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A atuação parlamentar em defesa da Igreja

No documento JOELMA SANTOS DA SILVA (páginas 107-117)

2 O IMPÉRIO E A IGREJA NO BRASIL: A ATUAÇÃO POLÍTICA DE DOM

2.2 Elementos de uma dupla fidelidade: o posicionamento político-religioso de Dom

2.2.3 A atuação parlamentar em defesa da Igreja

As batalhas políticas travadas entre os padres na Legislatura de 1826 incluíram muitas vezes motivações religiosas por trás. Afinal, se no contexto brasileiro do padroado o poder espiritual estava sob o julgo do poder temporal, era necessário utilizar o Estado para obter as transformações religiosas necessárias, bem como evitar as indesejadas. Por conseguinte, pode-se afirmar que alguns sacerdotes viram na atuação política a oportunidade ideal para pensar e agir sobre a Igreja, assumindo no Parlamento a posição de seus verdadeiros reformadores.

Características oriundas do processo de estruturação do catolicismo do Brasil, como a falta de infra-estrutura religiosa, a carência de párocos e de sua pouca base educacional e moral foram facilitadores da perpetuação de um catolicismo leigo e uma religiosidade popular permeada por superstições e fanatismos (SERBIN, 2008) e contribuíram para um quadro de precária cristianização tridentina nesses territórios.

Esses problemas levaram os padres participantes da legislatura de 1826 a partilharem a crença nas necessidades de uma reforma da Igreja no Brasil, visando uma moralização de leigos e clérigos. No entanto, não havia entre os clérigos um modelo de projeto comum sobre como essas reformas deveriam ser conduzidas. A historiadora Françoise Souza (2010) polariza as diretrizes para a regeneração da Igreja no período em dois grupos: o

grupo paulista e o grupo conservador.

Kenneth P. Serbin (2008) também afirma que se formaram dois campos opostos, mas destaca mais elementos em sua composição, sendo que

De um lado estavam os conservadores, ultramonarquistas reacionários e ultramontanos (ferrenhos partidários do papado e da centralização da autoridade eclesiástica); do outro, os liberais, revolucionários nacionalistas, republicanos e galicanos (defensores de estreitas relações entre a Igreja e o Estado e da maior soberania nacional nos assuntos religiosos) (p. 70).

O chamado grupo paulista era formado por deputados21 de províncias diversas, mas tinha seu nome justificado em função da ascendência que o paulista Feijó exercia sobre os demais como líder pragmático e o também paulista Amaral Gurgel, como líder intelectual (SOUZA, 2010). Não possuíam uma unidade de pensamento, mas havia em comum a certeza de que a reforma da Igreja era necessária e deveria ser encaminhada por meio do poder temporal, objetivando, de maneira geral

[...] destemporizar a Igreja, extinguindo os abusos e os excessos do tempo, realizar uma reforma disciplinar, conforme a pureza da doutrina dos primeiros séculos, além de habitar pastoralmente e culturalmente o clero para desempenho de sua missão (SOUZA, 2010, p. 380).

Como a maioria dos políticos do período, os padres pertencentes ao grupo

paulista acreditavam que a religião era a fonte primeira de moral pública e tranquilidade do

Estado (AZZI, 1992). Mas devido à situação de despreparo e imoralidade que o clero se encontrava, era necessário primeiro reformar a Igreja e regenerar o corpo clerical para que ele assumisse seu papel de educador do povo. Esse processo, porém, não partiria da Igreja, e sim do Estado, seguindo a tradição regalista do catolicismo luso-brasileiro.

Os conservadores também demonstraram o desejo de transformação da religião da Igreja no Brasil, mas entendiam que cabia à Igreja, e não ao Estado, a função de pensar sobre as soluções para os problemas que se abatiam sobre a instituição. Para esse grupo o Estado deveria apenas apoiar a Igreja naquilo que lhe fosse necessário, pois enquanto instituição autônoma não deveria sofrer ingerências do poder temporal.

