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2.2 POR DENTRO

2.2.1 Nas malhas d’O Malho

Nas páginas anteriores, pôde-se perceber como era a conjuntura econômica mundial à época do lançamento da revista. A imprensa brasileira, como bem remontou Ana Luiza Martins, encontrava dificuldades com a importação e fornecimento da matéria prima do papel, o que perdurou até depois da década de 1920, juntamente com os novos desafios da profissionalização e planejamento que necessitava o ramo gráfico.49 Os exemplos dos noticiários do Rio de Janeiro mostram as notas informando as diferentes perspectivas de preços.

É através delas que se pode analisar de que maneira os debates das taxas e divisão dos produtos para importação da celulose se tornaram tão importantes para imprensa brasileira, na forma de organização do ramo:

O sr. Fabrino pede a reabertura da discussão sobre o TRITEX e CELOTEX afim de fazer uma proposta no sentido de incluir esses dois artigos na classe da cellulose ao contrário do que a comissão havia resolvido, classificando-os impropriamente como madeiras Madeiras Artificines. Nesse sentido o exhibiu amostras para aprovar que aquelles artigos em hyphotese nehuma poderia ser considerado como MADEIRA ARTIFICIAL e sim como PASTAS DE MADEIRA. [...] Dando em seguida a palavra ao sr. J. R. Azeredo representante de diversas Associações de classe. O orador tece longas considerações em torno da cellulose como matéria prima e apoiado pelos seus companheiros de apresentação manifesta-se contrário a elevação de taxas para esse producto que segue: diz á matéria prima não produzida no país indispensável a Indústria de Papel.50

Por parte da indústria, estiveram o srs. Pupo Nogueira, Gosing, Kronhans, e, por parte do commercio importador, os srs, Victorino Moreira, Cornélio Jardim, Fabrino e Azeredo. [...] Inicia os debates o sr. Pinto Brandão, que lê as suggestões recebidas sobre o assumpto. Uma do Centro dos Fabricantes Nacionaes de Papel, desfavorável

49 MARTINS, Ana Luíza. Texto e contexto. In: Revistas em revista: imprensa e práticas culturais em tempo de República, São Paulo (1890-1922). São Paulo: Editora da universidade de São Paulo – FAPESP, 2008, p. 218-219, 222.

50 UMA SESSÃO... A Batalha, Rio de Janeiro, 23 de abril de 1933, ano IV, nº 966, p. 5;

á sub-divisão da pasta de madeiras em celluloses chimica e mecanica, pois julga que tal proceder prejudicará a entrada de matéria prima não só pelo augmento do imposto para a cellulose chimica, agravado em 100 por cento, como porque sobrevirão difficuldades para a conferencia alfandegaria. Pede, finalmente, o Centro, manutenção da taxa adoptada. A segunda suggestão pela Compahia das Industrias Brasileiras Portella S.A., com seu ponto de vista relativo a taxação cellulose, propondo que o producto de 2ª e 3ª qualidades sejam equiparados á mecânica, desde que seu custo não vá além de oito libras por tonelada, sendo que a de primeira qualidade tem valor maior.

[...] Em face da terceira suggestão, da Camara de commercio importador de São Paulo, o relator concorda que a pasta mecanica tem mais valor, mas pensa que valeria mais, ao invés de fixar duas taxas, como acontece no projecto, manter-se uma taxa média única, que, no seu ver, simplificaria o trabalho de conferencia. Atendendo a esse critério propõe a taxa de $015 para as duas qualidades.51

Os respectivos trechos citados, dos jornais A Batalha e Diário de Notícias, do ano de 1933, mostravam as dificuldades de divisão da celulose e os debates acarretados pela taxação de ambas, indicando maiores e menores preços à medida que variavam as partes envolvidas.

