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A emancipação política do Brasil e a constituição do Império

No documento JOELMA SANTOS DA SILVA (páginas 30-40)

Pensar sobre o processo de emancipação7 política do Brasil e constituição do Império envolve relacionar-se com múltiplas descrições e interpretações que tentam explicar os movimentos de continuidade e ruptura do pacto existente entre as partes da América

7 O tratamento dado ao termo “emancipação” neste trabalho é apropriado da historiadora Emília Viotti da Costa (1999), tendo o sentido de independência política e administrativa do Brasil em relação à Coroa portuguesa, a partir de 1822. Essa emancipação, não foi plena, como destaca essa autora, e não pode ser pensada como emancipação definitiva e real da nação pela ampliação dos princípios constitucionais, pois foi limitada por fatores como os interesses dos grupos economicamente dominantes e a ordem escravocrata.

portuguesa e sua metrópole e que tentaram transformar a Independência em um momento fundante da nação brasileira, constituída como um Estado distinto de Portugal (OLIVEIRA, 2009; RIBEIRO, 2007).

De maneira diversa, em ações e resultados dos demais movimentos ocorridos na América hispânica, a independência do Brasil esteve inserida no processo mais amplo de transformações do final do século XVIII e início do XIX, que provocaram o início do desmoronamento do Antigo Regime na península Ibérica, levando à desintegração desse conjunto político em unidades diversas e soberanas (NEVES, 2009).

Logo, a formação do Estado brasileiro foi marcada pela adoção de novas instituições representativas, como a Assembléias Legislativa e Câmara dos Deputados, características da política moderna, mas que conviviam de maneira paradoxal com outras representativas do Antigo Regime, como o escravismo, as práticas de compadrio e contraprestação de favores. Dessa maneira, a continuação dinástica com a ex-metrópole, característica peculiar da emancipação brasileira, foi apenas um dos elementos que marcou a diferença existente em relação à libertação das colônias espanholas no continente americano.

José Murilo de Carvalho (2011) assegura como fato reconhecido pelos estudiosos do século XIX que os principais aspectos da peculiaridade do processo de independência do Brasil, em relação aos demais que ocorreram na América, encontram-se em dois pontos principais: a manutenção da unidade na ex-colônia portuguesa, frente à fragmentação da ex- colônia espanhola; e como segundo aspecto, o tipo de sistema político implantado aqui, monárquico-hereditário, constitucional e representativo, diferente dos regimes republicanos dos países hispânicos.

Os primeiros atos da regência do governo do príncipe D. João no Brasil foram consequências da conjuntura definida pelas guerras napoleônicas na Europa, a partir da instalação da Corte portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808, e da exigência de ajustamentos tanto na cidade quanto nos órgãos políticos e administrativos luso-brasileiros, para que o aparelho central da Coroa portuguesa pudesse ser recriado na colônia. Isto se fez necessário, pois

A América portuguesa, nesse momento, caracterizava-se como uma sociedade ainda profundamente marcada pelas estruturas do Antigo Regime. Constituía-se em um mosaico de atribuições e poderes entre os vários órgãos administrativos, muitas vezes, entrelaçados e superpostos uns aos outros, que se distribuíam em três níveis principais: os vice-reis, ao governadores das capitanias e as câmaras municipais (NEVES, 2009, p. 103).

Além da abertura dos portos às nações amigas em 28 de janeiro de 1808, o governo português estabeleceu instituições políticas destinadas à administração do novo império luso-brasileiro, nomeando ministros para as secretarias de Estado – órgãos centrais do governo, que foram reorganizadas para funcionar no Brasil e não mais em Portugal (COSTA, 1999).

Dessa forma, a Secretaria de Negócios do Reino deixou de pertencer aos Domínios Ultramarinos e tornou-se “dos Negócios do Brasil” e o ministro que ocupava essa pasta acumulou as funções referentes à Secretaria dos Negócios da Fazenda e presidente do Real Erário. Criou-se também um Conselho Superior Militar, responsável pelos assuntos antes atribuídos ao Conselho de Guerra de Ultramar. Auxiliado por seus ministros, D. João VI empreendeu diversos atos administrativos e governamentais que caminhavam na direção de uma inversão do estatuto colonial do Brasil (MARTINS, 2007).

