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A polêmica das Bulas Solicita Catholicae e Praeclara Portugaliae

No documento JOELMA SANTOS DA SILVA (páginas 98-107)

2 O IMPÉRIO E A IGREJA NO BRASIL: A ATUAÇÃO POLÍTICA DE DOM

2.2 Elementos de uma dupla fidelidade: o posicionamento político-religioso de Dom

2.2.2 A polêmica das Bulas Solicita Catholicae e Praeclara Portugaliae

A organização do Estado independente pressupôs um relacionamento diferenciado do Brasil com os demais países, baseado no princípio de soberania nacional e marcado pela resistência à ingerência de potências européias na economia e política local (SANTOS, 2007). As relações com a Cúria Romana, nessa época, também foram analisadas nesses termos, dando espaço para o surgimento de conflitos de jurisdição e questionamentos de antigos privilégios do Papa.

Após a emancipação política o imperador enviou a Roma, em 1824, o ministro Monsenhor Francisco Correa Vidigal, que servira na Legacia do Rio no tempo dos núncios Caleppi e Maresfoschi, de 1808 a 1820, como plenipotenciário junto a Cúria Romana, e o seu secretário, Vicente Antonio da Costa. Graças à interferência austríaca, facilitada pelo fato de D. Leopoldina, esposa de D. Pedro I, ser filha dos reis da Áustria, os dois conseguiram alcançar a cidade e se instalar com maior cautela no início de janeiro de 1825 (NEVES, 2009).

O objetivo era conseguir do papa o reconhecimento da independência do Brasil e obter uma concordata concedendo ao imperador e seus herdeiros o gozo dos direitos do padroado, tal como os reis portugueses, além da solicitação do estabelecimento de uma nunciatura17 no país e a elevação das prelazias18 de Goiás e Mato Grosso à condição de bispados (SANTIROCCHI, 2010; SOUZA, 2010).

O fato de D. Pedro I mandar um enviado a Roma para que o Papa reconhecesse o direito ao padroado já presente na Constituição de 1824 foi a primeira grande polêmica em torno do novo modelo de relacionamento que se estabeleceria entre o Estado brasileiro e o Vaticano. Pois em um Estado em processo de formação e afirmação de sua soberania no cenário internacional, foi difícil para os legisladores aceitarem que o monarca dependesse de uma autoridade estrangeira para deliberar sobre qualquer assunto no interior do seu território.

Todavia, a independência ainda não estava consolidada de todo, por isso

[...] era importante conseguir um reconhecimento pontifício que desse maior força às pretensões de D. Pedro I e fortalecesse a sua posição perante a população, a hierarquia eclesiástica e as províncias. Ele procurava ligar a si outra fonte de

17 A Nunciatura Apostólica equivale a uma embaixada da santa Sé no país em que está presente, representando as determinações do papado, seu titular é chamado de Núncio [N.A.].

18 A prelazia é uma circunscrição eclesiástica erigida para atender as necessidades de um território ou grupo de fiéis específicos, confiada ao Prelado ou Abade [N.A.].

autoridade além da „aclamação popular‟ que lhe „transferiu‟ a soberania e o coroou. Ou seja, queria uma autoridade sacra (SANTIROCCHI, 2010, p 73).

Nesse período a própria situação do papado era delicada. O Papa Leão XII havia assumido a cadeira pontifícia há menos de um ano, sucedendo Pio VII, que viu os territórios temporais do Vaticano serem tomados por Napoleão, sendo cativo do mesmo entre 1808 e 1814. O clima da Restauração, da Santa Aliança e do restabelecimento da Companhia de Jesus fez o papado assumir uma postura que tentava evitar um desgaste maior com as metrópoles europeias, frente aos movimentos de independência na América (NEVES, 2009; ZAGHENI, 1999).

Isso fez com que os negócios do Brasil com a Cúria Romana fossem retardados até a chegada em Roma da notícia da ratificação por D. João VI do tratado de Portugal com o Brasil, quando, enfim, foi marcada a primeira audiência de Vidigal com o pontífice, mais de um ano depois de sua chegada a Roma, sendo reconhecido, dias depois, seus poderes como enviado brasileiro e a existência do Brasil enquanto um novo país (NEVES, 2009; SANTIROCCHI, 2010).

