• Nenhum resultado encontrado

4.3 A MULHER E A MORAL

4.3.1 Feiura por hábito

Mulher que fala com voz estridente deveria procurar controlar tal hábito ou, pelo menos, falar o menos possível. Não há coisa que destrua mais depressa e de modo completo uma apparencia fascinante do que uma voz de falsete, estridente ou fanhosa.

Com a desvantagem ainda de que tais modalidade em geral, affectam os ouvidos das pessoas com que ellas palestram...”. .310

O artigo “Segredos de Beleza”, presente no Anuário de 1939 e assinado por Max Factor, dentre as diversas dicas apresentadas também focou na beleza do comportamento da mulher.

Segundo ele, a mulher que falava alto, fino ou fanhosa era considerada feia, fazendo que destruíssem quaisquer outo tipo de beleza que esta possuísse. Controlar a voz, seja falando baixo ou ficando calada, seria decerto considerado mais belo do que falar. Esse tipo menção reforça um pouco a ideia de que as mulheres bonitas poderiam conquistar mais espaço de fala do que feias, seja na aparência ou na voz. Todavia, não era só na voz que se localizava uma feiura comportamental, o andar era fundamental à elegância feminina: “uma dama que caminhe mal, que chegue mesmo a mancar ou que, ao sentar-se solte um suspiro de alívio descalçando os pés fatigados, não offerece o typo elegante, chic e sedutor que todas devem procurar aparentar!”311

Apresentando dicas para o bem-estar, mas também para conservação da beleza, o tópico a “arte de caminhar”, focava no charme que a mulher deveria ter ao estar bem calçada e caminhando elegantemente. A elegância no caminhar também era abordada em outros exemplares, como pode-se observar no exemplo abaixo:

Espinha reta e flexível; A) 1 Fique de pé, erecta, com as costas para a parede a um braço de distância. Sem mudar a posição do corpo, afaste uma das pernas até tocar a parede. B) Sente-se no chão, pernas juntas e esticadas, flexione as costas para a frente e toque os dedos do pé com as mãos. Equilíbrio: tem-no quem consegue, fechando os olhos e abrindo os braços horizontalmente, ficar imóvel sóbre o pé esquerdo, dobrando o joelho direito o mais alto possível. [...] Resistência significa pisar certo, o que permite aguentar longas caminhadas. A maneira porque você respira tem muito que ver com o seu porte. Respiração defeituosa pressupõe atitude "corcunda”, posição

310 FACTOR, Max. Segredos de Beleza. In :Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano VI, 1939, p. 178-183, 200, 203,212, 274.

311 Ibidem, p. 178-183, 200, 203,212, 274.

de mergulho. Quer fazer uma verificação? Expire todo o ar possível. relaxando o diafragma, e meça a circunferência do peito debaixo do braço. Inspire profundamente, contraindo o diafragma, e tire nova medida. A diferença entre ambas deixe ser de 7,5 cms. E quanto maior melhor. 312

O artigo “Andar certo”, do ano de 1952, ensinava as mulheres a forma correta de andar.

Para isso, alongamentos e medições eram propostos para saber se a mulher possuía o porte correto. A partir dos exercícios de respiração se poderia medir o grau da feiura, isto é, o quanto a mulher era “corcunda”. A feiura da má postura que retirava a beleza “correta” da presença feminina também foi pauta na revista de 1949:

Um congresso feminino, realizado em Londres, há tempos, depois de ouvir importantes debates sobre a influência que a ginástica exerce sobre a beleza feminina chegou à conclusão de que se as mulheres aprendessem a andar corretamente, haveria muito menor número de feias. Segundo uma tése então aprovada, “em dez mulheres, seis não sabem andar racionalmente”, e desse fato resultam graves consequências. De conformidade com a tése, as mulheres devem andar levando um pé adiante do outro em linha reta. Deste modo os músculos das pernas se desenvolvem harmoniosamente, e o corpo obterá um equilíbrio grandemente benéfico. Ao contrário do que proclama a tése aprovada, grande número de mulheres caminha levando os pés em duas linhas paralelas, muitas vezes acentuadamente afastadas uma da outra, ó que produz deformidades nos tornozelos, perturbações na bacia e relaxamento geral do corpo.