No aspecto da religião, um alvará de 22 de abril de 1808 criou o Tribunal da Mesa do Desembargo do paço e da Consciência e Ordens, formado por um presidente, desembargadores e funcionários, todos nomeados diretamente pelo rei correspondendo a dois órgãos metropolitanos, existentes desde o século XVI: a Mesa do Desembargo do Paço, que se encarregava dos pedidos dirigidos diretamente ao monarca enquanto supremo dispensador da justiça; e o outro, a Mesa de Consciência e Ordens, que se ocupava dos assuntos religiosos de responsabilidade do monarca enquanto detentor do direito de Padroado (NEVES, 2009).

Outros órgãos ligados à justiça, polícia, fazenda real e comércio foram criados, possibilitando a contratação de muitos funcionários para diferentes níveis deles. Porém, os cargos mais importantes, ligados às secretarias de Estado, continuaram nas mãos dos nobres que acompanharam a família real na transferência da corte, assim como os novos lugares nas mesas, conselhos e tribunais foram entregues principalmente a eles. Várias dignidades e honrarias também foram distribuídas aos portugueses que habitavam no Brasil como forma de retribuição pelo auxílio financeiro prestado por grandes comerciantes para a reconstituição do Erário Real (SILVA, 1992).

Apesar da preferência pelos portugueses vindos da Corte, novos empregos também foram oferecidos aos nascidos no Brasil, tanto nas diversas áreas de prestação de serviços, como médicos, cirurgiões, escrivães, capelães, quanto na burocracia de Estado. Nesse tocante, Lúcia M. Bastos P. Neves (2009) afirma que

Tal situação acabou por favorecer as elites burocráticas, a população de bacharéis e os homens de letras, que, sem condições de sobreviver apenas de seus escritos, buscaram ascender na escala social por sua habilidade e seu saber. Por conseguinte,

esses indivíduos foram beneficiados, em função da longa permanência da corte no Brasil, e não mais aceitavam perder os privilégios que acabaram de incorporar (p. 107).

Deste modo, além da formação de uma nobiliarquia no Brasil, pela concessão de títulos aos portugueses que aqui habitavam e seus descendentes, houve também a formação de uma burocracia, composta principalmente pela elite política local, que era recrutada principalmente nos setores sociais dominantes e se inseriu sobremaneira nas engrenagens administrativas do Estado (CARVALHO, 2011). Este fato ampliou a intervenção da Coroa nas diversas partes do território americano a partir da cidade do Rio de Janeiro, que passou a figurar, com o passar dos anos, como nova metrópole frente às demais capitanias, o que levou a um declínio da autonomia local destas.

Richard Graham (1997) afirma que desde os tempos coloniais os oligarcas brasileiros exerciam considerável poder por meio dos Senados das Câmaras Municipais e opunham-se à interferência externa em seus negócios, o que gerava conflitos com o poder central. A transferência da Corte para o Brasil, apesar de favorecer as atividades econômicas desse grupo pelo fim das restrições mercantilistas, acirrou a contraposição ao controle central e acentuou os sentimentos de interesse local. Essa tensão foi nitidamente presente no início da década de 1820 e nos anos seguintes, e permeou um rico debate sobre centralização e descentralização ao longo do período imperial brasileiro.

Esta situação desagradou aos governantes do Reino, em Lisboa, pois mesmo após a expulsão das tropas francesas de Portugal eles perderam cargos e poder no governo, além de passarem por grave crise econômica gerada, segundo Emília Viotti da Costa (1999), pelos efeitos do fim dos monopólios comerciais com o Brasil, quando houve a abertura dos portos às chamadas nações amigas. Isto teria ocorrido a despeito das tentativas de D. João VI de garantir-lhes os privilégios, limitando as vantagens comerciais concedidas principalmente aos ingleses.

A instalação da Corte portuguesa no Brasil, longe de ser um momento em que se pode vislumbrar um ideal de separação, foi um período de reestruturação, quando novos órgãos administrativos tiveram as suas ações direcionadas para a tentativa de um equilíbrio entre as diferentes partes do Império português. Para Ana Cristina Nogueira da Silva (1992), foi nessa perspectiva que D. João VI teria criado, em 1815, uma nova maneira de administrar seus territórios “d‟aquém e d‟além mar”, o “Reino Unido de Portugal, e do Brasil e Algarves”, que incluía ainda possesões na África e o “Estado da Índia”, na Ásia.

