ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS estratégias de Sherlock Holmes:
D) O DESEMPREGO ATACA
3.2.2. O equilíbrio económico global
3.2.2.4. A economia com crédito
Para termos uma visão completa da análise agregada, falta introduzir o tempo. Vamos agora supor que existem, não um, mas dois períodos de tempo, 1 e 2 (hoje e amanhã). Em cada período, o problema é igual ao da economia atrás, produzindo-se e consumindo-se.
C
L f1(L) f2(L)
Ao introduzir dois períodos de tempo, o aspecto essencial passa a ser que todas as grandezas económicas têm agora de ter um índice temporal. A razão deste facto é que, agora, bens iguais, em períodos diferentes, são diferentes. Batatas hoje são diferentes de batatas amanhã.
Mas, se fosse só assim, os dois períodos estariam desligados. Vamos supor que o bem «apodrece» se não for consumido. Como transportar consumo então? Para isso cria-se um título, um papelinho que se compra hoje por 1 unidade e que amanhã rende 1 unidade mais um juro (r). Vamos chamar a r a taxa de juro. O título é a única coisa que passa de um período de tempo para o outro.
É claro que quem compra o título está a transportar consumo de hoje (que deixa de fazer, para comprar o título) para amanhã (onde poderá consumir 1+r), ou seja, está a poupar. Visto que agora existe tempo, aparece o interesse em transportar valor ao longo do tempo. É isso que este mercado permite.
O preço dessa transacção é a taxa de juro. Por isso é que se tem de pagar para consumir já e se recebe se se estiver a adiar. A taxa de juro é o preço do tempo, ou o ganho da poupança.
Assim sendo, e olhando para uma família, a restrição orçamental já não é pxc = wxl + A ou (chamando rendimento = p x R = w x l + A) pxc = pxR mas sim (1+r)xb0 + pxR1 = pxc1 + b1
ou seja, a equação agora diz que o dinheiro que ele tem [o que produziu este período (pxR1) mais o que guardou do período
anterior (1+r)xb0, que, neste caso, é a riqueza que ele tinha ao
nascer40] é igual ao que ele vai gastar neste período [consumindo
(pxc1) ou poupando (b1). Note-se que agora é preciso entrar em
conta com o período de tempo em que as acções (consumo, rendimento, compra de títulos) são realizadas.
Repare-se que esta condição, se for agregada, funciona para toda a economia. Quando consideramos a economia global, aparecem alguns factores interessantes que não apareciam no nível individual (esquecer isto é a falácia da composição). Somando a restrição acima para todas as pessoas, temos:
(1+r)xB0/p + Y1 = C1 + B1/p
Note-se que B0/p e Y1 são a oferta, respectivamente de títulos e
bens, enquanto a procura vem B1/p e C1, em cada um dos
mercados:
(1+r)xBs
0/p + Ys1 = Cd1 + Bd1/p
Olhando para esta equação vemos que a situação de um mercado (de bens ou de títulos) não é independente da do outro. Os merca- ________________________________
40 Note-se que, como a riqueza foi dada no período anterior, neste período ela vale o que valia, mais o
dos estão interdependentes, devido a esta condição totalizante. Se um deles está em desequilíbrio (S< >D), o outro tem de estar em desequilíbrio contrário. Basta que um deles esteja em equilíbrio, para que o outro também o esteja. Esta é uma manifestação da lei
de Walras de que atrás falámos41.
Outros aspectos que nascem da economia global são as
condições de consistência agregativa. Trata-se de factos que se
revelam por estarmos agora a tratar o todo:
— Repare-se que, para toda a economia, o total de títulos disponíveis é zero. Para cada pessoa que empresta há uma que pede emprestado. A nível individual, o b é diferente de zero, pois cada pessoa tem títulos (ou, b<0, tem dívidas).
— Por outro lado, como não se podem guardar bens para o ano seguinte42, produzindo hoje e consumindo amanhã, então, Y
1 =
C1. Mais uma vez, a nível individual, esta situação não se
verifica. Neste nível, é possível que R < > c, pois o consumidor individual pode emprestar ou pedir emprestado.
Voltemos ao nosso agente. Assim, ele defronta a restrição: (1+r)xb0/p + R1 = c1 + b1/p
No período seguinte, vai encontrar-se na mesma situação: (1+r)xb1/p + R2 = c2 + b2/p
(onde agora, como só há dois períodos de tempo de vida, b2 é a
herança que ele deixa aos filhos).