Num panorama conjuntural dos textos, observa-se que ainda nesse período a importação de celulose era fundamental para indústria do papel no Brasil e que, definitivamente, havia um envolvimento de figuras da imprensa brasileira sinalizando uma organização interna.52 Já no ponto de vista estrito, a menção ao “Sr. Fabrino” sugere que seria ele a mesma figura que assumiu a diretoria da empresa O Malho no período em que esteve sob propriedade da empresa Pimenta de Mello, já em 1929,53 e que também teria feito parte da diretoria da Associação de Imprensa Brasileira - ABI.54

O cenário de instabilidade econômica, em conjunto com a ligação de José Fabrino com o governo e a imprensa, tornou-se intrigante para esta pesquisa, visto que, sejam quais fossem as razões, essas participações, três anos antes, acarretaram profundas acusações, tanto para J.

Fabrino quanto para empresa O Malho. As críticas tecidas pelo jornal Diário Carioca de

“contrabando multiforme do papel para imprensa, contrabando que naturalmente só podia ser exercido pelos jornaes ligados à situação política deposta”,55 seria a principal acusação à empresa O Malho. A potência que a empresa detinha em período de dita “escassez” chamava atenção: “a circulação de um jornal, no seu primeiro número, e com o título de ‘Eu vi’, em papel

51 A REFORMA... Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 23 de abril de 1933, ano IV, nº 1.031, p. 5;

52 Para um maior aprofundamento a respeito da fabricação do papel, ver: IUMATTI, Paulo. T. Arte e trabalho:

aspectos da produção do livro em São Paulo (1914-1945). São Paulo: HUCITEC/ FAPESP, 2016; SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 4ª ed., 1999, p. 380.

53 De acordo com nota falecimento de seu pai do jornal A Manhã, José Fabrino já seria diretor da S.A O Malho em 1929. Ver: FALLECIMENTOS, A Manhã, Rio de Janeiro, 27 de ago. de 1929, ano IV, nº 1.145, p. 5.

54 Ver: A SESSÃO semanal da directoria da A.B.I. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 1 de mar. 1930, ano LV, nº 51, p. 4.

55 A situação deposta mencionada refere-se ao governo de Washington Luís, conforme pode ser observado na citação.

com marca d’agua”.56 Envolveram-se, portanto, as posições políticas dos representantes da empresa O Malho, com os cargos exercidos no meio da imprensa:

O segundo número de “Eu vi” tudo esclarece. Pertence elle ao “O Malho”, porque nelle se vê como director gerente o famigerado Souza e Silva, que ocupa egual posto nas demais revistas da empresa. Tambem não seria difícil encontrar-se entre os maiores beneficiários do governo deposto o felizardo que poderia ter dinheiro para comprar uma machina de rotogravura. Os serviços do “Malho” não valiam apenas esse milhar de contos de réis... valiam bem mais. O que não está certo é que continue a privilegiada situação da empresa em que o consul Fabrino [...] era o porta-voz do P.

R. P. “O Malho” adquiriu uma propriedade inavaliavel no governo de Washington Luís.57

Não foi possível verificar o nível de envolvimento de ambos representantes da empresa O Malho ou a veracidade do texto. No entanto, é interessante constatar que em 1926, por meio da nota de 25 anos do aniversário d’O Malho, o jornal O Paiz destaca que a revista seria em

“grande parte feito em papel ‘couché’ e impresso com carinho com que costuma sahir as obras de Pimenta de Mello”, apontando o uso comum de papéis mais elaborados e, portanto, mais caros.58

Além disso, em 1934, tinha-se no primeiro exemplar do Anuário das Senhoras a impressão em capa dura. Sabendo de uma possível alta nos preços da importação dos papéis e celulose, simultaneamente à regulamentação do governo das tarifas alfandegarias e do próprio material que deveria chegar à imprensa, seria decerto contraditório a estrutura desenvolvida pela empresa e a qualidade de seus produtos se não houvesse algum benefício pelo alinhamento.59 Contudo, essa se torna uma lacuna que pode vir a ser esclarecida em pesquisas futuras. Por enquanto, essa informação é no mínimo curiosa para perceber que, por mais que o Anuário tivesse iniciado com certa estrutura, esse padrão, ao menos na capa, não foi continuado.

