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Educação museal: reflexão sobre semelhanças e contrastes com uma forma escolar

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA: SUBJETIVIDADES COLETIVAS, MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO POPULAR

MANUELA DIAS DE MELO

EDUCAÇÃO MUSEAL: REFLEXÃO SOBRE SEMELHANÇAS E CONTRASTES COM UMA FORMA ESCOLAR

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EDUCAÇÃO MUSEAL: REFLEXÃO SOBRE SEMELHANÇAS E CONTRASTES COM UMA FORMA ESCOLAR

Orientador: Profº. Drº. Rui Gomes de Mattos de Mesquita

Recife, 2015

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco como parte dos requisitos básicos para obtenção do título de mestre em Educação.

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M528e Melo, Manuela Dias de.

Educação museal: reflexão sobre semelhanças e contrastes com uma forma escolar / Manuela Dias de Melo. – Recife: O autor, 2015.

175 f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Rui Gomes de Mattos Mesquita.

Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Pernambuco, CE. Programa de Pós-graduação em Educação, 2015.

Inclui Referências e Apêndices.

1. Museus - aspectos educacionais. 2. Museus e Escolas 3. Educação museal. 4. UFPE - Pós-graduação. I. Mesquita, Rui Gomes de Mattos. II. Título.

069.15 CDD (23. ed.) UFPE (CE2016-07) Catalogação na fonte

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EDUCAÇÃO MUSEAL: REFLEXÃO SOBRE SEMELHANÇAS E CONTRASTES COM UMA FORMA ESCOLAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Aprovada em: 31/07/2015.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Rui Gomes de Mattos de Mesquita (Orientador) Universidade Federal de Pernambuco

Prof. Dr. Francisco Sá Barreto dos Santos (Examinador Externo) Universidade Federal de Pernambuco

Prof. Dr. Flávio Henrique Albert Brayner ( Examinador Interno) Universidade Federal de Pernambuco

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Dedico este trabalho as pessoas que acreditam na necessidade e na possibilidade de ressignificar a educação.

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A Deus por tornar todas as coisas possíveis.

A minha mãe Beatriz Maria por seu amor, por acreditar, auxiliar e respeitar minhas escolhas. Ao meu pai Manoel Dias (in memorian) por me ensinar a valorizar cada momento da vida.

A minhas irmãs Eliane, Elisângela, sobrinhos Matheus e Pedro, cunhado(a)s Valmina, Beatriz e Alexandre e todos os familiares agradeço profundamente todo apoio, afeto e compreensão

nos diversos momentos de ausência.

A Paulo Correia por seu amor, apoio constante e por tornar meus dias mais ensolarados e felizes.

Ao professor e orientador Rui Gomes de Mattos Mesquita, meus sinceros agradecimentos não apenas pelas orientações, mas pelo apoio, paciência, incentivo, amizade, e por respeitar meu

tempo de escrita.

Aos professores Francisco Sá Barreto, Alexandro Jesus, Flávio Henrique Albert Brayner e Adriana Maria Paulo pela paciência, incentivo e aulas espetaculares.

A todos os amigos e professores da Museologia e do Mestrado que generosamente contribuíram para o enriquecimento desse trabalho. Em especial aos amigo(a)s Tatiana, Joice,

Danielle, Max, André, Gilvanildo, Marcela, Reginaldo, Severino, Luiz, Vinicius, Gilmara ...

Aos queridos amigos Josanias, Marilena , Ricardo, Ana Grace, Bruna , Maria, Gabriela, Priscila, Adriano, Edvânia, Raissa, Hermínio, Fábio Rafael, Luana, Luciana, Suzana, Elaine ...

por toda motivação.

Gostaria de agradecer à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de estudos sem a qual eu não poderia ter me dedicado ao

curso da maneira que o fiz.

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―A razão recomeça, mas é a imaginação que começa‖ Gaston Bachelard

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O tema da educação está presente como um dos pressupostos na ação dos museus, que não tem como finalidade apenas armazenar e conservar objetos. A partir do século XX, existe um deslocamento da ênfase da Salvaguarda (documentação/conservação) para a Comunicação (expografia/ação-educativa). Assim, os museus passam a exercer uma função educativa. No entanto, até o momento presente, o uso do próprio termo educação museal, ―se mostra como uma necessidade de explicitação daquilo que o diferencia de outros termos utilizados para qualificar o tipo de educação que se faz nos museus‖ (PNEM, 2013). Desse modo, o presente estudo tem como objetivo refletir sobre a construção de conceitos a respeito da educação museal vis-à-vis os elementos constitutivos da forma escolar- fenômeno que caracteriza um processo de escolarização de outros espaços/relações, e provoca um borramento das fronteiras entre educação e escolarização. A invenção da escola, enquanto projeto da modernidade, está relacionado à ideia de um acesso seguro ao saber, que se refere a uma tentativa de tornar as ações e os sujeitos mais disciplinados. Com a experiência moderna de ciência e educação, o ato de imaginar não é entendido como a capacidade de construir novas relações entre objetos, valores, palavras e imagens, a imaginação é deslocada da função de produzir conhecimento (JESUS, 2014). Para Paul Ricoeur a imaginação é um meio para a abertura de novos modelos explicativos, tem um papel ontológico. Assim, o conhecimento não é fundado apenas em critérios dotados de razão, mas também de imaginação. Uma das intenções da pesquisa é pensar em que medida a configuração de um campo conceitual sobre educação museal está relacionado com a forma escolar, e como essa modalidade educativa pode contribuir com um processo de construção do conhecimento, que valorize mais a imaginação. Para Ernesto Laclau, a materialidade do social ganha novos sentidos a partir de diferentes maneiras de produzir discursos. Museus e escolas são importantes dispositivos de manutenção da memória, alvo de muitas demandas e disputas de significações. Ao propor um estudo sobre a dimensão educativa desses espaços, direta ou indiretamente estamos propondo uma reflexão crítica sobre os desafios políticos de analisar a educação no nosso tempo. A pesquisa terá como aporte teórico metodológico aspectos da teoria do discurso de Ernesto Laclau em articulação com o pensamento hermenêutico de Paul Ricoeur.

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The topic of education is present as one of the assumptions in the action of museums, which not only aims to store and preserve objects. From the twentieth century, there is a change of emphasis of Safeguard (documentation / conservation) for Communication (expography / action-educational). Thus, museums begin to exert an educational function. However, to date, the use of the term itself museum education, "appears as a need to clarify what differentiates it from other terms used to describe the type of education that is in museums" (Pnem, 2013). Thus, this study aims to reflect on the construction of concepts about vis-à-vis the museum education of the elements of form escolar- phenomenon featuring an educational process to other areas / relationships, and causes a blurring of boundaries between education and schooling. The invention of the school, while the modernity project is related to the idea of a secure access to knowledge, which refers to an attempt to make the actions and the most disciplined subjects. With modern experience of science and education, the act of imagining is not understood as the ability to build new relationships between objects, values, words and images, the imagination is moved from the role of producing knowledge (Jesus, 2014). For Paul Ricoeur imagination is a way for the opening of new explanatory models, has an ontological role. Thus, knowledge is based not only on criteria endowed with reason, but of imagination. One of the survey's intentions is to think to what extent the configuration of a conceptual field of museum education is related to the school form, and how this educational modality can contribute to a process of knowledge construction, which puts more emphasis imagination. Ernesto Laclau, the materiality of the social gains new meanings from different ways of producing discourse. Museums and schools are important in maintaining memory devices, the subject of many demands and meanings disputes. In proposing a study on the educational dimension of these spaces, directly or indirectly we are proposing a critical reflection on the political challenges of analyzing education in our time. The research will have as methodological theoretical support aspects of Ernesto Laclau discourse theory in conjunction with the hermeneutical thought of Paul Ricoeur.

