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2.1 POR FORA

2.1.2 O contexto na revista

Nascida e criada em meio as pompas e prestígio da “alta sociedade”, Alba de Mello rodeava-se de pessoas importantes, entre as quais muitos escritores que compartilhavam da mesma posição social e colaboraram com o Anuário das Senhoras. Todas as edições do Anuário contaram com a participação de Alba de Mello como diretora e colaboradora. Seus artigos versavam sobre comportamento feminino, moda, casamento, eventos sociais e cinema;

temáticas também publicadas por ela nas colunas femininas de outros periódicos. A maioria desses conteúdos estava imbricada às concepções parisienses ou hollywoodianas de vestir, de aparentar e de ser. Suas produções e a de parte dos signatários no Anuário revelaram certo conhecimento e atualização sobre assuntos históricos e de outros países. Isso explicaria, em tese, o motivo pelo qual as publicações da revista tinham essa visão da “alta sociedade”.

Entretanto, acredita-se que isso não excluía possibilidade de ser uma leitura interessante e vendável para as mulheres de estratos sociais mais humildes, o que possivelmente se daria pela

31 DIRIGIR a casa com duas empregadas. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano I, 1934, p. 153.

aura de glamour e encantamento do produto. Um reconhecimento disso pode ser visto no trecho a seguir:

A pobreza perdeu, em nossos dias, sua primitiva dignidade. Devolvei-a. Recordae que é uma dama e não uma aventureira, e tratae-a como tal. A dama vestida com um

“negligé” rosa costuma olhar com desdem a vizinha de defronte, que, às vezes, usa avental, murmurando: - Não sei como permitte que o marido a veja assim. Senta-se para a primeira refeição matinal em companhia do marido depois de haver passado uma hora varrendo o pateo. Se reparasse um pouco mais, notaria que a vizinha do avental está perfeitamente penteada, tem uma camada nova de pó de arroz na pelle lavada e cheirosa a bom sabonete. Tudo isso ás sete da manhã. [...] A verdadeira esposa é a que sabe usar com graça um avental, que dirige a casa com perfeição, procurando motivos de alegria e bom humor no canto em que vive, tratando-se, é certo, de accordo com as próprias posses materiaes, sabendo não descolorir o encoanto de um vestidinho “voile” quando lhe não seja facultada a graça de um “deshabillé” de seda ou de um pyjama de luxo.32

Nesse registro, percebe-se que há um incentivo ao conformismo com a simplicidade no lar, tanto na aparência física, sem muitas maquiagens e adornos, quanto na vestimenta, não vendo problema no avental desde que se soubesse cuidar da casa com perfeição e conservar a alegria ao lar, comportando-se de acordo com suas posses. Vê-se também o estímulo aos cuidados e à limpeza pessoal e do lar, característico das noções higienistas mencionados anteriormente. Os elementos que ela comportava pertenciam mais a uma perspectiva elitista do que popular. Em razão disso, pode ser considerado o próprio nível de formação educacional das mulheres leitoras:

Desde o início do século XX, a sociedade brasileira esperava que as mulheres ocupassem novos papéis no âmbito doméstico e na esfera pública. A escolarização em larga escala das meninas está associada a esse fenômeno socioeconômico. Foi a partir dessa época que as filhas das famílias das elites e dos setores médios passaram a frequentar o curso primário, o ginásio e, eventualmente, o secundário nas escolas confessionais católicas femininas e de outras congregações religiosas presentes nas capitais dos estados da federação.33

Considerando os dados educacionais, pondera-se que tanto as mulheres que escreviam para o Anuário quanto a possível minoria das leitoras poderiam se encaixar nessa realidade de mulheres de famílias abastadas que tinham acesso à educação ou, no mínimo, a saída das taxas de analfabetismo. Apesar de no contexto de nacional-desenvolvimentismo, vivenciado pelas décadas 1930 e 1950, que em tese as pessoas pobres e “de cor” pudessem ser incentivadas à

32 SER feliz na pobreza. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano I, 1934, p.

134.