De maneira geral, os conservadores pensavam a igreja a partir dos preceitos reformistas estabelecidos no Concílio de Trento, que enfatizavam o caráter superior do Estado clerical e a necessidade de sua distinção e separação do mundo, para que se evitassem os vícios e desvirtuações das funções espirituais. Para isso era fundamental, a partir das diretrizes tridentinas, promoverem uma observância mais assídua do celibato, enaltecendo a figura do

21Segundo Souza (2010) o “grupo paulista” era formado pelos padres deputados Feijó, Manoel Joaquim do Amaral Gurgel, José Bento Leite Ferreira de Melo, José Custódio Dias, José Martiniano de Alencar, Antonio Maria de Moura, Antonio José Ribeiro Bhering, José Miguel Reinaut, Francisco José Ferreira de Albuquerque, entre outros.

padre como ministro do culto, preconizando uma religiosidade mais interiorizada e um clero mais culto e preparado dentro das doutrinas da Igreja.

As propostas de reforma apresentadas pelos padres liberais regalistas encontraram forte resistência por partes daqueles de orientação católica conservadora, principalmente do Arcebispo da Bahia, D. Romualdo Antonio de Seixas, e do Bispo do Maranhão, D. Marcos Antonio de Souza, que diversas vezes reagiram e colocaram obstáculos aos projetos liberais de modernização da religião apresentado da Assembléia de 1826 (VIEIRA, 1980).

Lutando contra os projetos que tencionavam “abrasileirar” a Igreja, D. Marcos empreendeu na Assembleia Legislativa uma enfática defesa das Ordens religiosas que, segundo Santirocchi (2010), foram de grande importância para a Reforma Católica de inspiração tridentina e ascensão do ultramontanismo no Brasil no Século XIX.

Quando o deputado Paula e Souza propôs, na sessão de 17 de maio de 1828, que fosse proibida a admissão e residência no Império de frades ou congregados estrangeiros de qualquer denominação, instituto ou hábito, bem como qualquer nova ordem ou corporação religiosa sendo amplamente apoiado pelos demais, D. Marcos se colocou desfavorável a sua proposição (BRASIL, 1828). Afirmou que não entendia nem admitia que se excluíssem do território os frades estrangeiros pelo motivo de seguirem uma ordem religiosa, perguntando a seus colegas de deputação como “[...] o Brasil há de admittir no seu seio homens de todas as seitas, e podem todos os estrangeiros vir residir aqui, e só serão excluídos aquelles que professão os conselhos evangélicos?” (Brasil, 1828, p. 95).

Várias questões envolviam a oposição dos deputados às ordens religiosas, dentre elas o antijesuitismo herdado do período pombalino e o tradicional envolvimento dos frades em sedições durante o período colonial, que faziam com que fossem vistos como elementos de perigo para a manutenção dos poderes das autoridades locais. O deputado Custódio Dias chegou a afirmar que “Eles vêm pregando santidades, cheios de mel nos lábios, mas com veneno nos corações, e sempre que podem, não deixão de fazer mal á sociedade.” (BRASIL, 1828, p. 95-96).

A defesa das Ordens religiosas foi uma das principais características da atuação dos bispos ultramontanos no Brasil imperial (SANTIROCCHI, 2010; VIEIRA, 1980). Elas eram entendidas como fundamentais para uma europeização do catolicismo brasileiro, que expurgaria da prática religiosa as características populares e sincréticas, oriundas de outras matrizes religiosas, auxiliando na formação de padres moralmente mais rigorosos por serem portadoras que uma ortodoxia romana.

A oposição de fundo econômico dos deputados , às ordens quanto à riqueza que essas instituições possuiriam, constituindo verdadeiro poder paralelo em contraposição aos dos que esses mesmos deputados representavam, foi refutada por D. Marcos com o argumento da limitação que então a lei impunha às corporações de mão morta em adquirir bens somente com o consenso do governo.

Assim, na visão do bispo, a grande necessidade dos clérigos estrangeiros para ministrar sacramentos aos povos, pela carência de nacionais para atender um território tão vasto como o Brasil, era superior ao receio de alguns deputados quanto à riqueza e poder das instituições internacionais das quais os frades provinham. Além do mais, o governo já havia tomado medidas legais para inibir as possíveis conseqüências dessa situação.

Outra questão que perpassava a oposição da maioria dos deputados à presença de frades e ordens religiosas estrangeiras no Brasil é que seus membros não seriam subordinados ao Estado, por meio do padroado, nem a Constituição brasileira e as determinações da Assembleia Legislativa. Enquanto integrantes do clero regular, esses frades estariam sujeitos somente as regras das suas congregações, originárias de outros Estados absolutistas, e ao papado, o que para os deputados liberais significava um perigo e uma afronta à soberania do Brasil e a sua Constituição e mais uma tentativa de ingerência e dominação da Cúria Romana nos territórios brasileiros. Pois, os “inimigos de todas as luzes do século” não se ocupariam mais de seus ministérios religiosos, e sim da política, bem como estariam “[...] perturbando a ordem estabelecida, espalhando ideias absolutas e ideias transmontanas.” (BRASIL, 1828, p. 96), detratando e difamando o clero secular brasileiro (BRASIL, 1828).