A primeira resposta de Roma foi a Bula papal Solicita Catholicae Gregis Cura, que elevou as prelazias de Goiás e Mato Grosso à condição de dioceses, indicando também a criação e manutenção dos cabidos e seminários, bem como nomeava vigários capitulares19, sendo um estrangeiro, e fixava os seus benefícios. Como previsto na Constituição de 1824, no artigo 102, o poder Executivo consultou a Assembleia Legislativa antes de conceder ou negar o beneplácito ao documento, pois este continha disposições gerais sobre a Igreja no Brasil.

Em julho de 1827 a Bula foi examinada na Câmara dos Deputados pela comissão eclesiástica, composta por clérigos, e pela comissão da Constituição, composta por leigos. As duas chegaram a pareceres semelhantes, aprovando a ereção, extensões e limites das dioceses, mas discordando da indicação de seus bispos, bem como da nomeação de vigário estrangeiro, julgando sem nenhum efeito as orientações dadas quanto ao cabido e ao Seminário episcopal.

Nessa situação, é possível notar o primeiro grande embate na Câmara de duas diferentes posturas quanto a relação da Igreja no Brasil e a Cúria Romana, que representava também o embate de dois diferentes projetos de Igreja. Um projeto de influência regalista, representado por Feijó, e outro de influência ultramontana, representado por D. Marcos Antonio de Sousa.

19 Os vigários capitulares eram os membros do clero que integravam os capítulos ou cabidos diocesanos, e auxiliavam o bispo nas decisões referentes ao bispado [N.A.].

Sem que se queira simplificar e polarizar as posições religiosas presentes no Parlamento em dois únicos grupos, o Regalismo de Feijó e o Ultramontanismo de D. Romualdo e D. Marcos, é fundamental destacar que essas concepções eclesiásticas divergentes predominaram nas discussões políticas relativas à Igreja no Brasil. As duas orientações religiosas seguidas pelos padres não podem ser consideradas como as únicas em discussão, mas não é possível tratar dessa temática sem contrapô-las, figurando como referências a partir das quais boa parte do clero se posicionou, oscilando entre uma e outra, conforme os interesses políticos e suas híbridas concepções religiosas, típicas de um período de transição como o abordado neste trabalho.

Entretanto, é importante não confundir a orientação católica liberal regalista com as tendências políticas que ao longo deste estudo tratamos como orientação política mais liberal. Embora tenha havido uma grande convergência no alinhamento dos políticos liberais com o pensamento religioso liberal, esta associação não ocorreu de maneira automática. O mesmo vale para os católicos de orientação religiosa conservadora, pois se foi, sobretudo, dentre os políticos conservadores, ou adeptos de uma discurso liberal conservador, que saíram os principais defensores da maior aproximação com Roma, ainda assim nem todo clérigo ultramontano foi, necessariamente, um político conservador.

Em defesa da execução de todas as cláusulas previstas na Bula, por não ver nela ofensa alguma às leis do Império por estar em conformidade total com os cânones e regras da Igreja, D. Marcos se coloca, na longa discussão travada sobre a temática, contrário ao posicionamento da maioria dos integrantes da Câmara dos Deputados. Assim, afirma que, diferentemente do que eles estavam pregando, com base na Constituição do império e do que esta versava sobre os direitos do imperador sobre a Igreja no Brasil, “A creação das novas dioceses é da competência da sé apostolica em confomidade da presente disciplina geralmente recebida em toda igreja catholica.” (BRASIL, 1827, p. 129).

D. Marcos discorre sobre o processo de criação das dioceses desde os primeiros séculos do cristianismo até a existência dos concílios provinciais e a criação da lei que reserva a Sé Apostólica desmembrar e criar bispados, afirmando que a Bula deve ser aprovada pois segundo essas regras disciplinares a criação de novos bispados pertence ao Papa. Assim, o Imperador teria somente o exercício de “[...] um direito annexo ao seu poder de jurisdição na igreja catholica, poder que não pôde ser contestado.” (BRASIL, 1827, p. 129). Mediante essa controversa afirmação, em um contexto liberal de acentuado apego aos direitos de emancipação política e autonomia do Estado, afirmação da autoridade do poder do imperador e de um clero majoritariamente regalista, a polêmica eclodiu.

Segundo Feijó e os demais clérigos que o apoiavam, a bula usurpava os direitos do imperador, da Igreja e das câmaras brasileiras, se opondo a leis estabelecidas no império. Para esse grupo a Igreja deveria permanecer totalmente subordinada ao Estado, de acordo com o padroado, os costumes e a Constituição de 1824, não devendo a Igreja brasileira abrir mão de suas regalias e se subordinar as ideias de usurpação de dominação civil e religiosa da Cúria Romana sobre todo o mundo.

