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4.3 A MULHER E A MORAL

4.3.2 Feiura de espírito

Em diversos estudos publicados na Revista “O Malho”, procuramos analisar a influência extraordinária da mulher na biografia de grandes personalidades [...]. Por isso meditamos seriamente sobre o papel da mulher na história, pensando na sua nobre missão no futuro. Isto é, na reconstrução do mundo. Ninguém, atualmente, pôde deixar de trabalhar, já escrevemos. A mulher, que, pela sua própria natureza já desempenha alto papel social, precisa também produzir. Hoje todos os povos cultos exigem muito dela. Mas a mulher sabe corresponder nobremente a essa necessidade.

Ela desenvolve, agora, a sua atividade não somente no lar, na educação dos filhos e serviços domésticos, como também nas fábricas, usinas e repartições públicas, enfim, em toda parte em que o seu trabalho fór solicitado. Dá igualmente os seus préstimos ao Exército, Marinha e Aviação. A realidade é esta. As mulheres hoje cooperam com os homens não só na paz como na guerra; na paz, labutam na agricultura, indústria e comércio, e assim contribuem para aumentar sensivelmente a produção da riqueza nacional: na guerra, com a mesma competência e presteza, fabricam canhões, tanques e todo o instrumental bélico moderno. Dentro de tais fatos, a educação feminina tem, agora, um sentido realista. A mulher que não produz é tida como parasita, como autêntico elemento social negativo. Por isso ela é obrigada a agir em todos os setores da vida da sociedade moderna. Aliás, a mulher unicamente pode fazer valer os seus direitos pelo trabalho, competência e capacidade de produção, mesmo porque, na presente época, os direitos só se conquistam pela atividade rendosa e fecunda. Mas a sua situação, apesar de inúmeros inconvenientes, melhorou muito. Assim deixou de sér escrava do homem, conquistou a sua liberdade e emancipou a sua inteligência,

318 JR, Max Factor. Segredos de Hollywood. In :Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano IX, 1942, p. 24.

podendo viver a sua vida com independência, e seguir, nas relações sociais os seus impulsos afetivos e sentimentais. [...] 319

O texto assinado pelo Prof. Humberto Gerand320 parecia uma adaptação trazida da revista central d’O Malho para o Anuário das Senhoras. Nele, observa-se o tom exaltante das conquistas femininas nos tempos de guerra e fora dele. Inicialmente, as mulheres mesmo sob influência dos seus “impulsos afetivos e sentimentais” pareciam bem quistas no espaço público.

No entanto, dando uma reviravolta, o texto apontava para sua maior contribuição no âmbito privado:

A educação feminina é, na época presente, da maior importância social, porque a mulher tem magno papel a desempenhar no advento de uma éra para o mundo. Ela representa, nunca o esqueçamos, a existência contemplativa e estética, como expansionar fortemente os mais doces sentimentos da alma humana, desenvolvendo-lhe o sentido da beleza pela graça, ternura, nobreza peculiares, que desperta amor à vida, tornando-a mais radiosa e agradável. A mulher é, inegavelmente, a protetora do lar, o anjo da família e o encanto da sociedade. É a mãe carinhosa, a esposa afetiva, a irmã dedicada, em suma, o complemento necessário do homem, para ele atingir as suas funções sociais e humanas. Por isso, atrás de todas as grandes obras da humanidade, está a mulher com o seu benéfico influxo, inspirando o gênio masculino.

A mulher, em muitos aspectos, chega, por vezes, a ser superior ao próprio homem pela sua graça, ternura e bondade. Mas para ser verdadeiramente útil à sociedade, cumpre-lhe cultivar o espirito, procurando, de acôrdo com a natureza das suas funções, adquirir conhecimentos enciclopédicos, para, deste modo, habilitar-se, tornando-se apta a educar os filhos e orientar o esposo, procedendo sempre com consciência e elevação. Ela não deve deixar-se explorar por doutrinas exóticas. É ridículo, por exemplo, querer igualar-se ao homem. Jamais deve, pois, aceitar esse feminismo vulgar, hoje infelizmente tão divulgado. Não. A mulher tem mais nobres funções na vida, e o seu papel pôde desempenhá-lo cabalmente com solicitude e bondade na prática dos seus atributos afetivos. É mister, agora, melhorar a vida social com a contribuição ativa da capacidade feminina, orientada na execução do seu verdadeiro papel; cumpre, no mais, restabelecer a dignidade do belo sexo e fazer a apologia da mulher, porque a ela cabe eminente posição na grande obra da reconstrução social, a mulher precisa compreender-se e feminizar-se cada ver mais.