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Figura 01 – Ilustração de um Gabinete de Curiosidades (publicada por Ferrante Imperato em Dell‘Historia Naturale, Nápoles 1599).

54

Figura 02 – Relação habitantes por número de museus (2015) Cadastro Nacional de Museus (CNM)

83

Figura 03 – Imagem de uma campanha publicitária: ―armário não é museu‖ 85 Figura 04 –Detalhe da imagem, campanha publicitária: ―armário não é

museu‖

86

Figura 05 –―Willy Wonka Irônico‖ Museu de Memes 86

Figura 06 – Imagem Museu de Memes 87

Figura 07 – Intervenção Campanha: ―NÃO QUEREMOS MAIS UM MUSEU‖

145

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GRAFICOS

Gráfico 01- Porcentagem (%) de museus por tipologia de acervo, Brasil, 2010

67

Gráfico 02- Crescimento do número de museus, de 1910 até 2009. 74

QUADROS

Quadro 01 - Museus cadastrados, fundados até o ano de 1900, Brasil, 2010 73

Quadro 02- Conceitos referentes à Educação Museal 94

Quadro 03- Duas formas de conhecimento científico no estudo da ação humana, de acordo com Jerone Bruner.

119

Quadro 04- Contraste entre dois tipos de análise de dados: Narrativo e Paradigmático.

121

Quadro 05- Teses e Dissertações do banco do programa de Pós-Graduação em educação da UFPE (temas referentes à educação e/em museus)

164

Quadro 06- Teses, Dissertações e Artigos – Portal Capes (temas referentes à educação museal)

165

Quadro 07- Teses, Dissertações e Artigos – Portal Capes (temas referentes à educação e/em museus)

166

Quadro 08- Teses e Dissertações do banco da biblioteca digital brasileira de teses e dissertações (temas referentes à Educação Museal)

170

Quadro 09- Textos bases da Plataforma de Educação Museal 171

Quadro 10: Banco de Projetos Educativos do PNEM 175

TABELAS

Tabela 01- Relação habitantes por número de museus (2015) Cadastro Nacional de Museus (CNM)

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CNM- Cadastro Nacional de Museus IBRAM- Instituto Brasileiro de Museus ICOM – Conselho Internacional de Museus

ICOFOM- International Committe for Museology (Comitê Internacional Para a Museologia) IPHAN- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

MINC- Ministério da Cultura

MINOM- Movimento Internacional para uma Nova Museologia PNC- Política Nacional de Cultura

PNM- Política nacional de Museus

PNSM- Plano Nacional Setorial de Museus PNEM- Plano Nacional de Educação Museal REM- Rede de Educadores de Museus TD- Teoria do Discurso

UNESCO- United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura)

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2. O SURGIMENTO DE UMA FORMA ESCOLAR 24 2.1 A escola enquanto uma organização, uma instituição e uma forma 25 2.2 A escolarização das atividades educativas não escolares: o sentido político da

hegemonia de uma forma

30

2.3 A construção do conhecimento na perspectiva de uma forma escolar 35

2.4 Algumas contradições da forma escolar 41

3. O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO DO MUSEU 46

3.1 Escola e Museu: dispositivos na construção de um discurso nacional 47 3.2 Institucionalização do museu: aproximações com uma forma escolar 52 3.3 Escolarização: algumas relações entre educação, escolas e museus 57 3.4 Educação formal, não formal e informal: limites e fragilidades 62

4. NOÇÕES SOBRE A DIMENSÃO EDUCATIVA DO CAMPO MUSEAL BRASILEIRO

70

4.1 O Educativo no museu: noções sobre a experiência educativa museal brasileira 71 4.2 A composição de sentidos sobre o conceito de educação museal 90 4.3 Princípios e Parâmetros para a criação da Política Nacional de Educação

Museal/PNEM

101

5. ASPECTOS TEÓRICO/METODOLÓGICOS 114

5.1 O método de pesquisa documental 115

5.2 O Pensamento Paradigmático e o Narrativo 118

5.3 Pós-estruturalismo: o discurso como uma prática de significação do mundo 124 5.4 Formação discursiva em torno da Educação Museal: considerações da Teoria do discurso de Ernesto Laclau

127

5.5 A construção do conhecimento: a imaginação como produtora de sentido, através do uso metafórico da linguagem no pensamento de Paul Ricoeur.

134

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 139

REFERENCIAS 153

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1. INTRODUÇÃO

―All sorrows can be borne if you put them into a story or tell a story about it1‖. Isak Dinesen

A construção social da realidade é feita através de estruturações simbólicas. O modo como compomos nossas falas, nos permite ter muitas maneiras de contar uma história. A Teoria do Discurso (TD), situada em um paradigma pós-estruturalista, defende a ideia de que todo e qualquer sentido só pode ser criado dentro de sistemas de linguagem ou de significação. Ernesto Laclau (ANO) conceitua o social em um nível de discursividade. Com isso, entende a noção de identidade como resultado de uma articulação discursiva. O conceito de discurso para Laclau não se restringe a uma dimensão lingüística, compreende as ações envolvidas, ou seja, engloba uma dimensão não lingüística. Assim:

Para o autor argentino, discurso deve ser entendido como uma categoria que une palavras e ações, que tem natureza material e simbólica simultaneamente, porque o material não existe separado de sua significação. Discurso é prática – daí a ideia de prática discursiva – uma vez que quaisquer ações empreendidas por sujeitos, identidades e grupos sociais são ações de significação (OLIVEIRA, 2013, p.03).

As práticas sociais expressam ou comunicam um significado. Para Stuart Hall (1997) os sistemas ou códigos de significado dão sentido as nossas ações, eles constituem nossas ―culturas‖. Assim, as ações sociais são culturais2

. Os processos de socialização e a maneira como internalizamos os aspectos da cultura estão presentes em nossos discursos e instituições, não como algo linear, mas em um estado constante de transformação. A modernidade, período com início entre os séculos XVII e XVIII, têm como marco um conjunto de modificações na concepção de indivíduo e sua identidade. A educação, de maneira sistematizada, passou a ser uma das principais preocupações humanas.

Para Carlos Ernesto Ramirez, em sua análise sobre a história da educação, é preciso ver a modernidade como o inicio de uma sociedade educativa: ―não que tenha tido uma causa

1―Todas as dores podem ser suportadas se você colocá-las em uma história ou contar uma história sobre isso‖. 2

Esse papel constitutivo e ―central‖ da cultura na vida social, segundo Hall (1997) só acontece na segunda metade do século XX, principalmente pelo amplo poder analítico e explicativo que o conceito de cultura adquiriu na teorização social.

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educativa ou que a educação tenha sido a causa" (RAMIREZ, 2009, P.23). Mas porque as problematizações educacionais e pedagógicas trouxeram implicações, políticas, econômicas, culturais e sociais. Nesse sentido, para Ramirez:

Ler a modernidade na perspectiva da educação é ler o processo de constituição de uma ―sociedade educativa‖ como não existia antes uma sociedade onde, pela primeira vez na história, se pensou que a educação de todos e cada um era a condição necessária para a salvação, o progresso, ou o desenvolvimento econômico e social, uma sociedade onde era preciso ensinar tudo a todos, ou onde cada um deveria aprender, não só durante sua passagem pela família ou pela escola, mas durante toda sua vida; uma sociedade onde não foi suficiente aprender, mas aprender a aprender; uma sociedade, enfim, onde o indivíduo, o sujeito, na medida que requereu uma ampla e especializada educação – como condição para sua `humanização`- constituiu-se como um Homo Educabilis (RAMIREZ, 2009, p.23).

