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JOELMA SANTOS DA SILVA

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Academic year: 2019

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JOELMA SANTOS DA SILVA

POR MERCÊ DE DEUS:

Igreja e Política na trajetória de Dom Marcos Antonio de Sousa (1820-1842)

Dissertação apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão, para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Lyndon de Araújo Santos.

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Silva, Joelma Santos da

Por mercê de Deus: igreja e política na trajetória de Dom Marcos Antonio de Sousa (1820 – 1842) / Joelma Santos da Silva. – 2012. 194 f.

Impresso em computador. (Fotocópia). Orientador: Lyndon de Araújo Santos.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 2012.

1. Estado – Igreja – Brasil 2. Império – Brasil 3. Política – Religião 4. Reforma I. Título

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JOELMA SANTOS DA SILVA

POR MERCÊ DE DEUS:

Igreja e Política na trajetória de Dom Marcos Antonio de Sousa (1820-1842)

Dissertação apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais.

Aprovada em / / .

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________ Prof. Dr. Lyndon de Araújo Santos (Orientador)

PPGCSOC-UFMA

___________________________________________________ Prof. Dr. Igor Gastal Grill

PPGCSOC-UFMA

___________________________________________________ Prof. Dr. Ítalo Domingos Santirocchi

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AGRADECIMENTOS

Finalmente chegou o momento de agradecer, e isso me dá uma grande felicidade, pois representa o momento de finalização da dissertação e me faz lembrar como foi importante a época e o processo do qual ela foi resultado. Lembro também das pessoas que tive a oportunidade de conhecer, conviver, e que me fizeram crescer como indivíduo e profissional, contribuindo cada um do seu modo e com sua parcela própria para quem eu sou e para o que este trabalho pôde ser.

Primeiramente agradeço a minha mãe por estar sempre ao meu lado, por ter sempre lutado por mim e ter feito tudo o que pôde para que eu pudesse estudar; a minha família pelo apoio e torcida; e a Anacleto pelo apoio, auxílio, compreensão, torcida, carinho, por ser um verdadeiro companheiro e estar ao meu lado nesse momento.

Agradeço ao meu orientador que me acompanha desde a graduação, o Prof. Dr. Lyndon de Araújo Santos, pelo apoio, incentivo, paciência e confiança de sempre, principalmente por ter aceitado o desafio da orientação do trabalho depois de decorrido mais da metade do período de curso do mestrado. Acreditando no projeto novo, na viabilidade da pesquisa e que eu conseguiria concluir o trabalho no tempo hábil, se dispôs a auxiliar, criticar, sempre empreendendo uma leitura criteriosa dos escritos, mas dialogando e respeitando os meus pontos de vista.

Também agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFMA na figura de todos os seus professores e funcionários pela oportunidade, receptividade e incentivo, facilitando a familiarização com uma área diferente da minha formação inicial, além do fomento dado para a realização desse trabalho.

Em particular devo agradecimentos ao Prof. Dr. Sérgio Figueiredo Ferretti, meu primeiro orientador no mestrado, que lançando um novo olhar sobre o projeto inicial me fez ter contato com diferentes trabalhos relacionados à religião, começando a estranhar o que já tinha se tornado familiar, formulando novas perguntas que enriqueceram sobremaneira a pesquisa e fizeram com que um trabalho diferente começasse a ser pensado.

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Devo um agradecimento muito especial à Prof. Dr. Regina Helena Martins de Faria, do departamento de História da UFMA, pela grande professora que é, e ajuda que me deu como uma profunda conhecedora da estrutura política e administrativa do Império, tirando dúvidas, indicando leituras e até mesmo me emprestando os seus livros. As suas detalhadas observações no texto da qualificação, críticas e adequações sugeridas foram fundamentais para a conclusão dessa dissertação.

Algumas pessoas também contribuíram de forma direta para a realização desse trabalho, por isso agradeço de maneira particular a Wheriston Silva Neris e Ítalo Domingos Santirocchi pela atenção na indicação de leituras, fontes, críticas feitas, discussão de possíveis abordagens teóricas e resultados; bem como a grande amiga e comadre Isabella Alves, pelo auxílio dado nas pesquisas no Arquivo da Arquidiocese.

Agradeço pelo profissionalismo e auxílio dos funcionários do Arquivo Público do Estado, em especial a Dona Lourdes, grande defensora dos manuscritos, livros e todo tipo de fonte de pesquisa lá existentes; e aos funcionários e estagiários do Arquivo do Tribunal de Justiça, principalmente ao amigo Christofferson, pela ajuda no achado do testamento de Dom Marcos Antonio de Sousa, e pelo trabalho que vem desenvolvendo de conservação e organização da massa documental lá existente.

Meu obrigada também aos colegas de turma do mestrado em ciências sociais pelo crescimento, alegrias, conversas, dúvidas e expectativas compartilhadas; aos membros do grupo de pesquisa História e Religiões pelo apoio, confiança, auxílio e pelos momentos de trabalho sério em que a gente também se diverte; e à ABHR, na figura de seus membros, que com o compartilhamento de importantes pesquisas, debates e relevantes críticas propiciadas pelos grupos de trabalho durante os seus simpósios, nos incentivam e enriquecem nossas pesquisas.

Aos meus amigos devo todos os agradecimentos pelos diferentes momentos de descontração, abraços, alegrias, divisão dos medos, soma das forças, incentivo, conversas, puxões de orelha, por se interessarem e estarem dispostos a escutar sobre o trabalho, as conquistas, a descoberta de cada novo indício, os problemas enfrentados, e sempre dizerem que no final daria tudo certo!

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Rafael Campos, Tayná, Cristiane, Carlinhos, Fernanda, João Guanaré, Jesus, Wanderson, Vitor, aos meus monitores do coração e aos que não consegui lembrar o nome no momento, mas que por isso não deixam de ter grande valor para mim.

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República universal, felicidade perfeita sobre a terra, é quimera. O homem só deve procurar sua felicidade na moral, nos sentimentos virtuosos, e por consequência na obediência às leis, aos imperantes, e autoridades legitimamente constituídas. Enquanto se ocupa com o reino de entes metafísicos, com repúblicas platônicas, e utopias, para inteligências puras, enquanto distraído das ocupações úteis se entrega a vãs teorias, o tempo voa, a sepultura se abre diante de seus passos.

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RESUMO

Análise da biografia e da trajetória política e religiosa de Dom Marcos Antonio de Sousa, objetivando-se entender as mudanças na relação entre Igreja e Estado no processo de construção do Império no Brasil, no Primeiro Reinado e Regências. Com esta finalidade, apresentam-se os pressupostos históricos e ligações da Igreja Católica Apostólica Romana com os Estados Modernos e como esse fenômeno se processou no Brasil, destacando-se a importância do clero na construção da nação, agindo na esfera de poder político em cargos administrativos e eletivos. A partir da atuação parlamentar de Dom Marcos Antonio de Sousa e dos debates sobre religião na Assembleia Geral e Legislativa de 1826, avaliam-se a relação entre o governo do Brasil e a Cúria Romana e as ingerências do Estado na esfera religiosa, destacando-se os conflitos entre os modelos de religiosidade regalista e conservadora defendidos pelos padres políticos. Destaca-se também de que modo o bispo tentou empreender uma reforma católica na província do Maranhão, utilizando o espaço de atuação política para alcançar seus fins religiosos, e as ações que o fizeram ser reconhecido pela historiografia como um dos precursores do ultramontanismo no Brasil.

