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RAMONA LINDSEY RODRIGUES MENDONÇA A AUSÊNCIA PUBLICADA AS NOÇÕES DE FEIURA A PARTIR DAS DEFINIÇÕES DE BELEZA NO ANUÁRIO DAS SENHORAS ( )

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Academic year: 2022

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(1)

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

RAMONA LINDSEY RODRIGUES MENDONÇA

A AUSÊNCIA PUBLICADA

AS NOÇÕES DE FEIURA A PARTIR DAS DEFINIÇÕES DE BELEZA NO ANUÁRIO DAS SENHORAS (1934-1958)

MOSSORÓ 2020

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RAMONA LINDSEY RODRIGUES MENDONÇA

A AUSÊNCIA PUBLICADA

AS NOÇÕES DE FEIURA A PARTIR DAS DEFINIÇÕES DE BELEZA NO ANUÁRIO DAS SENHORAS (1934-1958)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais e Humanas da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN – como requisito obrigatório para obtenção do título de mestre.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Francisco Fabiano de Freitas Mendes

MOSSORÓ 2020

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obra é de inteira responsabilidade do(a) autor(a), sendo o mesmo, passível de sanções administrativas ou penais, caso sejam infringidas as leis que regulamentam a Propriedade Intelectual, respectivamente, Patentes: Lei n° 9.279/1996 e Direitos Autorais: Lei n° 9.610/1998. A mesma poderá servir de base literária para novas pesquisas, desde que a obra e seu(a) respectivo(a) autor(a) sejam devidamente citados e mencionados os seus créditos bibliográficos.

Catalogação da Publicação na Fonte.

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

M539a Mendonça, Ramona Lindsey Rodrigues

A ausência publicada: as noções de feiura a partir das definições de beleza no Anuário das Senhoras (19341958). / Ramona Lindsey Rodrigues Mendonça. Mossoró, 2020. 183p.

Orientador(a): Prof. Dr. Francisco Fabiano de Freitas Mendes.

Dissertação (Mestrado em Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais e Humanas).

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

1. História das mulheres. 2. Noções de beleza. 3. Noções de feiura. 4. Impressos especializados. I. Mendes, Francisco Fabiano de Freitas. II. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

III. Título.

O serviço de Geração Automática de Ficha Catalográfica para Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC´s) foi desenvolvido pela Diretoria de Informatização (DINF), sob orientação dos bibliotecários do SIB-UERN, para ser adaptado às necessidades da comunidade acadêmica UERN.

(4)

RAMONA LINDSEY RODRIGUES MENDONÇA

A AUSÊNCIA PUBLICADA

AS NOÇÕES DE FEIURA A PARTIR DAS DEFINIÇÕES DE BELEZA NO ANUÁRIO DAS SENHORAS (1934-1958)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais e Humanas.

Aprovada em: ____/____/_____.

Banca Examinadora

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Francisco Fabiano de Freitas Mendes (Orientador) Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN

________________________________________________________________

Prof. Dr. Lindercy Francisco Tomé de Souza Lins Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN

_______________________________________________________________

Prof.ª Dra. Tania Regina de Luca Universidade Estadual Paulista – UNESP

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Dedico esta pesquisa à comunidade científica e educacional brasileira como forma de colaboração e resistência.

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AGRADECIMENTOS

Deixo registrado ao fim desse ciclo meus sinceros agradecimentos àqueles que de alguma forma colaboraram com essa trajetória.

À Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais e Humanas pela oportunidade de crescimento profissional e pessoal.

Ao programa de bolsas da CAPES pelo incentivo e permanência exclusiva no desenvolvimento da pesquisa.

Aos meus professores, pela sabedoria e ensinamentos repassados, e, em especial, ao meu orientador Prof. Dr. Fabiano Mendes por toda inspiração e assistência enquanto profissional e amigo; E à Prof.ª Dr.ª Tania Regina de Luca, referência a todos os trabalhos sobre imprensa e impressos no Brasil, pela disponibilidade em aceitar o convite para a banca de defesa.

Aos meus colegas de mestrado pelos dias prazerosos e amenos, assim como os amigos mais próximos pelas boas vibrações.

À minha família por todo amor e suporte, e ao meu namorado pelo carinho, conselhos e motivação.

A todos, minha genuína gratidão!

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“As almas são impenetraveis. E a belleza uma mascara apenas...”

(Anúario das Senhoras, 1939, p. 77)

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RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo analisar as noções de feiura presentes na revista Anuário das Senhoras, de 1934 a 1958. As noções de feiura foram investigadas tanto pelo uso direto da palavra “feiura” quanto em oposição derivada das concepções de beleza. Para isso, examinou-se as 25 edições da revista, que nasceu na cidade do Rio de Janeiro, com circulação nacional. A revista foi editorada pelo O Malho, dirigida por Alba de Mello e possuía um destino exclusivo: as mulheres. Em se tratando de uma análise histórica e interdisciplinar, utilizou-se como método a combinação da pesquisa qualitativa, percebendo o conteúdo das revistas e sua representação do feio, com a quantitativa, avaliando a frequência que essa expressão foi mencionada, bem como suas variações e permanências. Além disso, a revista foi tomada tanto como fonte, considerando os princípios narrativos, quanto como objeto, atentando aos aspectos materiais, lançando mão de estratégias metodológicas particulares como a criação de tabelas de análise e cruzando estudos com outros periódicos. Com base nisso, obteve-se como resultados da pesquisa a análise de alguns tipos de noções de feiura e a verificação de variações e permanências dos arquétipos investigados. Ademais, auferiu-se a trajetória de alguns dos atores que passaram pela revista e do seu círculo de produção. A conclusão do trabalho aponta para o entendimento do veículo como meio de reforço, adaptação ou lançamento de modelos sociais ligados à aparência e à performance. A cada sedimentação de posturas e práticas ou críticas às inadequações, a revista, defensora de padrões de beleza para as mulheres gerava as noções de feiura nas quais muitas mulheres acabavam se filiando.

Palavras-chave: História das mulheres. Noções de beleza. Noções de feiura. Impressos especializados.

Resumo da dissertação A ausência publicada: as noções de feiúra a partir das definições de beleza no Anuário das Senhoras (1934-1958), de Ramona Lindsey Rodrigues Mendonça, defendida em maio de 2020 no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.

(9)

ABSTRACT

This research aims to analyze the notions of ugliness present in the magazine Anuário das Senhoras, from 1934 to 1958. The notions of ugliness were investigated both by the direct use of the word "ugliness" and in opposition derived from the conceptions of beauty. To do this, we examined the 25 editions of the magazine, which was born in the city of Rio de Janeiro, with national circulation. The magazine was edited by O Malho, directed by Alba de Mello, and had an exclusive destination: women. In the case of a historical and interdisciplinary analysis, the combination of qualitative research was used as a method, perceiving the content of the magazines and their representation of the ugly, with the quantitative, evaluating the frequency that this expression was mentioned, as well as its variations and stays. In addition, the magazine was taken both as a source, considering the narrative principles, and as an object, paying attention to material aspects, using methodological strategies such as the creation of analysis tables and crossing studies with other journals. Based on this, it was obtained as research results the analysis of some types of notions of ugliness and the verification of variations and permanence’s of the investigated archetypes. In addition, the trajectory of some of the actors who passed through the magazine and its production circle was assessed. The conclusion of the work points to the understanding of the vehicle as a means of reinforcing, adapting, or launching social models linked to appearance and performance. With each sedimentation of postures and practices or criticisms of inadequacies, the magazine, which defends beauty standards for women, generated the notions of ugliness in which many women ended up joining.

Keywords: History of women. Notions of beauty. Notions of ugliness. Specialized forms.