A invenção da escola, enquanto projeto da modernidade, está relacionada à ideia de um acesso seguro ao saber. Uma adequação do pensamento ao fato, com o uso de uma razão instrumental3, compreensão em que os processos racionais são plenamente operacionalizados. Em que: ―seria possível uma pedagogia baseada nos conhecimentos científicos e que permitiria não só adaptar perfeitamente as crianças às exigências da sociedade, como também educá-las segundo suas vocações e potencialidades psicológicas‖. (CHAUÍ, 2000, p.60). Para Chauí:

No século XIX, entusiasmada com as ciências e as técnicas, bem como com a Segunda Revolução Industrial, a Filosofia afirmava a confiança plena e total no saber científico e na tecnologia para dominar e controlar a Natureza, a sociedade e os indivíduos. Acreditava-se que a sociologia, por exemplo, nos ofereceria um saber seguro e definitivo sobre o modo de funcionamento das sociedades e que os seres humanos poderiam organizar racionalmente o social, evitando revoluções, revoltas e desigualdades. (CHAUÍ, 2000, p.60).

Marilena Chauí, ao analisar o desenvolvimento da ciência e as técnicas nas questões discutidas pela Filosofia contemporânea, coloca que: ―acreditava-se, também, que a psicologia ensinaria definitivamente como é, e como funciona a psique humana, quais as causas dos comportamentos e os meios de controlá-los, quais as causas das emoções e os

3

―A Escola de Frankfurt, elaborou uma concepção conhecida como Teoria Crítica, na qual distingue duas formas da razão: a razão instrumental e a razão crítica. A razão instrumental é a razão técnico-científica, que faz das ciências e das técnicas não um meio de liberação dos seres humanos, mas um meio de intimidação, medo, terror e desespero. Ao contrário, a razão crítica é aquela que analisa e interpreta os limites e os perigos do pensamento instrumental e afirma que as mudanças sociais, políticas e culturais só se realizarão verdadeiramente se tiverem como finalidade a emancipação do gênero humano e não as idéias de controle e domínio técnico-científico sobre a natureza, a sociedade e a cultura‖. (CHAUÍ, 2000, p.60).

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meios de controlá-las, de tal modo que seria possível livrar-nos das angústias, do medo, da loucura‖. (CHAUÍ, 2000, p.60).

Da mitologia à ciência, tentou-se substituir, por completo, uma crença ―mágica-mitológica‖, pela constatação científica. O iluminismo4

foi um movimento importante nessa transição. O programa do esclarecimento tinha como meta dissolver os ―mitos‖ e substituir a imaginação por um conhecimento utilitário, objetivo. Na experiência moderna de ciência e educação: ―a imaginação é deslocada de um lugar importante na função de produzir conhecimento, trata-se da desqualificação da fantasia pela estrutura moderna‖. (JESUS, 2014, p. 08). Não são facilmente absorvidos na construção do conhecimento, concepções como: emoção, afeto, fruição, imaginação.

O ato de imaginar pode ser entendido como a capacidade de construir novas relações entre objetos, valores, palavras e imagens. Um meio para a abertura de novos mundos e paradigmas explicativos. Assim, o conhecimento não é fundado apenas em critérios dotados de razão, mas também de imaginação.Paul Ricoeur (1990) considera a imaginação uma categoria central na construção de narrativas, ela tem um papel ontológico. O autor aborda a imaginação como produtora de sentido através do uso metafórico da linguagem.

Para Ricoeur mais do que descrever, as narrativas agenciam os fatos, elas são constitutivas, (RICOEUR, 1990). Pode-se dizer que, a imaginação amplia o pensamento e a possibilidade de criar analogias, ou seja, metáforas. A imaginação é um ponto fundamental para a construção de histórias, pois á medida que as narrativas se deparam com novas tramas, são capazes de gerar alterações, inovações que ―jogam‖ com as regras existentes em nome de sua própria coerência: ―na formação histórica própria a experiência tradicional, a imaginação exercia a mediação entre o mundo sensível e o intelecto‖. (JESUS, 2014, P. 08).

O conhecimento produzido a partir da experiência escolar tornou possível um tipo de ―pedagogização‖ das relações sociais, uma forma escolar de conceber os processos de aprendizagem, que se refere a uma tentativa de tornar as ações e os sujeitos mais previsíveis, disciplinados (FOUCAULT,2005). Um modo de conhecimento ―apartado da vida‖, que pressupõe a exterioridade do primeiro em relação à segunda; uma maneira específica de relação com o conhecimento, que não se pode confundir com a educação de um modo mais amplo.

4

Para o projeto iluminista, quando tudo estivesse ―esclarecido‖, o homem atingiria a plena felicidade, pois não haveria sombras; tudo seria desvendado, e a educação aliada à ciência era um instrumento para essa finalidade.

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A escolarização torna-se uma etapa fundamental no processo de construção de vínculos sociais, a partir de relações salariais, quantificação e regulação diferenciada do tempo. A escola tornou-se a instância formal de aprendizagem, o espaço legitimador de práticas sociais. Ela marca a passagem de uma sociedade em que o estatuto social era transmitido pela via familiar para uma sociedade que o estatuto social passa a ser adquirido pela escola.

Esse modelo escolar pode-se dizer, tinha o objetivo de atender às demandas das novas configurações sociais. Segundo Rui Canário (2005, p. 67): ―do ponto de vista econômico, a escola participa historicamente da construção de uma sociedade industrial tendo como referencia o capitalismo livre concorrencial‖. É uma escola que surge da necessidade de ampliar a mão de obra para o novo mercado industrial, inspirada em uma idéia fragmentada do conhecimento. Assim, como uma linha de montagem as pessoas deveriam saber para dar conta dessas demandas, com atividades cada vez mais distantes de uma relação com suas próprias vidas. Na análise de Rui Canário:

A forma escola representa uma nova maneira de conceber a aprendizagem, em ruptura com os processos de continuidade com a experiência e de imersão social que prevaleciam anteriormente. Esta modalidade de aprendizagem, baseada na revelação, na cumulatividade e na exterioridade, possui autonomia própria e pode, portanto, existir independentemente da organização e da instituição escolar, como acontece nos nossos dias. É neste sentido que podemos falar de uma escolarização das atividades educativas não escolares. (CANÁRIO, 2005, p. 62).

Em nosso contexto atual, no processo de construção de significados e valores, as trajetórias sociais, ainda, parecem indissociáveis dos espaços escolares. Segundo Rui Canário (2005), a expansão continua da escolarização compreende um movimento contraditório, no qual a insatisfação com a escola se traduz em uma intensificação da procura por percursos escolares cada vez mais longos. Diz-se há um bom tempo que a instituição escolar: "passa por um momento de crise" (NÓVOA, 2001, apud CANÁRIO, 2005, p. 59). Entretanto, não se trata de um fenômeno novo, discursos sobre a crise da escola são recorrentes e atravessam o pensamento sobre a mesma desde o final do século XIX, como se pode notar,a partir, de sucessivas reformas. E: ―se a escola está em crise e pode vir a desaparecer como instituição social, é porque a forma escolar de socialização é hoje hegemônica‖ (VINCENT; LAHIRE & THIN, 2001, p. 07).

Essa nova maneira de ―construir‖ relações sociais, promovida pela forma escolar, afeta outros espaços. "estabelece relações entre a forma escolar e outras formas sociais, principalmente, políticas". (VINCENT; LAHIRE & THIN, 2001, p. 16-17). São diversos os

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campos de pesquisa sobre a instituição escolar, e múltipla as questões e compreensões que envolvem esses espaços. Embora este estudo lide diretamente com a noção da escolarização, não vai pesquisar diretamente a instituição escolar, o enfoque é analisar como a forma escolar, tornou-se exterior, a própria instituição escolar. Um dos desafios, nesse estudo, é pensar o impacto de uma forma escolar de socialização no cenário contemporâneo. De modo mais específico, como essa hegemonia da forma escolar afeta a educação em um espaço social como o museu.

