidades e problemas; ou as danças que uma jovem distribui pelos admiradores numa noite de divertimento. Em geral, tudo isto são fenómenos de consumo que podem ser analisados deste modo.

Como maximizar a distribuição de dinheiro fixo pelos vários bens? Várias regras poderiam ser usadas.

É intuitivo perceber que a regra mais razoável é ir gastando cada euro naquilo que dá, nesse instante, mais prazer. Mas, à medida que se vai consumindo de um bem, a utilidade que ele dá varia. Claro que é melhor beber dois copos do que só um, mas o segundo já não é tão bom como o primeiro, porque parte da necessidade já está satisfeita.

Vale a pena aqui introduzir a distinção que a Economia faz entre

utilidade total e utilidade marginal. A utilidade total é a utilidade que o indivíduo obtém de dois copos de água, enquanto a utilidade marginal é a utilidade de cada um dos copos de água. A utilidade marginal é o acréscimo de utilidade que a última unidade consumida trouxe.

Logo, a utilidade total de cinco unidades (cinco copos de água) é a soma de todas as utilidades marginais do primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto copos de água (pode acontecer que, a partir do terceiro copo, por exemplo, mais água até saiba mal; nesse caso, a utilidade marginal do quarto e quinto copo são negativas, ou seja, diminuem a utilidade total).

Copos Utilidade marginal Utilidade total 1 2 3 4 5 4 3 2 -1 -2 4 4+3=7 4+3+2=9 4+3+2-1=8 4+3+2-1-2=6

Existe uma lei, parecida com a lei dos rendimentos decrescentes, a que chamamos lei da utilidade marginal decrescente, a qual afirma que, à medida que se consome mais do bem, a utilidade de cada unidade consumida desce. Esta lei, que não tem de se verificar (várias coisas dão-nos tanto mais prazer quanto mais as praticamos, como jogar xadrez), é o resultado de uma observação geral do comportamento humano. O acréscimo de satisfação que o consumo vai dando desce quando o consumo sobe. Vamos supor que é isso que se verifica nos nossos bens.

Olhemos agora para o problema do consumidor. Para o conseguirmos analisar, é bom começar por o definir e formalizar. A maneira como o vamos fazer é a mais geral possível. Apresentá-lo- emos, já o dissemos, como um problema de escolha, onde existe um certo recurso (R), que pode ser usado para várias finalidades (bens 1, 2, 3, ...) que custam quantidades diferentes do recurso

(preços p1, p2, p3, ...) e que têm utilidades diferentes. A pergunta que gostaríamos de ver respondida é qual a combinação dos bens que dá o máximo de satisfação, e ainda pode ser obtida com os recursos R.

Note-se que este problema é muito genérico, e pode ser referido como «problema geral de afectação». Na verdade, a interpretação que aqui lhe vamos dar é que R representa o rendimento do consumidor, as finalidades são os bens a comprar, que têm preços diferentes, e que dão satisfações diferentes. Mas são possíveis outras interpretações do problema que são equivalentes.

Por exemplo, se R for o espaço dentro de uma mochila, que um campista pode usar para levar as coisas para o seu acampamento. Os bens considerados são as coisas que ele pode meter na mochila, que ocupam espaços diferentes (que aqui são os preços) e lhe são mais ou menos úteis ao ar livre. A questão agora é de saber que coisas devem ser levadas na mochila para lhe maximizar a utilidade do transporte.

Mas, como dissemos, o problema de uma rapariga num baile, que tem várias danças, que pode conceder a vários rapazes, dando-lhe utilidades diferentes a ela é do mesmo tipo. Tal como o problema de um fim-de-semana, que pode ser gasto em actividades diferentes, que demoram tempos diferentes e dão satisfações distintas é equivalente ao anterior, e muitos outros semelhantes. A forma de resolver todos estes problemas é a mesma, pelo que resolvendo um temos as soluções dos outros. Voltemos então ao caso do consumo, onde um certo rendimento R pode ser gasto em vários bens. O que parece razoável é ir gastar o dinheiro num bem que custa o dobro, até ele dar o dobro da utilidade marginal. Ou seja, a regra de ouro da decisão do consumidor é: A utilidade

marginal do último euro gasto em cada bem deve ser igual em todos os bens ou, representando a utilidade marginal do bem i por

Umi, e o seu preço por Pi,

Umi/Pi = Umj/Pj = ... = Umz/Pz

Será mais fácil perceber que tem de ser assim partindo da situação em que não o é. A situação melhor é aquela em que não é possível melhorar fazendo as transferências de dinheiro do consumo de um bem para outro. Logo, a utilidade do último euro gasto em todos os bens tem de ser igual.