Os deputados liberais Cunha Matos, Vasconcelos e Lino Coutinho entraram em confronto direto com D. Marcos Antônio de Sousa, gerando tumulto à Assembleia e fazendo necessário o presidente chamar à ordem diversas vezes. Esse conflito foi motivado pela declarada posição do bispo em favor de quatro frades caraças22 que estavam no bispado de Mariana, província de Minas Gerais, trabalhando no ensino dos jovens, e no pensamento do bispo, contribuindo para os bons costumes e para a educação cristã necessárias aos cidadãos. D. Marcos chegou a afirmar que eles não seriam estrangeiros, como argumentavam os deputados citados, pois estavam no Brasil já em 1819, antes da declaração da Independência.

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A penetração do catolicismo ultramontano ganhou força com a vinda de alguns frades lazaristas, ordem religiosa de carisma vicentino, cujo objetivo era o de promover a expansão das missões populares e oferecer educação e formação em colégios e seminários como os de Caraça, em Minas Gerais. Essa instituição primava pela moral dos sacerdotes e de lá saíram importantes agentes da reforma católica ultramontana, como o bispo de Mariana, D. Antônio Ferreira Viçoso (Martins; Oliveira, 2011).

A própria clausula que estabelecia a idade que alguém fosse admitido em uma ordem religiosa foi questionada na Assembleia, o que gerou grande revolta em D. Marcos e fez com que, mais uma vez, ele apresentasse um aspecto marcante de suas argumentações sobre como via a relação de separações de poderes que deveria haver entre Igreja e Estado, e da sua fidelidade, enquanto religioso, às diretrizes estabelecidas pela Cúria Romana, ao afirmar que

A esta camara não compete deliberar sobre um ponto de disciplina estabelecida pelo concílio de Trento, e porque a idade de 16 annos é a que está recebida em toda a igreja, não se pode alterar sem o concenso do poder espiritual, ao menos são estes os princípios de direito público eclesiástico (BRASIL, 1828, p. 113).

A ideia de que alterar normas conciliares e aspectos relativos às necessárias reformas da Igreja, como o estabelecimento da idade para o ingresso nas ordens religiosas e determinação de submissão ao poder civil local, eram direito único e exclusivo do papa enquanto líder de todos os católicos, e não do poder Legislativo, era recebida com grandes protestos e estranhamento naquele contexto liberal e regalista. O deputado Costa Aguiar chegou a afirmar que D. Marcos seria contrário a soberania, liberdade e independência da nação, e que

Se semelhantes princípios valessem, elles deitariam por terra a constituição, e nós ficariamos inteiramente com as mãos atadas, e ligadas para fazer as reformas, de que carecemos. Eu opponho-me, e oppor-me-hei sempre com todas as minhas forças a semelhantes idéas. O meu código é a constituição do império, Ella é o meu único norte, e deve ser a taboa da salvação de todos nós (BRASIL, 1828, p. 115).

D. Marcos, por sua vez, utiliza também o dispositivo da Constituição para argumentar que ela garantia liberdade individual a todo cidadão para seguir a confissão religiosa que preferisse, inclusive seguir a vida monástica, e que mesmo “apartados do mundo”, esses agentes gozavam dos direitos de cidadão, mesmo não podendo ocupar cargos políticos ou votar ao contrário do que pensavam seus colegas de deputação que os consideravam cidadãos inativos, fora do sistema (BRASIL, 1828).

Respondendo ao liberal Cunha Matos, que afirmou a reforma da Igreja no Brasil pertencente à Assembleia Geral, e não ao papa, como desejaria o bispo do Maranhão, e que não sabia se os frades eram cidadãos por serem eles excluídos de várias funções civis pela sua regra religiosa, ele afirmou que

A autoridade espiritual tem sido sempre recebida em toda a legislação pelo poder civil, não sei que razão haja par nós a rejeitar-mos agora. Quanto a dizer um Sr. Deputado, que os frades não são cidadãos, porque não podem entrar nas eleições, respondo, que ha outros muitos cidadãos que não podem ser eleitores, por não terem 100$ de renda, que a constituição exige; e todavia sem que possão ser eleitores , elles são cidadãos brasileiros; nem eu concebo como possa um homem pertencer a uma sociedade e ao mesmo tempo não ser cidadão della (BRASILl, 1828, p. 113- 114).