Passados os primeiros anos do governo joanino no Brasil, e após o fim da invasão francesa aos territórios portugueses, algumas províncias – como passaram a ser denominadas as antigas capitanias, voltando a se ligar, principalmente por interesses econômicos e comerciais, diretamente a Lisboa. Esse foi o caso do Pará, Maranhão e também algumas partes da Bahia, que tinham suas redes comerciais diferenciadas da do centro-sul e foram prejudicadas pela transferência da Corte e ressentidas com o papel de centralismo que o Rio de Janeiro passava a ter (COSTA, 1999; NEVES, 2009).

Do mesmo modo, em importantes momentos de tensão na política do período, as administrações das províncias que compunham o território brasileiro assumiram posturas que evidenciaram o conflito entre o seu desejo de autogoverno e o centralismo da Corte fluminense, tendo de escolher entre Lisboa e o Rio de Janeiro, como ocorreu quando eclodiu o movimento constitucionalista português e as guerras de independência. Nesse sentido, os representantes do Brasil nas Cortes de Lisboa afirmavam que, além de representarem os interesses da nação como um todo, tinham uma obrigação particular com os interesses e necessidades de sua província (SILVA, 1992).

Essa afirmação pode ser entendida a partir do que Carvalho (1999) chama de uma herança colonial, quando a organização política e administrativa foi marcada por uma fraca presença do poder metropolitano e por uma frouxa ligação entre as regiões que compunham as possessões portuguesas na América.

A partir da elevação do Brasil à condição de Reino Unido em 1815, este se transformou na sede de direito do Império luso-brasileiro, vivendo um grande influxo comercial e valorização de matérias-primas pelo contexto de guerras vivido e pelas novas possibilidades de acesso ao círculo de poder de D. João VI. Portugal, porém, encontrando-se na condição de antiga metrópole, estava “[...] desgastada pelo virtual domínio inglês, ressentida com a perda de suas anteriores funções e desprovida da proximidade de um soberano, que, nos quadros mentais do Antigo Regime, representava a possibilidade de correção de injustiças.” (NEVES, 2009, p. 113).

O descontentamento com a situação política, econômica e social de Portugal, associado à influência do Liberalismo8 que se expandia com inspiração na vitória

8 A definição do conceito de Liberalismo é algo extremamente complexo e enquanto fenômeno histórico oferece dificuldades específicas relativas ao local, tempo diverso e grau de desenvolvimento social e econômico do país onde se manifestou. Norberto Bobbio (1998), destacando essas dificuldades, oferece uma que assume ser bastante genérica, na qual “O Liberalismo é um fenômeno histórico que se manifesta na Idade Moderna e que tem seu baricentro na Europa (ou na área atlântica), embora tenha exercido notável influência nos países que sentiram mais fortemente esta hegemonia cultural (Austrália, América Latina e, em parte, a Índia e o Japão)” (p.687). David Gueiros Vieira (1980), também destaca esse caráter polissêmico, afirmando que “O termo, em

constitucionalista que ocorrera na Espanha, motivou a elite metropolitana a empreender um movimento de transformação do regime monárquico por meio de uma Constituição que subordinasse o trono ao Poder Legislativo, garantindo os princípios da soberania nacional, da participação política, da separação dos poderes, da consagração dos direitos naturais e civis dos “cidadãos”, bem como de sua igualdade perante a lei (SILVA, 1992).

Em 24 de agosto de 1820, a Revolução do Porto, também conhecida como movimento de regeneração vintista, pôs em cheque o Reino Unido de D. João VI propondo o fim do Antigo Regime, a convocação das antigas Cortes Gerais para a elaboração de uma Constituição e o restabelecimento do “lugar merecido” de Portugal no interior do Império Luso-brasileiro. Para alguns autores, esse foi também o começo do processo de emancipação política do Brasil (COSTA, 1999; NEVES, 2009; RIBEIRO, 2007; SILVA, 1992).

Os acontecimentos em Portugal repercutiram no Brasil e as adesões à Revolução Constitucionalista do Porto por grupos diversos e motivos contraditórios, que iam desde a tentativa de reduzir a autoridade do rei até evitar um movimento republicano no Brasil, se multiplicavam (GRAHAM, 1997). No entanto, a contradição de interesses entre os grupos metropolitanos e coloniais não tardaram a se manifestar, pois, segundo Emilia Viotti da Costa, em Portugal, a Revolução assumiu “[...] um sentido antiliberal, na medida em que um de seus principais objetivos era destruir as concessões liberais feitas por D. João VI ao Brasil.” (1999, p.43).

