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4 NOÇÕES SOBRE A DIMENSÃO EDUCATIVA DO CAMPO MUSEAL BRASILEIRO

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Escrever é reescrever. Paul Ricoeur

A escolha pelo tema educação museal, a priori, está relacionada com minha formação acadêmica, Psicopedagoga e concluindo, atualmente, o curso de Bacharelado em Museologia. Nesse sentido, os cursos influenciaram na escolha do tema, pois possibilitaram fazer uma aproximação e uma reflexão entre as áreas de conhecimento, uma vez que, a educação é um assunto que permeia os dois campos. Mas, o interesse pela temática dos museus não é recente,

esses espaços sempre despertaram minha curiosidade e continuam provocando novas inquietações. Em relação à forma escolar, é um fenômeno social que está presente no cotidiano, e chama atenção pelo processo de naturalização de seu formato.

Neste estudo, interessou exercitar algumas questões sobre a educação no campo museal e escolar. Não chegamos a respostas definitivas, e também não era a pretensão, obtivemos apontamentos parciais, pois não existe um fechamento ao observar o social. Esse olhar é fruto da orientação teórico-Metodológica da teoria do discurso de Ernesto Laclau, em articulação com o pensamento hermenêutico de Paul Ricoeur, com o objeto de pesquisa e o olhar pessoal da pesquisadora, que não tem como ser dissociado deste processo.

Algumas questões que atravessaram o texto, direta ou indiretamente, se referem a entender: como a influência da forma escolar, interfere nos vínculos entre a produção do conhecimento e a imaginação; em que medida a configuração de um campo sobre educação museal está conformado por essa forma escolar; quais as possibilidades da educação museal construir narrativas que se diferenciem da proposta pela educação escolar, e fornecer elementos para construir uma cognição mais próxima de processos criativos.

Nesse contexto, podemos dizer que não é possível mensurar, em que medida, a configuração de um campo sobre educação museal está conformado por uma forma escolar, mas que a maneira de definir a educação museal, aproxima-se da forma escola. Nos diversos textos, e documentos que compõem o campo, os discursos convergem para uma clara aproximação entre o museal e o pedagógico. Com isso, inferimos que a dimensão educativa do museu tem uma grande proximidade com a forma escolar. Mas essas relações não estão fixadas de maneira instransponível.

O cenário da educação museal, mostra-se muito diverso, em relação: a questões estruturais, a presença ou não de setores educativos, a formação profissional, ao recebimento de verbas públicas, dentre inúmeras outras questões. Existem muitas demandas no campo, e acredita-se, que essas serão minimizadas, a partir da consolidação da educação museal no campo das políticas públicas. No entanto, a Política Nacional de Educação Museal/PNEM, que encontra-se em elaboração, é um empreendimento de dupla face para o campo; de um lado vai tentar suprir demandas de profissionalização, por outra, retira a subversão que possa haver no campo, pois a condiciona dentro da instituição.

Acredito que uma das contribuições do texto para o campo de Educação Museal, consiste em, a partir dos referenciais escolhidos, fazer uma leitura desse cenário. Existem muitas pesquisas sobre o tema educação e museus. A maior parte dos trabalhos concentra-se em museus de ciência e arte, e relatam muitas formas de experiências e aprendizagens. É

grande o quantitativo de pesquisas que relacionam educação e museus, e museus ao espaço escolar. Mas poucas utilizam a expressão educação museal51. Não foram encontradas pesquisas que utilizem de maneira direta o enfoque dando a este trabalho, isso não implica algum mérito, mas um olhar sob o tema sob outro ponto.

O conceito de educação museal, de maneira geral, é recente, é aproxima-se da ideia de Educação Permanente, que, surgiu a partir de década de 1960, sob influência da Unesco, e reforça a ideia de ações complementares ao ensino formal. Observamos que as Políticas voltadas para educação museal, em sua maioria, reforçam a ideia do museu como complementar da educação formal.

Outro ponto importante nessa discussão é a classificação feita para designar as modalidades educacionais, em: formal, informal e não formal. Existe uma centralidade atribuída à educação formal, e uma desvalorização do que não é aprendido no espaço escolar. Assim, o que se aprende no museu, só é considerado ―válido‖, importante, quando é legitimado, tem utilidade para o que está em sala de aula. Com isso, os museus continuam ―tutelados‖ pela forma escolar.