Tente a leitora experimentar o conselho da tese britânica, a vêr se tem razão.313

Exibindo de modo explícito o tipo de feiura, o texto mostrava que muitas mulheres se tornavam feias apenas pelo seu jeito de andar. Levar um pé na frente do outro, como num desfile de moda, era o caminhar perfeito para elas, logo, tornando-se feio andar com os pés afastados que ocasionaria “deformidades” no tornozelo, bacia e postura. Andar bem era fundamental para aquela que quisesse se mostrar elegante e racional, mostrando, logo, a beleza era algo a ser pensando constantemente, até mesmo na caminhada a aparência e a performance denotariam uma essência.

Tudo era pensado em prol de uma conduta “chique” que encantasse aos demais apenas coma graça e o estilo de ser.

Há tanta mulher “chic”, diz o cronista, e nós ainda perguntamos o que significa essa palavra...” As respostas não se fizeram esperar. Aqui estão algumas das que julgamos mais interessantes a modista Madeleine Vionnet responde: O “chic” é feito de elegância, graça e porte. Êsse é o trio da perfeição. Nêle há donaire, impertinência, coqueteria, alegria, e às vezes, até Ironia... A princesa Lucien Murat dá a seguinte resposta: O “chic” é feito do nada. Tanto depende da maneira de andar como do vestido que se usa. Até mesmo despida a mulher pode ser “chic”, embora não faça propaganda dos grandes costureiros. Nos jardins do Paraíso. Eva modestamente

312 ANDAR certo. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano XIX, 1952, p. 32.

313 AS MULHERES não sabem andar. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano XVI, 1949, p. 12.

coberta com a fólha de parreira, eclipsou com sua elegância as mais belas aves. Uma poetisa, Lucia Delarue-Mardrus, assim o define: É a maneira de dissimularmos com arte os defeitos físicos, de fazer desaparecer o ridículo da moda, conseguindo, assim, um conjunto agradável â vista e ao espírito. É uma das coisas mais difíceis de se aprender. É um dom natural, um instinto, no qual entram os conhecimentos do pintor, do escultor, do desenhista e até se podería dizer, do poeta.O escritor Albertt Flament assim se expressa: O “chic” é uma essência rara, um gôsto original. É surpreender a uns e desiludir um pouco aos outros. O “chic” é um modo de ser que está sempre na moda, em todos os tempos e em todos os lugares. Podemos aspirá-lo ao crepúsculo às margens do Guadalquivir, quando as sevilhanas dão o seu passeio, e no Hyde Park em certas manhãs de junho. O “chic” de uma pessoa não pode ser comparado ao de nenhuma outra. Não se vende e não é encontrado em lugar algum, O “chic” não está em nada e está em tudo. Diz o pintor Van Dongen: Penso que o “chic” é um dom como o talento e o gênio. Há mulheres que têm “chic” com vestidos baratos, enquanto outras, com vestidos caríssimos, dão a impressão de estarem “embrulhada.314

Aglomerando algumas definições do era que ser “chic”, o artigo de 1952 definia nas primeiras linhas a essência feminina com algo que não dependia de adereços, mas do ser, que transparecia beleza pelos poros, pela roupa, na postura, na fala e comportamento. Ser chique em outras definições também era saber esconder os defeitos físicos e dissimular tendências ao ridículo: saber diferenciar e escolher o que era belo. Ser chique, ao mesmo tempo em que era tudo, não era nada, ou seja, ser sofisticada era indispensável à beleza feminina, contudo, não era no físico que qualquer adereço poderia verdadeiramente atuar, mas sim na combinação com a essência. A feiura, portanto, ficava explicitamente combinada aos defeitos físicos e à moda

“ridícula” e, num sentido implícito, naquelas que não possuíssem charme feminino.