Abstract of the dissertation The published absence: the notions of ugliness based on the definitions of beauty in the Yearbook of the Ladies (1934-1958), by Ramona Lindsey Rodrigues Mendonça, defended in May 2020 in the Graduate Program in Social and Human Sciences of the State University of Rio Grande do Norte - UERN.

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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Dirigir a casa com duas empregadas I. Fonte: Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A. O Malho, ano I, 1934, p. 153. (Arquivo Pessoal) ... 28

Figura 2 - Dirigir a casa com duas empregadas II. Fonte: Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A. O Malho, ano I, 1934, p. 153. (Arquivo Pessoal) ... 28

Figura 3 - Disposição da publicidade em página inteira Fonte: Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A. O Malho, ano IV, 1937, p. 8. (Biblioteca Nacional) .... 42

Figura 4 - Disposição conjunta das publicidades e texto Fonte: Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A. O Malho, ano IV, 1937, p. 48. (Biblioteca Nacional) .. 42

Figura 5 - Ilustrações de Régis Mancet. Fonte: Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A. O Malho, ano V, 1938, p. 124. (Biblioteca Nacional) ... 45

Figura 6 - Disposição da publicidade da Torre Eiffel com textos. Fonte: Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A O Malho, ano I, 1934, p. 280. (Biblioteca Nacional) ... 46

Figura 7 - Disposição da publicidade da Torre Eiffel sozinha. Fonte: Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A O Malho, ano XVI, 1949, p. 3. (Biblioteca Nacional) ... 47

Figura 8 - Visita da Miss Paraíba à redação da revista Para Todos. Fonte: A MISS Parahyba, senhorita Elmar Pinto Pessoa, em nossa redacção, com Alba de Mello e J.

Fabrino, presidente da Sociedade Anonyma ‘O Malho’. Para Todos, Rio de Janeiro, ano 20, nº 540, p.1. (Biblioteca Nacional) ... 54

Figura 9 - Figura 9: comparação da beleza feminina na publicidade das drágeas W5.

Fonte: Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A. O Malho, ano VI, 1939, p. 33.

(Biblioteca Nacional) ... 75

Figura 10 - Anúncio do leite condensado Nestlé. Fonte: DOCINHOS Nestlé (Nestlé).

Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A. O Malho, ano XXII, 1955, p. 257.

(Biblioteca Nacional) ... 96

Figura 11 - Anúncio do suco de tomate Peixe. Fonte: É UM PRAZER servir (Peixe – Indústrias Alimentícias Carlos de Brito S.A.). Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A. O Malho, ano XXII, 1955, p. 138. (Biblioteca Nacional)... 98

Figura 12 - Anúncio do cigarro Continental. Fonte: ANTES de tudo um cigarro (Cia de Souza Cruz). Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A. O Malho, ano VI, 1940, p. 8. ... 100

Figura 13 - Anúncio do colchão de molas Lancellotti. Fonte: O SEU SONHO de todas as noites (Lancellotti). Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A. O Malho, ano XVIII, 1951, p. 260. (Biblioteca Nacional)... 101

(11)

Figura 14 - Anúncio da loção Norma. Fonte: CABELOS brancos? (Loção Norma).

Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A. O Malho, ano XVIII, 1951, p. 282.

(Biblioteca Nacional) ... 102

(12)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 14

2 CORPO ESCRITO ... 21

2.1 POR FORA ... 21

2.1.1 A revista no contexto ... 22

2.1.2 O contexto na revista ... 29

2.2 POR DENTRO ... 35

2.2.1 Nas malhas d’O Malho ... 35

2.2.2 A estampa interna do Anuário das Senhoras ... 40

2.3.1 A trama dos donos ... 48

2.3.2 A trama da dona ... 54

3 CORPO INSCRITO ... 63

3.1 BELEZA E FEIURA ... 64

3.1.1 O belo e o feio: a formação dos habitus e comportamentos ... 65

3.1.2 Beleza, feiura e dominação masculina ... 72

3.1.3 O ser feio: o processo de formação da feiura pelas emoções ... 74

3.1.4 Um passatempo reprodutor de emoções e ideais ... 81

3.2 A PUBLICIDADE E O CONSUMO ... 89

3.2.1 Representações do feminino nas publicidades do Anuário ... 89

3.2.1.1 A mulher na estampa da publicidade ... 86

4 CORPO CIRCUNSCRITO ... 105

4.1 A MULHER MAQUIADA ... 105

4.1.1 No seio da face: a feiura por trás da máscara pintada ... 106

4.1.2 No contorno natural: a feiura da máscara artificial ... 113

4.2 A MULHER E O CORPO PERFEITO ... 127

4.2.1 Cabeça e pele ... 130

4.2.2 Pescoço ... 135

4.2.3 Busto, braços e mãos ... 137

4.2.4 Ventre ... 139

4.2.5 Quadris, pernas e pés ... 142

4.3 A MULHER E A MORAL ... 145

4.3.1 Feiura por hábito ... 146

4.3.2 Feiura de espírito ... 151

(13)

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 160 6 FONTES ... 162 7 REFERÊNCIAS ... 165

(14)

1 INTRODUÇÃO

O culto à aparência no mundo contemporâneo tornou-se obsessão por parte de setores da imprensa. Casos de cirurgias plásticas malsucedidas, ingestão ou aplicação de remédios e das fórmulas mágicas de beleza, bem como as fotografias, devidamente editadas por

“photoshop”, ganham noticiários, redes sociais e rodas de debate.

A corrida da beleza é constantemente movida pela insatisfação com a própria imagem, seja pela indução social e mercadológica direta que diz: “você precisa emagrecer”, ou pelo mal- estar gerado ao olhar as modelos estampadas nas capas das revistas, que também não se exclui do primeiro caso e podem se engendrar mutuamente. Querendo ou não, esse é um problema que acompanha a sociedade ocidental há algum tempo. Reservando suas especificidades temporais e geográficas, já no século XX, como diria Denise Bernuzzi de Sant’Anna, a preocupação com a beleza começou a se transformar e a ganhar as grandes vitrines industriais, dando à beleza da época ou para a mulher um caráter de seriedade e consumo a ambos os gêneros,1 mas sempre enxergando na mulher o aspecto do dever ser bela.

Jornais e revistas anunciavam, ao longo do século XX, muitas dicas para as senhoras e moças – jovens ainda não casadas – de uma beleza que se encontrava não somente no corpo físico, mas principalmente na essência feminina. Portanto, esse dever de ser bela e a sensação de estar sempre a um passo atrás da almejada beleza aparece enfática e constantemente nesse período; e é nesse sentimento de adaptação com algum custo que essa pesquisa explora as noções de feiura que compõem, ora implícita ora explicitamente, o universo do culto à beleza.

Entretanto, a feiura não se encontra apenas como contraponto à beleza, ela tem uma perceptiva própria de ser vista ao longo do tempo, isto é, a feiura também se apresenta nas características e modelos que determinadas culturas e sociedades, nas suas diferentes temporalidades, enxergavam como feio. Para usar um exemplo banal, mas que funciona como demonstração, enquanto mulheres gordas representavam para algumas culturas na antiguidade a exuberância da fertilidade, para as mulheres do século XX, a gordura excessiva era algo a ser mantido à distância.

Desse modo, sabendo que uma parcela dos problemas que afetam a contemporaneidade se apresenta quase que como uma evolução do que se tinha no século passado, essa pesquisa busca contribuir com o entendimento de como, historicamente, se deram as noções de feiura no período de 1934 a 1958, partindo da perspectiva da revista Anuário das Senhoras.

1 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. História da Beleza no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014, p. 9-10.