Aproximar as ações educativas dos museus de uma pratica educativa escolarizada, distancia a educação museal de expor/construir suas especificidades. Mas não estamos afirmando que as instituições formais de educação não podem utilizar as visitas aos museus como suporte a algum conteúdo programático de seu currículo, transformando posteriormente a experiência construída no museu em conteúdos e debates. O que se coloca em questão é a problemática desses espaços só serem utilizados como uma extensão da escola, pois a impressão que fica, é que essa é a única dimensão possível para alguns museus. Não havendo assim uma proposta de educação estética que prepara para a fruição desses equipamentos, aumentando as possibilidades de situações prazerosas de construção de conhecimentos e aprendizagens.

A ―cientifização‖ de praticamente todas as áreas de conhecimento, por um lado nos trouxe conforto, respostas para várias questões e possibilidade de aprofundamento para várias ramos do saber, por outro, nos tornou racionalmente insensíveis a fruição, digamos que houve um empobrecimento da capacidade de vivenciarmos nossas experiências. (BENJAMIN, 1994).

Para Walter Benjamin estamos vivenciando o esvaziamento da capacidade de viver experiências, e compartilhá-las. Digamos que houve um ―esvaziamento de nossa

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subjetividade‖. Para Benjamin (1994), os fatos já nos chegam acompanhados de explicações. Em outras palavras: quase nada do que acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da informação. A produção de experiência nos museu e na escola está mediada por uma dimensão excessivamente disciplinar. Sabemos que é intima a relação entre conhecimento e esclarecimento, em nosso contexto atual o conhecimento é limitado à informação. Existe o predomínio do conhecimento técnico, instrumentalizado.

O museu é um dos espaços onde as memórias ganham sentido, um dos atos fundadores do museu é a necessidade de catalogar, ordenar, e a ordem transforma o encantamento em informação, fortalecendo a intrínseca relação entre poder e nomeação, com isso os momentos para fruição e contemplação, parecem limitados a fornecer informações. A escola, em geral, dedica-se à formação para o mundo do trabalho, um conhecimento técnico, para atender as exigências do mercado, não existem muitas iniciativas para a formação cultural em geral (música, artes, cultura). Existe um distanciamento da imaginação, assim, limita-se as possibilidades de construir novas metáforas:

A metáfora permite um acesso privilegiado à compreensão de si ao ligar a questão semântica à questão hermenêutica. A noção de referência duplicada que provém, por sua vez, da noção de verdade metafórica, fornece os argumentos a favor da função cognitiva da poesia. Trata-se de uma referência metafórica própria da experiência estética, onde cognitivo e emotivo não estão em contraste, e onde a linguagem torna manifesta outra maneira do ―ser das coisas‖. (SANFELICE, 2014, p.50)

A imaginação deveria ser um elemento fundamental para compreensão dos espaços museais, afinal, espera-se que ao visitar uma exposição às pessoas sintam-se envolvidas com o espaço, inspiradas a construir novas experiências, narrativas. No entanto, o museu enquanto parte do projeto iluminista (marcado pelo uso da razão), por muito tempo tem sido visto como um espaço estático, ―sacralizado‖, destinado à preservação da memória da humanidade.

Os museus ainda estão muito relacionados à imagem de ―guardiões da memória‖. Com isso, não ter um museu, em parte, está associado a não ter, ou perder a memória que deveria ser preservada. No entanto, essa visão não é um consenso, existem muitas discussões sobre o uso dos museus enquanto patrimônio/espaços públicos.

Em ―Espelho das Cidades‖, Henri-Pierre Jeudy (1990), trata da problemática material do patrimônio, o que ele denomina de ―estado de petrificação monumental‖ numa crítica a possibilidade de tudo se tornar arquivo, numa espécie de engessamento das comunidades através da maquinaria patrimonial. Ele trata da problemática do patrimônio como reflexo da

―catástrofe de memória‖ contemporânea. Numa sociedade em que tudo pode ser monumentalizado, a morte passa, também, a ser objeto da ―plasticidade museografica‖, numa tentativa de atualização do passado.