Só assim ficará fiel a si própria e poderá influir beneficamente no espirito do homem.

E dessa feliz polarização, não há dúvida alguma, nascerá um mundo novo. Confiemos na mulher. 321

Num panorama geral, o artigo tenta ressaltar a importância da mulher e do seu papel para o futuro, colocando a influência das personagens históricas em suas trajetórias de vida, abordando, como foi visto, duas perspectivas diferentes: sua importância no trabalho público e em sua ocupação doméstica. Num movimento centrípeto, os elogios ao “espírito feminino” e

319 GERAND, Humberto. O papel da mulher na história. In :Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano XIV, 1947, p. 188-189.

320 Nenhuma ocorrência pelo sobrenome “Gerand” foi encontrada. Contudo, há menções no Jornal do Brasil acerca do professor e jornalista Dr. Humberto Grande, membro da Faculdade de Direito do Paraná. Ver: O PARANÁ...

Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 de jun. 1939, ano XLIX, nº 146, p. 6. Disponível em: Hemeroteca Digital Brasileira.

321 GERAND, Humberto. op. cit., p. 188-189.

do lar, coloca para dentro da casa a confiança da mudança feminina, voltando-se para educação de ser sempre bela, zelar pelos filhos e orientar o marido. O texto reforça a ideia lançada também no comercial da Nestlé, da edição de 1955.

Dessa forma, tomando quase a mesma postura que Alba de Mello mencionava em 1929, na página 55 do primeiro capítulo deste trabalho, o artigo favorecia a perspectiva de conquista da mulher feminil, porém não da mulher “feminista”. A feiura do feminismo, de querer igualar-se ao homem, da rejeição ao igualar-seu “papel afetivo”, de solicitude e bondade na criação dos filhos e na orientação do marido, era, pois, aviltante a sua função social, já que acabava com a

“polarização” do papel masculino e feminino trazia felicidade ao mundo.

A sacralização da mulher também podia ser percebida na revista de 1952, na poesia intitulada “Obra prima”, de Vitor Choulier322:

Á Bernadete.

322 Nenhuma menção sobre a vida e obra do autor foi encontrada.

323 CHOULIER, Vitor. Obra Prima. In: Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano XIX 1952, p. 46.

Mostrando uma paixão avassaladora, os versos acima descreviam uma mulher perfeita, quase sacra, aos olhos de homem. Conforme mostra Sant’anna, a beleza tinha esse efeito:

A beleza se opõe às qualidades do espírito confirmando e atualizando o secular dualismo entre corpo e alma. De todo modo, idolatrada ou ferozmente criticada, ela é concebida, em grande medida, como sendo uma doação da Natureza Divina. As razões da beleza tendem a permanecer envoltas entre mitos e gestos divinos. 324

Por meio dela, percebia-se a beleza da mulher sedutora, angelical, bondosa, meiga, iluminada, encantadora e casta. Decerto, seria extasiante se ela não revelasse por traz desses desígnios o ideal do que seria o sentido oposto. Uma mulher feia, longe da perfeição moral, beirava o repulsivo, a macula, a crueldade, a grosseria, a escuridão, o desencanto e a impureza.

A maioria dos adjetivos quando não revelava uma personalidade má, denotava a lascívia que poderia possuir a mulher.

A feiura da maldade feminina também poderia ser vista no Anuário de 1947, no artigo

“o segredo da simpatia”: “O segredo da simpatia consiste em esquecer-se completamente de si mesmo. [...] A formosura nada importa, nem importam adornos, joias, talento se, na mulher, não são acompanhados de uma cara risonha e de um bondoso coração”.325 Nesse caso, a beleza de estar sempre risonha e bondosa, parecia vir acompanhada do dever de parecer sempre satisfeita e generosa com tudo e todos. Ser desagradável e ou desinteressada poderia ser considerado um quadro extremo de feiura moral.

A simpatia como beleza moral, tanto feminina quanto masculina, já era pauta no ano inicial da revista.