A primeira capa, do Anuário de 1934, de longe é a que mais chamou a atenção. No seu primeiro ano, a capa dura e grossa lembrava muito a de um caderno comum, para os dias atuais, de capa dura e envernizada. A estampa da capa desse ano, 1934, era a imagem de uma mulher abrindo a revista numa espécie de espiral que repetia a imagem na medida que ia diminuindo conforme a figura. Essa retroalimentação facilmente se encaixaria na interpretação de que essas

56 O QUE se precisa ver. Diário Carioca, Rio de Janeiro, 7 de nov. de 1930, ano III, nº 725, p. 1.

57 Ibidem, p. 1.

58 O NOSSO anniversario. O Malho, Rio de Janeiro, 2 de out. de 1926, ano XXV, nº 1.255, p. 43.

59 É importante salientar que as críticas feita a empresa O Malho e a revistas da Pimenta de Mello provinham de periódicos da oposição ao Governo Provisório. Logo, as revistas da Pimenta de Mello e O Malho já se encontravam na época em apoio ao governo, o que não exclui a hipótese de que esses periódicos poderiam sim ter recebido algum tipo de apoio por sua aliança. Ver: SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 4ª ed., 1999, p. 371.

figuras femininas poderiam representar as leitoras que o Anuário recém lançado iria comtemplar e as mesmas leitoras que iriam se “encontrar” e se “conectar” umas as outras a partir das dicas e conteúdo do periódico.

Em contrapartida, o Anuário de 1936 chegava as vendas um pouco mais diferente que o ano de 1934. Este número não possuiu aquela capa “envernizada”, que atualmente se apresenta nos cadernos escolares de capa dura. Contudo, sua capa permaneceu impressa em folha grossa, um pouco mais maleável, e apresentou um aspecto granulado ao toque, que ainda lembraria às leitoras o material sofisticado que elas tinham em mãos e que ao mesmo tempo parecia ser mais ajustável ao manuseio do dia a dia. Graças as estampas da capa, o design mostrou-se mais detalhado pelas barras floreadas que vinham nas partes superior horizontal e lateral vertical, bem como ao novo estilo de grafia usado no título. Entretanto, na questão de ilustrações e imagens que o Anuário de 1934 apresentou, a edição de 1936 não as possuía mostrando-se mais simples.

É interessante salientar que no geral esse modelo do ano de 1936, principalmente na impressão e no material, era o que iria prevalecer na maioria dos anos que se seguiram para o Anuário das Senhoras, variando apensas em alguns detalhes que serão mostrados a seguir.

Na edição do ano de 1937 a impressão da capa do Anuário das Senhoras se apresentava no mesmo padrão do ano de 1936, modificando-se apenas na textura da folha da capa que daquela vez se tornou lisa ao toque. O diferencial da impressão desse número era o relevo salteado somente das letras do titulo da revista em destaque no centro da capa.

No Anuário de 1938 o destaque da capa e do título se davam especialmente pelas cores vibrantes. Enquanto os detalhes no papel perderam o tato, as cores pareciam saltar aos olhos dessa vez trazendo uma maior mistura de tons de brasilidade, o verde, o amarelo e o azul, juntamente do vermelho que complementava a cor das flores.

Na ano seguinte, a capa de 1939 retornava com o relevo no papel: um mosaico se conectando e formando a estampa de flores da capa. Desta vez, com cores bem menos vibrantes, as cores características da bandeira brasileira ainda se apresentavam, bem como o relevo saliente nas letras do título, semelhante ao do ano de 1937.

O padrão permanece o mesmo nos anos seguintes, de 1940 a 1958, alterando apenas os tipos de granulados no papel da capa e a forma das estampas, geralmente flores de tamanho diferentes ou esboço do que parece ser um azulejo, na capa de 1940. Já com relação as cores das capas e do título no geral, ora variavam para as cores nacionais, como foi mencionado, ora versavam entre o amarelo e o vermelho, ou entre o cinza, o azul e o coral, sendo estas cores mais frequentes de serem encontradas ao longo de todas as capas do Anuário. Entretanto,

algumas dentre esses anos seguintes chamaram a atenção pela diferenciação do padrão de estampas e detalhes, com flores ou título enormes, sendo eles os anos de 1946, 1950, 1952, 1955 e 1958.