A relação entre educação e museus não é recente, os museus possuem um caráter educacional ligado à sua própria origem, uma vez que, desde o início, se configuravam como espaços de pesquisa e ensino. A caracterização dos museus como espaços educativos é parte do entendimento da educação como um processo amplo de socialização, no qual os museus podem promover conhecimentos e o desenvolvimento de competências. O tema da educação está presente como um dos pressupostos na ação dos museus, uma vez que esses espaços não tem como finalidade apenas armazenar e conservar objetos.

A abertura dos museus ao público, no século XVIII, começou a ampliar de alguma maneira o acesso ao conhecimento produzido, e à divulgação da ciência. O desenvolvimento científico nos séculos XVIII e XIX estava vinculado ao surgimento e consolidação dos museus de história natural. Antes, os Gabinetes de Curiosidade, ou Quartos de Maravilha, como eram chamados os antecessores dos museus modernos; já tinham alguma atuação como espaços de pesquisa, eram vinculados a particulares, ou a centros acadêmicos, universidades, escolas e governos. (SUANO, 1986)

O final do século XIX e início do século XX foi marcado por uma concepção de museu vinculado à preservação, e testemunho da memória, para guarda de acervos artísticos e históricos (CÂNDIDO, 2014). Mas ao longo do século XX, foi fortalecido o aspecto público e educativo da instituição, existiu um deslocamento da ênfase da Salvaguarda (documentação/conservação) para a Comunicação (expografia/ação-educativa cultural), Na análise de Manuellina Duarte Cândido (2014), esse deslocamento aproximou esses espaços, ainda mais de uma função educativa.

Cada museu representar um saber, uma tipologia, uma constituição diferente. Nos últimos anos a ideia ou a definição do que é um museu passou por muitas modificações, houve uma ampliação do seu conceito. Atualmente, abrigam tipologias, temas, plataformas muito diversas. É enorme a possibilidade de espaços que podem ser considerados museus. O que torna ainda mais complexa a compreensão de educação que ocorre nesses espaços. A Organização Internacional de Museus e Profissionais de Museus, International Council of

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Museums – ICOM define o museu como: uma Instituição sem fins lucrativos, permanente, a

serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, e aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, divulga e expõe, para fins de estudo, educação e divertimento, testemunhos materiais do povo e seu meio ambiente. (ICOM, 2001).5

Independente da tipologia do museu, plataforma, ou composição das exposições, existe uma conditio sine qua non com uma dimensão educativa. No entanto, até o momento presente, o uso do próprio termo educação museal, ―se mostra como uma necessidade de explicitação daquilo que o diferencia de outros termos utilizados para qualificar o tipo de educação que se faz nos museus‖ (PNEM, 2013). É uma área que vem se consolidando como um espaço aparentemente autônomo entre as instituições que representam, embora faça parte das demandas de políticas culturais na atual estrutura de organização governamental (LOPES, 1991; SANTOS, 2001, CASTRO, 2013).

O processo de ―escolarização do museu‖ se refere a um critica feita ao modo de conceber o museu como uma continuação do espaço educacional escolar. Maria Margaret Lopes (1991) aborda algumas implicações que o termo escolarização pode trazer para o museu. Para Lopes essa expressão ganhou uma conotação pejorativa, devido à forma como a escola, extremamente influenciada por um modelo tradicional e tecnicista, estava sendo questionada, com seus métodos e pressupostos distantes da realidade do aluno e de seu entorno, com isso trazer a escola, isto é, seus métodos e suas orientações, para dentro do museu, seria, então, trazer algo que estava sendo questionado socialmente, para orientar as instituições museais. Nesse sentido:

Um dos riscos que se corre nessas atividades é o de ―escolarizar‖ os museus, impregnando-os com métodos e finalidades escolares, confundindo-os e ―reduzindo-os a instituições que são usadas apenas para ilustração dos conhecimentos ministrados pela escola‖ (ANGELI, 1993, p. 47 apud LEITE, 2005, p. 36)

A educação em seu formato escolar, de modo geral, fornece muito mais experiências de não contemplação; favorecem muitos processos de reprodução que criação/imaginação. Os

5

Essa definição de museu do ICOM, apesar de ampla, não contempla a abrangência que essas instituições tomaram e o caráter político dos museus. O ICOM trabalha com uma definição de museu, cuja abrangência propõe-se mundial, mas alguns países têm suas próprias conceituações, bem menos genéricas. Essa ampliação, na compreensão dos espaços que podem ser considerados museus, traz implicações para entender o que significa o processo de musealização.

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museus inspirados nesse modelo escolar diminuem as atividades que envolvam sensibilização, emoção e prazer.

A cientifização de praticamente todas as áreas do conhecimento, por um lado, nos trouxe respostas para várias questões e a possibilidade de aprofundar diversas áreas do saber, por outro, tenta nos tornar cada vez mais ―racionalmente insensíveis‖ à contemplação.

Nesse estudo, partimos da concepção de que há uma forma escolar que se impõe para além do espaço escolar, em um processo de escolarização de outros ambientes educacionais (CANÁRIO, 2005; BRAYNER, 2001; VINCENT; LAHIRE & THIN, 2001). Desse modo, acreditamos que existe um borramento da função educativa dos museus, com a forma escolar.

Assim, essa pesquisa investiga de que maneira a configuração de um campo conceitual

sobre educação museal está conformado por essa forma escolar? Ainda, até que ponto a proximidade do museu com essa forma escolar limita-o a reproduzir uma experiência escolar, ao invés de uma experiência museal?

O estudo tem como objetivo geral:

Refletir sobre a construção de conceitos a respeito da educação museal vis-à-vis os elementos constitutivos da forma escolar.

E como objetivos específicos:

Identificar aproximações e distanciamentos na relação histórica entre escolas, educação e museus;

Observar como a proximidade do museu com essa “forma” escolar pode limitá-lo a reproduzir uma experiência escolar, ao invés de uma “experiência museal”;

Discutir os atuais embates políticos e teóricos da educação museal através do Plano Nacional de Educação Museal/PNEM e da Plataforma Nacional de Educação Museal;

Não é intenção desse estudo, procurar ou construir um conceito fechado sobre educação museal. Mas observar como o adjetivo museal pode qualificar a educação que ocorre nos

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museus, ou seja, como a educação museal, pode ser uma maneira especifica dos museus lidarem com o conhecimento, e como essa modalidade educativa pode contribuir com um modo de construção do conhecimento, que valorize mais os processos imaginativos.

Como aporte teórico/metodológico serão utilizados os conceitos de discurso, hegemonia e a lógica dos significantes da Teoria do Discurso (TD) na compreensão de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, articulados à concepção de narrativa e imaginação de Paul Ricoeur, tendo em vista, uma noção não representacionista de narrativa.

O corpus da pesquisa foi selecionado com o objetivo de pensar sobre as estruturas discursivas que compõe o campo da educação museal, assim, o campo semântico inclui: a Plataforma virtual do PNEM, em específico as discussões do Fórum e dos grupos de trabalho específicos sobre educação museal; os documentos de referência do PNEM: Documento Preliminar do PNEM, Carta de Belém, Carta de Petrópolis – Subsídios para a construção de

uma Política Nacional de Educação Museal, Metas do Plano Nacional de Cultura, Plano

Nacional de Cultura – PNC, Plano Nacional Setorial de Museus – PNSM, Politica Nacional de Museus – PNM. Além de artigos, teses, dissertações, revistas / periódicos sobre educação e museus / educação museal.