Uma folha parisiense abriu uma enquête a respeito, ouvindo opiniões nos meios mais acreditados das sciencias, Artes e Letras das cosmopolis europeias. [...] – No homem eu distingo a inteligência e a polidez, principalmente a polidez. A polidez exprime, não somente o que o homem possue de educado, de civilizado, mas também seu grau de sensibilidade e de discreção, seu valor moral. [...] – Nos olhos de uma mulher, eu vislumbro o reflexo de sua alma. [...] Eu me achego aos olhos doces com um prazer inaudito; admiro os olhos fortes, mas logo me afasto. [...] – Nas “pequenas” é a aliança. Nem se discute. [...] – Tanto em Eva como em Adão, o que para mim mais attrahe é, sem dúvida, a aura da sympathia. Não há nada que iguale esse subtil effluvio da alma!326

324 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Cuidados de si e embelezamento feminino: fragmentos para uma história do corpo no Brasil. In: ______. Políticas do Corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995, p. 126.

325 HUGO, Victor. O segredo da simpatia. In: Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano XIV, 1947, p. 266.

326 O QUE chama logo a atenção: numa dama e num cavalheiro. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano I, 1934, p. 2.

O artigo “O que chama logo a atenção: numa dama e num cavalheiro” mostrava às leitoras os atributos de beleza parisienses, então expostos no Anuário. Perceber a beleza feminina nos detalhes da alma que os olhos revelavam, na docilidade, na solteirice e na simpatia, denotam os atributos afetivos e matrimoniais que a mulher atraente deveria possuir, colocando como feiura os olhos fortes, a indisciplina e a antipatia. Além disso, a beleza masculina estaria na atitude educada, civilizada, polida, na moral, evidenciando pelo contraste com atributos feminino uma postura muito mais altiva para eles e uma compostura mais modesta e apagada para elas.

Se a conduta feminina era especialmente atrelada as emoções como forma de beleza, nelas também existiam a feiura dos sentimentos, tais como a depressão, a inveja, a raiva, a infelicidade e o nervosismo:

Nenhuma mulher, velha ou moça, deve deixar-se dominar por desagradáveis emoções de tão desvastadores efeitos na saúde fisica e mental. Deixar-se dominar pelas emoções, por pensamentos depressivos, é coisa que destroça o coração, torna a pessoa desgraçada, cheia de amargura e isto se reflete no rosto. Não é só com a saúde fisica que se constróe o templo da beleza. Deve estar presente a saúde espiritual. Tem de ser cultivada a doçura da alma, a tolerância para com os outros, aceitando-se com paciência e benignidade defeitos e erros... E' esta compaixão que confere beleza á cara, classe de beleza que não se consegue em nenhum salão “especializado”. As crianças não são as únicas que padecem de sardas. Elas se extendem às mulheres e aos homens já adultos. São as emoções, a iracibilidade que influem sobre o coração, aquecem demasiado a circulação do sangue, o organismo e o estomago especialmente funcionam mal, alterando a função dos nervos. Dar livre curso a estas condições altera o aspecto da cutis. [...] Os cuidados aceleram a velhice mais do que os anos. A inveja é uma emoção despresivel e repugnante. A vista escurece e por isso costuma-se dizer que se está vendo tudo preto. Estabelece-se uma luta entre o fisico e o moral. As emoções agradaveis dão brilho á fisionomia, brilham os olhos, as maçãs do rosto adquirem cór, o rosto torna-se vibrante e encantador, fazendo transparecer a juventude que ainda não desapareceu de todo. O porte reto e elegante, a firmeza, a franqueza nos atos, dão a sensação de um donaire que deixa atrás qualquer aparência de idade maior.

327

E assim preceitua: a irritabilidade, o descontentamento, a propensão á cólera atacam lentamente o organismo. Perturbam todas a funcções comas quaes o systema nervoso regula a actividade. [...] O receio, o medo perturbam as fucções da vida. Tristeza e abatimento causam também vários distúrbios no organismo. [...] Como preencher estas condições de suade moral, evite: ... pensar demais nas doçuras do passado, porque voltear pelas lembranças é esmorecer a vontade, o que não muda os acontecimentos do presente. Quando isso se dá torque de logar e faça um trabalho manual. [...] Repita, faça e creia: [...] decida-se a servir; [...] procure ser paciente. 328 Nervosismo é doença que atormenta a raça humana. Hoje em dia, a tendência ao nervosismo é uma característica das mulheres em toda a parte do mundo, e devida a presente guerra, circunstâncias, de emergências, e a alta tensão da vida. Entretanto, é necessário a toda senhora arranjar tempo para resguardar um dos mais preciosos

327 VIVE, Madame Qui. O cultivo da beleza. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano IX, 1942, p. 284.

328 MANTENHA-SE em forma com pequenos recursos físicos. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano VIII, 1941, p. 36-37.

