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A escolarização das atividades educativas não escolares: sentido político da hegemonia de uma forma

2. O SURGIMENTO DE UMA FORMA ESCOLAR

2.2 A escolarização das atividades educativas não escolares: sentido político da hegemonia de uma forma

Mas, paradoxalmente, é no momento em que boa parte dos autores apontam a crise mundial da educação notadamente da educação escolar-, que se tem a impressão de que toda a sociedade é vítima do modelo escolar (...).

Flávio Brayner O processo de universalização do atendimento educacional, promovido inicialmente pelos discursos de consolidação dos estados-nação, tornou a modalidade escolar ―o modo‖ de educar. Podemos dizer que essa maneira de conceber a aprendizagem tem sua origem na expansão dos sistemas de ensino, em conjunto com a obrigatoriedade da educação escolarizada, isso generalizou uma maneira específica de educar. Segundo Canário, a forma escolar encarnou uma organização do espaço e do tempo pedagógico. Para Flávio Brayner (2001) ―entra-se cada vez mais cedo neste universo institucional e prospectivamente sai-se cada vez mais tarde‖:

(...) Assim, uma relação antes restrita a este domínio invadiu nossas relações sociais mais amplas: saúde, a ecologia, a política, o amor, o sexo, a etiqueta, o estilo de vida, o consumo, o lazer, domínio e práticas sociais que foram anexadas a um modelo propriamente pedagógico em que precisamos de orientação em tudo: daí a profusão de gurus guias, auto-ajuda, aconselhamento existencial, amoroso, familiar, sexual, profissional. (BRAYNER, 2001, p.02).

Flávio Brayner chama atenção para o fato de que, através de mecanismos sutis de infantilização, fomos transformados em eternos ―escolares‖, incapazes de resolvermos questões sozinhos, estamos sempre tutelados por algum especialista, para ele a conclusão é inevitável: ―a sociedade dos especialistas é contemporânea da sociedade dos menorizados e incapazes, uma produzindo a outra numa dialética perversa da incompetência programada e da manipulação sistemática de psiques desorientadas ou afetos em frangalhos‖ (BRAYNER, 2001, p.02).

Na análise de Brayner (2001), essa forma ultrapassou as paredes da escola e se expandiu, tornou a ―sociedade escolarizada‖, prolonga-se sob a forma de ―atividades‖ extra,

peri, e para escolar ou sob a forma de estágio, formação, capacitação, aperfeiçoamento,

workshop, seminários, palestras, entre outras. Para Brayner: ―isso demonstra que a escola perdeu o monopólio da ‗forma‘ que inicialmente lhe pertencia.‖ (BRAYNER, 2001, p.04). Expandiu-se, deslocou-se de seu lugar de origem.

A escolarização das atividades educativas não escolares atua como uma maneira de limitar outros espaços a uma construção escolarizada do conhecimento; com isso, a educação permanece ―refém‖ do espaço escolar (Canário, 2005). A escola tem um tempo e um espaço específicos destinados à aprendizagem, só o que ocorre na sala de aula é institucionalmente considerado válido. A escolarização está muito relacionada á expansão de uma arquitetura específica, com a presença de salas de aula, a própria disposição das cadeiras, a separação por classes, e regida por uma ideia avaliativa em que todos devem aprender a mesma coisa, ao mesmo tempo, com a mesma velocidade.

Independente do tema, assunto, categoria, ―a escola é o lugar de aprender‖; existem escolas para praticamente todos os segmentos: escola de games, de gastronomia, de moda, de vinhos, futebol, balé, capoeira, entre tantas outras, ―escola de tudo‖. Ao se falar de um processo de aprendizagem, o modelo proposto, geralmente, é o escolar. Existe uma naturalização dessas relações. Quase todos os espaços educacionais, funcionam a partir de uma estrutura física, hierárquica, aproximada. Exceto as experiências diferenciadas de escolas7, que não corresponde ao estereótipo construído sobre o que a escola deveria ser. E funcionam como exceções. Essas novas experiências escolares são de extrema importância para propor outros modos de pensar a educação escolar.