Para Jeudy (1990) o processo de musealização faz com que o patrimônio perca sua dinamicidade e torne-se algo artificial e estático, petrificando-o: ―Tudo pode ser dito da coisa petrificada, o mistério e a descoberta não maculam, pois sua integridade torna-se atemporal. Parada na imagem, parada no tempo: a memória moderna funciona como gás petrificante projetado sobre aquilo que ameaça mexer-se.‖ (JEUDY, 1990, p. 132).

Jeudy vai construir sua crítica à maquinaria patrimonial, como o próprio autor utiliza o termo para tratar desse dispositivo que, de forma direta, pode ser entendido também como dispositivo museal. Para Jeudy o sentido mais atribuído a conservação patrimonial é o da manutenção da ordem simbólica das sociedades, essa ―preservação‖ se tornou mundial, ―globalizada‖, e o que interessa para alguns grupos, é manter esse ―enquadramento simbólico‖, que também interfere na construção de saberes. Segundo Jeudy:

Alguns etnólogos nos informam que a ordem simbólica é anterior ao funcionamento de uma sociedade, e que ela o teria estruturado, mas o desenvolvimento patrimonial contemporâneo revela como essa mesma ordem simbólica, representada por objetos, monumentos e locais, impõe-se como a aventura de nossa própria inteligibilidade. ‖(JEUDY, 1990, p.20) Assim, a lógica museal torna-se um instrumento importante nas construções subjetivas das sociedades. A partir do momento em que são delimitadas fronteiras culturais, localizando indivíduos e coletividades, são impostos determinados padrões identitários que, consequentemente, deverão ser aceitos pelos grupos, e tornar-se-ão regras, moldes identitários aos quais os indivíduos se enquadrarão, mesmo que não consigam encontrar reflexo naqueles. E o dispositivo museal se encarregará de produzir todo o resto: o espetáculo. Parte da crítica de Jeudy recai, especificamente, sobre a espetacularização das cidades, a monumentalização destas, que se rendem à lógica do consumo turístico, do capitalismo. Para Jeudy não é o museu que deve ser criticado, mas o dispositivo museal.

O patrimônio e os saberes relacionados a ele mudam de acordo com o seu sistema, com a diversificação dos grupos que integram a sociedade, talvez tenhamos que pensar a preservação do patrimônio e do conhecimento, como a preservação do direito de cada grupo, e de cada época de gerir as suas mudanças e memórias. Atualmente, não escolhemos mais o que lembrar- preservar, e o que devemos esquecer. Jeudy traduz isso como uma irresponsabilidade, esse ―Dever de memória‖, essa conservação patrimonial, muitas vezes

obsessiva, onde esquecer se torna uma impossibilidade, ―Não temos mais a liberdade de esquecer, pois isto seria um crime‖ (JEUDY, 1990. p.15) Jeudy trata da problemática do patrimônio como reflexo da ―catástofre de memória‖ contemporânea. Numa sociedade em que tudo pode ser monumentalizado, a morte passa, também, a ser objeto da plasticidade museográfica,, numa tentativa de atualização do passado.

Essa memória musealizada torna-se uma memória projetada que não corresponde mais ao que ela representava antes de passar pelos processos de salvaguarda, nesse sentido, podemos dizer que o processo de Musealizar o conhecimento seria uma forma de institucionalizar o conhecimento, tornando-o estático, petrificado, assim como os patrimônios materiais quando são musealizados,

Para Jeudy da mesma forma que a patrimonialização do objeto consegue retirá-lo do uso, ―petrificá-lo‖, a patrimonialização do imaterial (os saberes, as técnicas, os lugares, etc.) criará um lugar próprio para ele, é um dispositivo localizante que tornará engessada a experiência imaterial. O processo de Musealização de conhecimentos, nesse contexto, nos impossibilita de construir novas narrativas, faz com que os museus fiquem estáticos, sendo instrumentos reforçadores de algumas identidades.

Sá Barreto (2011) no texto ―Museus qualificam cultura? Elementos para uma agenda de comunicação e museus‖ toma como ponto de partida, o artigo intitulado ―Museus são bons para pensar: o patrimônio em cena na Índia‖ de Arjun Appadurai e Carol Breckenridge (2007), sobre a relevância dos museus contemporâneos, notadamente em espaços pós- coloniais. Sá Barreto chama atenção para o duplo empreendimento na construção das noções de patrimônio cultural em espaços pós-coloniais: por um lado, orientados por um projeto tradicional de ensino/aprendizagem que tem, como eixo fundamental, a reprodução, destacando instrumentos de conservação do elemento tradicional/colonial em realidades urbanas; por outro lado, podem sinalizar alternativas às estruturas de cognição fortemente orientadas pelo mundo do consumo.