A constante afirmação da autoridade do Papa por D. Marcos pode ser entendida nesse contexto por seu alinhamento conservador católico e pelo movimento internacional de Restauração, que buscou instrumentos políticos e culturais para garantir a posição de autoridade da Cúria Romana e do Papa após a Revolução Francesa (ZAGHENI, 1999). Nesse sentido pode-se perceber o seu temor pelo avanço do liberalismo entre o clero católico brasileiro, principalmente entre os padres deputados que possuíam grande poder e influência entre os demais.

A sua oposição à influência do liberalismo na religião pode ser observada quando este enfatiza que a Câmara não tem autoridade para tratar do assunto da ereção das dioceses e outros, como a criação dos seminários, que dizem respeito diretamente a direção da Igreja Católica. D. Marcos diz que quando isto aconteceu na França, a chamada Constituição civil do clero foi duramente atacada pelos clérigos franceses mais zelosos, por toda a comunidade católica do restante do mundo e que muitos prejuízos ela teria trazido a fé cristã (BRASIL, 1827).

A importância dada à criação dos Seminários Episcopais é uma das principais características da trajetória política e religiosa de D. Marcos Antonio de Sousa, pois ele acreditava que aqueles que são mandados a instruir os povos na fé cristã necessitavam ter conhecimentos, pois, em suas palavras, “Não se póde ensinar sem ter sciencia.” (BRASIL, 1827, p. 129). Além disto, afirmava que o clero era uma porção muito distinta da sociedade, e que a ela muito interessaria que este grupo tivesse a educação necessária, demarcando a erudição enquanto um aspecto necessário para a distinção desse grupo (BRASIL, 1827).

Para convencer seus colegas de deputação da importância desse mérito, o bispo retoma as ações dos líderes da Igreja primitiva e de Santo Agostinho, que tratavam com grande empenho a educação do clero e seu valor na formação dos líderes da Igreja, princípios retomados após a Idade Média no Concílio de Trento, onde se determinou que “[...] em todas as dioceses fossem creados seminarios para a educação do clero, ficando debaixo da direcção dos bispos diocesanos e não a outras autoridades como aqui se avançou.” (BRASIL, 1827, p. 129).

As comissões desaprovaram a concessão do beneplácito completo a referida Bula, lembrando que o direito de nomear bispos pertencia ao padroado. Logo, não se poderia admitir uma nova concessão ao mesmo imperador, pois isso significaria uma “[...] contravenção a lei fundamental do Império.” (BRASIL, 1827, p. 123). O parecer afirmava ainda a falta de jurisdição do Papa para taxar o valor dos benefícios e determinar a criação de seminários no Brasil, pondo em questão o tradicional entendimento da origem do padroado enquanto uma concessão papal. Os clérigos liberais de tendência regalista sustentavam que o direito do monarca sobre a Igreja no Brasil advinha da Constituição do Império e ele não deveria admitir a intervenção de um poder externo.

D. Marcos, bispo eleito do Maranhão e membro da comissão dos negócios eclesiásticos, por sua vez, não se conformando inteiramente com o parecer da Câmara apresentou um voto separado onde empreendeu uma efetiva defesa dos direitos da Cúria Romana. Apesar de ser um conhecido defensor de D. Pedro I na Câmara dos Deputados, o bispo demonstra sua fidelidade ao pontífice romano ao se afastar dos regalistas defendendo a primazia deste em assuntos ligados à Igreja, por entender que “[...] o poder temporal é inteiramente independente do espiritual, assim como este daquelle.” (BRASIL, 1827, p. 128).

O bispo do Maranhão inicia sua argumentação ressaltando que foi o próprio imperador que requereu ao Papa que as prelazias de Goiás e Mato Grosso fossem elevadas a diocese, e que a criação de novos bispados não pode ser executada senão dentro das condições especificadas pela Bula Solicita Catholicae, pois essas seriam as condições necessárias para a decente sustentação dos bispos e manutenção necessária ao culto, assunto do qual o Papa deteria o profundo conhecimento (BRASIL, 1827).