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ABSTRACT

Analysis of the biography and political and religious trajectory of Dom Marcos Antonio de Sousa, aiming to understand the changes in the relationship between Church and State in the construction of the Empire in Brazil, at First Reign and Regencies. To this end, present itself the historical assumptions and connections of the Apostolical Roman Catholic Church with the Modern States and how this phenomenon took place in Brazil, highlighting the importance of the clergy in nation building, acting in the sphere of political power positions administrative and elective. From the parliamentary action of Dom Marcos Antonio de Sousa and the debates about religion in the General Assembly and Legislature of 1826, assess the relationship between the government of Brazil and the Roman Curia and the State's interference in the religious sphere, highlighting the conflicts between the models of regalist religiosity and conservative politicians advocated by priests. Also noteworthy is how the bishop tried to undertake a Catholic reform in the province of Maranhão, using the space of political action to achieve their religious purposes, and actions that made him be recognized by historiography as one of the forerunners of ultramontanism in Brazil.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS

Figura 1 – Brasão do bispo Dom Marcos Antonio de Sousa ... 116 Quadro 1 – Padres eleitos senadores ao longo do período imperial ... 42 Quadro 2 – Estrutura hierárquica da Igreja Católica no Brasil no século XIX ... 49 Quadro 3 – Capítulo VI da Constituição Política do Império do Brasil de 25 de março de 1824

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

1 IGREJA E ESTADO NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX ... 19

1.1 Igreja e Estado: uma mútua dependência ... 19

1.1.1 Aspectos da relação entre a Igreja Católica e o Estado português ... 23

1.2 A emancipação política do Brasil e a constituição do Império ... 28

1.3 A eleição do clero e os elementos de inserção na política formal ... 38

1.3.1 A elite eclesiástica na política formal ... 43

1.3.2 A formação sacerdotal do clero brasileiro ... 47

1.3.3 Atribuições civis do clero ... 51

1.4 Marcos Antonio de Sousa: elementos biográficos de um padre político ... 56

2 O IMPÉRIO E A IGREJA NO BRASIL: A ATUAÇÃO POLÍTICA DE DOM MARCOS ANTONIO DE SOUSA ... 65

2.1 O ensaio parlamentar de 1823 ... 66

2.1.1 A atuação dos padres políticos na Constituinte de 1823 ... 71

2.1.2 A religião na Constituinte de 1823 ... 75

2.1.3 A Constituição de 1824 e a religião oficial ... 81

2.2 Elementos de uma dupla fidelidade: o posicionamento político-religioso de Dom Marcos na Legislatura de 1826 ... 86

2.2.1 A questão da escravidão ... 92

2.2.2 A polêmica das Bulas Solicita Catholicae e Praeclara Portugaliae ... 96

2.2.3 A atuação parlamentar em defesa da Igreja ... 105

3 UM BISPO REFORMADOR NO MARANHÃO ... 115

3.1 A Reforma Católica no Bispado do Maranhão (1830-1842) ... 115

3.1.1 Reforma ou Romanização: uma questão conceitual ... 120

3.1.2 Por uma reforma no bispado maranhense: principais ações de D. Marcos Antonio de Sousa ... 124

3.2 Visitas Pastorais por um catolicismo renovado ... 134

3.2.1 Etapas da Visita Pastoral ... 137

3.2.2 Profissionalização do clero e doutrinação católica ... 142

3.3 O seminário de Santo Antônio e a formação do clero maranhense ... 146

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3.3.2 As condições de possibilidade e a fundação do Seminário de Santo Antonio ... 152

3.3.3 Estratégias de formação educacional e religiosa do clero maranhense: análise dos estatutos do Seminário de Santo Antonio ... 154

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 159

REFERÊNCIAS ... 161

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho nasceu das pesquisas que originaram a monografia de

conclusão de curso de graduação em História intitulada “Visitas pastorais no Maranhão oitocentista: uma análise das fontes e das práticas católicas”, onde se fez uma análise das

fontes e das práticas relacionadas às visitas pastorais realizadas pelo bispado maranhense no século XIX. O objetivo do trabalho foi identificar as transformações das ações doutrinárias e punitivas da Igreja Católica no Brasil, desde a atuação da Inquisição no período colonial até a utilização da visita diocesana como rotina correcional da sociedade maranhense no Oitocentos.

Durante esse trabalho, Dom Marcos Antonio de Sousa, bispo da diocese do Maranhão entre os anos de 1827 e 1842, se destacou pela intensa prática de visitas em seu bispado, em relação aos bispos anteriores, onde ele mesmo se encarregou dessa tarefa por diversas vezes, o que não era comum no período. Bem como também se destacou a documentação produzida sobre elas, a quantidade e a natureza das informações, e as atividades correcionais que eram realizadas em suas visitas, marcadas, sobretudo, por um rigorismo jurídico e religioso.

O contexto das visitas do século XIX e das práticas do bispo do Maranhão estava diretamente ligado aos processos de transformações políticas e religiosas pelas quais o Brasil passava nos anos iniciais dos Oitocentos, marcadas por ambiguidades e tensões entre formas antigas e modernas de pensar e agir, com pontos de superposição e rupturas (RIBEIRO e PEREIRA, 2009). Dom Marcos pertencia à elite religiosa e política do período de constituição do Estado brasileiro, foi um dos deputados eleitos para as Cortes de Lisboa em 1820 e para a Assembleia Geral e Legislativa de 1826, sendo sagrado bispo do Maranhão durante a mesma, se pondo a frente de importantes debates, principalmente os ligados ao tipo de relação que se estabeleceria a partir de então entre o Estado e a Igreja

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também são escassas, principalmente as que visam estudar a trajetória desses agentes e a relação entre os diversos espaços que ocupavam.

Quando nos referimos neste trabalho a “elites”, nos aproximamos do tratamento

dado por José Murilo de Carvalho (2011) a essa categoria, no período específico de construção do Estado no Brasil imperial. Por conseguinte, não consideramos os acontecimentos unicamente em função da atuação da elite, que, por si só, não explicam a complexidade da relação entre Igreja e Estado no início do Império.

Mas devemos assumir que existem grupos minoritários que tem influência

decisiva em certos acontecimentos. Estes “grupos especiais de elites” possuíam características

próprias que os distinguem das massas e de outros grupos de elites, e agiam dentro de limitações originadas de diversos fatores, dentre os quais o econômico teve grande peso, e em um contexto onde atuavam outros grupos e forças sociais.

Antes mesmo da oficialização da Independência do Brasil, 26 padres foram escolhidos para representar os interesses das províncias brasileiras nas Cortes de Lisboa. Após a emancipação política brasileira foram eleitos 22 padres, em um total de 100 deputados, para a primeira Constituinte brasileira. A partir das primeiras legislaturas do Império, principalmente enquanto deputados gerais, o envolvimento do clero com a política formal se tornou mais intenso.

Os números apresentados demonstram que durante a maior parte da primeira metade do século XIX, os padres ajudaram a conformar a elite dirigente do Império. Esta constatação ganha maior importância se considerarmos o fato de que a emergência do clero no cenário político nacional, por meio dos espaços oficiais de representação, ocorreu, no período inicial de organização do Estado imperial, primeira forma do Estado brasileiro.

A inserção dos padres políticos em variados segmentos da sociedade acabou por ocultar a sua identidade religiosa. Com isto, os pesquisadores pouco atentaram para as possibilidades de haver ocorrido articulações entre o altar e as demais atividades às quais os padres se dedicaram, principalmente à política. Segundo Fernando Bastos de Ávila, em nota introdutória da coleção O clero no parlamento brasileiro (BRASIL, 1978), aos nossos olhos contemporâneos, para os quais são mais definidas as competências e as jurisdições entre os poderes espirituais e temporais, a presença e a participação do sacerdócio na política aparecem como uma intromissão improcedente.

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político. Ao fazermos isto, separamos o padre do político e evitamos uma confusão das diferentes esferas.

Esses fatores fizeram com que o interesse pelo personagem se ampliasse no decorrer do mestrado, e a curiosidade sobre de que forma os clérigos mediavam o seu pertencimento à Igreja e ao Estado começasse a se contituir enquanto um problema de pesquisa. O que sacerdotes como Dom Marcos faziam no Parlamento, a quem e quais interesses representaram, como se envolveram com as principais discussões lá colocadas e, principalmente, como a identidade religiosa influenciou na entrada e atuação política foram as questões iniciais.

