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A formação sacerdotal do clero brasileiro

No documento JOELMA SANTOS DA SILVA (páginas 49-53)

1.3 A eleição do clero e os elementos de inserção na política formal

1.3.2 A formação sacerdotal do clero brasileiro

A formação sacerdotal foi institucionalizada no Concílio de Trento (1545-1563), onde se concebeu o projeto do Seminarium (sementeira do clero), o seminário episcopal como o lugar ideal para a formação dos candidatos ao sacerdócio, uma instituição de ensino que lhes prepararia intelectual, espiritual e moralmente, longe das más influências do mundo para serem servos irrepreensíveis da Igreja (ZAGHENI, 1999).

Todavia, no contexto colonial brasileiro anteriormente apresentado, e mediante as limitações impostas pelo Padroado Régio, a tentativa de reforma educacional tridentina não logrou êxito. A formação sacerdotal e as demais modalidades de educação ficaram na responsabilidade dos Jesuítas durante boa parte do período, até a sua expulsão de Portugal e todos os seus domínios pelo Marquês de Pombal, em 1759.

Desaparecendo os colégios mantidos pela Companhia de Jesus e que constituíam os principais centros de ensino da colônia, a instrução pública no Brasil foi afetada sobremaneira. De modo semelhante, houve uma crise geral nos seminários, persistindo apenas alguns estabelecimentos, e ainda assim de forma precária (HOORNAERT, 1992).

A política pombalina teve como um dos seus efeitos, no Brasil, a formação de clérigos para quem a vida eclesiástica e a vida política eram complementares. Pois, apesar da

influência dos ideais iluministas, a modalidade adotada pelo Reformismo ilustrado português foi essencialmente católico e cristão, sendo promovido por homens ilustrados da própria Igreja, em especial os Oratorianos. Estes elementos conferiram-lhe um caráter ambíguo, fragmentado e pragmático, que dotou o Brasil independente de uma não completa secularização da política, mas, de modo contrário, o Estado tomou o clero a seu serviço, como seu aliado (NEVES, 2009).

A autoridade máxima da Igreja Católica no Brasil até a Independência era o rei português pelo direito do padroado. Abaixo dele havia a Mesa da Consciência e Ordens, que acabou dispondo de grande poder de ingerência nos assuntos relativos à Igreja no Brasil, se transformando em um órgão equivalente ao Conselho Ultramarino para cuidar de questões eclesiásticas.

Em 1808, com a instalação da Corte portuguesa no Brasil foi criado o Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordem, composta por um presidente, desembargadores e deputados escolhidos entre leigos e religiosos. Françoise Souza (2010) nos informa que “Dentre suas funções estavam as de deliberar sobre súplicas e requerimentos relativos às côngruas, prover os cargos eclesiásticos, decidir sobre a criação ou desmembramento de freguesias, e distribuir honrarias” (p. 112).

A Mesa funcionou nesses moldes até a sua extinção em 1828, tendo suas atribuições transferidas para o Supremo Tribunal de Justiça. A Mesa era um órgão público, secular, com vinculação direta ao Estado, sendo ocupada tanto por leigos quanto por religiosos. Em relação à hierarquia estritamente eclesiástica, a Igreja encontrava-se dividida entre o alto clero – Arcebispo, Bispos, Cabido e Câmara Eclesiástica – e o baixo clero, composto por capelães, párocos e coadjutores (HOORNAERT, 1992; NEVES, 1997).

Quanto a situação da Igreja, enquanto instituição, o número de dioceses no Brasil era pequeno, quando pensamos na extensão do território. Além do Arcebispado da Bahia, existiam somente mais seis bispados: Pernambuco, Rio de Janeiro, Maranhão, Pará, Mariana e São Paulo, e duas prelazias: Goiás e Cuiabá, elevadas a condição de bispados no início do período imperial.

O Quadro 2 a seguir apresenta o modo como se encontrava organizada a estrutura hierárquica da Igreja no Brasil, mas é preciso ter o cuidado de não tomá-la como um retrato fiel da realidade. Devido à sua fraca institucionalização e à dependência do governo para a criação de paróquias e para o provimento dos diversos cargos eclesiásticos, a Igreja não conseguiu impor uma definição rígida de seu modelo organizacional, no período aqui estudado, possuindo variações nas diferentes dioceses e freguesias.