Nesse voto separado, D. Marcos demonstrou como era o seu entendimento sobre a hierarquia da Igreja e que não via de forma alguma a Igreja Católica no Brasil apartada da romana, ao colocar qual é o lugar do Papa e do imperador nessa relação de poder. Considera o Papa como o “[...] supremo pastor e centro da unidade catholica.” (BRASIL, 1927, p. 124), demarcando sua posição de superioridade em relação ao imperador, pois este era somente o “[...] padroeiro das igrejas do Brasil.” (BRASIL, 1927, p. 124).

Em defesa da criação dos Seminários, ponto rejeitado no parecer da Câmara dos Deputados, o bispo utiliza as leis canônicas para se opor a essa decisão, mais especificamente um decreto do Concílio de Trento que institui que em todas as catedrais deveria se fundar um Seminário episcopal para a educação da mocidade e necessária reforma dos costumes, bem como a própria Constituição do Império em seu artigo 179 (BRASIL, 1827). Cabe ressaltar

que as diretrizes estabelecidas pelo Concílio de Trento foram as principais norteadoras das ações de reforma dos bispos ultramontanos do século XIX no Brasil.

Defendeu ainda a necessidade dos cabidos20, os “senados das igrejas”, por serem “[...] não só conforme os principios de direito publico ecclesiastico, como necessario ao bom regimen da Igreja estebelecido pelo seu divino fundador.” (BRASIL, 1827, p. 125). Mais uma vez estabelece a primazia do Papa em assuntos ligados a Igreja ao afirmar que, caso as rendas das províncias de Goiás e Mato Grosso não sejam suficientes para a sustentação dos Cabidos, se solicite à cúria romana a sua necessária dispensa.

Possivelmente em um intuito de amenizar as colocações ou não ser acusado de desrespeitar ou diminuir a figura do imperador pelos oposicionistas, D. Marcos encerra seu voto separado afirmando que “Estas reflexões devem entender-se ficando salvos os privilégios amplíssimos do padroado do imperio do Brazil e poderes emanados do primado da igreja universal, das quaes, há três séculos, gozão os imperantes e padroeiros deste império.” (BRASIL, 1827, p. 125).

D. Marcos demonstra com suas palavras como era difícil, em um contexto amplamente influenciado pelo pensamento liberal e envolto em questões de afirmação de soberania, defender os direitos do pontífice sem atacar a autoridade do imperador, a quem dedicara o seu apoio e que o havia sagrado bispo há pouco tempo. Pelos seus argumentos podemos analisar uma peculiar conjugação da lógica de dois espaços que teoricamente se colocavam como distintos, a religião e a política, mas que empiricamente, e ao longo dos debates sobre os limites entre eles, se mesclavam e influenciavam no processo de constituição de um Estado confessional brasileiro no século XIX.

Em 30 de maio de 1827 o Monsenhor Vidigal conseguiu, em vez da concordata solicitada pelo governo, a concessão da Bula Pontifícia Praeclara Portugaliae que confirmava o padroado e o grão-mestrado da Ordem de Cristo no território brasileiro ao imperador D. Pedro I e seus descendentes, com todos os direitos com que o exerciam os reis de Portugal (SANTIROCCHI, 2010). O imperador, por sua vez, ficava responsável pela propagação da fé católica e catequização dos pagãos, em especial os índios brasileiros.

Como determinado na Constituição, a Bula Praeclara Portugaliae foi enviada para as comissões da Constituição e eclesiástica da Câmara dos Deputados. Desta vez as comissões

20 De acordo com Dom Marcos Antonio de Sousa os cabidos eclesiásticos eram um senado, um conselho eclesiástico formado exclusivamente por clérigos. O bispo era obrigado a consultá-lo para tomar decisões importantes relativas à Igreja, por esse motivo seus membros deveriam ser versados em jurisprudência canônica (BRASIL, 1827).

deram parecer contrário a todas as disposições da Bula, manifestando-se contrárias a aprovação do beneplácito por considerar que ela propunha uma causa injusta (SOUZA, 2010). Essa conclusão contrária a bula foi sustentada pelo argumento de que os deveres do Grão-Mestre da Ordem de Cristo contrariavam a determinação constitucional de tolerância a outras crenças e proibição de perseguição religiosa, pois este teria de fazer guerra aos inimigos da fé, contrariando os princípios religiosos liberais.

O principal argumento utilizado foi de que a bula era ociosa, pois os direitos que o Papa pretendia confirmar tinham sido dados ao imperador no ato de sua aclamação e por meio da Constituição, ou seja, a nação era afirmada enquanto a fonte desse poder, demarcando a natureza da relação de insubordinação religiosa que a maioria dos deputados afirmava frente ao Vaticano.