33 AREND, Silvia Fávero. Trabalho, Escola e Lazer. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (org.).

Nova história das mulheres do Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. p. 72.

educação pública, a permanência para as meninas mais pobres no sistema educacional era mais difícil devido a dupla jornada de trabalho e estudos, visto que muitas já iniciavam jovens no trabalho doméstico: “as que conseguiam fazê-lo procuravam ao menos completar o antigo curso primário, pois o fato de serem alfabetizadas poderia lhes proporcionar maiores chances no mercado de trabalho”.34 Sendo assim, conjectura-se uma certeza e uma possibilidade: a de que as signatárias do Anuário eram mulheres abastadas e, portanto, enraizadas numa perspectiva mais elitista; e a de que as potenciais leitoras poderiam ser uma mistura do estrato elitista com uma camada dos estratos médios e eventuais mulheres escolarizadas das camadas pobres.

Quanto a editora O Malho, seu posicionamento dentre as mais conhecidas revistas e composição por nomes de notoriedade no meio social, trouxe para o Anuário das Senhoras o crédito ou mesmo a visibilidade que a editora detinha. De modo geral, sabe-se que a editora O Malho iniciou, em 1902, com o periódico de mesmo nome, o qual possuía um cunho político e humorístico tratando do fundo histórico do desabrochar da Primeira República e dos seus trâmites por meio da perspectiva caricaturada e crítica dos segmentos sociais, como aborda Maria Celeste Mira:

Progresso técnico e divisão do trabalho farão das revistas do novo século um espetáculo à altura, com muitas fotografias e ilustrações coloridas dispostas numa diagramação mais leve e atraente. [...], Mas a grande novidade mesmo são as mais populares e de vida mais duradoura, como a Revista da Semana, O Malho, Fon-Fon, Careta e Dom Quixote. Nelas, acontecerá a época áurea da caricatura, com nomes como os J. Carlos, Raul Pederneiras, K. Listo, Julião Machado e tantos outros não menos importantes. Concentrando a carga crítica e humorística das revistas, elas retrataram os fatos e personagens que fizeram a política, a cultura e a vida mundana da época. 35

A O Malho, assim como outros periódicos da mesma época, marcou a história da imprensa e dos impressos por trazer inovações nos aspectos de produção e material dos exemplares. A revista e a editora, fundada por Luiz Bartolomeu de Souza e Silva e Antônio Azeredo, tendo como diretor artístico Crispim do Amaral, ganhou ao longo dos anos maior força e penetração no meio editorial, iniciando com a feitura dos periódicos A Tribuna e d’O Malho e, posteriormente, passando a incorporar outras produções ao longo das diversas presidências que a editora teve.36 Sob o comando de Luiz Bartolomeu de Souza e Silva, a editora ainda publicou as revistas Ilustração Brasileira, O Tico-Tico, Almanaque das Crianças e a Leitura para Todos.

34 Ibidem, p. 76.

35 MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revistas: a segmentação da cultura no século XX, p. 21.

36 BIOGRAFIA de O Malho. O Malho, Rio de janeiro, set. de 1952, ano L, nº 152, p. 29.

Dando continuidade ao trabalho da editora inicial, a empresa Pimenta de Mello, sob a direção e presidência de José Fabrino37, assumiu por um tempo a elaboração dos magazines e adicionou aos títulos já consolidados as novidades: Para Todos..., Moda e Bordado, Cinearte e Eu vi. Com a morte de José Pimenta de Mello, dono da empresa Pimenta de Mello, “a maioria das ações da Sociedade Anônima passou aos irmãos Antônio, Oswaldo e Luiz de Sousa e Silva, sobrinhos de Luiz Bartolomeu, já ligados aos trabalhos da casa”.38 A partir de então, a editora passou a incorporar também “o contingente de revistas de vários gêneros, e surgiram mais Tiquinho para meninos, Cirandinha, para meninas, Arte de Bordar, Biblioteca Infantil de o Tico-Tico, Biblioteca da Arte de Bordar. E os almanaques para infância e o Anuário das Senhoras”.39

As diversas produções da editora O Malho permitiu observar o avanço do tipo de público que os periódicos visavam atender. Sob responsabilidade da empresa Pimenta de Mello, percebeu-se o crescimento dos periódicos voltados especificamente para a mulher, um mercado ainda pouco explorado pela editora e em constante expansão nesse período.40 Como se viu anteriormente, essa diretriz continuou sendo explorada durante as presidências seguintes, com o lançamento de outras publicações femininas, dentre elas o Anuário das Senhoras e publicações infantis especialmente para meninas, dividindo e aumentando a coleção que antes seria principalmente destinada aos meninos.41