A participação no XII Simpósio Nacional da Associação Brasileira de História das Religiões, realizado no ano de 2011 na cidade de Juiz de Fora – MG, foi fundamental para que o projeto inicial, quando da entrada no mestrado em Ciências Sociais da UFMA, fosse redefinido. Pois o contato com pesquisas de historiadores e sociólogos recentemente concluídas e em andamento, sobre diferentes relações entre política e religião, com proposições de críticas às análises tradicionais e o uso de novas fontes e abordagens, possibilitaram a construção de um novo recorte de pesquisa, que se deslocasse das práticas para o agente, tentando perceber, a partir da sociologia histórica, o reflexo das condições históricas e culturais na trajetória singular.

Nesse sentido, propomos a análise da biografia e da trajetória política e religiosa de Dom Marcos Antonio de Sousa como modo de entender as mudanças na relação da Igreja com o Estado no processo de construção do Império no Primeiro Reinado e Regências. Observando também a mediação das demandas institucionais por parte do clérigo, como a manutenção do local de autoridade da Igreja junto à sociedade, diferentes modelos de vivência religiosa e ligação com os centros de poder, católico e imperial.

Para entender o contexto que tornou possível a existência de carreiras como a de Dom Marcos, que elementos ao longo de sua vida motivaram o pertencimento a elite política e religiosa do Império, os alinhamentos e adesões que teve nesses espaços e que o tornaram reconhecido pela historiografia como um dos principais defensores da independência e iniciadores do movimento ultramontano no Brasil, optamos pelo método biográfico.

Entendendo que “[...] cada indivíduo é uma síntese individualizada e ativa de uma

sociedade, e uma reapropriação singular do universo social e histórico que o envolve.”

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experiências individuais e as visões subjetivas dos processos institucionais mais amplos, trazendo novas perspectivas à pesquisa e a temas consagrados como o Brasil Império.

Ao utilizar o método biográfico em Ciências Sociais devemos atentar aos limites que este impõe, e que se contrapõem aos aspectos de quantificação e generalização freqüentemente considerados característicos da ciência, e por alcance, daquela área específica de conhecimento. Primeiramente, como alerta Becker (1994 Apud GOLDENBERG, 2004), as biografias, auto biografias, e histórias de vida, não revelam a vida completa do indivíduo, apenas uma versão selecionada de maneira a apresentar a imagem que se prefere mostrar aos outros, ignorando aspectos considerados irrelevantes ou negativos. Segundo, ao empregarmos biografias para esclarecer contextos, devemos estar cientes que o contexto não será apreendido na sua integridade e exaustividade estatística, mas filtrado pela história de vida de um indivíduo, através das margens (MENDES, 1992).

Logo, não é possível, nem desejável, investigar a vida de um indivíduo abstraindo-a de todo evento histórico e influência social; por outro lado, é empobrecedor explicar um fenômeno histórico e social fazendo tábua rasa dos destinos individuais. A partir disso, propomos uma mediação entre a biografia e o contexto, entendendo que

Cada indivíduo não totaliza diretamente a sociedade inteira, ele totaliza-a por meio do seu contexto social imediato, os pequenos grupos de que faz parte; nestes grupos são, por seu turno, agentes sociais activos que totalizam o seu contexto, etc. De modo similar, a sociedade totaliza cada individualidade específica por meio das instituições mediadoras que focalizam esta sociedade no indivíduo com crescente especificidade (FERRAROTTI, 1991, p. 174).

A partir dessa opção metodológica a tentativa é de estabelecer uma articulação/mediação entre a biografia individual de Dom Marcos Antonio de Sousa e o contexto histórico e social específico de constituição do Império no Brasil e de estabelecimento de uma nova relação entre Igreja e Estado, no qual se desenrolou a sua trajetória política e religiosa. Relacionando o destino particular e as condições de possibilidade de ação do indivíduo, a partir do conjunto de constrangimentos e estímulos impostos pela época e pelo meio em que vivia.

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Neste trabalho utilizamos, majoritariamente, a documentação do Arquivo da Arquidiocese do Maranhão, os oficiais trocados entre a Diocese do Maranhão e o Conselho da Província e os diários e anais das Assembleias Gerais e Legislativas do Império, além de outras fontes como catálogos de Arquivos Públicos de outras localidades, dicionários, livros editados em períodos próximos ao do recorte temporal utilizado e códigos de leis, buscando todo tipo de informações que pudessem nos auxiliar

Ao tentarmos elucidar de que forma as fontes selecionadas podem nos auxiliar na construção do objeto de pesquisa, não podemos deixar à margem o contexto no qual elas estão inseridas, tanto no que tange a sua criação e elaboração, quanto às lógicas institucionais que as permeiam, ao que devemos estar alerta, pois

[...] grupos dirigentes são dominantes, inclusive em termos culturais, praticamente tudo o que já foi dito ou escrito sobre os mesmos, mesmo no âmbito das Ciências Sociais, mantêm alguma relação com investimentos no sentido de promoção e consagração. (CORADINI, 2008, p. 15).

Ao longo do século XIX, a preocupação com a existência de livros de assento, bem como o correto lançamento de informações e atualização destes “livros de grande

importância para a sociedade cristã”, é pauta presente em diversas documentações

eclesiásticas. Esse período também é caracterizado pela elaboração de listas normativas e mapas de população, onde eram listados todos os fogos e habitantes das freguesias. Estas informações acabavam por ter uma dupla função, pois os clérigos seculares, pelo Regime de Padroado, eram também funcionários públicos, desempenhando funções civis (SILVA, 2008).

Através do encaminhamento periódico para o presidente da província dos mapas de batismo, casamentos e óbitos, o poder provincial utilizava-se da organização da Igreja para seus propósitos governamentais, pois, somente no ano de 1872 foi realizado o primeiro censo geral no Brasil. Até então, os levantamentos estatísticos paroquiais eram os responsáveis por guiar políticas públicas, e a ênfase no seu zelo demonstravam, no período pós-Independência, a preocupação de conhecer a jovem nação, visando maior controle e organização política e administrativa.

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Os discursos elaborados nessas fontes pelos e sobre os agentes também devem ser analisados, pois representam lógicas de ação e produção de qualidades e distinções consideradas necessárias naquele período aos integrantes desse grupo; entendendo-os enquanto participantes de um espaço relacional de poder, que se altera ao longo do tempo, alterando conseqüentemente as lógicas e os mecanismos de reprodução do mesmo. Neste sentido, destaca-se a fala de Sérgio Miceli, quando este afirma que

[...] os modos de operação, os valores, a cultura política dos grupos, os sentimentos vigentes de hierarquia, os padrões de relacionamento, enfim, todas as características materiais e mentais das elites estão como que inscritas nas fontes que elas mesmas produzem (ou subsidiam ou encomendam) e que, via de regra, falam desses grupos como eles apreciam que se fale deles. (1984, p. 154).

O século XIX no Brasil é consagrado pela historiografia como fase de importantes transformações na política, economia, sociedade, cultura e religião. Isto gerou uma série de tensões entre grupos e instituições em relação ao governo, alterações da dinâmica de uma maior ou menor aproximação do espaço de poder. Na esfera eclesiástica, isso se refletiu em disputas intra-elite geradas pelas alterações dos princípios de legitimação e hierarquização do grupo no início do século, o que propiciou lutas pela imposição de novas qualidades distintivas e conflitos de projetos de reforma da Igreja, de influências liberal e conservadora, e a partir deles, o estabelecimento de uma nova relação com o Estado.

A fim de melhor compreendermos a atuação política de Dom Marcos Antonio de Sousa e as relações estabelecidas entre religião e política no Império, na primeira metade do século XIX, propomos um rompimento com as interpretações que tendem a desconsiderar a sua identidade religiosa, levando em conta, exclusivamente, o seu lado político. Isto porque julgamos equivocado conceber uma separação entre o padre e o político, mesmo quando os sacerdotes atuavam no Parlamento. É fundamental ter em mente que naquele contexto histórico não havia uma clara cisão entre o mundo da política e da religião, e estas duas esferas ainda não haviam sido identificadas como completamente distintas, não haviam sido dissociadas, nem eram plenamente autônomas.

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uma ideologia estritamente secular. A consequência disto foi a forte imbricação entre as esferas temporais e espirituais.