“Stocks” de que pode auferir a graça feminina. Quando uma pessoa chega a sentir-se cansada, exausta, nervosa, sulcos e rugas automaticamente vincam o rosto. Tais linhas danificam a beleza, mesmo nas mais belas criaturas. [...] Quando se sentir com os nervos distendidos, repouse, coisa mais fácil de dizer que fazer. [...] Dessa maneira duas vantagens se completaram. Primeiro todo o abismo de ansiedade produzido pelos sulcos e rugas foi perfeitamente solucionado, pois desapareceram da testa, e de volta aos olhos, as linhas indesejáveis. Segundo os da face passaram a respirar, e a pele lucrou com este rápido elemento de “make-up”. [...] Não vacile. Praticando as sugestões que aí ficam, o espelho dar-lhe-a conta de quanto colaborou em pról da beleza. 329

Ambos os artigos traziam a feiura das cargas emocionais que poderiam acometer a personalidade feminina. No primeiro texto, “O cultivo da beleza”, a feiura da depressão se apresentou de modo explícito, visto que ela seria a grande responsável por tornar a pessoa desgraçada e cheia de amargura. Emoções se colocavam como feiura perante os princípios de que a mulher um poço de doçura, bondade e paciência para com os defeitos e erros alheios.

Ademais, outros enfeiamentos morais davam-se na forma ambígua da irracionalidade das emoções e da ira, ao promover a feiura da pele com as sardas e acelerar a velhice; bem como pelo sentimento de inveja, colocado como desprezível e repugnante.

É interessante salientar que as consequências das emoções colocadas como afetantes na beleza física revelavam uma noção da preocupação feminina com as coisas “fúteis” da aparência. Ao contrário destas sensações “feias”, as emoções agradáveis seriam responsáveis pelo embelezamento, pela paz de espírito, pela juventude, elegância, postura ereta, franca e firmeza na vida. Outrossim, o dever dessa beleza moral feminina se localizava, principalmente, em função dos outros, e, por conseguinte, tudo que acometia o serviço prestado por elas, seja a depressão, a raiva ou a inveja formavam um cinturão emocional de feiura. Acerca dessas emoções, sabe-se que: “a raiva e o ódio são tingidos de consciência da humilhação, havendo uma percepção de dominação moral que toma conta fisicamente da pessoa. [...] cuja superação e transcendência passam por ações movidas pela ira”.330 Assim, a feiura, ao sentir raiva ou ódio, além de atestar inconscientemente uma forma de humilhação ou ferimento moral do “eu”

feminino, também pode ser repreendida numa interação com o medo pelo conjunto de normas e valores:

O cenário de interação que produz o sentimento de raiva é aquele em há uma violação de regras ou valores que é apontada por uma pessoa que abertamente condena o ato.

329 JR, Max Factor. Segredos de beleza Hollywood. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima

“O Malho”, ano XI, 1944, p. 126-127.

330 REZENDE, Claudia Barcellos; COELHO, Maria Claudia. Antropologia das emoções. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2010, p. 19.

O responsável pelo ato então reage com medo dessa raiva, que a pessoa zangada se torne se torne violenta, e corrige assim seu comportamento.331

Por isso, sentir raiva ou ficar irritadiça “quebrava” os valores e as regras do que era ser uma “boa mulher”, uma mulher “do lar”, uma mulher saudável, ou bela. Além disso, o medo da reprimenda e o sentimento de inadequação, poderia modificar o comportamento daquelas mais suscetíveis às “penalidades”.

Em relação ao segundo artigo, “Mantenha-se em forma com pequenos recursos físicos”, era predominante o discurso da saúde e da prevenção de doenças com medidas diárias. Todavia, essa narrativa travestia as emoções a serem evitadas pelas mulheres. A raiva, a ira, o medo, a tristeza e o abatimento foram colocados com uma feiura implícita diante do padrão e o do papel moral que elas “deveriam” cumprir, expressas na “forma” do título. Além disso, a decisão de servir e de ser paciente são outros indícios reafirmantes da figura de uma mulher sempre doce, calma e paciente.

No texto “Segredos de beleza de Hollywood”, colocou-se o nervosismo como uma característica das mulheres de todo o mundo, ligando o feminino à propensão emocional, bem como aos degastes eventuais dos tempos de guerra. Aí a feiura emocional do cansaço e do nervosismo puderam ser expressas no rosto, revelando a feiura física dos sulcos e rugas na pele, que, retroativamente, poderiam gerar ansiedade. Assim, a feiura física e emocional, segundo o texto, se afetava uma a outra, devendo ser evitadas pelo simples tratamento do descanso da beleza ou pelo próprio bem estar emocional pela situação beligerante.