(15)

Trata-se, portanto, de uma pesquisa interdisciplinar com a perspectiva e metodologia de história, dialogando com sociologia e filosofia, já que essas áreas de conhecimento contribuem para a análise cultural das construções sociais.

A delimitação temática advém, principalmente, do interesse particular da pesquisadora em trabalhar com as mulheres e suas especificidades. Em pesquisa precedente a esta, o labor monográfico da graduação em História serviu como pontapé para conhecer o conjunto da fonte e suas possibilidades temáticas2. A análise das mudanças e permanências da moda, de 1940 a 1970, na cidade de Mossoró e o contato com as fontes fotográficas e impressas, que incluía o Anuário das Senhoras, permitiu maior proximidade com o Anuário e com os anúncios que nele circulavam, dentre os quais se destaca a temática da beleza e o “combate” a seu antípoda, a feiura.

Levantando a hipótese de que seria a aversão à feiura a principal causa desse tipo de publicação, mesmo que de modo inconsciente, desejou-se entender mais a respeito dessa construção social e analisar suas formas a partir de um dos principais promotores desses desejos, as revistas femininas. Definiu-se, então, um novo problema principal: quais noções de feio a revista abordou? E, derivando-se dele, constituiu-se as seguintes problemáticas: quais as representações do feio a revista publicizou em suas 25 edições? De que maneira a concepção de feiura permeou a proposta estética do Anuário? Havia uma variação desse ideal no decorrer das tiragens da revista?

Com base nisso, optou-se por continuar a investigação no Anuário das Senhoras como maneira de delimitar melhor o objeto e otimizar o tempo de pesquisa. Entretanto, ao menos em tese, sua escolha não estaria apartada do conjunto geral das revistas femininas da época, visto que muitas delas também detinham esse assunto como pauta e compartilhariam de um mesmo berço. Porém, respeitando as particularidades de cada cosmo, como volume, publicidade,

2 A pesquisa monográfica tem por título: “Vestidas de Texto: moda e comportamento feminino em Mossoró (1940-

1970)". A finalidade da pesquisa encontrou-se na busca de compreender como o comportamento e a moda feminina mossoroense, em seus segmentos e/ou permanências, aconteceram e se entrelaçaram tomando por base o contexto e as tendências estilísticas mundiais de cada época recortada. Isso proporcionou a abordagem dos tipos de conceitos e variação do que seria a beleza em cada década. O contato com os conceitos de beleza proporcionou a reflexão acerca da feiura, em especial no Anuário das Senhoras, pois nele se percebia a função direta de instrução às mulheres ao contrário das outras fontes – fotografias e jornais. Desse modo, em pesquisas anteriores acerca do tema da beleza e da feiura, em especial a “História da Beleza no Brasil”, de Denise Bernuzzi de Sant’Anna, encontrou-se um mapeamento acerca da preocupação brasileira em tornar-se mais belo, adentrando também nos casos de feiura, a partir das revistas femininas e outros impressos em diversas temporalidades e por meio dos vários recursos, seja no campo social ou geográfico. Assim, pensar nessa perspectiva partindo do Anuário das Senhoras, ainda não estudado por esse ponto de vista, tonou-se algo interessante. Além disso, pensar não somente no discurso da beleza, mas partir do ponto de vista de remontar os aspectos do que seria a feiura por meio das noções dadas despertou ainda mais a curiosidade.

(16)

proposta estética e editorial, reservou-se a análise ao Anuário sem excluir as conexões possíveis com outros periódicos ao longo do trabalho.

O Anuário das Senhoras foi um periódico voltado exclusivamente para as mulheres.

Sua base de produção era a cidade do Rio de Janeiro – um dos maiores polos da imprensa na época –, mas tinha circulação nacional. Formatado em brochura e com periodicidade anual, era produzido pela editora O Malho – responsável por algumas das mais famosas revistas durante a época de sua atuação, detentora de alguns dos melhores ilustradores e colaboradores3 – e teve em sua direção uma mulher: Alba de Mello. A pesquisa toma, portanto, como delineamento temporal a tiragem da revista, de 1934 a 1958.

A partir deste apanhado, define-se por objetivo geral dessa pesquisa analisar, por meio do enunciado da beleza na revista Anuário das Senhoras, as concepções de feiúra e suas variações expressas no impresso dentro do campo de abrangência do conceito de moda. Para isso, optou-se por investigar a proposta do periódico, estabelecendo relações com os estudos dos impressos enquanto fonte histórica e atentando para sua influência no meio social através do diálogo bibliográfico e do cruzamento documental com outros periódicos da época. Além disso, tornou-se essencial examinar o conteúdo das revistas, no que corresponde aos seus anúncios publicitários, seus artigos e imagens, para refletir acerca das questões de beleza formuladas e, tanto a partir deles quanto nelas em si, as concepções do “feio”. Não obstante, é necessário debater como as perspectivas de feiura se enquadram no conceito de moda, enquanto fluxo de ideias e princípios de uma sociedade em determinando período, para compreender de que forma isso varia ao longo das edições da revista. Todavia, debateu-se acerca das questões da moda, mas sem nela se ater, transformando-a numa essência que circunda esses conceitos, mas que não se tornou o foco da pesquisa.

Tal encaminhamento se deu, principalmente, pela necessidade de entender a formação de noções de feiura presentes no Anuário das Senhoras, como se vê no trecho abaixo:

Muitas mulheres cuidam que a beleza da cabeça está em ter os cabelos bem penteados, os cachos bem arrumados. Entretanto, só cuidados especiais, diários, é que tomam os cabelos bonitos. Podem até estar mal penteados; porém, sedosos, com brilho, com vida, maior encanto terá a cabeça. Para se adquirir tal encanto, o remédio é fácil, e bem ao nosso alcance: a escova. A cabeleira só obterá beleza se estiver bem limpa, perfumada, cuidada. O processo da escova é o único capaz de fazer esse milagre. 4

3 Esses aspectos serão discutidos mais detalhadamente no segundo subtópico do primeiro capítulo “nas malhas d’O Malho”, p. 25.

4 MELLO, Alba de (Dir.ª). Cabeça e cabelos. Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima

“O malho”, ano XI, 1944, p. 54.

(17)

As condições da beleza do cabelo feminino parecem convergir a um tipo de padrão, para o qual manter os cabelos com um aspecto saudável, higienizados, bem penteados e arrumados são os principais objetivos do artigo. É por meio dessas orientações que se pressupõe a revista como uma instituição produtora e difusora de cultura, gerando e reproduzindo signos e símbolos. Dessa forma, a análise do periódico também propiciou a compreensão dos modelos de beleza propostos como um produto cultural, como um símbolo que permeia as relações sociais e que molda a postura feminina enquanto instrumento de dominação, como pode ser visto em Pierre Bourdieu:

A dominação masculina, que constitui as mulheres como objetos simbólicos, cujo ser (esse) é um ser-percebido (percipi), tem por efeito colocá-las em permanente estado de insegurança corporal, ou melhor, de dependência simbólica: elas existem primeiro pelo, e para, o olhar dos outros, ou seja, enquanto objetos receptivos, atraentes, disponíveis. Delas se espera que sejam "femininas", isto é, sorridentes, simpáticas, atenciosas, submissas, discretas, contidas ou até mesmo apagadas. E a pretensa

"feminilidade" muitas vezes não é mais que uma forma de aquiescência em relação às expectativas masculinas, reais ou supostas, principalmente em termos de engrandecimento do ego. Em consequência, a dependência em relação aos outros (e não só aos homens) tende a se tornar constitutiva de seu ser. Esta heteronomia é o princípio de disposições como o desejo de atrair a atenção e de agradar, designado por vezes como coqueteria, ou a propensão a esperar muito do amor, o único capaz, como diz Sartre, de fazer alguém sentir-se justificado nas particularidades mais contingentes de seu ser, e antes de tudo de seu corpo. 5