Para Sá Barreto, uma questão perpassa ambos os setores, é como lidar com uma memória institucional poderosa justamente por sua competência logística na construção de espaços de estetização dos conflitos sociais e de monumentalização52 das lembranças? (IBIDEM, 2011). De acordo com Sá Barreto, em espaços pós-coloniais – e podemos, nesse sentido, tomar o caso brasileiro como exemplo-, há enormes discrepâncias entre a

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apresentação do memorável institucionalizado e a compreensão popular de seus significados. (IBIDEM, 2011).

As imagens abaixo ilustram a campanha ―NÃO QUEREMOS MAIS UM MUSEU‖:

Figura 03- Intervenção Campanha: “NÃO QUEREMOS MAIS UM MUSEU‖53.

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―Atualmente, o edifício da cadeia velha, é gerido pelo Governo Estadual, mas teria sua gestão compartilhada com a Prefeitura assim que reabrir a partir de setembro de 2015. Antes de seu fechamento, o local era ocupado pela Oficina Cultural Pagu e tinha salas reservadas para ensaios de grupos, apresentações de espetáculos, galeria de artes plásticas e outros ambientes dedicados para festivais e movimentos da Baixada Santista. Desde o ano passado, em reuniões estaduais de conselhos culturais, é ventilado que a Cadeia abrigaria o Museu da Baixada Santista – o quinto no raio de dois quilômetros. E haveria sondagem de repasse para o Instituto de Preservação e Difusão da História do Café e da Imigração (Inci). (...) Ponto histórico da povoação de Santos, a área central contempla quatro museus num raio de dois quilômetros quadrados. O público dos quatro museus juntos ao mês (22,5 mil visitas) equivale ao do Orquidário (22,4 mil) e a um terço do Aquário (65,7 mil). Mesmo com a falta de público em comparativos, e também de raras atividades artísticas, ainda há a possibilidade de haver um quinto equipamento museológico no bairro: a Cadeia Velha. Pode se tornar Museu da Baixada Santista o principal edifício dos séculos 19 e 20 – que abrigava os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do município” Mais informações: https://revistarelevo.wordpress.com/2014/12/28/opiniao-razoes-para-cadeia- velha-nao-se-prender-a-um-museu/,https://www.catarse.me/pt/intervencaomuseu,

http://www.revistasanatoriogeral.com.br/intervencao-artistica-nao-queremos-mais-um-museu-queremos-a-volta- da-cadeia-velha/.

Alguns pontos discutidos por Sá Barreto pode ser relacionado à Campanha: ―Não queremos mais um Museu‖, movimento que reivindica a reabertura de um espaço cultural, a Cadeia Velha, na baixada Santista/SP. E lança questões em relação à discussão sobre patrimônio, o uso de espaços públicos, disputas de memórias, afirmações identitárias, e a própria possibilidade do museu funcionar como dispositivo de reconstrução da experiência democrática no cenário contemporâneo. Um posicionamento contrário a visão do museu como um espaço de cultura integrado

Figura 04- Campanha: ―NÃO QUEREMOS MAIS UM MUSEU‖

Esse movimento explicita o fato de não existir uma unanimidade sobre o tema dos museus. E levantas reflexões sobre o mesmo. A campanha: ―Não queremos mais um Museu‖ diz sobre um caso específico, na cidade de Santos/SP, no entanto, essas demandas isoladas, antagônicas em uma leitura laclauniana, estão em uma relação de diferença, com um discurso institucional hegemônico, mas também encontram-se em uma relação equivalencial com outras demandas semelhantes. Para Laclau (2011), as demandas particulares, as divergências políticas, são extremamente complexas e importantes na composição do social:

O que Derrida está, enfim, dizendo é que demandas isoladas, queixas, injustiças etc. não são resíduos empíricos de um estágio histórico que - em todos os aspectos essenciais – foi superado. Eles são, ao contrário, os sintomas de um impasse fundamental das sociedades contemporânea que empurram as demandas isoladas para algum tipo de articulação fantasmática, de que resultarão novas formas de reagregação política. (LACLAU, 2011, p, 121)

Para Laclau o social é marcado por uma descontinuidade entre a sociedade como um todo e o pluralismo dos agentes sociais. O movimento contra a criação de mais um museu lança questões para uma discussão sobre a legitimidade dos patrimônio, que é bem mais ampla e complexa em espaços pós-coloniais. È importante considerar, nesse sentido, o fato de que o julgamento estético é estruturado em uma lógica de dominação de classes. Para Jacques Rancière: ―o cidadão, segundo Aristóteles, é aquele que toma parte no ato de governar e de ser governado. Mas uma outra forma de partilhar precede este tomar parte: a que determina quem vai tomar parte‖. (RANCIÈRE, 2010, p 13).