Nos meses posteriores à Revolução do Porto várias províncias brasileiras aderiram ao movimento formando Juntas Governativas Provisórias. Pressionado de diversas formas, inclusive por tropas portuguesas no Rio de Janeiro e manifestações populares nas ruas, D. João VI assumiu o compromisso de aceitar e fazer cumprir a Constituição que seria aprovada nas Cortes de Lisboa, baixando um decreto em 07 de março de 1821 pelo qual as Câmaras de todo o país ficariam obrigadas a fazer o mesmo, bem como foram dadas as instruções para a eleição de deputados brasileiros que deveriam integrar as Cortes (COSTA, 1999; SILVA, 1992).

geral, significa uma crença difusa no valor do indivíduo, e na convicção de que a base de todo o progresso era a liberdade individual. Mais ainda, que o indivíduo deveria ter o direito de exercer sua liberdade ao máximo, conquanto não viesse a infringir a liberdade dos outros. O liberalismo também aceitava a utilização dos poderes do Estado com o propósito de criar condições através das quais o indivíduo pudesse, livremente, crescer e expressar-se” (p. 39).

Mediante esse intenso cenário político, o ano de 1821 converteu-se, em Portugal e no Brasil, em um período de pregação do Liberalismo e do Constitucionalismo9, definindo, segundo Lúcia M. Bastos P. Neves (2009), uma cultura política cuja dinâmica acompanhava o processo histórico mais amplo em voga, leia-se, a desestruturação do Antigo Regime. Para esta historiadora isto ocorria devido ao fato de que

Inauguravam-se práticas políticas inéditas, estimuladas pela circulação cada vez mais intensa de escritos de circunstâncias – folhetos políticos, panfletos e periódicos – impressos no Rio de Janeiro e na Bahia ou vindos e Lisboa. Essas obras faziam chegar notícias e informações a uma platéia mais ampla, gerando clima febril em diversas províncias como Pará, Maranhão, Pernambuco e São Paulo, régios em que posteriormente, se instalaram oficinas impressoras aumentando ainda mais a circulação desses escritos (NEVES, 2009, p.118).

Inicialmente essa nova literatura política produziu uma grande crítica aos

corcundas, como ficaram conhecidos os partidários do Antigo Regime, mas não havia ainda,

nesse momento, questionamentos em relação à unidade do Império Luso-brasileiro. Folhetos, panfletos e periódicos que publicavam as inúmeras cartas de particulares discutindo os seus artigos que tinham como tema os acontecimentos no Brasil e em Lisboa demonstram uma até então inédita preocupação coletiva com a política (NEVES, 2009).

Essas questões eram debatidas por grupos escolarizados, que eram minoria no período, sendo divulgados na esfera pública dos novos espaços de sociabilidade que foram formados após 1808, representados por cafés, academias, livrarias e sociedades secretas como a maçonaria (SOUZA, 2010).

Sobre a maneira pela qual as ideias liberais chegaram aos territórios brasileiros, David Gueiros Vieira (1980) ressalta que vinham inicialmente da França, por meio de

[...] jornais e livros importados para a colônia diretamente ou, em segunda mão, via Portugal, importadas por estudantes brasileiros em Coimbra e por portugueses liberais que se refugiaram na colônia, fugidos do Chefe de Polícia Pina Manique e da reação portuguesa contra a Revolução Francesa (p. 39).

Embora seja notória a influência das ideias liberais de matriz européia no Brasil desde fins do século XVIII e durante o século XIX, Emília Viotti destaca que não se deve superestimar a sua importância, pois

9Segundo Norberto Bobbio “[...] o Constitucionalismo é a técnica da liberdade, isto é, a técnica jurídica pela qual é assegurado aos cidadãos o exercício dos seus direitos individuais e, ao mesmo tempo, coloca o Estado em condições de não os poder violar” (p. 247-248).

Apenas uma pequena elite de revolucionários inspirava-se nas obras dos autores europeus que liam, freqüentemente, mais com entusiasmo do que com espírito crítico. A maioria da população inculta e atrasada não chegava nem a tomar conhecimento das novas doutrinas (1999, p. 30).