De acordo com o autor, o corpo feminino transforma-se num espaço simbólico por meio da dominação masculina, o qual tem como função principal constituir como um “ser-percebido”

aos demais em seu meio. Assim, segundo autor, em constante insegurança, as mulheres deveriam “dançar conforme a música”, adaptando-se às normas e agradando a sociedade de acordo com os princípios de feminilidade já intrínsecos ao ser e perseguidos, mesmo que de modo inconsciente. É nesse sistema de dominação que as mulheres se encontram fadadas a alcançar o corpo ideal que as orientações de beleza tanto fomentam, como Bourdieu continua a analisar:

Incessantemente sob o olhar dos outros, elas se veem obrigadas a experimentar constantemente a distância entre o corpo real, a que estão presas, e o corpo ideal, do qual procuram infatigavelmente se aproximar. Tendo necessidade do olhar do outro para se constituírem, elas estão continuamente orientadas em sua prática pela avaliação antecipada do apreço que sua aparência corporal e sua maneira de portar o corpo e exibi-lo poderão receber (daí uma propensão, mais ou menos marcada, à autodepreciação e à incorporação do julgamento social sob forma de desagrado do próprio corpo ou de timidez). 6

5 BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 11° ed., 2012. p. 82-83.

6 Ibidem, p. 83.

(18)

As consequências do não enquadramento das mulheres nesses padrões acabariam por gerar uma violência simbólica 7 interiorizada por meio do descontentamento para consigo e o juízo do seu meio social. Portanto, a fuga desse conjunto de normas expressas representaria a

“feiura”, gerada, quase automaticamente, ao olhar as dicas de beleza estampadas que seguem as novas tendências apresentadas à sociedade. É por meio dessa perspectiva, exposta no Anuário das senhoras, que é possível compreender como as várias formas do belo de então produziram as diversas formas de “feiura”.

Nesse sentido, o conceito de moda pode ser usado para pensar essas alterações de beleza e feiura respectivamente, e que acabam por gerar concepções e ideais estéticos que criam um sentimento de adequação na sociedade, como aponta Gilles Lipovetsky:

A moda é um sistema original de regulação e de pressão sociais: suas mudanças apresentam um caráter constrangedor, são acompanhadas do “dever” de adoção e de assimilação, impõe-se mais ou menos obrigatoriamente a um meio social determinado.8

A partir disso, é possível entender como as novidades estéticas, em suas variadas expressões, são capazes de determinar a feiura ao mesmo tempo em que se busca a validação da beleza, e como, em suas mudanças, elas acabam por gerar variações também nas concepções do que é ser feio em si ao longo do tempo.

Entretanto, uma pesquisa não se desenvolve sem os aparatos metodológicos e as técnicas que servem para a construção de seu caminho. O periódico impresso, assim como qualquer outra fonte histórica, não é um documento desinteressado, cabendo análise de sua estrutura e estudo mais complexo dos materiais. Desse modo, investigar todos esses pormenores que envolvem o universo das fontes impressas são essenciais para compreender, por exemplo, o que determinada revista com seu conjunto de proprietários, diretores, colaboradores etc., transmitiram em certa matéria publicada, já que, assim como outras fontes, os periódicos não estão livres de ideologias. Além disso, conforme Tania Regina de Luca 9, é importante situar também os conteúdos das publicações no contexto da história da imprensa, o que requer localizar as características ao longo de sua trajetória.

7CATANI, Afrânio Mendes; [et. al.] (orgs). Vocabulário Bourdieu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. p.

359-361.

8 LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo:

Companhia das Letras, 2009, p. 43.

9 LUCA, Tania Regina de. Fontes impressas: A história dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p. 138-139.

(19)

Dessa forma, buscou-se perceber tanto a revista como fonte, considerando os princípios narrativos, quanto a revista como objeto, investigando seus aspectos materiais. Assim, realizou- se a análise levando em conta seus elementos qualitativos, no que diz respeito a perceber o conteúdo das revistas e como ela aborda a representação do feio, e quantitativos, equivalente a frequência que essa expressão é mencionada. Tratando-se de uma questão de esquematização própria da investigação, utilizou-se como suporte para coleta dos dados a feitura de uma tabela contendo as menções e os mais variados assuntos que envolviam a manifestação da feiura de forma explícita ou não, isto é, por meio das concepções de beleza ou na sua designação própria.

Esse recurso contribuiu para classificar cada forma que a representação ou definição de feiura tomava na revista e para perceber se houve uma variação ao longo do seu tempo de publicação.

Outras esquematizações que fizeram parte da estruturação e viabilização da pesquisa foi a coleta das revistas na Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, visto que na época de catalogação, estas não se encontravam disponíveis em sua grande maioria para análise à distância. Desse modo, obteve-se o contato direto com as fontes, possibilitando ter em mãos o material em que foi impresso a revista. Esse recolhimento possibilitou um maior número de exemplares e, consequentemente, maior capacidade de investigação.

Acerca dos números existentes na Biblioteca Nacional, com o qual se obteve o contato direto, se encontravam os exemplares de 1934, 1936, 1937, 1938, 1941, 1945, 1946, 1950, 1953, 1954 e 1956. Em relação aos exemplares de 1955 e 1958, também houve o contato direto com o material, contudo, estes já se encontravam em acervo pessoal. Quanto as revistas que foram encontradas na coleção da Biblioteca Municipal Ney Pontes Duarte da cidade de Mossoró e disponibilizadas pela UERN, destacam-se os Anuários de 1939, 1940, 1942, 1944, 1947, 1949, 1951, 1952, 1957. A respeito das revistas de 1935, 1943 e 1948, não foram localizados nenhum exemplar de fácil acesso durante a pesquisa.10

Todo esse ferramental de investigação alicerçam o subsídio necessário para toda e qualquer pesquisa com as fontes impressas e são fundamentais para situar o pesquisador numa compreensão mínima de sua relação com o objeto. Dessa forma, pode-se entender a revista Anuário das Senhoras enquanto uma instituição reprodutora de cultura, mais particularmente, a cultura do belo como fuga do feio incluindo-se os traços da feiura em si mesma, e, portanto, sua necessária definição, superação e expurgo.

Porém, para dar ao leitor uma noção do que foi o Anuário das Senhoras e, brevemente, mostrar algumas das particularidades que seus produtores deixaram na revista é que se adentrou

10 Até o momento desta pesquisa, as revistas faltantes na plataforma da Hemeroteca Digital da Biblioteca

Nacional são dos anos de 1935, 1939, 1943, 1947 e 1948, respectivamente.

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no capítulo a seguir, o corpo escrito. Nele analisou-se tanto a perspectiva material da revista, com respeito a fabricação, organização interna dos conteúdos e circulação, quanto o aspecto

“humano” do periódico, sobre quem estava por trás dessa produção e correlacionando com algumas circunstâncias do periódico. Para isso, foram efetuadas pesquisas em vários periódicos da época, disponíveis no site da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, em busca de cruzar as informações acerca de cada um desses pormenores citados.11

Seguiram-se a este primeiro capítulo outros dois, que tratam, respectivamente, de analisar o conteúdo do Anuário no corpo inscrito dos costumes e fatos sociais, bem como no corpo circunscrito das limitações temáticas e sociais que a revista podia abordar. No segundo capítulo, tomou-se como norte analisar a forma que o Anuário das Senhoras abordava os conceitos de beleza e feiura, bem como entender as questões que as publicidades traziam por meio dele. Desse modo, dividiu-se esses dois ramos para essa investigação, sempre tratando de conduzir os diversos debates acerca da leitura desses conceitos e mecanismos em prol da melhor compreensão deles na realidade revista. Viu-se, portanto, além dos conceitos de beleza, feiura e publicidades, outras “chaves de leitura” como dominação masculina, habitus, relações de poder e consumo, sociologia das emoções e representação.