Para construir a análise das questões referidas, o texto está dividido em cinco capítulos:

O primeiro capítulo faz a introdução do tema, e uma contextualização das questões que o texto pretende abordar. No segundo capítulo o interesse é explorar as concepções sobre o surgimento de uma forma escolar, fenômeno que atua no social e provoca um tipo de escolarização das atividades educativas não escolares, com isso, limita outros espaços a um formato de construção do conhecimento na perspectiva de uma forma escolar. Assim, a educação parece exclusiva desse formato; a escola enquanto uma organização, uma instituição e uma forma de conduzir as relações sociais. Nesse sentido, uma questão que atravessa nosso texto se refere a entender como a influência de uma forma escolar, interfere nos vínculos entre a produção do conhecimento e a imaginação.

No terceiro capítulo, o intuito é observar quais sentidos podem ser atribuídos ao processo de escolarização do museu. Assim, evidenciar as relações entre educação, escolas e museus Com isso, compreender melhor a construção de uma dimensão pedagógica dos museus. Para isso, analisaremos, através, de elementos históricos que conformaram um

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determinado modelo de construção de conhecimentos, que permeou o campo escolar e museal as aproximações e distanciamentos entre a institucionalização da escola e do museu, e como esses espaços atuaram enquanto dispositivos do projeto moderno, na tentativa de consolidação de um discurso nacionalista, tornando-se mais próximos.

No quarto capítulo, o objetivo é fazer uma análise sobre a dimensão educativa do campo museal brasileiro, é entender melhor a composição dos discursos sobre Educação Museal. Para isso vamos analisar a significação política e os atuais embates teóricos na configuração de um campo conceitual sobre educação museal, realizada pelo Plano Nacional de Educação Museal/PNEM e através da Plataforma Nacional de Educação Museal/PNEM. O intuito é observar o processo de institucionalização desse campo. Assim como, a formação do conceito de educação museal, e quais os significados atribuídos a uma epistemologia museal, em relação à forma escolar.

O quinto e último capítulo, concentrará o desenho metodológico construído para a pesquisa. Ao que já adiantamos aqui em linhas mais gerais, uma articulação entre os conceitos de discurso, hegemonia e a lógica dos significantes da TD, na compreensão de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, articulados à concepção de narrativa e imaginação de Paul Ricoeur, com objetivo de construir um método analítico adequado para refletir sobre a educação museal.

Para a TD cada ato individual de significação está relacionado a uma totalidade da língua na medida em que esta, como um sistema de diferenças comporta valores (identidades lingüísticas) que são essencialmente relacionais. A "realidade" é para Laclau da ordem do discurso, com isso, a ―materialidade do social‖ ganha novos sentidos a partir de diferentes formas de produzir discursos. Portanto, não há ato de significação que se dê de forma isolada e autônoma; só existe comunicação em um sistema de diferenças.

Museu e escola serão compreendidos enquanto instituições políticas, campos discursivos construídos por diferentes narrativas, dispositivos6, que não têm significados sem a constituição humana. Paul Ricoeur faz um deslocamento da noção de texto para os fenômenos sociais, isso nos permite criar conexões entre a narrativa e os dispositivos escolar e museal. Nesse sentido, analisar as escolas e os museus, enquanto dispositivos de disciplinarização compreende a percepção desses espaços como estruturas discursivas, permeados por muitas representações disciplinares.

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O dispositivo, aqui entendido no sentido de Giorgio Agamben (2009), como um conjunto heterogêneo, linguístico e não linguístico, que inclui virtualmente qualquer coisa no mesmo título: discursos, instituições, edifícios, leis, medidas de polícia, proposições filosóficas, etc.

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Os espaços escolares, assim como a maior parte dos museus, da maneira como estão formatados, estabelecem uma relação com a construção do conhecimento que parece estar distante de uma experiência estética voltada para a imaginação, uma categoria importante no processo de percepção da realidade e na produção de novos sentidos. O modelo escolar que prevalece, constitui-se como "um espaço de tolhimento do pensamento artístico, de seu não desenvolvimento, do impedimento crítico e do isolamento social visando à reprodução da ordem vigente‖. (GRAMSCI, 2001 apud CASTRO, 2013). A imaginação parece ser um elemento não absorvido no campo semântico da forma escolar hegemônica.

A educação do olhar é um exercício, uma construção na qual a percepção e a sensibilidade estão imbricadas na construção do conhecimento. Tornar visível o que se olha é uma concepção do sensível. Pensar a educação do olhar é posicionar-se questionar-se diante do processo de aprendizagem, para despertar o caráter sensitivo, afetivo e sensorial, como uma viagem ao mundo da imaginação e das informações adquiridas. (GANZER, 2005, p.85)

Para Rui Canário, a hegemonia levada a cabo pela própria escola levou à desvalorização de "todos os saberes que não são ensinados por profissionais e, portanto, do processo educativo como um trabalho que o educando realiza sobre si próprio, em interação com os outros e com o mundo, a partir do seu patrimônio experiencial" (CANÁRIO, 2005, p. 192). A educação enquanto um fenômeno mais amplo, intergeracional, não está restrito apenas ao espaço escolar. Neste sentido, a educação escolar não deveria ser considerada como o espaço mais significativo onde o processo educativo acontece, nem tão pouco a única instituição responsável pelos processos de formação pessoal, pela formação das identidades, pela construção dos projetos de vida.

A aprendizagem é um processo difuso, não formal, que é coincidente com um sistema largo e multiforme de socialização. Para Canário: ―decorre daqui que a aprendizagem ocorre em todos os cenários, o que significa que a maior parte dos contextos educativos não são contextos escolares‖ (CANÁRIO, 2005, p.70). Mas no cenário atual, existe uma supervalorização do que é aprendido nos espaços formais, no caso específico, a educação formal escolar, em detrimento a outros espaços e maneiras de construir conhecimento. Inclusive, a classificação das diferentes tipologias de educação, entre formal, não formal e informal, em nossa leitura apresenta certa fragilidade em seus limites de diferenciação. Sabe-se que existe um nível de hierarquização, que não só diferencia, mas desqualifica.

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2. O SURGIMENTO DE UMA FORMA ESCOLAR

Este capítulo analisa como o surgimento de uma forma escolar, fenômeno que se desenvolveu de modo particular, de certa maneira autônomo à própria instituição escolar, tornou possível a ―escolarização‖ de outros espaços educacionais, ou até não educacionais. A escola enquanto uma organização, uma instituição e uma forma de conduzir as relações sociais. Nesse sentido, uma questão que atravessa o texto, se refere a entender como a influência dessa forma escolar, interfere nos vínculos entre a construção do conhecimento, a disciplina e a imaginação. De que maneira essa forma está relacionada a um modo específico de construção do conhecimento, que, parece limitar outros espaços a um formato de educação escolarizada.

Pretende-se destacar como a experiência moderna de ciência e educação promoveu uma nova maneira de se relacionar com o tempo; um tipo de disciplinarização no modo de conhecer, com um sistema escolar inspirado no modelo industrial/fabril- valorização da repetição, fragmentação. Uma educação longe da facticidade da vida, que tende a favorecer a concepção de uma ―razão instrumental‖. Isso, em detrimento, a processos que privilegiem a imaginação, a criatividade, o afeto, a contemplação. A imaginação, não é vista como um meio para a abertura de novos paradigmas explicativos. (Ricoeur, 1990). É colocada como algo que não faz parte da construção da realidade, muitas vezes associada ao escape, à fuga da inexorabilidade da vida.

Apesar da condição hegemônica da forma escolar, de acordo com uma leitura laclauniana, há, em torno desse elemento, uma disputa por significações, ou seja, por fixação de sentidos, por hegemonia. A instituição escolar nesses moldes atuais mostra-se fragilizada, e há muito tempo dá sinais que não vai dar conta de todas as atribuições que foram sendo depositadas em uma única instituição. Ela representa um empreendimento de dupla face; por um lado ainda é o espaço, aclamado por uma parte do social, como o lugar de acesso e construção da cidadania, por outro é vista como um lugar ultrapassado, que não corresponde aos anseios sociais, de acesso a essa mesma cidadania.

