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2. O SURGIMENTO DE UMA FORMA ESCOLAR

2.4 Algumas contradições da forma escolar

(...) o conhecimento não poderá entrar com passo firme no recinto das ciências sociais, se pretender fazê-lo sob a concepção do que o conhecer é‖.

Humberto Maturama e Francisco Varela

A generalização da forma escolar proporcionou uma visão "objetiva" de acesso ao conhecimento. Conferiu um modo escolar de atribuir significado às experiências. Os limites do conhecimento na perspectiva dessa forma escolar estão relacionados à própria superação do modelo de conhecimento baseado na dominação e no controle, de que, através da ―luz da razão‖, é possível conhecer profundamente e esclarecer tudo. Humberto Maturama e FranciscoVarela analisam as impossibilidades e as implicações de conhecer ―objetivamente‖ o mundo e, portanto, independente daquele que faz a descrição de tal atividade:

A reflexão é um processo de conhecer como conhecemos, um ato de nos voltarmos sobre nós mesmos, a única oportunidade que temos de descobrir nossas cegueiras e de reconhecer que as certezas e os conhecimentos dos outros são, respectivamente, tão nebulosos e tênues quanto os nossos. (MATURAMA, VARELA, 1995, p. 66-67)

Maturama e Varela chamam atenção para o fato de não ser possível conhecer "objetivamente" os fenômenos (sociais) nos quais o próprio observador-pesquisador que descreve o fenômeno está envolvido. Para eles: ―foi justamente essa noção do ‗conhecer‘ que bloqueou firmemente a passagem do conhecimento humano para a compreensão dos seus próprios fenômenos sociais, mentais e culturais (IBIDEM, p. 17). A reflexão teórico-política de Ernesto Laclau faz uma critica a tríade essencialismo-objetivismo-determinismo, aos próprios limites da modernidade. Sobre essa questão, Na leitura de Joanildo Burity:

Neste contexto, pode-se dizer que, para Laclau, parte substancial da tarefa é o acerto de contas com o legado do século passado. A esse respeito, a grande ferida aberta pela experiência do nosso século incidiria sobre o objetivismo, o essencialismo e o determinismo do discurso social e político (inclusive o sociológico) do legado oitocentista. As primeiras linhas da principal obra de Laclau, em colaboração com Chantal Mouffe, deixam clara essa preocupação. (BURITY, 1997, p.05).

A aposta moderna da construção de uma epistemé -, que se propunha a minimizar os riscos em detrimento da doxa, é um projeto que se mostra falho, precário, prioriza uma noção

empobrecida de experiência. Com isso, abre um deslocamento que materializa novas disputas de sentido.

Ivan Illich, crítico feroz do modelo escolar, se colocava a favor de um processo de desescolarização da sociedade. O autor questiona o sistema que impõe uma visão de educação como um produto pré-formatado, em que seu acesso está atrelado e dominado por relações apartadas da vida, pensadas de maneira objetivada, e primordialmente relacionadas a questões sócio-econômicas. Segundo Illich, o ensino escolar é o principal expropriador da autonomia individual. Para ele:

(...) o ideal da escola para todos foi uma utopia criadora. (...) Mas aquela mesma escola que trabalhou no século passado para derrubar o feudalismo tornou-se agora um ídolo opressor que só protege aqueles que já educou. As escolas qualificam e, portanto, desqualificam. E elas fazem o desqualificado aceitar a sua própria sujeição. A categoria social é concedida de acordo com o nível de educação escolar alcançado. Por toda a parte, na América Latina, mais dinheiro para as escolas significa mais privilégio para uns poucos à custa de muitos, e este patrocínio de uma escola é justificado como um ideal político. Este ideal está escrito nas leis que estabelecem aquilo que é claramente impossível: a igualdade de oportunidades escolares para todos. (ILLICH, 1977, p.45).

Para Illich não é possível uma educação universal através da escola. Pois ela é equalizadora, mas não é igualitária, pode oferecer as mesmas condições, mas o contexto de cada aluno é diferente. Essa questão da instituição escola como fábrica de cidadãos está ligada a um determinado modelo liberal-formal de democracia. Existe uma confusão entre a transmissão de conteúdos com a construção do conhecimento, com isso os alunos tornam-se escolarizados, mas são incapazes de abordar e aprofundar temas relevantes para sua realidade. No fim do Século XIX, a escola pública, classificada enquanto educação formal assumiu diversas características. O adjetivo público aqui é visto no sentido de ensino coletivo por oposição ao ensino individual. Esse percurso é marcado por muitos eventos distintos, de maneira bem sucinta, essa institucionalização pode ser dividida três momentos históricos. Esse esquema é proposto por Paulo Rogério de Souza, et al (2009), no texto a ―História da criação da escola pública como instrumento da formação da educação burguesa‖. Assim:

No primeiro momento a educação institucionalizada estava atrelada à Igreja e voltava-se à formação do clero e dos membros de uma classe privilegiada. As crianças provenientes da nobreza eram educadas em seus lares. Esse período se destacou por uma educação elitizada a qual poucos tinham acesso. Em um segundo momento, no período de transição do Feudalismo para o Capitalismo, com a ascensão da classe burguesa, ao tomar o poder, exigiu-se a educação fosse voltada para todos os homens, passando a ser um

direito desses, deixando de ser apenas privilégio da classe nobre. (SOUZA, 2009, p. 489-490)

A divisão proposta por Paulo Rogério de Souza mostra como a educação escolarizada passa de um direito a um dever.