No aspecto formal, o trabalho foi dividido em três partes. O primeiro capítulo apresenta os pressupostos históricos da relação da Igreja Católica Apostólica Romana com os Estados modernos, principalmente o Brasil independente no período do Primeiro Reinado e das Regências, destacando os meios pelos quais esse fenômeno se processou e a importância que o clero teve para a construção do projeto de uma nação brasileira.

Ainda nesse capítulo tratamos da participação do clero na esfera de poder político tanto em cargos administrativos como eletivos, demonstrando as lógicas pelas quais religião e política se interrelacionavam no período em questão, direcionando ou definindo ações e tomadas de posição de ambos, e tornando possível a existência de trajetórias de padres-políticos, como a de Dom Marcos Antonio de Sousa.

O segundo capítulo versa sobre o período inicial de constituição e consolidação do Estado e início da sua vivência parlamentar, destacando a participação do clero na Constituinte de 1823 e da Legislatura de 1826, as mudanças no modelo de relação entre o governo do Brasil e a Cúria Romana e as ingerências do Estado na esfera religiosa.

A ação parlamentar de Dom Marcos Antonio de Sousa é analisada pontualmente por meio do exame de seus discursos na Câmara dos Deputados, destacando os conflitos de poder entre Igreja e Estado e entre os modelos de religiosidade regalista e ultramontana, as ambigüidades de seu pensamento e a difícil manutenção dos seus interesses, fidelidades, deveres e pertencimentos enquanto clérigo e político.

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1 IGREJA E ESTADO NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX

Este capítulo pretende apresentar os pressupostos históricos e particularidades da relação entre a Igreja Católica Apostólica Romana e o Estado, levando em consideração principalmente o Brasil independente no período do Primeiro Reinado e das Regências. Destacamos os meios pelos quais esse processo ocorreu e a importância que teve o clero para a construção do projeto de uma nação brasileira em meio às diferentes correntes ideológicas e grupos que dele participaram.

Por meio da análise da ampla participação eleitoral do clero, na esfera de poder político tanto em cargos administrativos como eletivos, demonstraremos de que modo religião e política se interrelacionavam no período em questão, revelando também, de certa forma, como esse fator direcionava ou definia ações e tomadas de posição de ambos. Assim, mesmo constituindo espaços diferenciados, ambos estavam ligados histórica, culturalmente, bem como por determinações jurídicas, influenciando-se mutuamente e tornando possível a existência de trajetórias de padres políticos, como a de D. Marcos Antonio de Sousa.

1.1 Igreja e Estado: uma mútua dependência

A história da Igreja1 Católica, desde sua origem institucional no Império Romano até a aliança com os reis francos na Idade Média, esteve vinculada à formação e evolução política dos Estados2 europeus, consolidando a ideia de um Estado cristão, visto como comunidade, temporal e espiritual ao mesmo termo – uma Cristandade (AZZI, 1992).

1 Quando nos referimos a Igreja neste trabalho estamos tratando especificamente da Igreja Católica Apostólica

Romana, definida por John R. Hinnels (1984), professor de estudos comparados de religião da Liverpool Hope University, em seu Dicionário das Religiões como “Cristãos em comunhão com o papado; também denominados católicos. É a maior Igreja do cristianismo ocidental, difundida em outras partes pela colonização e pelas missões européias [...] A organização da Igreja faz-se através de uma hierarquia oficial sob o papado. O culto acentuadamente sacramental (sacramento) centraliza-se na missa. A doutrina, tirada da escritura e da tradição, define-se infalivelmente como „dogmas‟ através de concílios e do papado (autoridade).” (p. 56). Ele afirma ainda que “O catolicismo romano favoreceu o estreito relacionamento entre Estado e o cristianismo, o que, muitas

vezes, redundou em conflitos.” (p. 56). Alguns das peculiaridades da relação entre a Igreja Católica e o Estado

em Portugal e no Brasil após a Independência, o que agregou características diferenciadas às práticas católicas e aos seus agentes e gerou os conflitos mencionados por John R. Hinnels serão tratados ao longo do texto.

2 Em seu Dicionário de Política, Norberto Bobbio (1998) afirma que o conceito de Estado não é universal e na

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Igreja e Estado assumiram compromissos mútuos e relacionaram de tal forma o poder religioso e o poder temporal que em muitas situações ao longo dos séculos seus domínios, atribuições e limitações se confundiram. Isto fez com que essa proximidade e cooperação entre Igreja e Estado fossem marcadas, em maior ou menor grau, por diversos conflitos de autoridade (NEVES, 2009).

Existem várias formas de compreender a afirmação corrente na historiografia de que a Igreja Católica foi, ao longo de muitos séculos, uma das principais instituições da civilização ocidental. No aspecto econômico, a instituição acumulou e mobilizou uma soma extraordinária de recursos; no social, organizou indivíduos em diversos territórios para a realização de múltiplas tarefas de sua alçada; no político, reivindicou para si e por muito tempo executou a função de juíza do mundo; no cultural, além de ter sido um agente de transformação de condutas e atitudes, promoveu a geração de conhecimento e preservou obras inestimáveis, consideradas patrimônio da humanidade (NEVES, 2009).

Essas perspectivas isoladas, porém, não são capazes de revelar o lugar que a Igreja cristã ocupou na sociedade ocidental, em especial, durante as mudanças ocorridas no período histórico conhecido como Idade Moderna, e nos distanciamentos progressivos e rearranjos que ocorreram em relação ao Estado, pois antes dos idos de 1800, o religioso estava

Inteiramente confundido com o que hoje consideramos „o político‟, „o social‟, „o cultural‟, „o ético‟. Em outras palavras, essas esferas ainda não haviam sido

identificadas como distintas, e, portanto, não se tinham dissociado e se tornado autônomas. O amálgama dessas noções e os comportamentos e práticas que delas derivam constituíam o fundamento das construções monárquicas e imperiais (ALBERRO, 2000 apud NEVES, 2009, p. 380).

Durante a Idade Média, a Igreja cristã vivenciou uma fase áurea de influência na sociedade europeia, mas mediante mudanças sociais e econômicas em voga a partir do século XII um pensamento novo começou a dominar os espíritos e contestar a exercício da plenitudo

potestatis do papado – a plenitude de poder, tanto no nível temporal quanto espiritual, reinterpretando o modo como deveriam se relacionar esses dois domínios, recusando o europeia. Logo, o conceito de Estado não pode ser usado de forma homogênea no tempo e no espaço, e que o elemento central de diferenciação de uma categorização geral e simples para umaespecífica seria uma “[...] progressiva centralização do poder segundo uma instância sempre mais ampla, que termina por compreender o âmbito completo das relações políticas. Deste processo, fundado por sua vez sobre a concomitante afirmação do princípio da territorialidade da obrigação política e sobre a progressiva aquisição da impessoalidade do comando político, por meio da evolução do conceito de officium, nascem os traços essenciais de uma nova forma de

organização política: precisamente o Estado moderno.” (p. 426). Max Weber (2009), por sua vez, destaca o

caráter de centralização do Estado Moderno utilizando o chamado monopólio da força legítima, pelo que este

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governo absoluto e independente dos pontífices romanos, bem como suas interferências na jurisdição das autoridades seculares. Nesse sentido:

[...] era essencial para o processo de conformação dos Estados modernos a rejeição aos poderes legais e jurisdicionais da Igreja, fixando o monarca como o único detentor do Imperium em seu próprio território, sendo todas as demais corporações e

organizações autorizadas a existir apenas mediante a sua permissão. Portanto, caminhava-se cada vez mais para a afirmação da autoridade real em detrimento da tutela religiosa imposta pela Igreja (SOUZA, 2010, p. 319-320).

O filósofo Marcel Gauchet (1985) argumenta que, pelo menos até o final do século XVIII, cabia, em grande parte da Europa e em suas colônias, à religião cristã – católica ou protestante – uma função estruturante do mundo, que dava sentido a ele e a própria vida. Isso explicaria a dificuldade de convivência de diferentes confissões religiosas em um mesmo território e a grande freqüência com que ocorriam conflitos dessa natureza.