No terceiro capítulo, direcionou-se a análise para as diversas incidências e reincidências de feiura veiculadas no Anuário das Senhoras. Para esse fim, segmentou-se três etapas de observação: a relação com a maquiagem, com o corpo e com a moralidade. Dentro de cada agrupamento examinou-se de que modo a feiura aparecia, por si ou a contrapelo, e quais as possíveis formas de afetação que elas poderiam ocasionar. Nesse sentido, tentou-se compreender o encadeamento que o uso ou não de maquiagem, a busca pelo perfeito, ou a conduta moral, classificava um tipo ideal de mulher e desclassificava outras, reproduzindo uma mentalidade de “certo ou errado” e condicionando maneiras normativas e comportamentos femininos.

11 Link do site: <http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/>.

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2 CORPO ESCRITO

Em 1934 o Anuário das Senhoras nascia. O periódico feminino que prometia auxiliar o lar e as mulheres brasileiras, reuniu textos e imagens que delimitaram e definiram o que era o pequeno mundo feminino no cosmo social.

Imagine uma pessoa e que em seu corpo físico várias outras pessoas deixam sua assinatura e sua marca pessoal. É bem assim que se pode perceber o Anuário nessa seção: um objeto material em que muitas estruturas históricas passaram e que muitos indivíduos deixaram suas marcas pessoais, seja na base de sua construção ou ao longo das suas publicações. Logo, analisar esse corpo escrito é perceber as imbricações da conjuntura histórica nas noções que atravessaram o Anuário. É observar o modo como os elementos da sua estrutura material revelavam e reforçavam a perpetuação de seu conteúdo. E, além de tudo, consiste em investigar de que forma a (com)postura social e subjetiva dos seus criadores e signatários12 se inseriram em suas páginas, nelas transparecendo um pouco de si.

Portanto, estudar essa estrutura compreende aquilo que já estava visível, isto é, a revista enquanto objeto, bem como os seus pormenores e suas minúcias atuando no aparente. Pois serão elas a dar o respaldo da pesquisa acerca de como se fundamentaram as noções de feiura e beleza.

Tudo isso significa olhar para fora, por dentro e no meio do periódico, buscando enxergar os pormenores que fizeram se situar e atuar no espaço e no tempo, ou seja, a partir da capital federal entre 1934 e 1958.

2.1 POR FORA

Nessa subseção foram analisadas as ebulições socioculturais no entorno do Anuário das Senhoras. A localização da revista no contexto e os aspectos conjunturais nela atuantes são os seus principais focos. Por meio deles é possível perceber quais movimentos sociais, políticos e econômicos estavam em ebulição no período e o que implicaram para a revista e para a imprensa como um todo. Além disso, um pouco das particularidades da editora O Malho e seus componentes, e da diretora Alba de Mello, em particular, se fizeram fundamentais na percepção

12 Para o contexto do Anuário das Senhoras, o conceito de “colaborador” parece inapropriado para designar os poucos nomes que assinaram matérias e conteúdos na revista. Por ser demasiado fluído, a grande maioria dos pseudônimos, dos assinantes passageiros ou mesmo dos não assinantes, nas matérias sem autoria definida, indicam a ausência de colaboradores fixos no periódico. Portanto, aplicou-se o termo signatário, que parece melhor

expressar a fluidez das assinaturas e de vínculo.

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da forma como o contexto estava sendo captado e inserido a partir das diferentes perspectivas dos sujeitos que conduziam o Anuário das Senhoras.

2.1.1 A revista no contexto

Década de 1930. Ebulições no cenário brasileiro e mundial marcavam o período. Foi a década de afirmação da revolução liderada por Getúlio Vargas, que tentava romper com o regime oligárquico instaurando o chamado Governo Provisório. Foi também a fase de orquestração rumo ao poder do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, em seu novo estágio liderado por Adolf Hitler, que iria culminar na Segunda Guerra Mundial anos depois.13 Além disso, tinha-se nos Estados Unidos a economia em reestruturação após a quebra da bolsa de Nova York, em 1929, que atingiu a maior parte do mundo que possuía relações econômicas com o país, incluindo o Brasil a partir da exportação do café.

Dentre as quedas e reerguimentos conjunturais, o conturbado ano de 1934 encontra o Brasil diante das medidas que tentavam driblar a crise mundial e estabilizar o regime político.

Foi em meio a esse cenário que surgiu o Anuário Senhoras. Datado para o ano seguinte, 1934, o Anuário já vinha sendo preparado desde o ano anterior, 1933, e saía às vendas em dezembro desse mesmo ano.14 Rodeado de acontecimentos marcantes e decisivos na política, na economia e sociedade, o período não parecia ser dos mais favoráveis para a imprensa brasileira. A censura do Governo Provisório e a crise econômica no país geravam baixas na produção impressa, especialmente no que condiz à ferramenta fundamental, o papel. Nessa perspectiva Ana Luiza Martins remonta os aspectos dessa crise em São Paulo a partir do início do século XX, mas que, sem dúvida, atingiu a região do Rio de Janeiro, por ser simultaneamente o outro polo jornalístico da época:

Diga-se que a elevação de preços prosseguiu no pós-guerra, acrescida de excessiva burocracia para importação e fornecimento interno do produto. Em 1921, como consequência da crise, seria extinto O Estadinho [...]. A atuação na área tornava-se precária, sobrecarregada com o aumento das matérias-primas, quatro vezes mais caras. [...] Conforme se adiantou acima, a política de importação da matéria-prima do ramo prosseguiu com imensas dificuldades, e a despeito do fim da guerra, o setor gráfico passou a enfrentar dificuldades antes desconhecidas. Não era mais tão simples criar-se um periódico, pois as regras passaram a se inscrever num quadro de profissionalismo e, sobretudo, de muita competição. Não se bancava mais uma revista

13 Vale lembrar que essa foi a etapa de ascensão de alguns dos regimes totalitários e autoritários no mundo: Itália, 1922; União Soviética, 1929; Portugal, 1933; Alemanha, 1933; Brasil, 1937; Espanha, 1939.

14 Motivo pelo qual o Anuário das Senhoras de 1934 aparece na plataforma da Hemeroteca Digital da B.N. como a segunda edição da revista, quando de fato ela seria a primeira, mas foi lançada em dezembro de 1933 para efeito no ano seguinte.

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ou pequeno jornal às próprias expensas ou com apoio de alguns “figurões”. O empreendimento requeria planejamento e capitais sólidos.15

Levando em consideração, ainda naquele contexto, que “para a produção da celulose química nacional, investimento de monta, o amparo do governo parecia-lhe fundamental”,16 debates posteriores acerca das taxas de importação levantaram divergências estratégicas a respeito do material. Os jornais A Batalha e Diário de Notícias, ambos do Rio de janeiro, já em 1933 noticiavam disputas exaltadas durante a reforma das tarifas de divisões da matéria prima do papel, revelando um pouco da articulação para abrandar a oscilação dos preços nos tipos da celulose e as tarifas da alfandega diante do governo.17

Apesar das dificuldades do período, por ser de um sólido grupo editorial, o Anuário das Senhoras circulou por um período considerável de 25 edições anuais. A isto se pode inferir que os obstáculos não superavam os benefícios lucrativos do mercado em expansão das revistas femininas, ou mesmo, que seu lançamento não implicaria em maior prejuízo diante da crise.