Assim, na restrição, todas as unidades referentes ao período 0 estão multiplicadas por (1+r), todas as unidades referentes ao período 1 não estão alteradas, e todas as referentes ao período 2 estão divididas por (1+r). Isso quer dizer que as grandezas estão todas medidas no período 1 (o que implica «capitalizar» as do período 1 e «descontar» as do período 2).
Repare-se que tinha de ser assim, pois disse-se que coisas em períodos diferentes são diferentes. Nesse caso, é impossível comparar ou adicionar dinheiro ou bens referentes a períodos diferentes. A única forma de o fazer é convertê-los a um mesmo período, e isso é feito pelo termo (1+r).
Vamos supor agora que o dinheiro que ele tem para gastar, a
riqueza (chama-se riqueza pois inclui o rendimento e a poupança),
que é igual a R1 + R2/(1+r) + (1+r)xb0/p – b2/px(1+r), é uma
constante W. A restrição passa a ser W = c1 + c2/(1+r)
Pode parecer que, se se consumir tudo amanhã [como se tem (1+r)xW], se consome mais do que se se consumir tudo hoje (pois só temos W). Isso é um erro, pois implica comparar dinheiro referido a momentos diferentes do tempo. A única forma de o fazer correctamente é converter tudo ao mesmo momento [multiplicando o valor de hoje por (1+r) ou dividindo o de amanhã por (1+r)], e se fizermos isso vemos que os dois valores são iguais.
________________________________
41 Note-se que a lei de Walras nada tem a ver com o equilíbrio de mercados. Ela verifica-se sempre,
mesmo que os dois mercados estejam desequilibrados. O que ela exige é que a soma algébrica dos desequilíbrios seja nula.
Como o costume, vamos juntar a isto a escolha do consumidor. O ponto escolhido será aquele em que a curva de indiferença toca a recta do rendimento.
A função utilidade do agente é U(c1, c2, l1, l2). A curva de
indiferença que nos interessa aqui é uma particularização desta função, relativamente a c1 e c2.
Nesse ponto é onde a taxa marginal de substituição
intertemporal = TMSI = Um1/Um2 = 1+r, ou seja, vai transferir
consumo de hoje para amanhã, até que a última unidade hoje valha (1+r) unidades consumidas amanhã [Um1 = Um2x(1+r)]. Se valesse mais, valia a pena pedir emprestado, aumentando o consumo hoje e diminuindo amanhã. Se valesse menos, era o contrário.
Vamos supor que os b são zero e que duas pessoas são iguais em tudo menos no padrão temporal do rendimento (recebem a mesma riqueza mas em períodos de tempo diferentes). Então, vemos que W = R1+R2/(1+r), e o total (W) é igual para os dois.
Assim, se uma pessoa tiver de rendimento R'1 e R'2, o seu
consumo de equilíbrio pode ser c1 e c2, mas isso implica que ele
peça emprestado no primeiro período (c1 – R'1) e pague no
segundo [R'2 – c2 = (c1 – R'1)(1+r)].
Devido à existência de um mercado de crédito, qualquer que seja a distribuição temporal dos rendimentos, o ponto de consumo é sempre o mesmo para as mesmas preferências e riqueza, pois a condição TMSI = 1+r é igual para os dois. Este resultado é o
teorema da separabilidade de Fisher, apresentado por Irving
Fisher, o autor americano de quem já falámos.
Agregando as decisões individuais nesta economia podemos ter perturbações do tipo que vimos atrás:
— Uma descida de W equivale a um efeito rendimento (ou, como se chama agora, efeito riqueza, pois inclui não só o rendimento do período, mas também o que poupámos ou pedimos emprestado, que, como vimos, se chama riqueza), e descem os consumos nos dois períodos.
— Uma alteração na taxa de juro (r) tem um efeito de substituição intertemporal. Este efeito é novo, mas muito
parecido com o antigo. Além disso, a variação de r tem também um efeito riqueza, e aqui, tal como na teoria do consumidor, levanta-se o problema de saber qual dos dois efeitos domina. Este facto altera o equilíbrio, aumentando o consumo amanhã e
descendo o de hoje.