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2.1 A escola enquanto uma organização, uma instituição e uma forma de conduzir as relações sociais

A construção histórica da escola moderna supõe, por um lado a invenção da infância e, por outro, a emergência de uma relação social inédita, a relação pedagógica, exercida num lugar e num tempo distinto das outras atividades sociais, submetidos a regras de natureza impessoal e que definem a especificidade do modo de socialização escolar.

Rui Canário

A historiografia das instituições escolares e das idéias pedagógicas conduzem a diferentes modos de pensar o que significa educar. Não existe uma linearidade na concepção do que é o espaço escolar, ela atende a estados e condições sociais particulares. Para Veiga Neto (2004) não existe um aperfeiçoamento ou evolução dos saberes e práticas educacionais, mas uma verdadeira revolução na maneira de entender a educação e praticá-la, existe uma série de rupturas e continuidades estabelecidas entre a Idade Média e o século XVI. E, apesar da aparente estabilidade da ideia do que é a escola nos dois últimos séculos e do seu caráter refratário a mudanças deliberadas, qualquer imobilismo sobre a história das escolas é ilusório.

Rui Canário faz uma análise sociológica da escola e dos paradoxais sentimentos que acompanham a trajetória desses espaços, com o intuito de compreender suas especificidades e contradições. O autor faz uma distinção analítica entre três dimensões da escola, que pode corresponder a uma tentativa de definição desse espaço: a escola como uma organização, uma instituição e uma forma. Essas faces da dimensão escolar, para Canário, remetem a campos de análise e de debate que devem ser distinguidos. ―As dimensões pedagógicas, organizacional e institucional, faces diversas de uma mesma realidade, remetem para campos de análise que podem e devem ser distinguidos‖. (CANÁRIO, 2005, p.63).

Em relação à organização, a escola torna possível a transição de um modo de ensino individualizado (um mestre, um aprendiz) para modos de ensino simultâneo (um mestre, uma classe): ―o que aparece numa certa época, nas sociedades européias, é uma forma de relação social inédita entre um ―mestre‖ (num sentido novo do termo) e um ―escolar‖, relação que chamamos ‗pedagógica‘‖. (BRAYNER, 2001, p.02). Esse novo formato viabiliza a emergência dos sistemas escolares modernos: ―a organização escolar que historicamente conhecemos corresponde a modos específicos de organizar, os tempos, os agrupamentos dos alunos e as modalidades de relação com o saber‖ (CANÁRIO, 2005, p.62). Isto é, um disciplinamento por via da impessoalidade das normas, a transformação de uma relação

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comunitária entre mestres e alunos, em uma relação de governo dos alunos pelos mestres. (VINCENT; LAHIRE & THIN, 2001).

Não há dúvida de que estamos em presença de uma invenção histórica, contemporânea da dupla revolução industrial e liberal que baliza o início da modernidade e que introduz como novidades o aparecimento de uma instância educativa que separa o aprender do fazer; a criação de uma relação social inédita, a relação pedagógica no quadro da classe, superando a relação dual entre o mestre e o aluno; uma nova forma de socialização (escolar) que progressivamente viria a tornar-se hegemônica. (CANÁRIO, 2005, p.61)

A organização escolar corresponde a uma maneira específica de ordenar o tempo e a construção do conhecimento; por conteúdos, separados por disciplinas, e a sala de aula é eleita o local privilegiado, e exclusivo, para aprender. A dimensão organizacional da escola passou por um processo de naturalização, o que contribuiu para a estabilidade da formar escolar. Essa naturalização em relação à dimensão organizacional da escola constitui-se como uma matriz que condiciona a não variação do modelo organizacional. Assim, existem diferentes métodos pedagógicos, mas eles, de alguma maneira, se adaptam, a essa estrutura organizacional.

Isso possibilita a estabilidade da escola nesse molde tradicional e limita uma perspectiva mais crítica sobre projetos de mudanças. Em termos organizacionais, a escola funciona como um modelo que estabelece uma mediação entre as orientações gerais vindas das esferas sociais, com os professores e as práticas efetivas em sala de aula. A escola é uma matriz organizacional responsável por mais do que o conteúdo que é ensinado, mas constitui um importante instrumento de controle social, um dispositivo que ―socializa e educa‖:

A concepção de aprendizagem que está subjacente a esta forma de organização exprime, não apenas uma relação especifica com o saber, mas também uma dada forma de organizar as relações de poder. A organização escolar não tem de ser apreciada, apenas ou sobretudo, de um ponto de vista pedagógico, mas na óptica da sua articulação com a vocação institucional da escola, enquanto instância de socialização normativa que além de funcionar como uma ―máquina de ensinar‖, funciona, ainda, na concepção de Foucault, como uma máquina de ―vigiar, de hierarquizar, de recompensar". (RAMOS do Ò, 2001, p. 39 apud CANÁRIO, 2005, p.78).

Enquanto instituição, a escola remete a uma maneira diferente de ―fabricar o ser social‖, a partir de um conjunto de valores estáveis e intrínsecos. A instituição define padrões de comportamento, práticas ou processos que se mantêm estáveis e relativamente constantes em um determinado grupo social: ―do ponto de vista histórico, enquanto instituição, a escola

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desempenha um papel fundamental na construção dos modernos estados-nação‖. (CANÁRIO, 2005, p. 61).

Michel Foucault (2005) destaca o aspecto disciplinar das instituições na formação dos indivíduos, o elemento disciplinar faz da instituição escolar, e dos museus, espaços de vigilância, que produzem experiências disciplinares semelhantes às demais instituições. A sociedade disciplinar para Foucault não é só uma prática social, mas a formação de uma subjetividade, posto que em todos os níveis sociais existe um tipo de experiência disciplinar. O aspecto disciplinar também é um aspecto subjetivo, é construído culturalmente, faz parte da constituição identitária. Essa disciplina estende-se através de micro relações de poder, que não são apenas judiciárias:

Para que servem essa rede e essas instituições? Podemos caracterizar a função destas instituições da seguinte maneira. Primeiramente, estas instituições - pedagógicas, médicas, penais ou industriais - têm a propriedade muito curiosa de implicarem o controle, a responsabilidade sobre a totalidade, ou a quase totalidade do tempo dos indivíduos; são, portanto, instituições que, de certa forma, se encarregam de toda dimensão temporal da vida dos indivíduos. (FOUCAULT, 2005, p.115)

A análise de Foucault sobre a disciplina e controle do Estado está diretamente ligada à escolarização como projeto de civilização: ―para el filósofo francés, un sistema educativo establece qué debe saberse, qué es importante para una sociedad, qué formas del habla se consideran legítimas qué repartición debe hacerse entre saberes‖ (DUSSEL, 2014, p.04). O processo de disciplinarização do conhecimento está relacionado, a uma concepção mais ampla de disciplina, a social, que estabelece: ―qué comportamientos públicos son adecuados, entre muchas otras cosas. (DUSSEL, 2014, p.04). O artigo ―Curriculum y autoridad cultural: metaforas para pensar en los desafios contemporáneos‖, de Inés Dussel, ajuda a entender como a autoridade cultural do currículo foi construída na instituição escolar e está diretamente relacionada à disciplinarização do conhecimento:

Veamos cómo se configuró históricamente el curriculum moderno y qué autoridad cultural produjo en su momento de auge. Siguiendo al historiador de la educación David Hamilton, el curriculum surgió en la modernidad temprana como expresión de la voluntad de ordenamiento y unificación de la enseñanza, y de la centralización del saber en una institución legítima y monopólica (HAMILTON, 1989 apud DUSSEL, 2014, p.06 ).