Argumentaram também que os reis de Portugal nunca haviam exercido no Brasil o padroado como Grão-Mestres, mas sim como reis, pois a Ordem de Cristo não havia edificado ou dotado igrejas em terras brasileiras, pois isto ocorria devido ao auxílio das esmolas dos fiéis (BRASIL, 1827). Quanto a esta questão, Santirocchi (2010) pensa que “Havia algumas motivações menos explicitas para o parecer negativo à bula Praeclara Portugalliae, dado pelas Comissões, que eram: o conflito entre a Assembléia e o Imperador e as diferentes opiniões sobre a fonte e limites da soberania da Coroa.” (p. 74).

Contrário a tais ideias se posicionou novamente o bispo eleito do Maranhão, D. Marcos Antonio de Sousa, apresentando novamente um voto separado onde expõe a sua discordância do parecer das comissões, onde, na qualidade de membro da comissão eclesiástica e não se conformando com todas as ideias enunciadas no parecer dado, afirma que iria “[...] produzir algumas reflexões para o esclarecimento da verdade.” (BRASIL, 1827, p. 127).

D. Marcos utiliza como argumento inicial o fato de que a Bula não alteraria nenhuma disciplina observada na Igreja brasileira sobre os provimentos beneficiais e nem estabeleceria um direito novo, pelo contrário, só declarava os privilégios e direitos anteriormente concedidos aos grãos-mestres da Ordem e Cristo e aos monarcas portugueses como recompensa dos serviços em favor da religião católica. Logo, para ele esses privilégios e direitos seriam extensivos ao imperador do Brasil e seus descendentes por direito de hereditariedade, mesmo que esse tenha aberto mão do trono português (BRASIL, 1827).

Manifesta também que as letras apostólicas não propunham uma causa injusta, pois em nenhum momento ela se oporia a Constituição de 1824. Ao requerimento do Papa em que o imperador tenha grande empenho em prover a catequese dos índios ele afirma que isso

era obrigação do monarca do Brasil e da própria Câmara dos Deputados enquanto católicos, e que era estranho aquela casa se opor a tão grande e necessário trabalho cristão (BRASIL, 1827).

Contra a ideia manifestada no parecer de que a Bula ofenderia o artigo 5º da Constituição, que permitia o culto de todas as religiões, o bispo utiliza uma fundamentação jurídica e outra teológica para sua argumentação. Inicialmente lembra a seus colegas de deputação que a religião católica apostólica romana é a religião do império, tendo seu culto público resguardado pela mesma Constituição de 1824, e que

O ministério da palavra divina é inseparavel da igreja e o meio ordinario estabelecido por Deus para converter os homens, aos ministros evangélicos é licito enunciar as verdades da salvação em toda parte [...] Ninguém póde ser perseguido por motivo de religão, uma vez eu respeite a do estado, e não offenda a moral publica – Instruir, persuadir e exortar, não é perseguir – Enviar missionarios para converter os selvagens habitadores das mattas, para catechisar, são meios suaves e convenientes de os trazer á fé catholica (BRASIL, 1827, p. 128).

Demonstrou em seu voto separado um profundo conhecimento sobre a trajetória histórica da Igreja Católica e de como as Ordens Militares, em especial a de Cristo, receberam o direito do Padroado, sendo este posteriormente associado aos monarcas portugueses, destacando que por esta ser uma instituição religiosa é também imediatamente sujeita a Santa Sé. Logo, D. Pedro I estaria recebendo uma espécie de herança do papado, um reconhecimento de antigos direitos, e não se subordinando a ele, pois os monarcas não dependeriam dos Papas para o regime civil, apesar do uso feito da autoridade espiritual e do auxílio do sacerdócio no período dos descobrimentos (BRASIL, 1827).

O bispo do Maranhão ressalta que a apresentação dos benefícios foi em sua origem uma graça do poder espiritual e que, ao longo do tempo, cristãos empenhados na expansão e sustento da religião recebiam a missão e a instituição canônica do padroado de seus bispos, sendo estas provisões reguladas por disciplina e moldadas por diversas circunstâncias de tempo, lugar e pessoas. A partir disso ele afirma, de maneira muito controversa em um contexto liberal e de acentuado apego aos direitos de emancipação política

No documento JOELMA SANTOS DA SILVA (páginas 98-107)