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2. Teoria Económica

2.1. Teoria do valor: agentes racionais

2.1.1. Teoria do consumidor

2.1.1.3. A análise moderna do consumidor

Quem pode afirmar que, ao comer um pão, ele lhe dá o dobro da utilidade se tiver manteiga? Ou será o triplo? A utilidade, embora seja um fenómeno muito real e palpável, não pode ser medida por termómetros, réguas ou pesos. Por essa razão, a geração de economistas que se seguiu a Jevons, Menger e Walras abordou e resolveu o problema da medição da utilidade. Edgeworth e Pareto foram os principais responsáveis por esse trabalho.

FRANCIS YSIDRO EDGEWORTH (1845-1926)

De origem irlandesa, Edgeworth cedo se dedicou completamente à vida académica, sobretudo em Oxford, sendo um dos homens que mais contributos trouxe ao desenvolvimento teórico da «revolução marginalista». Gerando múltiplos avanços em vários artigos, que fizeram dele também um expoente essencial da teoria estatística, a sua principal obra foi o livro Psíquica

Matemática, publicado em Londres em 1881. De várias formas, por exemplo,

como editor da Economic Journal, a principal revista do tempo, Edgeworth foi um dos dirigentes intelectuais da nova escola económica. E, apesar de tomar Marshall como mestre a quem seguia, muitos dos avanços deste foram inspiração directa de Edgeworth. A multiplicidade das suas capacidades e a profundidade das suas descobertas fazem com que, ainda hoje, ele seja uma fonte de novos contributos.

VILFREDO PARETO (1848-1923)

Formado em engenharia, trabalhou durante anos nos caminhos de ferro, tendo-se interessado por economia só depois dos 40 anos. Foi então o sucessor de Walras na cátedra da Universidade de Lausanne, reformando-se em 1900, ao receber enorme fortuna. As suas principais obras são os apontamentos das suas aulas, editadas no Curso de Economia Política em 1896-1897 e no Manual de

Economia Política de 1906.

A ideia destes dois autores é muito engenhosa: como só existe problema económico quando há alternativas, pelo menos duas, não interessa saber «quanto vale» cada uma das alternativas, mas «qual é a melhor».

Perante dois bens (por exemplo livros e pão), o que é preciso saber é qual a avaliação relativa dos vários «cabazes» dos dois bens. A avaliação absoluta de um bem não tem significado, em Economia, porque a economia só existe quando há alternativas, trocas, e para isso só é preciso comparar e não avaliar absolutamente.

Suponhamos que o consumidor tem um certo montante de cada um dos bens (pão e livros). Chamemos a esses montantes concre- ________________________________

tos dos dois bens um «cabaz» e representemo-lo num gráfico pelo ponto A.

Quais são os outros conjuntos (livros, pão) que, para um certo consumidor, são «indiferentes» aos montantes de livros e pão representados no ponto A, ou seja que lhe dão a mesma utilidade? Se, por exemplo, for necessário dar mais 3 pães para o compensar da perda do livro, ele passa para o ponto B, ficando com igual utilidade. Logo, o ponto B é igual em utilidade, «indiferente» ao ponto A.

Repare-se que o que é necessário que o consumidor saiba é quanto vale, para ele, um livro em relação ao pão. A avaliação é, pois, relativa.

E agora, se lhe tirarem mais um livro, ele quererá um aumento do consumo de pães de mais ou menos que 3? Mais, pois o livro agora vale mais, e o pão vale menos que antes. Sabemos isto pela

lei da utilidade marginal decrescente (1.ª lei de Gossen). Quanto

menos livros tem, mais pães lhe têm de dar para ficar igual. Em Economia chama-se a esta a lei da substituição, a qual resulta do facto de, quanto menos livros se tem, maior é a utilidade marginal do livro, pela lei de Gossen.

Deste modo, é possível ir encontrando um grande número de outros pontos que têm, para aquele consumidor, exactamente a mesma utilidade que o ponto A. Isso quer dizer que, na decisão de consumo que o consumidor toma, esses pontos são indiferentes para ele. O conjunto dos pontos indiferentes a A forma uma curva

de indiferença, instrumento inventado por Edgeworth e

desenvolvido por Pareto. Assim como vimos, não é preciso saber o valor absoluto da utilidade, bastando saber o valor relativo dos bens, uns em relação aos outros. Note-se que a curva de indiferença tem de ser decrescente (porquê?) e que a primeira lei de Gossen implica que ela tenha de ser abaulada para baixo (convexa para a origem). É a forma de representar o facto de, à medida que se vão tirando mais livros, ser preciso dar cada vez mais pão para compensar.

Livros Pão A Livros Pão A B 1 3

Mas, mesmo sem saber a curva de indiferença (que revela as preferências particulares do consumidor) é possível ter algumas ideias de comparação entre os vários cabazes de consumo, representados por pontos. Os pontos em que ele tem menos livros (B), menos pão (C) ou menos livros e menos pão (D) que no ponto (A), têm de ser piores que o ponto A. Os pontos em que tem mais livros (E), mais pão (F) ou mais livros e mais pão (G) que no ponto (A) são melhores que o ponto A.