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Ivor Goodson (2011) chama atenção para o fato do currículo não ser algo fixo, mas uma construção um ―artefato social e histórico‖, passível a muitas modificações, estando em constante processo de transformação, e não deve ser percebido, como um ―inocente processo epistemológico‖.

uma história do currículo não deve tampouco cair na armadilha de ver o processo de seleção e organização do conhecimento escolar como um inocente processo epistemológico em que acadêmicos, cientistas, educadores desinteressados e imparciais determinam, por dedução lógica e filosófica, aquilo que melhor convém ensinar às crianças, jovens e adultos. O processo de fabricação do currículo não é um processo lógico, mas um processo social, no qual convivem lado a lado com fatores lógicos, epistemológicos, intelectuais, determinantes sociais menos ―nobres‖ e menos ―formais‖, tais como interesses, rituais, conflitos simbólicos e culturais, necessidades de legitimação e controle, propósitos de dominação dirigidos à classe, à raça, ao gênero. (GOODSON, 2011, p. 08).

Na modernidade a escola "unifica" maneiras distintas de educar através da noção de conteúdos escolares, e depois com o currículo. No artigo “o esgotamento da forma escolar: crítica aos currículos escolares a partir de Adorno‖, Guilherme Garcia Tommaselli (2009) coloca a questão curricular como um elemento central na compreensão do conceito de forma escolar, e na formação da instituição escolar, como conhecemos na atualidade:

Assim, a análise do currículo escolar pode ser utilizada pelos historiadores da educação como um modo de captar os elementos fundamentais no desenvolvimento da escola, da forma escolar e da institucionalização desta. Para que esse processo se efetive com sucesso é importante que o historiador da educação compreenda o currículo como fruto de relações conflituosas, de lutas, entre as diferentes tradições que compõe a sociedade, e que buscam ser hegemônicas no campo educacional. (TOMMASELLI, 2009, p. 02).

Tommaselli chama atenção para a necessidade de considerar os diversos elementos que existem na composição do ambiente escolar, e se desenvolvem de modo particular, e contribuem na constituição dessa estrutura. A instituição escolar tornou-se o lugar legitimador da educação, responsável por dizer como conhecer e os limites do que se deve conhecer: ―la educación, decía Foucault, es una ―ritualización del habla‖, una ―cualificación y una fijación de las funciones para los sujetos que hablan‖, ―una distribución y una adecuación‖ Del discurso con sus poderes y saberes‖ (FOUCAULT, 1973, p.38 apud DUSSEL, 2014, p.04):

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En este proceso de selección, ordenamiento y jerarquización, el curriculum, y la escuela en general, establece una ―autoridad cultural‖ que autoriza, reconoce, valora, ciertas prácticas culturales, a la par que descalifica otras. Qué conocimientos se van a considerar relevantes, qué metodologías y discursos se jerarquizan como legítimos, quiénes pueden enseñar y quiénes aprender, son todos elementos centrales de esta autoridad cultural, que puede ser más o menos inclusiva, o más o menos democrática, según cómo se articule a otras dinâmicas sociales. (DUSSEL, 2014, P.04).

Para Vincent; Lahire & Thin (2001, p. 15) a invenção da forma escolar se realiza através da produção das disciplinas escolares. E essas são criadas e institucionalizadas por meio dos currículos. Assim, falar de forma escolar como forma de relações sociais é relaciona - lá a uma estrutura curricular. A forma escolar é, portanto, unidade de uma configuração histórica particular, surgida em determinadas formações sociais: "precisamos reafirmar que a forma escolar não é estritamente confundida com a instituição escolar, nem limitada por ela, mas é transversal em relação a diversas instituições e grupos sociais" (VINCENT; LAHIRE & THIN, 2001, p. 46). Na análise de Flávio Brayner (2001):

O problema é com uma determinada forma, a ―forma escolar‖, surgida por volta do século XVI, se impõe como um modelo hegemônico e superior a todos os outros, um modelo que, claro, nós achamos ―natural‖ e universal, com sua pedagogia, seus horários, disciplinas, manuais, espaços, etc. Modelo que se estendeu até o limite extremo da pedagogização da maioria de nossas relações sociais (BRAYNER, 2001, p.02).

Nesse sentido, existe, portanto, uma forma escolar que não se restringe apenas à escola, uma forma escolar que ultrapassou as paredes da escola e se expandiu, suscitando uma sociedade ―escolarizada‖, gerando muitas problemáticas. A forma escolar para Rui Canário estabelece um formato escolar de conceber os processos de aprendizagem. Essa nova maneira de lidar com o conhecimento funciona atrelada a outras redes de significações políticas, sociais, econômicas, culturais. Há, em torno do significante forma escolar, uma disputa por significações, ou seja, por fixação de sentidos, por hegemonia. Pois a condição hegemônica da forma escolar, não tem um fechamento, com isso, abre espaço para negociações de sentidos em busca da hegemonia de outros discursos. Com isso:

Na medida em que o discursivo é um campo de indecidibilidade, ele se torna condição simultânea de possibilidade e impossibilidade de cada discurso particular. Dessa forma, há sempre um excesso de sentido que escapa, ao mesmo tempo em que determinadas enunciações assumem a função de fechamento contingente do sistema. Nas palavras de Laclau e Mouffe, atuam como ponto nodal que articula em torno de si uma cadeia de equivalências

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que atravessa, também numa relação de indecidibilidade, a lógica diferencial do sistema. Numa perspectiva anti-essencialista, os autores postulam que essa equivalência não pode ter nenhum sentido essencial, sendo criada pela presença de uma diferença radical, um exterior constitutivo que fecha momentaneamente o sistema. (MACEDO, et al, 2008, p.40)

Assim, todo sistema de diferenças é excludente. O real, funciona como um bloqueio na expansão contínua de um processo de significação. Ele é ao mesmo tempo a condição de possibilidade de um sistema de significação (seus limites) e sua condição de impossibilidade.

A próxima sessão vai observar os sentidos políticos da hegemonia de uma forma escolar de conduzir as relações sociais e analisar algumas das conseqüências da escolarização de atividades educativas não escolares para a educação.

2.2 A escolarização das atividades educativas não escolares: sentido político da hegemonia de uma forma

Mas, paradoxalmente, é no momento em que boa parte dos autores apontam a crise mundial da educação notadamente da educação escolar-, que se tem a impressão de que toda a sociedade é vítima do modelo escolar (...).

Flávio Brayner O processo de universalização do atendimento educacional, promovido inicialmente pelos discursos de consolidação dos estados-nação, tornou a modalidade escolar ―o modo‖ de educar. Podemos dizer que essa maneira de conceber a aprendizagem tem sua origem na expansão dos sistemas de ensino, em conjunto com a obrigatoriedade da educação escolarizada, isso generalizou uma maneira específica de educar. Segundo Canário, a forma escolar encarnou uma organização do espaço e do tempo pedagógico. Para Flávio Brayner (2001) ―entra-se cada vez mais cedo neste universo institucional e prospectivamente sai-se cada vez mais tarde‖:

(...) Assim, uma relação antes restrita a este domínio invadiu nossas relações sociais mais amplas: saúde, a ecologia, a política, o amor, o sexo, a etiqueta, o estilo de vida, o consumo, o lazer, domínio e práticas sociais que foram anexadas a um modelo propriamente pedagógico em que precisamos de orientação em tudo: daí a profusão de gurus guias, auto-ajuda, aconselhamento existencial, amoroso, familiar, sexual, profissional. (BRAYNER, 2001, p.02).