Enquanto a utilidade marginal do último escudo gasto em i for 3 e em j for 2, o consumidor deve ir transferindo dinheiro do consumo de j para o de i. Vale a pena gastar menos dinheiro em j e mais em i, pois isso aumenta a utilidade, sem se gastar mais dinheiro –

houve um almoço grátis. Assim, se aquela que era maior vai

descendo e a que era menor vai subindo, elas hão-de encontrar-se no meio. A transferência pára quando elas forem iguais.

Umi/pi > Umj/pj mas

Qi ↑ implica Umi ↓ , Qj ↓ implica Umj ↑, até que Umi/pi = Umj/pj

Este exemplo é muito conveniente porque cada unidade tem o mesmo preço e custa um euro. Mas nem sempre é possível passar um euro da compra de um bem para a de outro. Na verdade, a indivisibilidade de certos bens pode perturbar esta regra, mas se

não é possível igualar a utilidade marginal do último euro em todos os bens, a regra diz que, pelo menos, devemos aproximá-las tanto quanto possível.

A forma de tirar o melhor partido de certo intervalo de tempo é igualar a utilidade do último minuto gasto em cada actividade. Assim, vemos que a regra de ouro é uma regra da escolha racional, económica para todas as decisões da vida que possam ser apresentadas nesta forma.

A Economia, ao supor que os agentes são racionais, parte do princípio que eles fazem escolhas desta forma. Mas quer isto dizer que a Economia supõe que, no nosso quotidiano, somos máquinas de calcular, sempre a avaliar as utilidades marginais? Claro que não, mas o que se observa é que se os consumidores forem racionais, esta regra explica muito do comportamento. Ao decidir comprar menos deste bem para guardar dinheiro para comprar aquela outra coisa, ou deixar de fazer isto para ter tempo para fazer aquilo, cada um de nós comporta-se como se calculasse as utilidades marginais dos vários bens, e aplicasse a regra que estudámos.

Repare-se que o que determina o valor das coisas é a utilidade, mas não é a utilidade total. O que determina o valor de cada coisa é a utilidade da última unidade consumida. Assim, aparece a segunda ideia essencial da revolução: O que dá valor às coisas é a utilidade marginal. Nós já tínhamos encontrado este fenómeno, pois na cruz marshalliana o que determina o preço do bem é a última unidade procurada e oferecida. O preço a que unidades anteriores seriam procuradas ou oferecidas não interessa.

Se se entrar com esta regra, vemos imediatamente a explicação do

paradoxo do valor! O que Smith queria dizer é que a utilidade total da água é muito maior do que a do diamante, mas a utilidade marginal do diamante é muito superior à da água.

Note-se que o valor de uso é igual à utilidade que temos em usar o bem, que é a utilidade total. Mas, quem troca um bem, como é racional, só troca as últimas unidades, que são as que valem menos por si. Por isso é que o valor de troca é a utilidade marginal. É este, pois, o essencial desta revolução em Economia, que se passou a chamar revolução marginalista. Mas o mais curioso na história da revolução, e que foi uma surpresa para os três inovadores, Jevons, Menger e Walras, foi a constatação de que estas ideias já tinham sido apresentadas cerca de vinte anos antes

Utilidade marginal (Um) UmD UmA D A Quantidade Diam. Água

a curva Umd < a curva UmA o valor de Umd > o valor de UmA

por outro autor, na forma de duas leis. Na verdade, Hermann Gossen, um alemão, tinha em 1854 apresentado o que ficou conhecido como as «duas leis de Gossen»:

Primeira lei de Gossen – À medida que se consome mais do bem,

a utilidade de cada unidade adicional consumida desce.

Segunda lei de Gossen – O consumidor, para obter o máximo de

satisfação, deve consumir até que a utilidade marginal do último euro gasto em cada bem seja igual em todos os bens.