Em sua análise, sobre a aquisição dos diferentes tipos de capital, Pierre Bourdieu (2004) coloca que, quanto mais ou menos ―capital‖ for mobilizado, serão estabelecidos diferentes graus de apropriação desse ―capital‖. Para Bourdieu ―o volume do capital que um agente individual possui depende então da extensão da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume de capital (econômico, cultural e simbólico) que é posse exclusiva de cada um daqueles a quem está ligado‖. (BOURDIEU, 2004, p. 67).

A maneira que nosso modelo social, está estruturado, ainda existe uma clara separação/segregação dos indivíduos, de acordo com o capital adquirido no contexto social, cultural, político, econômico, etc. De fato, nosso cenário social, cultura, econômico, político é diferente do analisado por Bourdieu, mas podemos dizer que os espaços escolares ainda atuam enquanto dispositivos de controle social, inclusive, fortalecendo estereótipos difíceis de serem desvencilhados.

Os museus em sua concepção inicial foram espaços voltados à aquisição de um capital cultural restrito, freqüentar museus explicitava um acumulo de experiência sensível, simbolizava um gosto estético diferenciado, por isso mesmo, elitizado. Pois a partilha do sensível é feita por quem faz os recortes, e esses não são feitos com neutralidade: ―um animal que fala é segundo Aristóteles, um animal político. No entanto, embora o escravo compreenda a linguagem, ele não a possui. Os artesão, diz-nos platão, não se podem ocupar de assuntos comuns, porque não têm tempo para se consagrar a outra coisa que não seja o seu próprio trabalho‖. (RANCIÈRE, 2010, p 13).

A partilha do sensível dá a ver quem pode tomar no comum em função daquilo que faz, do tempo e do espaço em que essa atividade se exerce. Ter esta ou aquela ocupação define assim à competência ou a incompetência relativamente ao comum. (RANCIÈRE, 2010, p 14)

A apropriação diferenciada de capital é uma das maneiras de marcar desigualdades sociais. Apesar da abertura dos museus ao grande público e da tentativa de educar a partir dos museus, esses espaços mais tradicionais preservam um afastamento da população. As múltiplas questões que sublinham o cenário museal brasileiro estão intimamente relacionadas configurações do social, que não é marcado por uma linearidade, mas pela emergência de contradições. De acordo Maria Cristina Oliveira Bruno (2006): ―refletir sobre os museus e suas distintas inserções sociais significa, ainda tocar nas questões que são esquecidas, no imenso universo dos valores que são excluídos, na partilha dos sentidos e significados e na eficácia da amnésia cultural (BRUNO, 2006, p.17).

Vivemos em um projeto de humanidade regido por uma intensa lógica de consumo. O conceito do que seria um museu, passou por muitas alterações. A modernidade consolida uma nova maneira de conceber esses espaços. Inicialmente parece contraditório a discussão proposta por Sonia Salcedo del Castillo (2008), de pensar um projeto de Modernidade atrelado a um projeto museológico, pois a imagem e o lugar mais comum ocupado pelo museu esta ligado diretamente ao passado. No entanto, essa aparente contradição ganha novos contornos, pois o museu não está mais relacionado só a uma memória do passado, existe uma transformação da concepção de museu e desse passado em produto, ou seja, produto de mercado. Para Castillo:

Huyssen salienta que o museu, assim como descoberta da história, é um efeito direto da modernização. Semelhante à imagem do escorpião por Baudelaire para expressar os efeitos do progresso, a modernidade é impensável sem um projeto museológico. Em outras palavras, assim como na lógica progressista da modernidade, na origem do museu é o sentido da tradição que prevalece, mas o da perda, aliado ao desejo de reconstrução.