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Flávio Brayner chama atenção para o fato de que, através de mecanismos sutis de infantilização, fomos transformados em eternos ―escolares‖, incapazes de resolvermos questões sozinhos, estamos sempre tutelados por algum especialista, para ele a conclusão é inevitável: ―a sociedade dos especialistas é contemporânea da sociedade dos menorizados e incapazes, uma produzindo a outra numa dialética perversa da incompetência programada e da manipulação sistemática de psiques desorientadas ou afetos em frangalhos‖ (BRAYNER, 2001, p.02).

Na análise de Brayner (2001), essa forma ultrapassou as paredes da escola e se expandiu, tornou a ―sociedade escolarizada‖, prolonga-se sob a forma de ―atividades‖ extra,

peri, e para escolar ou sob a forma de estágio, formação, capacitação, aperfeiçoamento,

workshop, seminários, palestras, entre outras. Para Brayner: ―isso demonstra que a escola perdeu o monopólio da ‗forma‘ que inicialmente lhe pertencia.‖ (BRAYNER, 2001, p.04). Expandiu-se, deslocou-se de seu lugar de origem.

A escolarização das atividades educativas não escolares atua como uma maneira de limitar outros espaços a uma construção escolarizada do conhecimento; com isso, a educação permanece ―refém‖ do espaço escolar (Canário, 2005). A escola tem um tempo e um espaço específicos destinados à aprendizagem, só o que ocorre na sala de aula é institucionalmente considerado válido. A escolarização está muito relacionada á expansão de uma arquitetura específica, com a presença de salas de aula, a própria disposição das cadeiras, a separação por classes, e regida por uma ideia avaliativa em que todos devem aprender a mesma coisa, ao mesmo tempo, com a mesma velocidade.

Independente do tema, assunto, categoria, ―a escola é o lugar de aprender‖; existem escolas para praticamente todos os segmentos: escola de games, de gastronomia, de moda, de vinhos, futebol, balé, capoeira, entre tantas outras, ―escola de tudo‖. Ao se falar de um processo de aprendizagem, o modelo proposto, geralmente, é o escolar. Existe uma naturalização dessas relações. Quase todos os espaços educacionais, funcionam a partir de uma estrutura física, hierárquica, aproximada. Exceto as experiências diferenciadas de escolas7, que não corresponde ao estereótipo construído sobre o que a escola deveria ser. E funcionam como exceções. Essas novas experiências escolares são de extrema importância para propor outros modos de pensar a educação escolar.

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As escolas classificadas como ―diferentes‖ que não se encaixam no estereótipo mais tradicional de escola, são experiências pontuais, existem poucas referências, geralmente são ―perseguidas‖ por não obedecerem aos programas oficiais. Um exemplo interessante é a Escola Básica da Ponte, em Portugal, para maiores informações http://www.escoladaponte.com.pt

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O significante escola é alvo de muitas disputas discursivas. Existem diversos tipos diferentes de escolas, e muitas maneiras de entender esses espaços. Desde os abismos iniciais entre a escola ser pública ou privada; as suas posições pedagógicas: Tradicional, Construtivista, Montessoriana, Waldorf, entre tantas outras. Mas quando nos referimos a uma socialização através da forma escolar, entende-se que ela atua, independente do tipo de escola, existe um conjunto de características que delimitam esse formato. Que apesar de ser interpretado e absorvido, de acordo com cada contexto, cultural, econômico, social, algumas especificidades dessa forma serão mantidas. Nessa concepção de forma escolar, não prevalece à imagem de uma escola sem salas de aula, sem classes separadas, sem programa curricular oficial a cumprir, com a ausência de campainhas separando os tempos do pensamento, sem disciplinas escolares fixas, um saber conectado com a vida, sem notas.

Existe um tipo de engessamento nas atividades educativas escolares, indissociável de um modo escritural do saber: ―historicamente, a pedagogização, a escolarização das relações sociais de aprendizagem é indissociável de uma escrituralização-codificação dos saberes e das práticas" (VINCENT; LAHIRE & THIN, 2001, p.28). A instituição escolar estabelece um modo particular de socialização e de apropriação do saber: "o modo de socialização escolar é, portanto, indissociável da natureza escritural dos saberes a transmitir" (IBIDEM, p.28). Uma relação distante de uma aprendizagem marcada pela tradição oral, e próxima a formas escriturais. Essa maneira de sistematizar o ensino, típico da forma escolar, caracterizou um novo tipo de socialização. A separação dos letrados e não- letrados. De acordo com Vincent, Lahire & Thin:

A forma escolar é solidária de outras transformações do todo sócio-histórico: a constituição do Estado Moderno, a progressiva autonomização de campos de práticas heterogêneas, a generalização da alfabetização e da forma escolar e a construção de uma relação distanciada da linguagem e do mundo (relação escritural-escolar com a linguagem e com o mundo). São formas de relações sociais tramadas por práticas de escrita e/ou tornadas possíveis pelas práticas de escrita e pela relação com a linguagem e com o mundo que lhes é indissociável (IBIDEM, p. 27).

Uma outra característica da escolarização das atividades educativas não escolares que demonstram a hegemonia da forma escolar, é a hiper valorização da educação formal em detrimento a outras maneiras de educação. As atividades e experiências não-escolares são colocadas como instâncias menores de aprendizagem, ou não são consideradas importantes na construção do conhecimento e na formação pessoal. Osmar Fávero (2007) observa que as distinções entre educação formal e não formal, e mais recentemente informal, são

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insuficientes para explicar as diferentes formas de educação, e que essa falta de consenso se deve basicamente à semelhança nos objetivos e compromissos com os indivíduos. É importante sinalizar, antecipadamente, que essa classificação, parece já estar naturalizada 8.

A forma escolar goza de certa estabilidade hegemônica, mas essa condensação que hegemonizava alguns desses sentidos em detrimento de outros é precária. Na concepção de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (2001) o conceito de hegemonia se refere a um particular que se universaliza. Diz respeito a um processo retórico permanente cujo objetivo é a fixação de determinados significados particulares, de maneira que eles passam a representar uma universalidade inalcançável. No entanto, a fixação desses sentidos será sempre contingente e provisória, e acontecerá a partir de determinadas condições específicas. (BURITY, 1997). Essa abordagem cria aproximações entre a política e a linguagem. Assim:

A compreensão de política como discurso, para Ernesto Laclau, implica o entendimento das negociações de sentidos em busca da hegemonia de um determinado sentido que, provisória e contingencialmente, ocupa um centro capaz de aglutinar os sentidos postos em disputa, mas que nunca é pleno nem implica a possibilidade de fechamento total da significação.(OLIVEIRA, 2013, p.03).

O conceito de hegemonia composto por Laclau e Mouffe, nos permite fazer uma leitura da forma escolar como hegemônica, enquanto uma particular que se universalizou, que se desloca de uma situação particular e passa a representar uma totalidade/universalidade, que é provisória, mas fixa muitos sentidos. As narrativas produzidas em diferentes espaços negociam sua existência, sentidos e transformações na lógica das lutas e hegemonias. ―intervenções produzidas por sujeitos cuja identidade também não é dada a priori por nenhuma estrutura. Num tal quadro, a discussão sobre hegemonia é, portanto, também uma discussão sobre a constituição do sujeito e de sua agência‖ (MACEDO, et al, 2008, p. 41).

No caso dos modelos liberais formais de democracia, nas sociedades capitalistas contemporâneas, o efeito político da escola é feito pelo viés da subjetivação, através de uma noção de indivíduo ―desterritorializado‖. Nesse contexto, o sentido político da hegemonia de uma forma, está ligado à instituição escolar enquanto um dispositivo de subjetivação que funciona como uma "máquina de cidadãos" – como chamou atenção Canário (2005), isso, em articulação com outras formas, como colocou Vicent, Lahire e Thin (2001).

Os dispositivos de controle continuam presentes no acesso e no tipo de conhecimento acessado. Agora de maneira mais sofisticada. O discurso de escola para todos, inclui,

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Referências

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