Na perspectiva desse filósofo, um dos traços característicos do chamado mundo

contemporâneo ocidental, aquele que teria nascido após a Revolução Francesa (1789), seria a

distância peculiar e progressiva entre o homem e a religião cristã, e, por conseguinte, entre o Estado e a Igreja. Acompanhando a infinidade de transformações em voga, a dissolução da função que a religião teria anteriormente, exigiria o aparecimento de novas formas de compreensão do mundo e formação de identidades entre os indivíduos, dando espaço para as

ideologias seculares e a consciência propriamente histórica (GAUCHET, 1985).

Essas ações, porém, não ocorreram de feição tranqüila e homogênea no território europeu, resultando que a relação entre Igreja e Estado foi um dos pontos mais tensos da Idade Moderna. Eventos como a emergência da burguesia mercantil, o desenvolvimento urbano, o Renascimento, o humanismo, a Revolução Francesa e a suplantação do Antigo Regime afirmavam e consolidavam, durante esse período, uma concepção de Estado laico, desvinculado da Igreja, contribuindo para um processo conhecido como crise da Cristandade (AZZI, 1992).

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A situação de ambigüidade do período propiciou, como uma das soluções, o desenvolvimento de diversos tipos de regalismos3. Em Portugal, a política regalista ganhou força durante o reinado de D. José I (1750-1777), quando o cenário político europeu tornou indispensável que o seu primeiro ministro, Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), sagrado Marquês de Pombal em 1770, priorizasse a afirmação do rei como autoridade soberana portuguesa, sem equivalente na Terra, o que pressupôs a redefinição das relações entre a coroa e o papado nos territórios lusitanos (NEVES, 1997; SOUZA, 2010).

Segundo Neves (2009), o Infante D. Henrique (1394-1460) obteve da Santa Sé, em 1456, o direito de padroado4 sobre as regiões devassadas pelos navegantes lusitanos ao sul do Equador durante a expansão marítima portuguesa, enquanto administrador da Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo, herdeira, em Portugal, da extinta Ordem dos Templários. Foi a esta Ordem de Cristo, na figura de seus administradores, que o papado doou o domínio espiritual das terras conquistadas e por conquistar, e não diretamente ao monarca português.

Em 1532, D. João III, em um esforço para montar um aparelho administrativo que estivesse à altura da vastidão do império ultramarino lusitano, criou um tribunal para tratar de assuntos espirituais, onde poderia descarregar sua consciência a respeito de situações em que o próprio rei exercia também a função de padroeiro. Então, entre o fim do século XV e 1551, o mestrado da Ordem de Cristo, juntamente com os de São Bento de Avis e de Santiago da Espanha foram incorporados à Coroa, e os direitos e obrigações alcançados por D. Henrique foram transferidos para o controle direto e reconhecido do soberado português. Dessa maneira:

[...] passou a caber, doravante, ao tribunal criado por D. João III, agora denominado

Mesa de Consciência e Ordens, a tarefa, entre muitas outras, de zelar pela

implantação e conservação do culto na América portuguesa, cuja colonização se encontrava, a essa altura, em seus primórdios (NEVES, 2009, p. 382).

Essa situação, em que o padroado régio e a função de padroeiro do Grão-mestre da Ordem de Cristo foram unificados na figura do monarca português, mesmo sendo situações

3 Em tese que trata do Ultramontanismo e do Regalismo no segundo Império (1840-1889), Santirocchi apresenta o Regalismo como um “[...] sistema pelo qual as concessões recebidas pelos reis para a manutenção da fé foram, muitas vezes, ampliadas e modificadas arbitrariamente pelo Estado [...] no intuito de dominar e manipular a Igreja de acordo com os interesses do Trono.” (2010, p. 13).

4 O Padroado, explicado de modo simples, significava uma troca de obrigações e direitos entre a Igreja e um

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juridicamente distintas (SANTIROCCHI, 2010), implicou em uma série de obrigações mútuas entre Igreja e Estado, dentre as quais, pode-se ressaltar como mais importantes

[...] a criação de bispados e paróquias, a ereção de igrejas, a designação e manutenção de prelados, cônegos e pastores, que recebiam as chamadas côngruas,

como ainda uma infinidade de providências destinadas a garantir o funcionamento desses dispositivos sobre o imenso território. Em troca dessas obrigações, o monarca detinha os privilégios de arrecadar e aplicar as receitas obtidas com o principal imposto direto da época, o dízimo, em princípio destinado à Igreja; de indicar bispos,

cônegos e párocos para que as autoridades eclesiásticas os investissem em seus cargos; e de dar o seu beneplácito para que bulas e outros documentos pontifícios

circulassem e tivessem validade no reino e domínios (NEVES, 2009, p. 382-383).

Nesse contexto, a Coroa portuguesa deixou a maior parte do esforço e a operacionalização da catequização dos indígenas e doutrinamento dos fiéis sob a responsabilidade das ordens religiosas regulares, as quais haviam sido renovadas e até mesmo criadas após a Reforma Protestante, e em conformidade com o Concílio de Trento5, como foi o caso da Companhia de Jesus.

Assim, jesuítas, carmelitas descalços e calçados, beneditinos, franciscanos, dentre outros, instalaram-se nos principais centros urbanos das colônias, fundando conventos e acumulando um vasto patrimônio que os faziam, por vezes, desprezar os parcos recursos do padroado oferecidos a eles. Opuseram-se, diversas vezes, às restrições que lhe eram impostas pelo governo, se utilizando de determinações pontifícias para isso, o que gerou conflito com bispos e padres seculares (VIEIRA, 1980).

1.1.1 Aspectos da relação entre a Igreja Católica e o Estado português

Os jesuítas, por constituírem a ordem regular que mais exprimia sujeição direta à autoridade do Papa, converteram-se no principal alvo do Marquês de Pombal na prática da sua política centralizadora. Com a sua expulsão dos domínios portugueses a partir de 1759, não foi apenas o ensino que teve de ser reformado, a prática clerical também, pois era objetivo da coroa que os clérigos estivessem perfeitamente alinhados aos seus interesses.

5 O Concílio de Trento, realizado de 1545 a 1563, foi o 19º concílio ecumênico. Foi convocado pelo Papa Paulo

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Para esse alinhamento de interesses Portugal contava com o padroado e as ações da Mesa de Consciência e Ordens que, a partir da implementação da política do primeiro ministro, procurou “[...] restringir o ingresso de noviços nas ordens regulares e pretendeu transformar sacerdotes seculares em autênticos funcionários da coroa, ao privilegiá-los para a função de párocos, entre outras.” (NEVES, 2009, p. 384). Dessa maneira, pode-se afirmar que as décadas anteriores à instalação da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808, foram marcadas por um regalismo bem acentuado.

Essas ações não significaram que o governo português prescindiu da religião, negando a sua importância e função. Pelo contrário, o intervencionismo regalista se tornou uma tradição na relação entre o poder secular e eclesiástico nos domínios lusitanos, sendo mantido no Brasil por todo o período monárquico (1822-1889), favorecido pela continuidade dinástica com a ex-metrópole, pois foi o herdeiro da Coroa portuguesa, D. Pedro I, que assumiu o trono brasileiro após a Independência.

Segundo Santirocchi (2010), essa política possuía precedentes históricos que remetiam às lutas de expulsão dos mouros da Península Ibérica, momento em que o catolicismo se tornou elemento aglutinador da identidade cultural e da nacionalidade lusitana, onde ser católico era um elemento essencial do ser português, tornando-se também uma característica do próprio Estado. Dentro dessa perspectiva, é possível perceber que

A fé permeava profundamente o modelo social de então e, ainda que isso gerasse delicadas ingerências recíprocas entre os poderes temporais e seculares, via de regra não se discutia o fato do Estado ser legitimado religiosamente e da religião se apoiar no braço secular para as obras que desenvolvia e para a expansão cristã. Vale dizer: a união entre Igreja e Estado, entre poder temporal e espiritual, entre civil e eclesiástico, propiciou uma convivência de colaboração, mútua legitimação, mas também conflitos de poderes e de jurisdição, usurpações e abusos tanto de uma quanto de outra parte. Era, portanto, uma relação complexa de convivência, mas por todos considerada legítima (p. 12-13).