Quadro 2 – Estrutura hierárquica da Igreja Católica no Brasil no século XIX

Somente no século XVIII foram criados seminários episcopais no Brasil, isto é, vinculados à autoridade diocesana. Estes seminários funcionavam de maneira precária, recebendo também filhos de famílias abastadas, que pagavam mensalidades, como as quais as instituições tentavam manter-se.

Nos locais mais distantes e de difícil acesso, onde não existiam colégios ou seminários, a educação formal era fornecida nos próprios lares, geralmente pelos capelães das fazendas que faziam as vezes de professores, ou por meio das aulas régias11. A formação sacerdotal ficava a cargo do clero diocesano, que oferecia aulas de latim, teologia moral e de cerimônia litúrgica aos candidatos à ordenação, que eram examinados e ordenados quando das visitas pastorais dos bispos (SOUZA, 2010).

A formação sacerdotal em seminários não foi uma realidade para grande parte do clero brasileiro no período contemplado por este trabalho, menor ainda foi sua incidência nas universidades, o que formava um grupo caracterizado por uma educação formal deficitária e extremamente diversificada. Segundo José Murilo de Carvalho (2011), a consequência do contexto apresentado foi que

[...] o clero ao final do século XVIII era em todo o Brasil reconhecidamente malformado e de costumes pouco acordes com a disciplina eclesiástica. Excetuava- se apenas uma minoria do chamado alto clero, formada em Coimbra como os magistrados. Muitos clérigos se envolviam em negócios comprando fazendas e escravos, vivendo em concubinato e participando ativamente da política. Quer isto dizer que boa parte do clero era formada por elementos locais, com educação precária, embora sem dúvida acima da média. Dispunha, como recurso de poder, dessa educação, além do prestígio da religião e da Igreja e às vezes do próprio poder econômico (p. 182).

Apesar da inconsistente formação religiosa e educacional dos clérigos no Brasil, e de não haver homogeneidade e coesão no grupo, o seu nível cultural e intelectual era superior em relação à população em geral, havendo padres que se destacaram pelo seu letramento, publicando livros, editando jornais, como musicistas e até escrevendo peças teatrais (HOORNAERT, 1992).

Nessa mesma perspectiva, Françoise Souza (2010) ressalta o fato de que

Mesmo após a criação dos poucos e insuficientes seminários episcopais, a freqüência a estes estabelecimentos de ensino continuou não sendo uma exigência para a ordenação de um sacerdote, bastando um exame de conhecimentos de latim,

11 As Aulas Régias foram instituídas a partir de 1759, após a expulsão dos Jesuítas, como parte do projeto político do Marquês de Pombal, sendo pertencentes ao Estado. Elas eram baseadas nas aulas de primeiras letras e de humanidades e deveriam ser executadas por um professor público, sendo dadas em sua casa ou na do aluno. Só foram efetivamente implantadas em 1774, ficando restritas, na prática, à educação das elites (SILVA, 2008).

catecismo (para subdiáconos), história sagrada e eclesiástica e exegese (para diáconos) e teologia, liturgia e cantochão (para presbíteros) e, em seguida, serem aprovados na diligência de sangue, vida e costumes (de genere, vitae et moribus). Esses conhecimentos continuaram sendo obtidos pela maior parcela do clero junto a elementos locais, como os padres-mestres ou professores régios. A ordenação, por sua vez, dava-se, a despeito dos exames e das diligências, de modo pouco criterioso e pouco seletivo. Foram comuns os casos de protestos de autoridades diocesanas e até de Núncios apostólicos acerca da facilidade com que alguns bispos conferiam as ordens sacras (p. 74).

Perante os argumentos apresentados, pode-se afirmar que em uma época em que a educação era um privilégio de poucos e o analfabetismo era característica geral da população, por mais limitada e deficiente que fosse a formação dos agentes do clero, ela era um importante sinal de distinção, afirmando Raymundo Faoro (2008), que por volta de 1822 “[...] seriam apenas a magistratura e o clero as únicas categorias cultas do país.” (p. 373).

No documento JOELMA SANTOS DA SILVA (páginas 49-53)