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ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS estratégias de Sherlock Holmes:

3. OS DOIS CONFLITOS BÁSICOS

3.2. Ciclos económicos

Nesta secção e nas seguintes discutiremos os problemas relativos ao conflito

estabilidade-desenvolvimento. A razão essencial deste conflito é fácil de

identificar, como o fizemos atrás: o desenvolvimento económico consiste no aparecimento das novas ideias, que desafiam as estabelecidas. Uma economia muito dinâmica não pode ser estável.

Mas a estabilidade é um valor em si. Problemas de desemprego, inflação, insegurança de investimentos, risco nas transacções, estão estreitamente ligados à instabilidade.

Só é possível conseguir a estabilidade sacrificando o desenvolvimento, e o desenvolvimento sacrificando a estabilidade34. Este conflitoestá subjacente a

quase todas as considerações que faremos no resto da nossa análise.

A diferença entre a análise que vamos fazer adiante e a que fizemos nas secções anteriores é fácil de descrever. Nessa altura não discutimos a questão essencial: de onde vêem os preços? Agora, na análise global, vamos

inverter a ordem da análise: em vez de darmos preços para determinar o

comportamento, vamos introduzir o comportamento (funções utilidade e produção) e obter os preços.

Antes de avançarmos com o estudo destas questões devemos porém discutir um pouco melhor os verdadeiros contornos do conflito estabilidade- desenvolvimento que aqui nos ocupa. Em primeiro lugar é necessário ter em conta que este é essencialmente um fenómeno de curto prazo. Quando aparece uma ideia nova, o efeito imediato é desestabilizante. O efeito imediato é de perturbar o equilíbrio em que a economia se encontrava.

O

desemprego é, talvez, o exemplo mais claro deste tipo de conflito.

Podemos representar o desenvolvimento pelo aparecimento de camionetas numa aldeia que apenas tinha carroças. No curto prazo, o seu impacte pode ser muito doloroso. A maior parte dos trabalhadores empregados no sector do transporte vai perder o seu emprego, com todas as consequências dramáticas que isso traz. Esse desemprego é claramente devido à mudança introduzida. Assim vemos que, para obter os enormes ganhos futuros provenientes da inovação, é preciso incorrer imediatamente num custo que se consubstancia nesta insegurança em que toda a actividade económica está mergulhada. Pode-se mesmo dizer que o conflito estabilidade-desenvolvimento consiste numa manifestação dinâmica do conflito eficiência-equidade. Trata-se, no fundo, do mesmo conflito anterior, mas introduzindo o elemento tempo. O desenvolvimento consiste na eficiência ao longo do tempo, enquanto a estabilidade está ligada à equidade ao longo do tempo.

A forma como normalmente esse conflito se manifesta é através da existência de ciclos económicos. Ao longo dos tempos tem-se verificado que a evolução da economia de mercado não é harmónica e ordenada, mas está sujeita a flutuações, alternando períodos de expansão com recessões e crises.

A explicação do fenómeno, já o sabemos, reside no facto de o mercado ser continuamente perturbado pelo aparecimento de novas ideias, novos produtos, etc. Deste modo, o estudo dos ciclos económicos exige o tratamento das questões mais complexas da economia: a interdependência económica e as

perturbações dinâmicas que geram o desenvolvimento.

Algumas das dimensões dessa complexidade devem ser desde já explicitadas, ________________________________

34 Mais uma vez se refere que a estabilidade que se está a tratar é a estabilidade económica,

normalmente ligada a questões como a segurança no emprego, no investimento e aplicação de poupança. Ao contrário desta, a instabilidade político-social não só é conflituante com o desenvolvimento, como lhe é claramente prejudicial. Nesse sentido, a promoção da estabilidade social vai de mãos dadas com a promoção do desenvolvimento.

na forma de «convidados especiais», que vão aparecer muito mais nos capítulos que se seguem do que até agora.

O primeiro convidado é o Estado. Falámos já muito do Estado e da sua intervenção na economia, mas a partir de agora a sua presença vai ser contínua. A actuação dos vários organismos do Estado, do Ministério das Finanças ao Banco Central, será continuamente referida, juntamente com o efeito de organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, a Comunidade Económica Europeia (CEE, desde Janeiro de 1993 a União Europeia), o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (conhecida pela sigla inglesa GATT, General Agreement on Tariffs and Trade e substituído a partir de Janeiro de 1995 pela Organização Mundial do Comércio – OMC –, em inglês a World Trade Organization WTO) etc.

As acções do Estado, chamadas políticas, terão lugar central nas discussões que se seguem. Mas, para as várias políticas, seja de definição do quadro legal geral ou de promoção da equidade e estabilidade, é necessário que o Estado gaste recursos.

Nesta linha, será discutida frequentemente a questão do sistema geral da Economia. Talvez o problema que mais vezes vamos referir no resto do nosso estudo seja a questão de qual o lugar relativo do Estado e do mercado como métodos para a solução do problema económico.

Um segundo «convidado» serão as estatísticas. Nesta segunda parte do nosso estudo, como os problemas são agregados, é mais fácil ter uma visão quantitativa dos seus contornos.

Um terceiro «convidado» será o espaço. O Mundo, com toda a sua diversidade geográfica, cultural e histórica, será objecto da nossa análise. Vamos conhecê-lo e ver como as coisas são diferentes em zonas diferentes. Também o tempo será elemento presente nas nossas discussões. O tempo

será essencial para a nossa discussão.

Finalmente também tomaremos em conta a discordância. É importante desde já notar que nos temas que vamos tratar há um elemento que era muito menos intenso nos problemas que até agora nos ocuparam: o debate. O quadro teórico que até aqui nos ocupou era, em boa medida, consensual. Embora muitos dos resultados sejam claros, algumas conclusões têm sido campo de uma intensa discussão, de onde nem sempre tem saído a luz...