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As escolas classificadas como ―diferentes‖ que não se encaixam no estereótipo mais tradicional de escola, são experiências pontuais, existem poucas referências, geralmente são ―perseguidas‖ por não obedecerem aos programas oficiais. Um exemplo interessante é a Escola Básica da Ponte, em Portugal, para maiores informações http://www.escoladaponte.com.pt

O significante escola é alvo de muitas disputas discursivas. Existem diversos tipos diferentes de escolas, e muitas maneiras de entender esses espaços. Desde os abismos iniciais entre a escola ser pública ou privada; as suas posições pedagógicas: Tradicional, Construtivista, Montessoriana, Waldorf, entre tantas outras. Mas quando nos referimos a uma socialização através da forma escolar, entende-se que ela atua, independente do tipo de escola, existe um conjunto de características que delimitam esse formato. Que apesar de ser interpretado e absorvido, de acordo com cada contexto, cultural, econômico, social, algumas especificidades dessa forma serão mantidas. Nessa concepção de forma escolar, não prevalece à imagem de uma escola sem salas de aula, sem classes separadas, sem programa curricular oficial a cumprir, com a ausência de campainhas separando os tempos do pensamento, sem disciplinas escolares fixas, um saber conectado com a vida, sem notas.

Existe um tipo de engessamento nas atividades educativas escolares, indissociável de um modo escritural do saber: ―historicamente, a pedagogização, a escolarização das relações sociais de aprendizagem é indissociável de uma escrituralização-codificação dos saberes e das práticas" (VINCENT; LAHIRE & THIN, 2001, p.28). A instituição escolar estabelece um modo particular de socialização e de apropriação do saber: "o modo de socialização escolar é, portanto, indissociável da natureza escritural dos saberes a transmitir" (IBIDEM, p.28). Uma relação distante de uma aprendizagem marcada pela tradição oral, e próxima a formas escriturais. Essa maneira de sistematizar o ensino, típico da forma escolar, caracterizou um novo tipo de socialização. A separação dos letrados e não- letrados. De acordo com Vincent, Lahire & Thin:

A forma escolar é solidária de outras transformações do todo sócio-histórico: a constituição do Estado Moderno, a progressiva autonomização de campos de práticas heterogêneas, a generalização da alfabetização e da forma escolar e a construção de uma relação distanciada da linguagem e do mundo (relação escritural-escolar com a linguagem e com o mundo). São formas de relações sociais tramadas por práticas de escrita e/ou tornadas possíveis pelas práticas de escrita e pela relação com a linguagem e com o mundo que lhes é indissociável (IBIDEM, p. 27).

Uma outra característica da escolarização das atividades educativas não escolares que demonstram a hegemonia da forma escolar, é a hiper valorização da educação formal em detrimento a outras maneiras de educação. As atividades e experiências não-escolares são colocadas como instâncias menores de aprendizagem, ou não são consideradas importantes na construção do conhecimento e na formação pessoal. Osmar Fávero (2007) observa que as distinções entre educação formal e não formal, e mais recentemente informal, são

insuficientes para explicar as diferentes formas de educação, e que essa falta de consenso se deve basicamente à semelhança nos objetivos e compromissos com os indivíduos. É importante sinalizar, antecipadamente, que essa classificação, parece já estar naturalizada 8.

A forma escolar goza de certa estabilidade hegemônica, mas essa condensação que hegemonizava alguns desses sentidos em detrimento de outros é precária. Na concepção de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (2001) o conceito de hegemonia se refere a um particular que se universaliza. Diz respeito a um processo retórico permanente cujo objetivo é a fixação de determinados significados particulares, de maneira que eles passam a representar uma universalidade inalcançável. No entanto, a fixação desses sentidos será sempre contingente e provisória, e acontecerá a partir de determinadas condições específicas. (BURITY, 1997). Essa abordagem cria aproximações entre a política e a linguagem. Assim:

A compreensão de política como discurso, para Ernesto Laclau, implica o entendimento das negociações de sentidos em busca da hegemonia de um determinado sentido que, provisória e contingencialmente, ocupa um centro capaz de aglutinar os sentidos postos em disputa, mas que nunca é pleno nem implica a possibilidade de fechamento total da significação.(OLIVEIRA, 2013, p.03).