A capa do Anuário de 1946 trazia como ilustração um quadriculado xadrez, em vermelho e preto com pequenas listras amarelas, que lembrava muito uma toalha de mesa ou, melhor ainda, um embrulho de presente de natal requintado. O título, o preço e o número da edição, dessa vez apareciam dentro de um pequeno retângulo meio diagonal de cor bege, que remetia a dedicatória ou bilhete que geralmente aparecem na embalagem do presente.

Já a edição de 1950 tinha um aspecto diferenciado das demais devido as grandes e espaçadas tulipas, flor não muito destacada ou comum nas capas, bem como pelo recuo do título, do preço e do número ao canto inferior direito da capa, que davam um caráter menos

“poluído” à capa, juntamente das cores em tons pastéis do azul, do verde e do amarelo, por sua vez predominante ao fundo.

Essa valorização da imagem em detrimento do título chamativo também apareceu no ano de 1952. Nesse número, uma mescla de minúsculas flores, arbustos e folhas azuis-escuros lembravam paisagens tropicais que se completavam com a delicada e pequena grafia do título da revista, no canto superior direito, e do preço e número, do canto inferior esquerdo, dando graça e elegância. Outro característica particular dessa capa são as cores: o azul-escuro, o vermelho, o bege rosado e o cinza em cima do fundo cru e texturizado dão um toque harmônico para a composição das ilustrações.

É importante pontuar que a grafia menor e mais recuada do título, especialmente no Anuário, aparecia com maior frequência a partir da década de 1950, sendo o título do ano 1955 o único do decênio na revista que se apresentou em proporções maiores na barra horizontal superior da capa. Além desse detalhe a capa do ano de 1955 também se diferenciou tanto pelas linhas geométricas que separavam título e assuntos, que vinham na capa nesse ano, bem como pelo uso das cores verde, azul e branco em blocos que ajudavam a dar ênfase as divisões, lembrando um design mais urbano que se apresentou também na capa do último ano do Anuário das Senhoras.

A edição de 1958 em capa de folha lisa e grossa, assim como outros exemplares, esboçou em tons de azul, vermelho, amarelo, branco e cinza o que parecia ser um complexo de casas. A chaminé e a fumaça que saía dela, o corrimão, os telhados e muros com tijolos bem marcados definiam uma paisagem urbana e ao mesmo tempo caseira e intimista, assim como o lar de cada leitora que acompanhava o Anuário durante os 25 anos de sua circulação. O detalhe urbano utilizado nessa capa parecia fechar com chave de ouro remetendo, interpretativamente,

à sua circulação. Outro detalhe que também chama a atenção para o ponto da circulação e do seu término são os galhos de uma árvore seca que aparece bem ao fundo das casas e que elevam o olhar até o título da revista no canto superior esquerdo. Em segundo plano, mas coincidentemente centralizada, a árvore e seus galhos secos metaforicamente parecia anunciar o fim do impresso.

À vista disso, com o Anuário das Senhoras em mãos, as leitoras tinham acesso a um produto com os seguintes critérios: maior parte de seus exemplares apresentava capa e folhas grossas, formato de brochura de 20x28 centímetros, e arte da capa sempre com elementos geométricos planos e ligados à concepção de feminino, assemelhando-se linhas, ondulações e estampas com aspectos da flora. Quanto à quantidade de páginas, tinha-se uma média entre 200 e 300 páginas por exemplar, quantidade essa que se deve principalmente à sua tiragem ser anual.60 Por ter o traço de anualidade, a revista reunia a maior parte de assuntos e temas para uma única publicação trazendo questões em torno do ano a ser publicado, bem como de temáticas antigas e “modernas”. Era nessa apresentação que o Anuário das Senhoras se tornaria, durante 25 anos, um dos clássicos da empresa.