Havia também barreiras de ordem ideológica a essa doutrina, em relação à realidade brasileira. Na Europa, nessa época, o Liberalismo se constituiu enquanto uma ideologia burguesa voltada contra as instituições, privilégios da nobreza e entraves econômicos característicos do Antigo Regime.

No Brasil, esses princípios foram importados e não encontraram as mesmas bases sociais de apoio, não exercendo a mesma função, pelo contrário, o que ocorreu foi que “[...] esta espécie de liberalismo ajudou a preservar a representação hierárquica e autoritária da comunidade política herdada dos tempos coloniais.” (URICOECHEA, 1978, p. 84). Pois os principais adeptos pertenciam às categorias rurais, senhoriais e suas clientelas, o que lhe impôs limites como a manutenção da escravidão e a peculiaridade da conciliação com a Igreja e a religião.

Frente essa situação, D. João VI voltou a Portugal em 25 de abril de 1821, deixando como regente do Brasil o seu filho, o príncipe D. Pedro, que passou a ter amplos poderes jurídicos administrativos e fazendários. Também podendo conferir graças honoríficas e prover dignidades eclesiásticas, com exceção dos cargos de arcebispo e bispo, que naquele período constituíam os mais altos da hierarquia da Igreja Católica no Brasil, e só poderiam ser nomeados pelo rei português enquanto detentor do direito do Padroado nos territórios do Império Ultramarino. Além disso, era de sua competência fazer guerras ofensivas ou defensivas contra qualquer inimigo que ameaçasse o Brasil, mediante a impossibilidade de esperar as ordens do rei (NEVES, 2009; SOUZA, 2010).

D. João VI também determinou, antes de regressar a Portugal, que fossem realizadas eleições de deputados brasileiros para o Congresso de Lisboa, o que deu início a um processo eleitoral que resultou na presença de deputados eleitos nas diversas capitanias brasileiras nas Cortes de Lisboa. Essa situação eleitoral era inexistente no Brasil até então, despertando grande interesse e utilizando parte dos valores simbólicos do liberalismo, como a ideia de representação popular por meio de votação.

A eleição envolveu um método indireto, com quatro níveis sucessivos de seleção, a partir dos cidadãos aptos a votar que eram domiciliados nas freguesias, os chamados compromissários; posteriormente, os eleitores de paróquia; os eleitores de comarca, que, por fim, escolhiam os deputados. Para ser deputado era exigido que o candidato tivesse mais de

vinte e cinco anos, não pertencesse às ordens religiosas regulares10 e que fosse natural da província há mais de sete anos (SILVA, 1992). Dentre os excluídos do direito de escolher deputados às Cortes estavam

[...] mulheres, menores de 25 anos, a menos que fossem casados; oficiais militares na mesma faixa de idade; clérigos regulares; os filho-famílias que vivessem com os pais; os criados de servir, com exceção dos feitores, com casa separada de seus amos; os vadios, os ociosos e os escravos (NEVES, 2009, p. 120).

Para Emília Viotti a intenção das Cortes era, de certo modo, recolonizar o Brasil, pois tomaram medidas com o objetivo de restringir a sua autonomia administrativa e restabelecer os monopólios e privilégios comerciais que os portugueses possuíam antes da transferência da Corte portuguesa para o território americano (COSTA, 1999). Para Neves (2009) o objetivo principal dos vintistas portugueses era a preservação e recuperação da hegemonia portuguesa no Império Ultramarino.

Antes mesmo dos deputados brasileiros chegarem a Lisboa, as Cortes já haviam decidido transferir para Portugal todos os órgãos administrativos e repartições instaladas por D. João VI no Brasil, determinando em setembro e outubro de 1821 a volta do príncipe regente a Portugal e nomeando para cada província do Brasil, a despeito das Juntas Governativas Provisórias, um governador de armas, além de destacar tropas com destino ao Rio de Janeiro e Pernambuco (COSTA, 1999).

As notícias acumulavam-se e chegavam com defasagem de dois ou três meses no Brasil, repercutindo como uma declaração de guerra, provocando tumultos e manifestações de desagrado. Ficava claro que os deputados brasileiros que compareceram às Cortes de Lisboa,

No documento JOELMA SANTOS DA SILVA (páginas 30-40)