O Brasil, por ser colonizado sob esse princípio de unidade religiosa herdado de Portugal, também teve a construção da sua nacionalidade associada ao catolicismo e marcada pela fragilidade dos limites de poder entre Estado e Igreja. Esse longo e conflituoso processo favoreceu que, na época da sua Independência, o Brasil apresentasse uma fisionomia religiosa peculiar, o que fez com que o brasilianista George Boehrer (1970) o considerasse, no século XIX, religiosa e intelectualmente, um país pombalino.

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herança da Igreja no Brasil, que teria como maior aspiração durante a construção de sua identidade após a Independência não se afastar do modelo operado pelo Marquês de Pombal.

Por outro lado, as desconfianças geradas nos Estados europeus em relação à ingerência de Roma foram reforçadas no início do século XIX, quando, após a derrota de Napoleão, o Congresso de Viena restaurou as antigas monarquias à situação geográfica anterior a 1789 e o pontífice recuperou os seus antigos territórios. A autoridade papal ganhou força no interior da política europeia, e o restabelecimento da Ordem dos Jesuítas fortaleceu um clima de renascimento do catolicismo, frente ao chamado desmoronamento da religião e processos de secularização e ascensão dos nacionalismos, em voga na Europa desde fins do século XVIII (HAUPT, 2008; PIERRARD, 1982).

De modo diverso, Guido Zagheni (1999) destaca que a relação entre Igreja e Estado no século XIX deve ser pensada no contexto do liberalismo que, partindo da perspectiva do ser humano como indivíduo capaz de alcançar a felicidade com ajuda da razão, vê o Estado como uma entidade composta de indivíduos ali inseridos mediante um contrato que favoreça o desenvolvimento dos interesses econômicos e dos lucros dos mesmos, em detrimento de grupos ou associações.

Essa concepção requer, além de uma economia autônoma e sem a existência de qualquer forma de intervenção ou planificação, um Estado que não precise de um Deus para alicerçar sua autoridade ou de uma Igreja para levar a população a obedecer qualquer autoridade constituída. Logo, não reconhece que determinada religião deva ser protegida ou financiada, pois a religiosidade é tratada como um aspecto particular de cada indivíduo, havendo uma separação entre Igreja e Estado, o que também representava uma reação à união entre altar e trono, típica do Antigo Regime. Desta forma

Nas situações de liberalismo puro, ao longo do século XIX, o relacionamento do Estado com a Igreja criou condições de separação e, ao mesmo tempo, de controle: não reconhecendo a Igreja como sociedade de direito público, o Estado tende tirar dela todo tipo de apoio e também a mantê-la sob rígido controle. Essa tendência não é nova, pois se fazia presente antes da revolução francesa: então era proteção confessional, agora é jurisdicionalismo (ZAGHENI, 1999, p. 89).

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alargados por lei, como a extinção dos mosteiros, instituições religiosas, colégios, associações, alienação das propriedades eclesiásticas e introdução de iniciativas como a nomeação de párocos escolhidos por via popular. Essas alterações não foram uniformes em todos os países ocupados; Áustria, Portugal e Espanha mantiveram a estrutura anterior, enquanto Alemanha, Bélgica e Itália sofreram drásticas mudanças como a redefinição dos bispados (ZAGHENI, 1999).

Assim, para Zagheni (1999), a Igreja da Restauração, aquela que surge após a Revolução Francesa, empreendeu um processo de recomposição da sua identidade original –

do seu Corpus Ecclesiae, com o objetivo de eliminar a confusão existente entre estruturas eclesiásticas e civis, reorganizando a vida social, civil e religiosa em Roma, no Estado Pontifício e nas demais nações europeias, mais atentamente. As principais medidas tomadas foram: a reorganização das dioceses e das paróquias, o empenho pela vida espiritual do povo, a reconstrução dos seminários, a restauração das ordens religiosas e a restauração da ideologia da cristandade.

A ideologia da cristandade é entendida, para esse momento, como um modelo

cultural de que se serviu a Igreja para definir sua relação como o mundo e a sociedade, tendo raízes no canonismo medieval que afirmava a dependência do poder temporal em relação ao espiritual e na reforma gregoriana que estabelecia o poder dos Papas sobre o poder dos reis, encontrando na eclesiologia tridentina uma especial aplicação, tornando-se ativo e operante da segunda metade do século XVIII até o Vaticano II (1962-1965) (PIERRARD, 1982).

Reagindo ao pensamento liberal e às ações dos Estados Nacionais que “[...]

tentavam também se impor como princípios organizadores das sociedades, como fonte de legitimidade e como referente de moralidade cívica.” (HAUPT, 2008, p. 80), a Igreja Católica iniciou um movimento de reação que se estruturou basicamente em dois aspectos. Primeiro, opôs-se à nova perspectiva científica, pregando a necessidade de o homem se subordinar a divindade e aos seus representantes, o clero. Segundo, reagiu ao liberalismo político, adotando oficialmente um posicionamento conservador6.

Esse movimento, que ficou conhecido pelo nome de Ultramontanismo visava reforçar o poder e a autoridade de Roma como centro da religião católica, retomando a

6 O conservadorismo foi uma corrente de pensamento político-ideológica desenvolvida na Europa moderna como

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influência da Igreja no campo de concorrência ideológica, cultural e religiosa, buscando também novas inserções no mundo (MICELI, 2009).

Em um artigo que teve como uma das temáticas o ultramontanismo, Ítalo Santirocchi (2010) assegura que a palavra deriva do latim ultra montes e que a linguagem eclesiástica medieval denominava todos os Papas não italianos de ultramontanos, sendo que o termo sofreu alterações em seu sentido original ao longo do tempo, chegando a ser utilizada de maneira difamatória por sugerir falta de apego à própria nação. Em suas diversas aplicações é possível constatar que

A palavra foi novamente empregada depois da reforma protestante, entre os governos e os povos do norte europeu, onde se desenvolveu uma tendência a considerar o papado como uma potência estrangeira, de modo especial quando o papa interferia nas questões temporais. O termo ultramontanismo também foi utilizado na França para identificar os defensores da autoridade pontifícia em

contraposição às „liberdades da igreja galicana‟ (p. 24).

No século XVII, o ultramontanismo era associado aos defensores da supremacia religiosa e temporal do Papa sobre os reis e Concílios, o que fez com que a Companhia de Jesus fosse assim identificada. Já no século XIX, houve uma ampliação de seu sentido, caracterizada

[...] por uma série de atitudes da Igreja Católica, num movimento de reação a algumas correntes teológicas e eclesiásticas, ao regalismo dos estados católicos, às novas tendências políticas desenvolvidas após a Revolução Francesa e a secularização da sociedade moderna (SANTIROCCHI, 2010, p. 24).

Em um consagrado trabalho intitulado “O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil”, David Gueiros Vieira (1980), corrobora com essa interpretação ao afirmar que o termo Ultramontanismo era utilizado desde o século XI para nomear os

cristãos que buscavam a liderança de Roma “do outro lado da montanha”, isto é, dos Alpes.

Informa, ainda, que o termo reaparece no século XIX, desta vez descrevendo uma série de atitudes e conceitos da ala conservadora da Igreja Católica em reação às práticas e ideais da Revolução Francesa.

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escritos culminariam em 1864 com a redação da encíclica Quanta Cura e do Sílabo dos erros, anexo a ela.

Desta maneira, no século XIX, a doutrina ultramontana não se constituiria apenas como uma posição a favor da concentração de poder eclesiástico nas mãos do Papa, mas também contra os erros e perigos para a Igreja Católica, dentre os quais destaca

[...] o galicanismo, o jansenismo, todos os tipos de liberalismo, o protestantismo, a maçonaria, o deísmo, o racionalismo, o socialismo e certas medidas liberais propostas pelo estado civil, tais como a liberdade de religião, o casamento civil, a liberdade de imprensa e outras mais (VIEIRA, 1980, p. 33).