A revista tinha então por objetivo principal orientar a mulher nas questões do lar, da família e de si mesma, nas relações da aparência e do comportamento. Como era visível em alguns outros periódicos femininos, essas questões tornaram-se uma das principais pautas em comum entre eles, levando em consideração que havia também um fomento desses papéis femininos pelo governo.18 As revistas Fon-Fon (1907-1958), O Cruzeiro (1928-1975), e o Jornal das Moças (1914-1965) foram bons exemplos disto. Decerto estabelecidas concomitantemente pelos fortes laços da estrutura patriarcal, já que além do aspecto cultural, a defesa da família e dos deveres femininos como mulher do lar, encontravam-se previstos respectivamente na Constituição de 1934 e no Código Civil de 1916.

À vista disso, demais resquícios da conjuntura nacional puderam ser reconhecidos no conteúdo do Anuário das Senhoras. Nos exemplares de 1941 e 1942, observou-se o aumento dos assuntos que mencionavam o Brasil. Imagens de mulheres brasileiras, em especial Carmen Miranda, bem como textos que mencionam o estilo de vida brasileiro na cidade do Rio de Janeiro ganharam maior destaque em comparação aos exemplares iniciais.19 Em parte, isso se

15 MARTINS, Ana Luíza. Texto e contexto. In: Revistas em revista: imprensa e práticas culturais em tempo de República, São Paulo (1890-1922). São Paulo: Editora da universidade de São Paulo – FAPESP, 2008, p. 218- 219, 222.

16 Ibidem, p. 214.

17 UMA SESSÃO... A Batalha, Rio de Janeiro, 23 de abril de 1933, ano IV, nº 966, p. 5; A REFORMA... Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 23 de abril de 1933, ano IV, nº 1.031, p. 5;

18 DANTAS, Carolina Vianna. Fon-Fon (verbete temático), In: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - CPDOC, Fundação Getúlio Vargas - FGV.

19 Ver: BAHIANAS. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano VIII, 1941, p.

69; Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano IX, 1942, p. 63.

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atribui ao sentimento nacionalista mais aprofundado pelo Estado Novo nesse período em fase da guerra mundial. Outro marco no Anuário foram as menções à Alemanha no que condiz ao estilo de vida das mulheres alemãs e as características de beleza ligadas à força da nação, adotados durante o governo de Hitler, bem como às particularidades do país, destacando dentre elas as atrizes das indústrias cinematográficas.

Na Alemanha de Hitler, até mesmo as mulheres já formadas se adestram nos sports para enfrentar as responsabilidades e as fadigas das tarefas que lhes atribute a organização do Estado, sob o novo regimen.[...] E as mulheres são cada vez mais bellas, não dessa belleza doentia, feita de pallidez, de olheiras, de molleza, que tanto agradava aos românticos das eras passadas, mas de uma belleza, não menos precosa e não menos amada, que é como um fruto doirado, nascida do vigor physico, da saúde dos nervos: agilidade, segurança, força delicada, aço sob velludo...20

O texto divulgado no ano de 1939, não tendo como saber se foi escrito antes ou nessa mesma época do lançamento, trata o país alemão e seu governante com naturalidade. Fator compreensível visto que, anos antes da deflagração da Segunda Guerra, o governo brasileiro flertava em relações econômicas com o governo alemão, bem como foi o período de ocorrência dos jogos olímpicos na capital alemã Berlim, em 1936. Igualmente compreensível devido a simpatia com regime autoritário que estava em vigor no Brasil. O fato é que essas alusões aparecem brevemente no Anuário, observadas mais explicitamente nos exemplares de 1937, 1939 e 1940. Ficou visível, portanto, a influência da conjuntura histórica na revista, embora não se tenha conseguido mensurar com qual intuito isso teria ocorrido, ou mesmo se havia um.

Frente a leis e códigos sociais, institucional e moralmente em exercício, o Anuário claramente estampou questões dentro desse conjunto de ideias. Dessa maneira, condicionada pelos parâmetros formais ou informais dos costumes conservadores e códigos de leis em vigor, o Anuário das Senhoras seguiu os traços correspondentes ao setor tradicional, variando seu discurso em favor de linhas modernas em momentos específicos do periódico e do contexto histórico. Como exemplo, pode-se citar a questão do voto feminino e ares de defesa feminina21 que, a depender da matéria, modificava o enunciado para a favor:

Accrescentarei mesmo que a França é o paiz em que as mulheres são mais aptas a obter a liberdade que lhes recusam. Como opinião desinteressada não pode haver melhor. Não vos parece, effectivamnete, que a mulher franceza sabe o sufficiente para escolher quem a possa representar nas assembléas públicas? Não vos parece que o bom senso não foi creado para esse fim? Não queria citar exemplos, mas conheço

20 EVA sportiva. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano VI, 1939, p. 25-27.

21 Nesse ponto o sufrágio e questões ligadas a uma defesa feminina ou da feminilidade se confundem na revista.

Por vezes sendo igualadas ou discrepantes, ao ponto de que o envolvimento político destruiria a feminilidade.

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muitas em que a mulher fez voltar ao bom caminho o sexo a que tenho a honra de pertencer. Também confesso que, por isso, não me sinto humilhado.22

Ou contra:

A Turquia acaba de sanccionar a lei do divórcio, de conceder à mulher seus justíssimos direitos civis e de prometer-lhe muito seriamente hypothetica fortuna do voto político. [...] Também as hespanholas, outras enclausuradas, ainda que de maneira differente, estão quase tocando a meta da suspirada igualdade de direitos com o homem. O monstro da política, insaciável Moloch, vae receber a offerenda dos melhores e mais uteis privilégios do mundo: feminilidade, illusão, amor, ternura, dedicação maternal. [...] A política de salão, feita de graciosas intriguinhas, vae crescer até o “meeting”, o club, a polemica raivosa, a calúnia, o ódio e a onda lôdo da grande política que enferma até os homens. O equilíbrio da família vae romper irremediavelmente. [...] O contrapeso do homem, necessariamente libertado da vigilância intima e constante dos filhos, era o da mãe dedicada a estes.23

Dedicando-se a analisar a questão do voto feminino na França, o primeiro artigo do Anuário de 1936 parecia ter sido realocado de outro periódico não referenciado. A forma em que ele aparecia disposto no Anuário das Senhoras pode ser considerada curiosa para até então.

Nota-se as circunstâncias da época, com fortes debates levantados a respeito do voto feminino previsto em lei na Constituição de 1934 e em que muitas influências norte-americanas adentravam o país. Sendo obrigatório apenas para trabalhadoras solteiras, viúvas e ampliado para todas aquelas com atividade remunerada em 1935, o voto feminino ainda era facultativo para as mulheres casadas que precisavam da permissão dos seus cônjuges. Dessa forma, o texto parecia ser um estímulo ao citar o caso análogo, ocorrendo o mesmo com outro artigo localizado no exemplar de 1939, ao mencionar a luta pelo voto feminino nos Estados Unidos.24

Entretanto, também da revista de 1936, o segundo artigo evidenciava o outro lado da moeda. A poetisa uruguaia, Juana de Irbabourou (1892-1979)25, revelou sua discordância da participação da mulher na política, defendendo que “a ternura, a doçura, todas as aspirações da mulher desaparecerão na voragem” e de que isso as encaminharia “para o reinado das amazonas ou das mulheres homens”.26 Assim como na situação anterior, o texto da poetisa mostrou a

22 A MULHER e a política. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano III, 1936, p. 96.

23 IRBABOUROU, Juana de. Feminismo e feminilidade. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano III, 1936, p. 193-194.