Mas os outros pontos, aqueles em que tem menos de um bem e mais do outro (como H e I)? Para esses é que é impossível decidir qual a sua relação de ordem com o ponto A sem conhecer as preferências do consumidor ou seja, a curva de indiferença.

Para cada consumidor que saiba avaliar todas as situações há um

mapa de indiferença, traçando todas as curvas, por todos os

pontos do espaço.

O ponto C, na curva de cima, é melhor que o ponto A, numa curva abaixo. Porque o ponto A é indiferente ao B, por estarem na mesma curva de indiferença, e o B tem o mesmo número de livros que C, mas menos pães que C. Logo, B é pior que C, e como B é pior que C e igual a A, A tem de ser pior que C.

Para uns, A pode ser melhor que C e até, para outros, A e C podem ser iguais.

Livros Pão A A' Livros Pão A B C D E F G H I Livros Pão A B C Livros Pão A C Livros Pão A C

Mas voltemos ao problema inicial do consumidor. Quantas unidades de pão lhe têm de dar, quando lhe tiraram um livro, para ele ficar igual? Chama-se a este conceito, que representa a utilidade relativa do pão e dos livros, a taxa marginal de

substituição. Esta taxa (TMS) diz-nos quantos pães valem um

livro, ou seja, é igual ao rácio das utilidades marginais dos dois bens. Se um livro é trocado por três pães, a utilidade desse livro (o livro da margem) é igual a três vezes a do pão.

Se para o consumidor as utilidades marginais do pão (Ump) e do livro (Uml) tivessem valor concreto, por exemplo Ump = 3 e Uml = 9, então, se lhe tiram um livro, retiram-lhe uma utilidade de 9. Para ele ficar igual, têm de lhe dar três pães. A TMS é de 3 = 9/3.

TMS (livros, pão) = Uml/Ump

Mas, como vimos atrás, se lhe tiram outro livro, já têm de lhe dar mais pães, por exemplo 5. Deste modo, o consumidor passa para o ponto C, que continua a ser indiferente a A e B.

Antes ele estava disposto a trocar um livro por três pães. Agora troca um livro por cinco pães. A TMS subiu.

Mas vamos supor que os pães e os livros são transaccionados no mercado a preços conhecidos, sendo o preço do livro Pl=7 euros e o do pão Pp = 1 euro. A taxa marginal de substituição do mercado é de 1 para 7; 1 livro vale 7 pães. E como o preço é fixo, A TMS no mercado é sempre 7.

Se o consumidor, no ponto A, está disposto a trocar 1 livro por 3 pães, ele fica a ganhar se comprar mais pão e menos livros. Logo ele não vai para B, mas sim para D, que está numa curva de indiferença superior a B e, portanto, a A.

Quando a relação das utilidades marginais for de 1 para 7 (TMS = 7), o jogo pára, pois agora comprar menos livros e mais pão é indiferente para ele. O jogo pára porque já não é possível ganhar mais: o ponto encontrado é o óptimo. E nesse ponto a taxa

marginal de substituição iguala o quociente dos preços. Ou

seja, o consumidor está a trocar da mesma forma que a sociedade. Esta é a regra óptima do consumo.

A B C Livros Pão 1 1 3 5 Livros Pão 1 1 3 5 7 A B C D

TMS l,p=Pl/Pp

Como o quociente de preços é a taxa de substituição no mercado, então a lei diz que o óptimo de cada pessoa é, na margem, fazer o mesmo que todos os outros, fazer o mesmo que o mercado.

Esta é a condição de óptimo. Mas a lei não é nova. É apenas a 2.ª lei de Gossen dita de outra forma.

Esta nova forma de analisar o problema do consumidor é a mesma que a da secção anterior. Mas agora não se exige que a utilidade seja mensurável, porque, no fundo, não era preciso.

Mas será que esta condição basta? Será que todo o ponto onde se verifique esta condição é o ponto óptimo de consumo? Há outros pontos no espaço em que tal condição é satisfeita.

O problema é que o consumidor está limitado por um certo nível de rendimento, o qual ainda não considerámos.

Os pontos traçados dão as possibilidades de consumo deste consumidor. A recta divide o espaço em duas zonas: a zona acima, que inclui os pontos de consumo que são impossíveis, por não ter dinheiro para os comprar, e a zona abaixo dela, que inclui os pontos que custam menos dinheiro do que o rendimento disponível. Esta é a recta do rendimento .

Algebricamente, a restrição do rendimento manifesta-se pela necessidade de que as despesas em livros (o preço dos livros multiplicado pela quantidade comprada, Pl x L) somadas às despesas em pão (Pp x P) sejam, no máximo, iguais ao rendimento (R).