A política de catequização dos índios também era para o bispo um elemento que tornava indispensável a presença e atuação das ordens religiosas no Brasil. A necessidade de diretrizes para o trato e incorporação dos índios ao império já estava presente em projetos apresentados pelos deputados brasileiros nas cortes de Lisboa. O mais famoso desses projetos foi o de José Bonifácio de Andrada e Silva, intitulado “Apontamentos para a civilização dos índios bravos do Brasil” que posteriormente foi reapresentado à Assembleia Constituinte de 1823 (SAMPAIO, 2009).

A tarefa de “catequizar e civilizar” os índios foi, no Brasil, tradicionalmente uma ação missionária, estando também ligada às determinações conciliares tridentinas, o que para D. Marcos só era possível por meio da ação dos integrantes das ordens religiosas, pois eles seriam “[...] homens tocados dos princípios do verdadeiro christão para taes sacrificios, para tratar da catechese e civilisação dos indios.” (BRASIL, 1828, p. 100).

Afirmando que os padres no Brasil não queriam se sujeitar às diversidades e ao trabalho nas aldeias, como fazia, por exemplo, o barbadinho Frei Ludovico com os índios Mossungue, no Arcebispado da Bahia, D. Marcos diz que o único meio de trazer os índios à civilização e humanizá-los era a religião, e que se opunha ao posicionamento dos demais deputados em tentarem impedir a admissão de estrangeiros em conventos de ordens religiosas no Brasil, pois

[...] dizem todos os escriptores que o socorro maior que a sociedade pôde ter, são eclessiasticos que facão instruir os povos nas doutrinas christãs, e em prova mostrarei o exemplo dos indios do Brasil Catechizados pelos jesuítas e por outros relogiosos, que se tem mandado pregar, como foi o padre Vieira que fez muitos serviços ao Brazil (BRASIL, 1828, p. 100).

Apesar da enfática defesa do trabalho das ordens religiosas, empreendido por D. Marcos, a política xenofóbica e anticlerical se acirrou e houve um abatimento da ação missionária no Brasil nas primeiras décadas do século XIX, apesar dela nunca ter sido interrompida totalmente. A historiadora Patrícia Melo Sampaio (2009), destaca que missionários carmelitas e capuchinhos prosseguiram seu trabalho em aldeamentos espalhados

em diversas localidades do império, e nas décadas de 30 e 40 houve a implementação de novas missões religiosas no Maranhão, Ceará, Pará e Espírito Santo, mas nesse contexto a ação missionária estava a serviço do Estado.

A questão do índio não dizia mais respeito ao fato de ser contrário ou favorável a ação das ordens religiosas e em que ela limitaria o uso da mão de obra indígena, como no período colonial. O ponto relevante nesse contexto era o processo de apropriação das terras indígenas para expansão da ocupação do território do novo Estado e das áreas cultivadas para fins comerciais, que estava sendo pensada principalmente por meio da imigração de indivíduos vindos dos Estados europeus, apesar da permanência do fator relativo ao acesso ao trabalho indígena (COSTA, 1999; SAMPAIO, 2009).

Nesse sentido, podemos afirmar que o debate em torno das ordens religiosas ocorrido na Legislatura de 1826 não era perpassado somente pela discordância da ação positiva ou negativa que a admissão de frades estrangeiros teria no Brasil. Reconhecendo a importância e influência que a Igreja possuía na sociedade, a preocupação dos deputados liberais era manter a instituição sob autoridade do Estado e por consequência, sob a autoridade e agindo em favor dos interesses de sua elite política, e não sob influência de demandas oriundas da Santa Sé.

O modelo de reforma da Igreja que deveria ocorrer no período não era somente uma questão religiosa, pois as filiações dos agentes que discutiam essas questões, bem como a histórica relação que se estabeleceu com o Estado no Brasil, faziam com que elementos políticos e econômicos estivessem diretamente envolvidos no debate religioso e nas tomadas de posição que entendia entre os espaços do poder civil e do poder religioso, como agente social e historicamente delimitado, também agiu de acordo com essas demandas, e enquanto político defendeu na Assembleia seus posicionamentos, filiações e interesses religiosos.