24VITORIA do feminismo na terra da democracia. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano VI, 1939, p. 54-55.

25 Juana de Irbabourou foi uma poetisa uruguaia, cujas obras em estilo modernista, caracterizadas por imagens sensoriais e cromáticas e pelas referências bíblicas e de tons do misticismo, tinham por principais temas o sentimentalismo amoroso, a maternidade, a natureza, a beleza física e o erotismo. A escritora ganhou repercussão internacional e ficou conhecida como Juana de América por sua ampla popularidade.

26 IRBABOUROU, Juana de. op. cit., p.194.

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conjuntura da época, sendo oportuno ressaltar que ao mesmo tempo em que os ventos de uma visão moderna adentravam à revista, permanências conservadoras persistiam. Apesar da lei estar presente na Constituição de 1934, muitos cônjuges, ou as próprias mulheres casadas, resistiam a participar do evento eleitoral.

Outro ponto que caracterizou as circunstâncias e a postura do Anuário foi a questão racial. É preciso passar por essa dimensão para responder as seguintes perguntas: para que a revista servia? E ainda, para quem era voltada? Rememora-se, portanto, que a formação do Brasil se efetivou com bases estruturalmente racistas e europeizadas, no sentido de mostrar a superioridade da civilização lusitana frente a índios e negros. A escravização de ambos os povos foi o alicerce dessa premissa, principalmente a respeito dos negros. Enraizando-se na estrutura cultural do país, as insinuações preconceituosas se perpetuaram.

O movimento institucional que se iniciou em 1918 no Brasil, com a Sociedade Eugênica de São Paulo, e avançou até o início século XXI, previa o aperfeiçoamento da raça branca em detrimento dos indícios da negritude e da mestiçagem. Na tentativa de distanciar e dividir a população dita “degenerada”, essa organização se atrelou aos princípios de higienização, que consistiam na “limpeza” social e urbana. Foi nessa noção de limpeza que o movimento eugenista se pautou. O intuito era “purificar” a raça branca, pois o contato com a população negra poderia contaminá-la socialmente com doenças, pobreza e compulsões que lhes eram frequentemente atribuídas, não excluindo, portanto, a possibilidade de que brancos se tornariam degenerados. Com as noções de genética ainda muito rudimentar ou inexistentes, o pensamento que pairava na época era o de que os caracteres adquiridos seriam transmitidos pelos genes, portanto, toda forma de “degeneração” deveria ser combatida.

Desse modo, as elites brancas buscavam um meio de superar essas deficiências sociais num processo de transição racial, projetando na cor branca um futuro nacional e definindo, entre brancos e negros, uma paleta de “cores” para denominar os diferentes graus da mistura racial.27

A revista inserida nesse âmbito da moda eugênica que ainda permeava o Brasil em 1934, vinculou-se a comportamentos e princípios muito mais ligados àquelas mulheres de classe média alta que compartilhavam dos mesmos códigos sociais de seus criadores, ou que eram próximas deles. Elementos que reforçavam a perspectiva da mulher branca e com algum poder

27 Ver: DÁVILLA, Jerry. Diploma de Brancura: política social e racial no Brasil (1917-1945). Trad. Cláudia Sant’Ana Martins. São Paulo: Editora UNESP, 2006; SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças:

cientistas, instituições e questão racial no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

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aquisitivo e trânsito social foram muito destacados nas páginas do Anuário. O trabalho feminino foi uma ilustração disso.

Como observado em exemplos anteriores, o reforço da permanência no lar e da feminilidade era frequente, assim como também foi crescente o número de artigos que tratavam com certa promoção e trivialidade a atividade remunerada feminina. Todavia, “os conteúdos abordados tratavam do trabalho feminino mais leve, sem discutir questões como a inversão de papéis estabelecidos pela sociedade e ainda sem abandonar o discurso da beleza e elegância que se deveria possuir a mulher”.28

É atualmente uma necessidade reconhecida e indispensável, que faz parte da vida prática. Milhares de moças ganham a sua vida honestamente escrevendo a machina.

A perfeição e rapidez são condições indispensáveis para se escrever á machina, e hoje se adquire facilmente graças ao novo methodo de dactylographia. [...] Este methodo é reconhecido como o melhor, o mais simples e o mais prático de quantos se conhecem. Senhorita! Não hesite! Adquira-o hoje mesmo. 29

A citação acima demonstra um tipo de trabalho promovido pelo Anuário. Esses incentivos pareciam bastante dissociados da realidade das mulheres negras ou pobres que já exerciam alguma função como forma de subsistência. Assim, se havia na revista algum fomento ao trabalho feminino, era voltado principalmente àquelas mulheres que ainda não exerciam cargos no âmbito público ou que, se exerciam, poderiam funcionar mais como um complemento de renda ou questão de status. Da mesma forma, pode-se perceber características do retorno do lar na década de 1950, após a saída das mulheres para o trabalho no contexto da Segunda Guerra Mundial. Quer fosse pelo contexto ou apenas pelo maior interesse feminino nas temáticas, no exemplar de 1951, é notório o maior número de artigos que falavam sobre felicidade do lar e do casamento, inclusive para as viúvas; uma expansão de páginas na seção voltada para as noivas em comparação aos exemplares anteriores; além de maiores referências a personagens, costumes e modas pertencentes a reinados da Idade Média e ao século XIX, especialmente sobre as vestimentas.30

As representações das figuras femininas no periódico também reforçavam essa ideia, haja visto que a maioria das imagens dispostas remetiam à mulher branca e, quando não,

28 MENDONCA, Ramona Lindsey R. Vestidas de Texto: moda e comportamento feminino em Mossoró (1940- 1970). Monografia (Graduação em História) – UERN, Mossoró, 2017 (orientador Fabiano Mendes), p. 59.

29 ESCREVER á machina. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano I, 1934, p. 258.

30 Ver: Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano XVIII, 1951, p. 50, 91, 95, 116, 117, 118-122, 124, 133, 142, 148-153, 188-190, 210-211, 208-209, 258, 262, 264-255, 284.

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ilustravam as mulheres negras aderidas a certo exotismo ou em grupos sociais considerados inferiores, a exemplo das situações em sequência:

Figura 1 - Dirigir a casa com duas empregadas I. Fonte: Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A. O Malho, ano I, 1934, p. 153. (Arquivo Pessoal)

Figura 2 - Dirigir a casa com duas empregadas II. Fonte: Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A. O Malho, ano I, 1934, p. 153. (Arquivo Pessoal)

As empregadas bem adestradas e efficientes são hoje raras. Talvez esse estado de cousas não se deva a que o trabalho seja pesado, pouco interessante ou mal pago, mas á falta de liberdade e às horas seguidas de trabalho. [...] Em outros tempos, quando o serviço doméstico era mais barato, as donas de casa de mediana posição podiam permittir-se o luxo de ter várias creadas: cozinheira, ama, mucama etc. Hoje, hão de contentar-se com a cozinheira e a mucama, no máximo. Quando havia várias creadas

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na casa era fácil, fazendo uma combinação entre ellas, dar a cada uma horas livres, revezando-as no trabalho. As cousas mudaram. Uma cozinheira e uma arrumadeira para todo o serviço, naturalmente têm mais que fazer, portanto é preciso adotar novos methodos para tornar as tarefas menos pesadas [...]31

O texto, no qual as imagens se inseriram, evidenciava a melhor forma de resolver desavenças entre patroa e empregada, além de projetar como a dona de casa poderia auxiliar no cuidado do lar quando se tinha poucas criadas devido ao aumento do valor de custo do trabalho.