Além disso, foi possível perceber a evolução dos recursos materiais que a editora usava para impressão dos seus exemplares. Segundo Geanne Silva (2011), esse avanço ocorreu principalmente pela mudança no corpo editorial que, sob a organização do grupo Pimenta de Mello e Cia, possibilitou melhorias no campo gráfico e de editoração das revistas.42 Abaixo,

37 José Fabrino foi um dos nomes com maior notoriedade da revista, sendo possível encontrar muitos dados em algumas menções da própria revista O Malho, bem como de alguns periódicos da época. À exemplo:

FALLECIMENTOS, A Manhã, Rio de Janeiro, 27 de ago. de 1929, ano IV, nº 1145, p. 5; HISTÓRIA de Camisas, Diretrizes, Rio de Janeiro, junho 1938, ano 1, nº 3, p. 18-19.

38 BIOGRAFIA de O Malho. O Malho, Rio de janeiro, set. de 1952, ano L, nº 152, p. 30.

39 Ibidem, p. 30-31.

40 Ver: GARCIA, Janaína A. Beraldo. Escola de modelos: Três décadas do Anuário das Senhoras (1934-1954).

Curitiba: Acervo UFPR, 2004, p. 31.

É importante salientar que a pesquisa citada parte, principalmente, da análise material e da temática geral da revista em prol de um estudo feminino no periódico. Já a que se faz aqui, está muito mais comprometida em analisar, além dos aspectos estruturais da revista, a forma como ela explicita certas noções de feiura a partir das concepções de beleza nela expressa.

41 Ver: VELASQUEZ, Muza Clara. O Tico-Tico (verbete temático), In: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC, Fundação Getúlio Vargas – FGV.

42 SILVA, Geanne Paula de Oliveira. A revista e a Propaganda: o projeto político-cultural do Estado Novo nas páginas da Ilustração Brasileira. Dissertação (mestrado em História) - INHIS- UFU, Uberlândia, 2011 (orientador Luciene Lehmkuhl), p. 55-56.

pode-se analisar alguns dos materiais utilizados tanto sob a presidência de Luiz Bartolomeu como pelo grupo Pimenta de Mello, nas respectivas descrições d’O Malho de 1909 e 1945:

Em todas as salas reina uma actividade intensa, e foi com prazer que vimos uma porção de artistas na sua faina, aperfeiçoando-se cada vez mais e concorrendo cada qual com o seu esforço para elevar entre nós o desenho, a gravura e a impressão a um alto gráo de aperfeiçoamento. A secção photographica está provida de material modernos e em condições de executar os mais diffíceis trabalhos. A photogravura e a lithographia formam tambem secções especiaes, servidas por pessoal diligente e habilitado. No andar terreo estão collocadas as machinas de impressão, duas rotativas que fazem maravilhas, e quatro excellentes prélos de reacção para lithographias a côres.43

O desenvolvimento nestes 100 anos foi processado pela compra de outras tipografias, suas ampliações e posterior anexação em um único prédio, formando atualmente, um dos maiores equipamentos nacionais. [...] A Gráfica Pimenta de Mello possue atualmente uma administração perfeitamente adaptada à movimentação da máquina industrial. Ela é constituída por elementos bastante conhecidos do mundo gráfico e está distribuída do modo seguinte: Chefes gerais: Trabalhos preliminares (composição, desenho, transporte e gravura) Gelto M. Oliveira; Trabalhos de impressão (Tipografia, litografia, offset, rotogravura e acabamentos). 44

Tratando-se de uma visita às instalações da empresa O Malho no Rio de Janeiro, feita pelo Jornal do Commercio, o primeiro relato mostrava o potencial que o grupo possuía já em 1909 com material que possibilitava o menor uso de mão de obra e maior rapidez de impressão.

Já no segundo relato, O Malho descrevia o desenvolvimento da empresa Pimenta de Mello e mostrava o quadro de profissionais responsáveis em cada setor, o que permite entender o

“boom” que as revistas da Sociedade Anônima d’O Malho tiveram quando passaram a ser posse da empresa Pimenta de Mello. Além de dispor dos tipos de equipamentos já utilizados, possuía também impressoras mais evoluídas, como a impressão offset e de rotogravura, que ampliaria a qualidade e a quantidade dos impressos, bem como a facilidade de manutenção e manuseio.