Pl x L + Pp x P = R

Se dividirmos a equação acima por Pp, é possível medir as despesas e o rendimento na unidade «pão», e não em dinheiro17. A

condição passa a definir-se como:

(Pl/Pp) x L + P = R/Pp

Podemos agora perguntar: de todos os pontos das possibilidades

de consumo qual é o melhor? Nesse caso, vemos que o ponto de

possibilidades de consumo que tem maior utilidade (ou seja, o que pertence a uma curva de indiferença mais acima) é o da tangência entre a curva de indiferença e a recta do rendimento. Aí, as inclinações são iguais18, ou seja, a taxa marginal de substituição

(inclinação das curvas de indiferença) iguala o rácio dos preços (inclinação da recta do rendimento).

________________________________

17 Quantos pães representa o montante de rendimento (R)? Se dividirmos R/Pp, vemos o valor do

rendimento em pão. O mesmo se passa com o preço Pl: um livro vale Pl/Pp pães.

18 É fácil ver qual a inclinação da recta de rendimento. Escrevendo-a na forma que segue, P = - (Pl/Pp)

x L + R/Pp, vemos que a derivada dP/dL vem igual ao rácio de preços Pl/Pp.

Livros

Pão R/Pl

TMS l,p=Pl/Pp

Encontrámos de novo a 2.ª lei de Gossen: Os consumidores consomem até que a TMS iguale o rácio dos preços. Só que agora temos mais uma condição de óptimo: a recta do rendimento:

(Pl/Pp) x L + P = R/Pp

Só com as duas condições juntas é possível obter o ponto ideal. Vamos supor que o ponto A faz parte da recta que referimos. Mas esse ponto não é o ideal pois, como já vimos, ele aí está disposto a trocar 1 livro por 3 pães e, portanto, fica a ganhar se comprar mais pão e menos livros: compra menos 1 livro, e com o dinheiro pode comprar mais 7 pães (passa para o ponto D), o que faz subir para curva de indiferença superior.

Mas chega a um ponto em que não é possível, mantendo-se na recta, subir para uma curva superior. Isso passa-se quando uma curva de indiferença for tangente à recta, que é o ponto de máxima utilidade. E a condição necessária e suficiente para nos encontrarmos nesse ponto é que, simultaneamente, se verifiquem as duas condições:

TMS l,p=Pl/Pp (Pl/Pp) x L + P = R/Pp

Este é o primeiro teorema que demonstramos. Esta regra é uma regra geral de afectação; pode aplicar-se ao rendimento, como aqui, ou à afectação do tempo, do espaço, etc.

Em primeiro lugar é bom não esquecer que as equações que representam o nosso teorema não são, em si, Economia. A análise económica, propriamente dita, é formada pelo raciocínio feito sobre o comportamento dos agentes. As equações são apenas uma forma, particularmente elegante e sugestiva, de resumir a conclusão do nosso raciocínio.

Como se disse atrás, a realidade é demasiado complexa para poder ser estudada directamente. Um modelo é uma simplificação da realidade, como um mapa é uma simplificação de uma região. Nós compreendemos o que se passa no modelo, e isso dá-nos pistas para compreender a realidade complexa, que é o nosso objectivo. Um nosso amigo tem, na sua actividade diária, tantas motivações, desejos, problemas e alegrias, que descrever os seus estados de espírito é impossível.

Um modelo tem duas utilidades fundamentais.

1.º Serve para nos indicar qual é a resposta à questão e, sobretudo, porquê. Assim, sabemos qual vai ser o consumo do agente económico, e compreendemos as razões que o

Livros Pão A B C D

levaram a essa decisão. É isto uma teoria, que desenvolve um raciocínio explicativo da realidade. Foi isso que o nosso modelo nos deu até agora. A equação acima diz-nos qual vai ser o resultado do comportamento consumidor, e a sua dedução dá-nos a justificação desse resultado.

2.º Dado que ele descreve uma simplificação do problema que queremos abordar, o consumo do agente, o modelo pode servir para como reage esse resultado a mudanças no ponto de partida. Se o R (rendimento) ou os p's (preços) forem mudados, perguntamos o que acontece ao consumo do agente? É isso que iremos fazer já adiante, na próxima secção.

Nesses exercícios, para facilitar a nossa análise, partimos sempre de um ponto de equilíbrio e, em geral, fazemos uma experiência de cada vez. Estas podem ser opções irrealistas, mas são, também, opções de método científico. Na verdade, na vida real, mudam ao mesmo tempo o rendimento e os preços. Mas se nós fizéssemos isso no nosso modelo, teríamos uma confusão de efeitos, e não seríamos capazes de entender o que estava a acontecer.

Finalmente, é bom lembrar que, uma vez modificada uma das circunstâncias de partida, somos obrigados a pôr em causa todos os resultados obtidos. Este princípio científico, que já encontrámos atrás e que é conhecido por «princípio do second best», diz que, uma vez modificada uma das hipóteses do problema, temos de deduzir todas as conclusões de novo. Em cada uma das experiências que faremos adiante, o método de cálculo é o mesmo, mas tem de ser aplicado desde o princípio de cada vez.