O conceito de hegemonia composto por Laclau e Mouffe, nos permite fazer uma leitura da forma escolar como hegemônica, enquanto uma particular que se universalizou, que se desloca de uma situação particular e passa a representar uma totalidade/universalidade, que é provisória, mas fixa muitos sentidos. As narrativas produzidas em diferentes espaços negociam sua existência, sentidos e transformações na lógica das lutas e hegemonias. ―intervenções produzidas por sujeitos cuja identidade também não é dada a priori por nenhuma estrutura. Num tal quadro, a discussão sobre hegemonia é, portanto, também uma discussão sobre a constituição do sujeito e de sua agência‖ (MACEDO, et al, 2008, p. 41).

No caso dos modelos liberais formais de democracia, nas sociedades capitalistas contemporâneas, o efeito político da escola é feito pelo viés da subjetivação, através de uma noção de indivíduo ―desterritorializado‖. Nesse contexto, o sentido político da hegemonia de uma forma, está ligado à instituição escolar enquanto um dispositivo de subjetivação que funciona como uma "máquina de cidadãos" – como chamou atenção Canário (2005), isso, em articulação com outras formas, como colocou Vicent, Lahire e Thin (2001).

Os dispositivos de controle continuam presentes no acesso e no tipo de conhecimento acessado. Agora de maneira mais sofisticada. O discurso de escola para todos, inclui,

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excluindo. A escola é herdeira das promessas de um futuro iluminista que não se cumpriu, uma preparação constante para o amanhã, que parece não chegar. A instituição escolar tinha, ou podemos dizer que ainda tem permeada em seu discurso a missão de interligar, num mesmo modelo: a integração social do indivíduo, a sua autonomia, a ampliação de sua consciência, permitir o acesso à: cidadania, progresso, humanização, liberdade, entre tantos outros anseios. O sentimento de frustração em relação às promessas não realizadas pela escola alimenta alguns paradoxos. Sobre a pergunta se a ela escola é contemporânea? Flávio Brayner responde:

Na verdade a escola nunca o foi: ela foi a instituição (moderna) criada para, de uma certa maneira, frear a vertiginosa aceleração do mundo introduzida pela modernidade, a instituição que nos daria âncoras para que pudéssemos nos guiar no universo que havia perdido sua sólida ancoragem na tríade tradição- autoridade- religião e iniciava um processo irresistível de secularização de ―desencantamento‖. Daí o sentido ―conservador‖ (mas não necessariamente social e político) de seus rituais, de seu tempo, de sua avaliação, de sua didática, de sua arquitetura, de sua hierarquia. (BRAYNER, 2001, p.09).

Podemos dizer que existe uma grande dependência da sociedade com os espaços educacionais escolares, a estrutura social atual não é pensada sem a existência desses locais, que da maneira como são organizados, estão mais preocupadas em seguir padrões, moldar o comportamento. Utilizam mecanismos para reproduzir controles sociais. Diversos autores já apontaram questões sobre a forma como se estrutura e se conduz a educação escolar nas sociedades ocidentais. As atribuições dadas à escola ainda demonstram a hegemonia dessa instituição.

A educação, enquanto fenômeno cultural, construída nas relações sociais, deve ser entendida como formação humana, e não deveria ser reduzida à simples formalidade de um currículo ou tempo e espaço escolar: ―o conhecimento do mundo é também construído a partir de um processo de aproximações sucessivas, em que a capacidade de mobilizar e conectar informações diversas se revela mais importante do que acumular informações segmentadas‖. (CANÁRIO, 2005, p.70). A escolarização das atividades educativas não escolares reforça a hegemonia da forma escolar, que não tem apenas um sentido pedagógico, é um poderoso campo discursivo, com delimitações políticas, culturais, econômicas, sociais. Na próxima seção vamos destacar a construção e os limites do conhecimento na perspectiva da forma escolar. Em que, a desvalorização de outras vivencias educativas, limita a possibilidade dos indivíduos terem experiências diferenciadas, no processo de construção de suas narrativas.