Foi nesse contexto de desconfiança em relação às pretensões do Vaticano que, no Brasil, no século XIX e em especial a partir de 1822, a relação entre Igreja e Estado começou a ser repensada e redefinida, mediante o desafio da organização de um regime político e administrativo específico, independente de Portugal. O fato de os limites entre os domínios civis e religiosos, no Brasil, serem estreitos desde o período colonial fez com que o catolicismo também se inserisse nas discussões e diferentes aspirações transformadoras que concorreram para a constituição do Império.

Podemos perceber a relevância que estas questões alcançaram, nesse período, pelas palavras do deputado Lino Coutinho, pronunciadas na sessão da Câmara dos Deputados de 09 de julho de 1828, em um concorrido debate sobre o direito que esta casa teria em criar ou extinguir as dignidades de Cônegos nos bispados, frente à autoridade e as deliberações das bulas papais: “Estamos em tempo de reforma, e é necessário reformar tudo no civil, no

político e no religioso” (BRASIL, 1828, p. 79).

1.2 A emancipação política do Brasil e a constituição do Império

Pensar sobre o processo de emancipação7 política do Brasil e constituição do Império envolve relacionar-se com múltiplas descrições e interpretações que tentam explicar os movimentos de continuidade e ruptura do pacto existente entre as partes da América

7 O tratamento dado ao termo “emancipação” neste trabalho é apropriado da historiadora Emília Viotti da Costa

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portuguesa e sua metrópole e que tentaram transformar a Independência em um momento fundante da nação brasileira, constituída como um Estado distinto de Portugal (OLIVEIRA, 2009; RIBEIRO, 2007).

De maneira diversa, em ações e resultados dos demais movimentos ocorridos na América hispânica, a independência do Brasil esteve inserida no processo mais amplo de transformações do final do século XVIII e início do XIX, que provocaram o início do desmoronamento do Antigo Regime na península Ibérica, levando à desintegração desse conjunto político em unidades diversas e soberanas (NEVES, 2009).

Logo, a formação do Estado brasileiro foi marcada pela adoção de novas instituições representativas, como a Assembléias Legislativa e Câmara dos Deputados, características da política moderna, mas que conviviam de maneira paradoxal com outras representativas do Antigo Regime, como o escravismo, as práticas de compadrio e contraprestação de favores. Dessa maneira, a continuação dinástica com a ex-metrópole, característica peculiar da emancipação brasileira, foi apenas um dos elementos que marcou a diferença existente em relação à libertação das colônias espanholas no continente americano.

José Murilo de Carvalho (2011) assegura como fato reconhecido pelos estudiosos do século XIX que os principais aspectos da peculiaridade do processo de independência do Brasil, em relação aos demais que ocorreram na América, encontram-se em dois pontos principais: a manutenção da unidade na colônia portuguesa, frente à fragmentação da ex-colônia espanhola; e como segundo aspecto, o tipo de sistema político implantado aqui, monárquico-hereditário, constitucional e representativo, diferente dos regimes republicanos dos países hispânicos.

Os primeiros atos da regência do governo do príncipe D. João no Brasil foram consequências da conjuntura definida pelas guerras napoleônicas na Europa, a partir da instalação da Corte portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808, e da exigência de ajustamentos tanto na cidade quanto nos órgãos políticos e administrativos luso-brasileiros, para que o aparelho central da Coroa portuguesa pudesse ser recriado na colônia. Isto se fez necessário, pois

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Além da abertura dos portos às nações amigas em 28 de janeiro de 1808, o governo português estabeleceu instituições políticas destinadas à administração do novo império luso-brasileiro, nomeando ministros para as secretarias de Estado – órgãos centrais do governo, que foram reorganizadas para funcionar no Brasil e não mais em Portugal (COSTA, 1999).

Dessa forma, a Secretaria de Negócios do Reino deixou de pertencer aos Domínios Ultramarinos e tornou-se “dos Negócios do Brasil” e o ministro que ocupava essa pasta acumulou as funções referentes à Secretaria dos Negócios da Fazenda e presidente do Real Erário. Criou-se também um Conselho Superior Militar, responsável pelos assuntos antes atribuídos ao Conselho de Guerra de Ultramar. Auxiliado por seus ministros, D. João VI empreendeu diversos atos administrativos e governamentais que caminhavam na direção de uma inversão do estatuto colonial do Brasil (MARTINS, 2007).

No aspecto da religião, um alvará de 22 de abril de 1808 criou o Tribunal da Mesa do Desembargo do paço e da Consciência e Ordens, formado por um presidente, desembargadores e funcionários, todos nomeados diretamente pelo rei correspondendo a dois órgãos metropolitanos, existentes desde o século XVI: a Mesa do Desembargo do Paço, que se encarregava dos pedidos dirigidos diretamente ao monarca enquanto supremo dispensador da justiça; e o outro, a Mesa de Consciência e Ordens, que se ocupava dos assuntos religiosos de responsabilidade do monarca enquanto detentor do direito de Padroado (NEVES, 2009).

Outros órgãos ligados à justiça, polícia, fazenda real e comércio foram criados, possibilitando a contratação de muitos funcionários para diferentes níveis deles. Porém, os cargos mais importantes, ligados às secretarias de Estado, continuaram nas mãos dos nobres que acompanharam a família real na transferência da corte, assim como os novos lugares nas mesas, conselhos e tribunais foram entregues principalmente a eles. Várias dignidades e honrarias também foram distribuídas aos portugueses que habitavam no Brasil como forma de retribuição pelo auxílio financeiro prestado por grandes comerciantes para a reconstituição do Erário Real (SILVA, 1992).

Apesar da preferência pelos portugueses vindos da Corte, novos empregos também foram oferecidos aos nascidos no Brasil, tanto nas diversas áreas de prestação de serviços, como médicos, cirurgiões, escrivães, capelães, quanto na burocracia de Estado. Nesse tocante, Lúcia M. Bastos P. Neves (2009) afirma que

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esses indivíduos foram beneficiados, em função da longa permanência da corte no Brasil, e não mais aceitavam perder os privilégios que acabaram de incorporar (p. 107).

Deste modo, além da formação de uma nobiliarquia no Brasil, pela concessão de títulos aos portugueses que aqui habitavam e seus descendentes, houve também a formação de uma burocracia, composta principalmente pela elite política local, que era recrutada principalmente nos setores sociais dominantes e se inseriu sobremaneira nas engrenagens administrativas do Estado (CARVALHO, 2011). Este fato ampliou a intervenção da Coroa nas diversas partes do território americano a partir da cidade do Rio de Janeiro, que passou a figurar, com o passar dos anos, como nova metrópole frente às demais capitanias, o que levou a um declínio da autonomia local destas.

Richard Graham (1997) afirma que desde os tempos coloniais os oligarcas brasileiros exerciam considerável poder por meio dos Senados das Câmaras Municipais e opunham-se à interferência externa em seus negócios, o que gerava conflitos com o poder central. A transferência da Corte para o Brasil, apesar de favorecer as atividades econômicas desse grupo pelo fim das restrições mercantilistas, acirrou a contraposição ao controle central e acentuou os sentimentos de interesse local. Essa tensão foi nitidamente presente no início da década de 1820 e nos anos seguintes, e permeou um rico debate sobre centralização e descentralização ao longo do período imperial brasileiro.

Esta situação desagradou aos governantes do Reino, em Lisboa, pois mesmo após a expulsão das tropas francesas de Portugal eles perderam cargos e poder no governo, além de passarem por grave crise econômica gerada, segundo Emília Viotti da Costa (1999), pelos efeitos do fim dos monopólios comerciais com o Brasil, quando houve a abertura dos portos às chamadas nações amigas. Isto teria ocorrido a despeito das tentativas de D. João VI de garantir-lhes os privilégios, limitando as vantagens comerciais concedidas principalmente aos ingleses.

