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Escolarização: relações entre educação, escolas e museus

3 O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO DO MUSEU

3.3 Escolarização: relações entre educação, escolas e museus

(...) museus importantes do país costumam receber levas e mais levas de escolares cuja missão, imposta por seus mestres e passivamente aceita pelos responsáveis da instituição, é simplesmente copiar legendas, etiquetas e textos de painéis. Para tanto, não teria sido necessário deslocar-se da escola.

Ulpiano Bezerra de Meneses

A partir da segunda metade do século XX os museus passam a ser reconhecidos como instituições educativas, com atendimentos específicos para diversos públicos, muitas vezes, explicitando objetivos pedagógicos (KÖPTKE, 2003). Nesse contexto, existe uma mudança no enfoque das exposições, do ensino para a aprendizagem do visitante. Para Maria Margaret Lopes (1991) essas modificações têm influência de teorias pedagógicas, principalmente escolanovistas12:

―o escolanovismo introduzido no Brasil a partir da década de 1920, diferentemente das teorias educacionais anteriores, voltadas para a disseminação da escola, vai preocupar-se mais com as mudanças e os novos modelos para o interior das escolas, do que com a generalização da instrução‖ (IBIDEM, p. 444).

Dessa maneira, é o movimento da escola nova que traz as práticas escolares para o interior dos museus. Para Lopes:

Nessa época, em que o todo educacional estava voltado para o interior das escolas e não mais para a ampliação da rede escolar, a preocupação pedagógica adentrou explicitamente os museus, influenciando-os para que passassem a dar prioridade ao apoio à escola. Nesse contexto, perderam terreno nos museus suas funções de disseminação de conhecimento para públicos amplos, independentemente da escola. Em razão desse apoio, chegou-se até propor a subordinação da escola ao museu. Em sua preocupação de colaborar com materiais que permitissem uma ―fixação‖ dos conteúdos desenvolvidos em sala de aula, particularmente no ensino de ciências naturais, Leontsinis (1959) chegou a propor que o ideal seria algumas escolas fizessem uma ―inversão no currículo‖, de modo que fosse possível atender a um número maior de escolas com exposições circulantes. (LOPES, 1991, p. 446)

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O escolanovismo está relacionado ao movimento da Escola Nova, um modelo pedagógico, que faz uma crítica a escola tradicional, é influenciado por pensadores europeus e norte-americanos, e fortemente inspirado nas idéias de modernização/industrialização do período. Na proposta da nova pedagogia, o centro da ação educativa passa a situar-se na relação professor-aluno. A iniciativa do processo educacional desloca-se para o aluno, e o professor torna-se um coordenador e incentivador. (LOPES, 1991)

Lopes chama atenção para o problema dos museus serem valorizados apenas como um espaço educacional: ―a questão colocada diz respeito à contribuição do museu- com ou sem, ou apesar da escola_ para o processo de construção do conhecimento em nossa realidade‖. (IBIDEM, p.454). Uma abordagem que utiliza o museu apenas para comprovar, ilustrar ou complementar aspectos envolvidos com os conteúdos trabalhados em sala de aula, é restringi- lo a um papel de outra modalidade educacional. No entanto:

É preciso deixar claro que não discordamos da contribuição que efetivamente os museus podem, devem e dão a escola. Campo, inclusive, em que os professores poderiam, como já vêm fazendo em experiências renovadoras, dar grandes contribuições, trabalhando em estreita cooperação com museólogos, educadores, especialistas de diferentes áreas de conhecimento e monitores. O problema está em que a questão da contribuição dos museus à educação não deveria ser tratada como de costume nem apenas do ponto de vista de enriquecer ou complementar currículos, ou ilustrar conhecimentos teóricos, nem tampouco valedo-se de propostas de intervenção direta no processo educacional que dificilmente não se comprometeriam com o desempenho como um todo das sequências longas e rotineira das relações formais de aprendizagem escolar. (IBIDEM, p. 452-453).