Esses avanços são reportados nos estudos de Orlando da Costa Ferreira:

Foi por volta de 1928 que o então deputado Luiz Bartholomeu de Souza e Silva (1866-1932), desejando retirar-se de negócios, vendeu a Pimenta de Mello suas ações (que constituía a maioria) da S.A O Malho, que fundara em 1902 com o senador Antonio Azeredo, tendo como “diretor-artístico” Chrispim do Amaral. Cresceu ainda mais, a partir daí, essa cadeia de revistas brasileiras, a mais brilhante que o país já teve em todos os tempos, O Malho (set. 1902-jun.1954) O Tico-tico (out.1905-dez.1959), Leitura para todos (nov.1905-dez.1914 e ago.1919-set.1930), Illustração Brasileira (jun.1909-fev.1959), Para todos...(dez. 1918-maio 1932: adquirida em 1919 e vendida em 1931), Cineart (mar. 1926-jul. 1942), primeira revista brasileira impressa pelo processo ofsete, O Mez Illustrado, Moda e Bordado, Eu vi (1930-1931), esta em rotogravura. 45

43 TRANSCREVENDO. O Malho, Rio de janeiro, 13 de mar. de 1909, ano VIII, nº 339, p. 26.

44 100 ANOS de trabalho. O Malho, Rio de janeiro, jul. de 1945, ano XLIII, nº 66, p. 58 e 61.

45 FERREIRA, Orlando da Costa. Imagem e letra: introdução à bibliografia brasileira: a imagem gravada. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2ªed, 1994.

Nesse sentido, as revistas já editadas pela S.A O Malho, sofreram melhorias e ampliou-se ainda mais o mercado impresso da editora, coincidindo com os anos de publicação do Anuário das Senhoras. Visto que as revistas d’O Malho até 1954, ano final de produção do periódico, ainda possuíam assinatura da Gráfica Pimenta de Mello, supõe-se que as revistas da S.A. O Malho, por mais que estivesse sob responsabilidade da maioria das ações dos sobrinhos de Luiz Bartolomeu, ainda eram impressas pelas oficinas da Pimenta Mello.46

São inúmeras as controvérsias a respeito dos proprietários da S.A. O Malho, o que de certo modo dificulta a precisão das informações. A citação anterior remete ao repasse da empresa para o grupo Pimenta de Mello no ano de 1928. Entretanto, há também a hipótese levantada por outros autores como Julieta Sobral (2005) e Nelson Werneck Sodré (1999), os quais apontam que a transferência de possuintes da editora se deu em 1918.47 Não se conseguiu verificar o ano exato do repasse, mas pode ser observado que, já em 1921, de acordo com a nota de pesar lançada n’O Malho pelo falecimento do sogro de José Pimenta de Mello, a editora o nomeava como chefe da empresa, aproximando-se muito mais da data de 1918.48 Apesar do grupo Pimenta de Mello ser maioria na empresa, como foi exposto, a permanência do nome da sociedade foi mantida e os vínculos da família Souza e Silva não foram quebrados, tanto que a família retoma a posse majoritária da empresa após a morte de José Pimenta de Mello.

Todo esse levantamento de informações acerca da editora é interessante para elucidar que: a editora recebeu destaque pelo potencial gráfico adquirido, culminando nos resultados produtivos de outros periódicos, incluindo o Anuário das Senhoras; e, ainda, o cunho crítico da revista principal poderia tê-la tornado mais visada socialmente por suas pautas ruidosas que angariavam atenção.

Elementos de ligação encontrados na convivência da diretora Alba de Mello com detentores de poder e na postura assumida pela editora, tanto por seus proprietários quanto pela sua capacidade produtiva, atuaram na fabricação e na montagem do Anuário das Senhoras. É sabendo dessa conexão que se torna fundamental compreensão das particularidades do periódico, num necessário movimento por dentro desse produto cultural.

46 Ver a contracapa da revista O Malho, Rio de janeiro, jan. de 1954, ano LII, nº 168, p. 43.

47 SOBRAL, Julieta. apud SILVA, Geanne Paula de Oliveira. A revista e a Propaganda: o projeto político-cultural do Estado Novo nas páginas da Ilustração Brasileira. Dissertação (mestrado em História) - INHIS- UFU, Uberlândia, 2011 (orientador Luciene Lehmkuhl), p. 56.

48 MAURICIO de Vasconcellos. O Malho, Rio de janeiro, 19 de fev. de 1921, ano XX, nº 962, p. 24.