HERMANN HEINRICHN GOSSEN (1810-1858)

Estudou Direito em Bona e Berlim e foi funcionário público. Em 1854, publicou o livro Desenvolvimento das Leis das Relações Humanas e das Regras

de Acção Humana Derivadas Delas. O seu autor estava convencido de que a

obra era uma revolução na história da Economia, equivalente à de Copérnico na Astronomia. Mas o livro foi ignorado e o autor, desgostoso, destruiu as cópias não vendidas.

Inclusivamente, algumas das ideias que já vimos podem ser reformuladas nestes novos termos. Um bem não escasso é todo aquele que existe em quantidade tal que a sua utilidade marginal é nula, ou seja, chega e sobra para satisfazer as necessidades. A curva da utilidade marginal representada abaixo, significa, como sabemos, a utilidade de cada unidade adicional do bem, que é também o valor atribuído pelo consumidor a essas unidades. A curva da procura define, como vimos atrás, a quantidade de bem que o consumidor está disposto a comprar a cada preço.

Mas o consumidor só está disposto a pagar porque retira do bem utilidade. No fundo as duas coisas são o mesmo. Encontramos agora a verdadeira razão da lei da procura negativamente inclinada. Ela é causada pela primeira lei de Gossen, a lei da utilidade marginal decrescente: dado que a utilidade adicional do bem vai decrescendo com a quantidade, o agente só está disposto a pagar menos por cada unidade se comprar maiores quantidades. Mas esta constatação lembra-nos um problema resultante do facto de ser a margem a definir o valor dos bens. Na verdade, se o valor (o preço) do bem é igual à utilidade marginal, então o que se paga por um bem não representa o que ele, em média, vale, mas sim o que a última unidade vale. Alfred Marshall, o grande mestre de que já falámos atrás, referiu-se a este aspecto dizendo que existia um

excedente do consumidor.

Considere-se a curva da procura de um bem abaixo desenhada (que já sabemos que é equivalente, no espaço do dinheiro, à curva de utilidade marginal). O facto de o consumidor estar disposto a pagar 10 euros pela primeira unidade, 8 pela segunda, e 6 pela terceira e 4 pela quarta representa o valor que ele atribui a essas quantidades. Mas, como o preço é de 4 euros, isso quer dizer que ele vai comprar as quatro unidades todas ao preço de 4 euros.

Um Q P Q curva da utilidade marginal curva da procura

Mas nesse caso ele ganhou com a troca, pois a primeira unidade custou-lhe 4 euros e valia 10, a segunda também custou 4 euros e valia 8, e a terceira custou outros 4 euros e valia 6. Este é o excedente do consumidor:

(10-4) + (8-4) + (6-4) + (4-4)

Note-se que se paga menos do que se dá (recebe-se o trapézio e só se paga o rectângulo; o triângulo do excedente é grátis). É por

esta razão que a troca é benéfica. O que se dá é menos que o

que se recebe. Aliás se não fosse assim não se dava a troca. Os

dois lados ganham.

Por exemplo, no caso da água, onde as curvas da utilidade marginal e da procura são muito altas e, como a quantidade é grande, o seu preço é baixo, o excedente do consumidor é muito grande. O gráfico abaixo, repetido da análise que fizemos atrás, mostra claramente que é da diferença dos excedentes do consumidor que nasceu o paradoxo de Smith.

Por outro lado, para decidir sobre a produção de bens públicos, o excedente do consumidor é uma noção essencial. Quando se constrói uma estrada, por exemplo, como não se vai pagar nada

Preço Quantidade 10 – 8 – 6 – P =4 – 9 – 7 – 5 – 3 – 2 – 1 – 1 2 3 4 p q => =

curva da procura ganho total custo total

Utilidade marginal (Um)

excedente do consumidor

UmA Água Diam.

UmD

D

para a usar, o preço é zero. Parece almoço grátis, mas o Estado tem de pagar. Assim, o custo da construção da estrada é claro, mas é difícil avaliar o seu benefício. Daí a única maneira de saber quanto vale a estrada é calcular o excedente do consumidor. É o excedente que deve ser comparado com o custo para ver se vale a pena16. Daqui se vê o grande interesse que é viver em sociedade.

Existe uma enorme quantidade de coisas que nos são indispensáveis (o seu excedente é enorme), mas pagamos por elas muito pouco. Esses almoços grátis, que a sociedade toda paga (pagamos com os impostos), são muito valiosos e constituem uma das grandes vantagens de viver em comunidade, embora no dia-a-dia pouca atenção lhes prestemos.