As atividades educativas que podem ser desenvolvidas nos museus assemelham-se as desenvolvidas nos espaços escolares. Segundo Alice Bemvenuti (2004) é extensa a lista de atividades que podem ser entendidas como ações educativas13 em espaços museais: visitas ―orientadas‖, ―guiadas‖, ―monitoradas‖ ou mesmo ―dramatizadas‖, programas de atendimento e preparo dos professores, oficinas, cursos e conferências, mostras de filmes, vídeos, práticas de leitura, contação de histórias, exposições itinerantes, além de projetos específicos desenvolvidos para comemorar determinadas datas e servir de suporte para algumas exposições.

Além dos materiais educativos e informativos editados com a finalidade de servir a estas práticas, como: edição de livros, jogos, guias, folders e folhetos diversos, folhas de atividades, kits de materiais pedagógicos, áudio-guide (guia auditivo), aplicativos multimídia, CD-ROM, site institucional na internet, etc. Ou seja, Isto não é apontado como um problema, ou um domínio irredutível a forma escolar, mas é preciso chamar atenção para as maneiras

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O glossário do Documento Preliminar do PNEM diferencia Atividade Educativa de Ação Educativa: a primeira: é uma ação educativa pontual que pode ser desenvolvida em projetos educativos, ações continuadas, esporádicas ou realizadas por demanda; já a Ação Educativa – Ação que produz interfaces entre os diferentes processos museais, tais como a pesquisa, a conservação, a preservação e a comunicação, prevenindo a dissociação entre meios e fins nas ações museais e contribuindo para a integração entre museu e sociedade. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/164917226/SANTOS-Maria-Celia-Museus-e-Educacao.

que diferenciam o uso desses recursos em cada espaço, se não: ―aquilo de específico que caracterizaria o museu – e que falta à escola – perde, assim, qualquer serventia‖. (MENESES, 2000, p. 99). De acordo com Lopes, o abandono da dimensão educativa e cultural do museu e a acomodação com os métodos da educação escolar tradicional estariam provocando a

escolarização dessa instituição.

Chamamos escolarização a esse processo de incorporação pelos museus das finalidades e métodos do ensino escolar, cujas manifestações iniciais surgiram com os movimentos escolanovistas e vêm se aprofundando no bojo das propostas de educação permanente para museus. (IBIDEM, p. 449).

Em todo o mundo, o público escolar representa um dos principais públicos dos museus. Estima-se que na Europa e nos Estados Unidos os escolares representem, em média, de 15% a 30% do total dos visitantes. No Brasil, essa participação varia entre 50% a 90%, dependendo da instituição (KÖPTCKE, 2001/2002). Atualmente, é possível perceber um aumento de estruturas específicas de atendimento ao público escolar nos museus, em ações direcionadas prioritariamente aos escolares (KÖPTCKE, 2001/2002). Para Maria Izabel Leite:

Esse atendimento especializado pode, também, suscitar uma leitura crítica, quando se percebe que o caráter educativo acabou se tornando, exclusivamente, atendimento às escolas, deixando de fora o contigente que não freqüenta o sistema formal de ensino, ―como se a própria existência da exposição museológica não fosse educativa para qualquer visitante‖ (Angeli, 1993, p. 44), fazendo parecer que, mais do que a qualidade da experiência, o que permeia esse trabalho seria a elevação estatística do número de visitantes da instituição. (LEITE, 2005, p. 36)

Para Lopes (1991), existe um círculo vicioso na relação museu-escola: o fenômeno de

escolarização do museu seria o reflexo da demanda dos professores por elementos ilustrativos

de suas aulas e, de forma recíproca, a escolarização do museu sustentaria as expectativas dos professores em relação ao papel complementar do museu. De maneira geral, a escola interage com os espaços museológicos por meio de visitas esporádicas, e não sistemáticas. Torna-se evidente, então, uma tensão existente entre identidades e papéis demandados e assumidos na relação entre museu e escola.