Vamos agora voltar a supor que a riqueza é variável:
Y1 + Y2/(1+r) + (1+r)xB0/p – B2/[(1+r)p] = C1 + C2/(1+r)
C2
(1+r)x W
É claro que este rendimento, no equilíbrio, é igual à produção, ou seja:
f(L1) + f(L2)/(1+r) + (1+r)xB0/p – B2/[(1+r)p] = C1 + C2/(1+r)
onde f(L) é a função de produção. Assim:
— Uma descida na função de produção tem um efeito riqueza e, além de descerem os consumos nos dois períodos, descem os descansos (aumenta o trabalho) nos dois períodos.
— Uma alteração na taxa de juro (r) tem um efeito de
substituição intertemporal.
Vamos voltar a ver o efeito de uma descida na função de produção. O efeito, como sabemos, é:
— desce o consumo pelo efeito rendimento e substituição;
— quanto ao trabalho (lazer) não sabemos, pois o efeito rendimento vai no sentido de descer o lazer (aumentar o trabalho) e o efeito substituição vai no sentido de o subir (descer o trabalho), mas o normal é que domine o efeito substituição.
Mas agora temos de introduzir mais um efeito: saber se a diminuição na produção é permanente (acontece nos dois períodos), como um choque do petróleo (o preço sobe e fica alto), ou temporária (só acontece num período), como um mau ano
agrícola (o clima só é mau este ano). Esta distinção é muito
importante, porque o seu efeito sobre os ciclos económicos é muito diferente.
3.2.2.4.1. Choque temporário
Suponhamos que é uma descida temporária (mau ano agrícola). Nesse caso, a descida é só neste ano:
Repare-se que para se situar no novo ponto, só é possível alterando a inclinação da nova recta do rendimento, ou seja, mudando a taxa de juro. Assim, além do efeito rendimento e substituição do período 1, e de um efeito riqueza negativo, temos um efeito de substituição intertemporal.
Porque é que há uma subida da taxa de juro? É impossível que toda a gente consiga pedir emprestado, pois há mais quem queira pedir emprestado do que emprestar. Logo, é impossível aumentar globalmente o montante de títulos em circulação, e a subida da oferta de títulos apenas se reflecte na subida da taxa de juro.
Resultado final do mau ano agrícola:
— Consumo: Desce o consumo hoje, mantém-se o de
amanhã.
— Trabalho (e lazer): O efeito sobre o trabalho hoje
(descanso) é duvidoso, mas deve dominar o efeito
C1
L1
C2
substituição, descendo o emprego (subindo o lazer). Amanhã não há efeitos.
— Produto: A diminuição do emprego agrava a descida
inicial da produção, logo o produto hoje desce. Amanhã não há efeitos.
— Taxa de juro: A taxa de juro sobe.
— Salário: O salário (igual à produtividade marginal do
trabalho) tem um movimento indefinido. Por um lado, a descida da função de produção foi acompanhada por uma descida (para o mesmo nível de trabalho) da produtividade. Mas a descida do trabalho aumentou a produtividade, compensando (total ou parcialmente) essa descida. No entanto, ao analisar o efeito substituição, vê- se que a inclinação desceu, pelo que o salário real desceu.
3.2.2.4.2. Choque permanente
Suponhamos que é uma descida permanente (choque do petróleo). Nesse caso, a descida é nos dois anos:
Neste caso, não há razão para supor que a inclinação da nova recta do rendimento, quer dizer a taxa de juro, seja modificada. Há apenas um efeito riqueza, muito mais forte que bo primeiro caso porque varia Y1 e Y2.
Resultado final do choque do petróleo:
— Consumo: Desce o consumo hoje e no futuro.
— Trabalho (e lazer): O efeito sobre o trabalho (e lazer)
hoje e no futuro é duvidoso, mas deve dominar o efeito substituição, descendo o emprego (subindo o lazer).
— Produto: A descida do trabalho agrava o efeito da
descida inicial, logo o produto desce nos dois períodos.
— Taxa de juro: A taxa de juro mantém-se.
— Salário: A descida da produtividade (para o mesmo nível
de trabalho) foi compensada pela descida do trabalho, que aumentou a produtividade, mas o salário (igual à produtividade marginal do trabalho) desceu, como se vê no efeito de substituição.
Estes efeitos a nível individual vão-se repercutir a nível global na economia, logo os efeitos individuais são iguais aos totais e, para além de sabermos os efeitos, temos também a razão da sua verificação. Este é o modelo básico da economia
global, onde a teoria se baseia exactamente nos msmos
fenómenos que se verificavam a nível individual.
C1
L1 C2