Assim, a educação moderna, historicamente deixou de ser privilégio para se tornar um direito. Mas é necessário ressaltar que o modo de acesso a educação formal assume diversas características e intencionalidades. E o terceiro momento quando a burguesia revolucionária havia se firmado definitivamente no poder como classe dominante e dirigente da sociedade: instituiu-se a educação como um dever. Isso porque o homem dessa sociedade precisava ser educado para se adaptar ao novo modo de produção Capitalista e também de acordo com uma nova moral burguesa, ou seja, para manutenção da ordem e do ideário burguês: a propriedade privada. (SOUZA, 2009, p. 489-490)

Esse modelo de escola nasceu com o intuito de preparar para, o que podemos chamar de mercado de trabalho, que ganhou contornos mais nítidos depois do processo de industrialização, e parece continuar regido por essa lógica. Apesar de todas as modificações e reformas curriculares, a escola continua com a função, de atender as demandas do mercado.A instituição escolar tornou-se a detentora da responsabilidade por todas as instâncias referentes à educação.

A escola promove um tipo de disciplina do corpo, instaura uma passividade ligada a ideia que só é possível aprender parado. Educa o corpo e afasta o saber da vida pratica. Essa fragmentação tem conseqüências na maneira de viver. A disciplina é, antes de tudo, a análise do espaço. É a individualização pelo espaço, a inserção dos corpos em um espaço individualizado, classificatório, combinatório. (Foucault, 2005).

O enfoque é, em um conhecimento abstrato, fragmentado. È preciso superar a influência do idealismo platônico, na racionalidade ocidental, que entende que quanto mais o conhecimento for abstrato, distante do movimento dos corpos, da vida, mais grandioso ele é. Esse processo exclui emoções e sentimentos, como o afeto, a imaginação, a alegria, entre outros relacionados à sensação de prazer, não combinam com a forma escolar. Por exemplo, o afeto, não é considerado fundamental para o processo educativo, na realidade, ele é colocado a parte dessa construção. Afeto é coisa da família, da igreja, não da escola. Partindo das reflexões engendradas por Freud (laço social → laço libidinal), Laclau defende a ideia que é o ―afeto‖ que organiza e, ao mesmo tempo, compõe o todo social.

As contradições da forma escolar estão relacionadas às próprias contradições do social, a escola não é problema da escola, a escola é um problema social. Tentamos explicitar algumas dessas questões, nesse primeiro momento do texto. Não com o intuito de respondê- las, ou esgotá-las, mas de provocar algumas reflexões. Dentre tantos paradoxos inscritos no social, podemos dizer que a forma escolar, se não compromete, minimiza o desenvolvimento da autonomia da "liberdade" individual de pensamento. Segundo Canário (2005) apesar do imenso desenvolvimento tecnológico vivenciado existe uma grande imaturidade político social. Para Canário essa imaturidade, em grande parte é conseqüência do modelo escolar. Esse modelo escolar ainda funciona através de mecanismo de exclusão, uma escola fragmentada e passiva, que ensina executar sem pensar.

Na análise de Brayner:

A escola era aquilo que, num mundo permanentemente ―em crise‖ produzido pela modernidade, quer dizer um mundo efêmero, da moda (Baudelaire), da critica, da obsolescência do presente, da utopia, neste mundo a escola aparecia como a ilha que nos ligava a ao passado e nos preparava para o ―porvir‖ . No entanto, essa mesma modernidade depositou nela um conjunto amplíssimo de expectativas que terminou se revelando como promessas (sociais, culturais, morais) de difícil realização, porque talvez incompatíveis com a sua própria ―alma‖ institucional: não exijamos da escola aquilo que ela não pode nos dar. Se hoje ela nos lança uma espécie de pedido de socorro, é porque ele quer nos fazer ver que seu imenso poder simbólico, ideológico, cultural. É apenas a contra face de suas compreensíveis impotências. (BRAYNER, 2001, p.04)

Em uma breve síntese do capítulo, podemos dizer: que a experiência moderna de ciência e educação promoveu uma disciplinarização dos modos de conhecer, uma educação longe da facticidade da vida. Com uma visão "objetiva" do conhecimento, uma concepção privilegiada, de ―razão instrumental‖, em detrimento a outros sentidos, como, por exemplo, a contemplação, a fruição, o afeto, a criatividade e a imaginação. E a forma escolar como um fenômeno autônomo a própria instituição escolar, torna possível a ―escolarização‖ de outros espaços educacionais, ou até não educacionais. Mas apesar de gozar de certa hegemonia, essa não tem os sentidos inalteráveis, e apresenta muitas contradições.

A ênfase atribuída à forma escolar, nesse capítulo, não está relacionada à definição que esse sistema esteja fechado, ou que exista uma homogeneização do social, mas, destacar que a tessitura dos processos educacionais encontra-se mobilizada por uma forma escolar que não privilegia as vozes dos múltiplos sujeitos, no processo dialógico de construção de identidades e subjetividades. As características que regem os modelos educacionais são preponderantes da forma escolar.

Interessa-nos, nesse terceiro capítulo perceber como alguns elementos históricos aproximaram o museu moderno, do modelo escolar, desde seu processo de institucionalização, com isso, esses espaços já estariam relacionados a um modo de conhecimento escolarizado desde sua formação inicial.