Acreditamos que o processo de escolarização do museu, não é um fenômeno recente, ele está relacionado, a proximidade histórica entre as escolas e os museus - desde seus processos de institucionalização. Está ligado a um determinado modelo de construção de conhecimento, que permearia o campo escolar e museal. Podemos dizer que a construção da identidade da educação museal está atrelada com a forma escolar hegemônica: ―os museus

brasileiros mantêm até hoje sua identidade no campo da educação escolar, com posições escolanovistas, e no campo da educação não escolar alinham-se as propostas de educação permanente introduzidas no país pela Unesco‖. (LOPES, 1991, p. 444).

Os museus também estão a serviço das formas oficiais e tradicionais de educação, por isso, em boa parte, comprometidos com a escolarização, mesmo sendo essencialmente diferente da escola. Ou, como algo complementar através da ideia de educação permanente: ―la educación permanente no es ni un sistema, ni um sector educativo, sino el principio en el cual se funda la organización global de un sistema y, por tanto, la elaboración de cada una de sus partes (UNESCO, 1972). Segundo o Relatório da UNESCO:

O museu é um importante instrumento no processo de educação permanente do indivíduo, contribuindo para o desenvolvimento de sua inteligência e capacidades crítica e cognitiva, assim como para o desenvolvimento da comunidade, fortalecendo sua identidade, consciência crítica e auto-estima, e enriquecendo a qualidade de vida individual e coletiva (UNESCO,1972).

Além do museu, a escolarização tem influenciado, sobremaneira, a visão cultural da educação e a organização de ações educativas fora do âmbito escolar, como afirma Philippe Perrenoud: ―(...) nossa sociedade está escolarizada, incapaz de pensar educação a não ser segundo o modelo escolar‖ (PERRENOUD apud VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001, p. 39). Essa generalização da forma escolar conferiu um modo escolar de atribuir significados, baseado principalmente na mediação e na disciplina. Na análise de Lopes:

Aí estão aspectos das origens do papel pedagógico atualmente assumido pelos museus. Embora as idéias escolanovistas tenham significado um avanço para o rompimento da inércia em que viviam os museus brasileiros, inserindo-os nos esforços internacionais por modernizações, essas concepções impregnaram desde então nossos museus de seu papel de complemento do ensino escolar. (LOPES, 1991, p. 446)

Um dos objetivos dessa pesquisa é observar as especificidades da educação museal e como essa modalidade educativa pode, potencialmente, estabelecer outras maneiras de lidar com a construção do conhecimento. Nesse sentido, acreditamos que esse processo de

escolarização do museu, remete a uma perda da especificidade do museal. Éric Triquet (2000)

ao analisar a relação entre escola e museu, destaca essa perda de especificidade: ―le musée doit-il s'inscrire dans le prolongement des enseignements menés à l'école ou rompre avec ces derniers en instaurant une expérience originale et nouvelle‖

As escolas enquanto espaços formais de aprendizagem oferecem um conhecimento relacionado a um programa oficial, um currículo programático já estruturado e estabelecido, com temáticas específicas para cada idade. Já os museus são espaços educativos classificados como não formais, que não atendem a um currículo programático oficial. A princípio, não teriam que atender demandas formais, estruturas curriculares. Mas, quando é preciso fazer uma diferenciação entre o tipo de conhecimento oferecido nas escolas e o oferecido nos museus, percebe-se que ambas são regidas por uma dimensão pedagógica. De acordo com Bertelli:

Essa forma diferenciada de educar, entretanto, nem sempre tem sido encontrada nos museus. Muitas instituições, ao se preocuparem com a educação, buscam na escola os referenciais para desenvolver suas atividades (MARANDINO, 2001). Existem, por exemplo, ocasiões em que as exposições e práticas educativas dos museus sofrem influência tão forte da cultura escolar que acabam perdendo suas especificidades. (BERTELLI, 2010, p. 17)

A educação que ocorre no espaço dos museus é classificada como não formal o que já seria em sua essência diferente da educação formal realizada pelas instituições escolares. No entanto, essas classificações apresentam certa fragilidade, na próxima seção pretende-se discutir algumas implicações e limites dessas concepções. Acreditamos que existe uma super valorização da educação formal em detrimento a outras maneiras de educação.