A instalação da Corte portuguesa no Brasil, longe de ser um momento em que se pode vislumbrar um ideal de separação, foi um período de reestruturação, quando novos órgãos administrativos tiveram as suas ações direcionadas para a tentativa de um equilíbrio entre as diferentes partes do Império português. Para Ana Cristina Nogueira da Silva (1992), foi nessa perspectiva que D. João VI teria criado, em 1815, uma nova maneira de administrar

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Passados os primeiros anos do governo joanino no Brasil, e após o fim da invasão francesa aos territórios portugueses, algumas províncias – como passaram a ser denominadas as antigas capitanias, voltando a se ligar, principalmente por interesses econômicos e comerciais, diretamente a Lisboa. Esse foi o caso do Pará, Maranhão e também algumas partes da Bahia, que tinham suas redes comerciais diferenciadas da do centro-sul e foram prejudicadas pela transferência da Corte e ressentidas com o papel de centralismo que o Rio de Janeiro passava a ter (COSTA, 1999; NEVES, 2009).

Do mesmo modo, em importantes momentos de tensão na política do período, as administrações das províncias que compunham o território brasileiro assumiram posturas que evidenciaram o conflito entre o seu desejo de autogoverno e o centralismo da Corte fluminense, tendo de escolher entre Lisboa e o Rio de Janeiro, como ocorreu quando eclodiu o movimento constitucionalista português e as guerras de independência. Nesse sentido, os representantes do Brasil nas Cortes de Lisboa afirmavam que, além de representarem os interesses da nação como um todo, tinham uma obrigação particular com os interesses e necessidades de sua província (SILVA, 1992).

Essa afirmação pode ser entendida a partir do que Carvalho (1999) chama de uma herança colonial, quando a organização política e administrativa foi marcada por uma fraca presença do poder metropolitano e por uma frouxa ligação entre as regiões que compunham as possessões portuguesas na América.

A partir da elevação do Brasil à condição de Reino Unido em 1815, este se transformou na sede de direito do Império luso-brasileiro, vivendo um grande influxo comercial e valorização de matérias-primas pelo contexto de guerras vivido e pelas novas possibilidades de acesso ao círculo de poder de D. João VI. Portugal, porém, encontrando-se

na condição de antiga metrópole, estava “[...] desgastada pelo virtual domínio inglês,

ressentida com a perda de suas anteriores funções e desprovida da proximidade de um soberano, que, nos quadros mentais do Antigo Regime, representava a possibilidade de correção de injustiças.” (NEVES, 2009, p. 113).

O descontentamento com a situação política, econômica e social de Portugal, associado à influência do Liberalismo8 que se expandia com inspiração na vitória

8 A definição do conceito de Liberalismo é algo extremamente complexo e enquanto fenômeno histórico oferece

dificuldades específicas relativas ao local, tempo diverso e grau de desenvolvimento social e econômico do país onde se manifestou. Norberto Bobbio (1998), destacando essas dificuldades, oferece uma que assume ser

bastante genérica, na qual “O Liberalismo é um fenômeno histórico que se manifesta na Idade Moderna e que

tem seu baricentro na Europa (ou na área atlântica), embora tenha exercido notável influência nos países que

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constitucionalista que ocorrera na Espanha, motivou a elite metropolitana a empreender um movimento de transformação do regime monárquico por meio de uma Constituição que subordinasse o trono ao Poder Legislativo, garantindo os princípios da soberania nacional, da participação política, da separação dos poderes, da consagração dos direitos naturais e civis

dos “cidadãos”, bem como de sua igualdade perante a lei (SILVA, 1992).

Em 24 de agosto de 1820, a Revolução do Porto, também conhecida como movimento de regeneração vintista, pôs em cheque o Reino Unido de D. João VI propondo o fim do Antigo Regime, a convocação das antigas Cortes Gerais para a elaboração de uma

Constituição e o restabelecimento do “lugar merecido” de Portugal no interior do Império Luso-brasileiro. Para alguns autores, esse foi também o começo do processo de emancipação política do Brasil (COSTA, 1999; NEVES, 2009; RIBEIRO, 2007; SILVA, 1992).

Os acontecimentos em Portugal repercutiram no Brasil e as adesões à Revolução Constitucionalista do Porto por grupos diversos e motivos contraditórios, que iam desde a tentativa de reduzir a autoridade do rei até evitar um movimento republicano no Brasil, se multiplicavam (GRAHAM, 1997). No entanto, a contradição de interesses entre os grupos metropolitanos e coloniais não tardaram a se manifestar, pois, segundo Emilia Viotti da Costa,

em Portugal, a Revolução assumiu “[...] um sentido antiliberal, na medida em que um de seus

principais objetivos era destruir as concessões liberais feitas por D. João VI ao Brasil.” (1999,

p.43).

Nos meses posteriores à Revolução do Porto várias províncias brasileiras aderiram ao movimento formando Juntas Governativas Provisórias. Pressionado de diversas formas, inclusive por tropas portuguesas no Rio de Janeiro e manifestações populares nas ruas, D. João VI assumiu o compromisso de aceitar e fazer cumprir a Constituição que seria aprovada nas Cortes de Lisboa, baixando um decreto em 07 de março de 1821 pelo qual as Câmaras de todo o país ficariam obrigadas a fazer o mesmo, bem como foram dadas as instruções para a eleição de deputados brasileiros que deveriam integrar as Cortes (COSTA, 1999; SILVA, 1992).

(36)

Mediante esse intenso cenário político, o ano de 1821 converteu-se, em Portugal e no Brasil, em um período de pregação do Liberalismo e do Constitucionalismo9, definindo, segundo Lúcia M. Bastos P. Neves (2009), uma cultura política cuja dinâmica acompanhava o processo histórico mais amplo em voga, leia-se, a desestruturação do Antigo Regime. Para esta historiadora isto ocorria devido ao fato de que

Inauguravam-se práticas políticas inéditas, estimuladas pela circulação cada vez mais intensa de escritos de circunstâncias – folhetos políticos, panfletos e periódicos

– impressos no Rio de Janeiro e na Bahia ou vindos e Lisboa. Essas obras faziam chegar notícias e informações a uma platéia mais ampla, gerando clima febril em diversas províncias como Pará, Maranhão, Pernambuco e São Paulo, régios em que posteriormente, se instalaram oficinas impressoras aumentando ainda mais a circulação desses escritos (NEVES, 2009, p.118).

Inicialmente essa nova literatura política produziu uma grande crítica aos

corcundas, como ficaram conhecidos os partidários do Antigo Regime, mas não havia ainda,

nesse momento, questionamentos em relação à unidade do Império Luso-brasileiro. Folhetos, panfletos e periódicos que publicavam as inúmeras cartas de particulares discutindo os seus artigos que tinham como tema os acontecimentos no Brasil e em Lisboa demonstram uma até então inédita preocupação coletiva com a política (NEVES, 2009).

Essas questões eram debatidas por grupos escolarizados, que eram minoria no período, sendo divulgados na esfera pública dos novos espaços de sociabilidade que foram formados após 1808, representados por cafés, academias, livrarias e sociedades secretas como a maçonaria (SOUZA, 2010).

Sobre a maneira pela qual as ideias liberais chegaram aos territórios brasileiros, David Gueiros Vieira (1980) ressalta que vinham inicialmente da França, por meio de

[...] jornais e livros importados para a colônia diretamente ou, em segunda mão, via Portugal, importadas por estudantes brasileiros em Coimbra e por portugueses liberais que se refugiaram na colônia, fugidos do Chefe de Polícia Pina Manique e da reação portuguesa contra a Revolução Francesa (p. 39).

Embora seja notória a influência das ideias liberais de matriz européia no Brasil desde fins do século XVIII e durante o século XIX, Emília Viotti destaca que não se deve superestimar a sua importância, pois

9Segundo Norberto Bobbio “[...] o Constitucionalismo é a técnica da liberdade, isto é, a técnica jurídica pela

qual é assegurado aos cidadãos o exercício dos seus direitos individuais e, ao mesmo tempo, coloca o Estado em

Imagem

Tabela 1 – Número e porcentagem de clérigos eleitos Deputados Gerais ao longo das  legislaturas transcorridas no período imperial
Figura 1 – Brasão do bispo Dom Marcos Antonio de Sousa
Tabela 2 – Autos de Visitas Pastorais realizadas no Bispado do Maranhão no século XIX  Nº do

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