Para além destes «convidados especiais», teremos sempre presentes dois arreliantes problemas que nos irão perseguir em toda a análise. O primeiro é o problema da agregação. Este problema vai aparecer muitas vezes: uma variação de preços relativos não consegue ser tratada num estudo de um agregado como o produto nacional global.

A segunda dificuldade é a nossa conhecida interdependência. Se esta questão era importante ao nível individual, é central ao nível agregado. Aqui, a interdependência vai ser a questão mais referida e a maior parte das construções teóricas que estudaremos têm como objecto imediato o seu tratamento.

3.2.1. Abordagens ao problema

A grande descoberta da Economia, como vimos, é o funcionamento do

mercado. Vimos que o alcançar o maior bem-estar social estava ligado à racionalidade, à troca e que, mesmo para Adam Smith, só se dava

entre pessoas civilizadas, e no quadro institucional adequado. O

Estado tinha um papel fundamental. Smith dava-lhe o lugar de promotor

da defesa, da justiça, e fornecedor de certos serviços que eram

esenciais.

Mas os trabalhos de Smith, de Ricardo e dos seus seguidores não perdiam muito tempo com as questões globais da Economia. E a razão era uma ideia simples, conhecida pelo nome de lei de Say ou lei dos

mercados, que dizia, em poucas palavras, que se a economia individual

funcionasse bem, não haveria problemas globais.

JEAN-BAPTISTE SAY (1776-1832)

Say é um dos casos de fama para além das suas capacidades. Amigo de Ricardo e de Malthus, Say foi um dos economistas que mais fez para divulgar e vulgarizar em França (e daí para o resto do continente) os ensinamentos de Smith, Ricardo e Malthus, sobretudo na sua principal obra, o Tratado de Economia Política de 1803. Say não é responsável pelo aproveitamento que Keynes fez de um princípio geral da escola clássica. Gestor de uma fábrica de algodão, agente de seguros e jornalista, Say chegou a ser alto funcionário debaixo de Napoleão. Depois da queda do imperador, dedicou-se ao ensino, sendo o primeiro professor da cadeira de Economia Política no Collège de France, em Paris, em 1830.

A Economia modificou-se radicalmente com a descoberta do marginalismo, nos finais do século XIX. Esta ideia, em que baseámos o nosso tratamento da Teoria Económica, permitia um tratamento da interdependência económica muito mais rigoroso, e esse trabalho começou imediatamente com o francês Léon Walras, de quem já falámos. Para além de ser um dos pioneiros do marginalismo, ele construiu o primeiro sistema integrado global do fenómeno económico: o

sistema de equilíbrio geral. Tratava-se de uma primeira tentativa, ainda

muito rudimentar, mas brilhante, de captar a complexidade da Economia. E fazia-o com base nas duas hipóteses fundamentais da Economia que estudámos: os agentes racionais e os mercados equilibrados.

No entanto, este sistema não conseguia estudar todo o problema, devido à existência de um fenómeno estranho, que se manifesta sobretudo a nível global. Trata-se de um ente económico que tem certas características especiais, pois é um bem que não tem utilidade por si, logo não pode ser estudado pela teoria dos bens, e é um activo que não dá rendimento, logo não pode ser estudado pela teoria dos recursos. Este ente é a moeda que, como vimos, é estudado pela teoria monetária.

Podemos dizer que, embora a nossa apresentação seja bastante mais avançada que os trabalhos dos autores originais – Walras, Marshall, Fisher e Wicksell –, o essencial do nosso raciocínio estava já presente nos seus estudos.

Em 1936, na sequência de graves perturbações económicas (a Grande Depressão de que adiante falaremos), que, segundo alguns, tinham mostrado o falhanço da economia de Walras-Fisher, John Maynard

Keynes, um outro dos grandes economistas do século XX, apresenta

uma visão alternativa. Diz ele que, ao partir do comportamento dos agentes individuais, é muito difícil chegar à análise global. Segundo Keynes, a economia agregada está em desequilíbrio.

JOHN MAYNARD KEYNES (1883-1946)

Keynes é, sem dúvida, das personalidades mais ricas e fascinantes da história da Economia.

Segundo Keynes, a existência de ciclos económicos é a demonstração de que o mercado funciona mal e, por isso, constrói uma nova teoria baseada nas seguintes ideias:

i) não parte de princípios simples (racionalidade, equilíbrio) para descrever os fenómenos, mas sim de hipóteses directas sobre certos tipos de comportamento;

ii) por outro lado, parte da ideia de que a Economia deixada a si própria já não atinge o equilíbrio óptimo, e, por isso, é preciso a intervenção do Estado, a política de estabilização. A finalidade passa a ser encontrar a política mais conveniente à situação concreta.

Assim, muito brevemente, podemos resumir os vários problemas que a abordagem global foi defrontando.

1.º a solução trivial fornecida pela lei de Say; 2.º o mais completo modelo de Walras;

3.º o estudo dos efeitos do tempo, da moeda e do Estado; e 4.º a revolta de Keynes.

________________________________ O PROBLEMA DO DESEMPREGO NA ILHA

Esta história situa-se numa ilha, onde vivem apenas três pessoas, que fundaram entre si uma comunidade feliz: Robinson Crusoé, Sexta-Feira e Adam Smith. Os três agentes são simultaneamente produtores e consumidores, e transaccionam entre si três bens: pão, produzido pelo Robinson, bananas, da plantação do Sexta-Feira, e explicações de Economia, de Adam Smith.