A figura 1 mostra duas empregadas representando doméstica e cozinheira, respectivamente, ambas com traços da população afrodescendente, revelam a relação entre ideias de inferioridade racial e ocupação profissional. Assim, mesmo numa provável distinção de tonalidade de cor entre as empregadas, ambas se irmanariam na condição de mulher pobre não-branca.

Dessa forma, a revista serviu muito mais para enunciar particularidades cotidianas atreladas à essa minoria elitizada e às concepções e narrativas que giravam em torno dela. Muito se deve à condição de fundação e aos seus genitores essa vinculação elitizada, merecendo destaque especial a diretora Alba de Mello e a editora O Malho.

2.1.2 O contexto na revista

Nascida e criada em meio as pompas e prestígio da “alta sociedade”, Alba de Mello rodeava-se de pessoas importantes, entre as quais muitos escritores que compartilhavam da mesma posição social e colaboraram com o Anuário das Senhoras. Todas as edições do Anuário contaram com a participação de Alba de Mello como diretora e colaboradora. Seus artigos versavam sobre comportamento feminino, moda, casamento, eventos sociais e cinema;

temáticas também publicadas por ela nas colunas femininas de outros periódicos. A maioria desses conteúdos estava imbricada às concepções parisienses ou hollywoodianas de vestir, de aparentar e de ser. Suas produções e a de parte dos signatários no Anuário revelaram certo conhecimento e atualização sobre assuntos históricos e de outros países. Isso explicaria, em tese, o motivo pelo qual as publicações da revista tinham essa visão da “alta sociedade”.

Entretanto, acredita-se que isso não excluía possibilidade de ser uma leitura interessante e vendável para as mulheres de estratos sociais mais humildes, o que possivelmente se daria pela

31 DIRIGIR a casa com duas empregadas. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano I, 1934, p. 153.

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aura de glamour e encantamento do produto. Um reconhecimento disso pode ser visto no trecho a seguir:

A pobreza perdeu, em nossos dias, sua primitiva dignidade. Devolvei-a. Recordae que é uma dama e não uma aventureira, e tratae-a como tal. A dama vestida com um

“negligé” rosa costuma olhar com desdem a vizinha de defronte, que, às vezes, usa avental, murmurando: - Não sei como permitte que o marido a veja assim. Senta-se para a primeira refeição matinal em companhia do marido depois de haver passado uma hora varrendo o pateo. Se reparasse um pouco mais, notaria que a vizinha do avental está perfeitamente penteada, tem uma camada nova de pó de arroz na pelle lavada e cheirosa a bom sabonete. Tudo isso ás sete da manhã. [...] A verdadeira esposa é a que sabe usar com graça um avental, que dirige a casa com perfeição, procurando motivos de alegria e bom humor no canto em que vive, tratando-se, é certo, de accordo com as próprias posses materiaes, sabendo não descolorir o encoanto de um vestidinho “voile” quando lhe não seja facultada a graça de um “deshabillé” de seda ou de um pyjama de luxo.32

Nesse registro, percebe-se que há um incentivo ao conformismo com a simplicidade no lar, tanto na aparência física, sem muitas maquiagens e adornos, quanto na vestimenta, não vendo problema no avental desde que se soubesse cuidar da casa com perfeição e conservar a alegria ao lar, comportando-se de acordo com suas posses. Vê-se também o estímulo aos cuidados e à limpeza pessoal e do lar, característico das noções higienistas mencionados anteriormente. Os elementos que ela comportava pertenciam mais a uma perspectiva elitista do que popular. Em razão disso, pode ser considerado o próprio nível de formação educacional das mulheres leitoras:

Desde o início do século XX, a sociedade brasileira esperava que as mulheres ocupassem novos papéis no âmbito doméstico e na esfera pública. A escolarização em larga escala das meninas está associada a esse fenômeno socioeconômico. Foi a partir dessa época que as filhas das famílias das elites e dos setores médios passaram a frequentar o curso primário, o ginásio e, eventualmente, o secundário nas escolas confessionais católicas femininas e de outras congregações religiosas presentes nas capitais dos estados da federação.33

Considerando os dados educacionais, pondera-se que tanto as mulheres que escreviam para o Anuário quanto a possível minoria das leitoras poderiam se encaixar nessa realidade de mulheres de famílias abastadas que tinham acesso à educação ou, no mínimo, a saída das taxas de analfabetismo. Apesar de no contexto de nacional-desenvolvimentismo, vivenciado pelas décadas 1930 e 1950, que em tese as pessoas pobres e “de cor” pudessem ser incentivadas à

32 SER feliz na pobreza. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano I, 1934, p.

134.

33 AREND, Silvia Fávero. Trabalho, Escola e Lazer. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (org.).

Nova história das mulheres do Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. p. 72.

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educação pública, a permanência para as meninas mais pobres no sistema educacional era mais difícil devido a dupla jornada de trabalho e estudos, visto que muitas já iniciavam jovens no trabalho doméstico: “as que conseguiam fazê-lo procuravam ao menos completar o antigo curso primário, pois o fato de serem alfabetizadas poderia lhes proporcionar maiores chances no mercado de trabalho”.34 Sendo assim, conjectura-se uma certeza e uma possibilidade: a de que as signatárias do Anuário eram mulheres abastadas e, portanto, enraizadas numa perspectiva mais elitista; e a de que as potenciais leitoras poderiam ser uma mistura do estrato elitista com uma camada dos estratos médios e eventuais mulheres escolarizadas das camadas pobres.

Quanto a editora O Malho, seu posicionamento dentre as mais conhecidas revistas e composição por nomes de notoriedade no meio social, trouxe para o Anuário das Senhoras o crédito ou mesmo a visibilidade que a editora detinha. De modo geral, sabe-se que a editora O Malho iniciou, em 1902, com o periódico de mesmo nome, o qual possuía um cunho político e humorístico tratando do fundo histórico do desabrochar da Primeira República e dos seus trâmites por meio da perspectiva caricaturada e crítica dos segmentos sociais, como aborda Maria Celeste Mira:

Progresso técnico e divisão do trabalho farão das revistas do novo século um espetáculo à altura, com muitas fotografias e ilustrações coloridas dispostas numa diagramação mais leve e atraente. [...], Mas a grande novidade mesmo são as mais populares e de vida mais duradoura, como a Revista da Semana, O Malho, Fon-Fon, Careta e Dom Quixote. Nelas, acontecerá a época áurea da caricatura, com nomes como os J. Carlos, Raul Pederneiras, K. Listo, Julião Machado e tantos outros não menos importantes. Concentrando a carga crítica e humorística das revistas, elas retrataram os fatos e personagens que fizeram a política, a cultura e a vida mundana da época. 35

A O Malho, assim como outros periódicos da mesma época, marcou a história da imprensa e dos impressos por trazer inovações nos aspectos de produção e material dos exemplares. A revista e a editora, fundada por Luiz Bartolomeu de Souza e Silva e Antônio Azeredo, tendo como diretor artístico Crispim do Amaral, ganhou ao longo dos anos maior força e penetração no meio editorial, iniciando com a feitura dos periódicos A Tribuna e d’O Malho e, posteriormente, passando a incorporar outras produções ao longo das diversas presidências que a editora teve.36 Sob o comando de Luiz Bartolomeu de Souza e Silva, a editora ainda publicou as revistas Ilustração Brasileira, O Tico-Tico, Almanaque das Crianças e a Leitura para Todos.

34 Ibidem, p. 76.

35 MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revistas: a segmentação da cultura no século XX, p. 21.

36 BIOGRAFIA de O Malho. O Malho, Rio de janeiro, set. de 1952, ano L, nº 152, p. 29.

Referências

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