A ofensiva tridentina, sustentada por D. Marcos e sua destacada luta contra os projetos que tentavam “abrasileirar” a Igreja Católica, gerou duras críticas de seus colegas de deputação. Quando a Assembleia passou a discussão sobre o destino que se daria aos conventos abandonados e seus guardiões, o grupo liderado por Feijó se posicionou favorável a união de clérigos de diferentes ordens em um único local e destinação desses locais a outras funções.

Quando D. Marcos lembrou que para fazer reunião dos religiosos de diversas casas em uma só habitação seria necessário o beneplácito da Sé Apostólica, o deputado Cunha Machado imediatamente respondeu a ele que isso não era grande coisa, que o bispo falava como se não estivessem os deputados em sua casa com direito de legislar sobre a Igreja, pois

para tudo dizia que era necessária a licença do papa, e questionou a solidez dos argumentos do prelado ao afirmar que

O Exm. Sr. Bispo umas vezes quer que se cumpra á risca o concilio tridentino, e outras vezes quer que se dispense sua observância! Observe-se pois á risca a disposição dos concilios a respeito do numero dos membros que devem constar as casas religiosas , e cumprão os religiosos nessas casas em comunidade os deveres do seu ministerio ; não estejão isolados nesses immensos edifícios entregues á uma ociosidade que quando não seja sempre licenciosa é ordinariamente inútil a sociedade (BRASIL, 1828, p. 123).

A resposta de D. Marcos ao ataque de Cunha Machado não foi registrado por não ter sido ouvido pelos taquígrafos. Mas pela réplica do deputado ao bispo é possível perceber que ele se lançou abertamente em defesa dos interesses da Igreja, culpando as autoridades públicas das províncias pela miséria e abandono em que se achavam as casas religiosas, e que mesmo que o número de frades nos conventos fosse menor que as determinações conciliares, era necessário que lá continuassem para prestar socorro religioso aos fiéis.

O uso dos conventos para aquartelar tropas militares, mesmo com permissão imperial, foi considerado escandaloso para o bispo do Maranhão, que afirmou que as autoridades provinciais não tinham religião, ofendendo diretamente as lideranças locais as quais um grande número de deputados era ligado pela patronagem.

A fidelidade de D. Marcos ao imperador foi afirmada diversas vezes por ele mesmo e por seus biógrafos e cronistas do período, mas por meio dos debates relacionados a reforma da Igreja podemos constatar que a sua também auto-afirmada fidelidade ao papa teve mais peso em seus posicionamentos e ações, não havendo um total equilíbrio entre os seus dois principais centros de influência, tanto que foi chamada a atenção em sessão da Assembleia de 15 de julho de 1828 e lembrado por Cunha Matos que, mesmo sendo louvável o zelo apostólico que manifestava em defesa dos direitos da igreja enquanto bispo, era obrigado a defender os interesses da nação enquanto deputado, pois “O Sr. Bispo não se acha nessa camara na qualidade de prelado, mas sim com o caráter de representante do povo do Brasil.” (BRASIL, 1828, p. 124).

O bispo responde que a sua situação e as circunstâncias na qual se encontravam são bem “espinhosas”, pois mesmo sendo deputado, é antes disso clérigo, e as leis canônicas e bulas apostólicas o obrigam a defender as ordens religiosas, por elas serem de grande utilidade tanto para a Igreja quanto para o Estado. Logo, para ele, sua defesa seria natural aos seus dois espaços de pertencimento.

D. Marcos Antonio de Sousa também encaminhou a Assembleia Legislativa uma indicação para a criação de um seminário na diocese do Maranhão. Na concepção do prelado e dos demais bispos reformadores do século XIX, o seminário era o local ideal para a correção moral e intelectual do clero e incorporação de princípios tridentinos, onde as distinções para que se tornassem agentes de um catolicismo afinado com as diretrizes romanas seriam adquiridas, exemplar e virtuoso (SANTIROCCHI, 2012; SOUZA, 2010; VIEIRA, 1980).

A instalação de um seminário episcopal no Maranhão foi um dos grandes destaques do bispado de D. Marcos. Fato que, apesar do seu destacado local na burocracia de Estado, na hierarquia eclesiástica e pertencimento a rede de influências de D. Pedro I, só

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