A leveza em levar a vida, consoante o artigo “A gordura e o crime”, era mais fácil de ser percebida em pessoas que beiravam a obesidade:

São raríssimos os crimes praticados por homens gordos – e quando se diz “gordos”

não se trata do gordo comum, mas do que caminha para obesidade. Presume-se, portanto, que os vantajosamente gordos sejam homens sempre bons. Pelo menos sempre bem humorados parece que são, pois criaturas com o sorriso sempre pronto a tudo. Mas não só os homens; as mulheres também. [...] os muito gordos são incompatíveis com o crime, porque, geralmente, estão satisfeitos com a sorte.

Bendizem a gordura por causa da alegria natural que possuem, do bom temperamento, da sociabilidade, do gosto pela mesa, pela bebida e iguarias. Um defensor dos obesos declara ter ouvido de muitos esta afirmação [...]. 332

Colocando a beleza moral da bondade para os homens e mulheres gordos, o texto ressaltava que estes não cometiam crimes por estrarem sempre felizes, gozando do bom humor,

331 REZENDE, Claudia Barcellos; COELHO, Maria Claudia. Antropologia das emoções. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2010, p. 19-20.

332 A GORDURA e o crime. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano XII, 1945, p. 278.

da sorte e dos prazeres da vida. Se verifica então dois pontos diversos de feiura: a primeira se daria pelo lado emocional: andar triste, mal-humorado, se lamentando, não parecia ser coisa das famosas “pessoas de bem”; a segunda surge da descrição física. Acerca da “ambivalência do gordo” tem-se:

De fato, os retratos que emergiram as respostas confirmam a existência de um duplo estereótipo do gordo. O primeiro é de um homem roliço, extrovertido, dotado para as relações sociais, bancando voluntariamente o brincalhão, contando histórias nos fins dos banquetes, sofrendo provavelmente por sua corpulência em seu foro íntimo, mas nada deixando transparecer. O segundo é bem diferente. É um doente ou um depressivo, um egoísta desenfreado ou um irresponsável sem controle sobre si mesmo.

O primeiro gordo simpático. O segundo, um obeso que só suscita a reprovação, quando não a aversão.333

Esse contraste de personalidade parece condizer ao que o Anuário colocava sobre essas duas perspectivas. Assim, mesmo colocando a gordura como algo bom e bendita por aquelas que a possuíam, algumas passagens demonstravam que isso não era uma coisa comum de ser vista socialmente, tratando de ser uma coisa que precisaria de “defesa”.

Além disso, a vida das pessoas magras é que deveria ser uma “barra” pela propensão a coisas ruins. Seria por isso tanta necessidade de repousar? Mais um artigo, dessa vez no ano de 1952, apontava para essa solução de beleza:

Sim, o organismo humano tem necessidade absoluta de repousar. Aliás na América do Norte já se estende aos doentes a cura pelo repouso. A forma de viver nestes tempos trepidantes cansa por demais o organismo, por conseguinte, querida amiga, você que me pede noções precisas sôbre a arte de repousar, desde que leva uma vida cansativa, leia com atenção o que se segue. [...] Olhe-se de novo ao espelho (o que fez antes de praticar estas regras). Será surpreendida pelo ar de rejuvenescimento fácial que se produz. Os olhos parecerão mais claros; vê melhor. Tudo por que? Questão de aproveitar dois minutos em benefício da boniteza. Quando souber repousar o corno conhecerá, de catedra, o segredo da juventude eterna. Vale a pena, pois não? [...] Eis

Sim, o organismo humano tem necessidade absoluta de repousar. Aliás na América do Norte já se estende aos doentes a cura pelo repouso. A forma de viver nestes tempos trepidantes cansa por demais o organismo, por conseguinte, querida amiga, você que me pede noções precisas sôbre a arte de repousar, desde que leva uma vida cansativa, leia com atenção o que se segue. [...] Olhe-se de novo ao espelho (o que fez antes de praticar estas regras). Será surpreendida pelo ar de rejuvenescimento fácial que se produz. Os olhos parecerão mais claros; vê melhor. Tudo por que? Questão de aproveitar dois minutos em benefício da boniteza. Quando souber repousar o corno conhecerá, de catedra, o segredo da juventude eterna. Vale a pena, pois não? [...] Eis