A beleza do charme era presente até mesmo no perfume escolhido pelas mulheres. Três anos antes, em 1949, o Anuário exibia o artigo “História do perfume”, que indicava às leitoras o “segredo do toucador”:

Conhecer intimamente essa ciência, ou arte, e permanecer fiel ao perfume que lhe fica mais apropriado, será o a b c dos segredos de toucador. E é fácil vaticinar o triunfo a quem reúna tais condições. Mas isso sempre que a interessada tenha o “seu” perfume, recuse sistematicamente as insinuações que lhe sejam feitas no sentido de que varie, de que o troque por qualquer outro, por mais fino ou mesmo mais... barato. Outro grande êrro, no caso, é a mistura de perfumes, de tipos e qualidades. Se se usa tál ou qual perfume, deve-se procurar fazer com que o pó de arroz e a loção sejam da mesma qualidade, ou marca, pois a “miscelânea” de odores é sempre prejudicial, tirando à mulher aquele suave tom de personalidade que lhe dá o perfume próprio, quando bem dosado e escolhido com inteligência. 315

Uma “triunfante” era aquela mulher que tivesse cheiro específico, forte e caro. Decerto, o perfume deveria ser marcante para fazer lembrar a mulher que o usava, no entanto, ele não

314 O QUE é chic? Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano XIX, 1952, p. 90.

315 HISTÓRIA do perfume. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano XVI, 1949, p. 100.

deveria ser misturado com o cheiro de outros cosméticos para que não contrastasse. Assim, caracterizou como feio a falta de personalidade feminina também a partir do cheiro, quando não se escolhia bem o perfume ou fazia mau uso dele.

A elegância e a beleza feminina também eram exploradas utilizando exemplos das mulheres africanas:

Começando pelo mais simples, isto é, pelas “despidas”, posso dizer que vi as mulheres mais nuas e menos vaidosas do mundo. Foi no Camerum, nas altas planícies, na tribo dos Bamouns. Lá encontrei gente que constroe as mais bonitas cabanas de toda a Africa e as mulheres são feias e andam completamente nuas. Nenhuma joia como adorno, nenhum panno as resguarda doa frios da montanha. Esta raça não conhece a vaidade. [...] ao norte desta mesma costa, ou entre os Markas, mais septentrionais ainda, encontraremos gente mais ou menos nua. isto é, um leve toque de decência fel-o admitir fel-o usfel-o de alguma rfel-oupa. Em cfel-ompensaçãfel-o, é talvez nessas tribfel-os, das quaes algumas ainda hontem eram anthropophagas, que se podem ver mulheres que conhecem a fundo a arte de usar uma joia. [...] Antes de passar para a região do Oeste, cujas populações são muito mais civilizadas do que se possa imaginar, trataremos dos grandes impérios negros de planícies banhadas pelo Niger, [...] quando a mulher não se veste é porque o calor é excessivo. [...] As massiças são as pulseiras de prata, que foram sempre para a mulher, não objecto de adorno e sim instrumento de combate.

No Senegal as batalhas de mulheres são feitas a golpes de pulseira, o que dá o effeito de boxes. Os collares de prata massiça, para usar nos tornozelos, pesando cada par por vezes, cerca de três kilos, são um vestígio da escravatura. A mulher, com elles anda com difficuldade. Dá a impressão dum gato acorrentado. [...] Por que tanta vaidade?

Não lucram com isso, pois continuam escravas. Não estamos em país árabe, e a mulher gosa de grande influência na África Occidental. As resistências que encontramos na pacificação vinham um tanto dos reizinhos, muito dos feiticeiros e das mulheres. [...]

Quantas vezes também uma mulher muito cortejada fixou a sua escolha guiando-se pelos mais bonitos presentes... Certo dia, uma negra lindíssima (nigra gum, ged formosa. poderia dizer, segundo a escriptura sagrada), foi raptada pelo preço de dois cavallos, dois collares de ouro e cinco caixas de limonada. Não era ella também, uma grande “coquette”? 316

Focando na descrição dos diferentes povos africanos, o artigo “Elegancia africana:

melindrosas côr de ébano”, falava dos diferentes tipos de beleza feminina. De início, as mulheres da África foram tidas como feias, pois, além de estarem despidas, não possuíam adornos e vaidade. Noutros povos, a “decência” de possuírem algum tipo vestimenta e usarem joias já era descrito como vaidade. E, quase num tom de revide, a escravidão era o embolso da vaidade.

No entanto, era sob o domínio “ruim” da vaidade que as mulheres eram colocadas como grandes influenciadoras da resistência à “pacificação” desses povos e, como interesseiras,

316 DEMAISON, André. Elegância africana: melindrosas côr de ébano. In: Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano VII, 1940, p. 257-258. André Damaison foi classificado pelo Jornal do Brasil como um escritor e jornalista francês, possuindo publicações no semanário Les Nouvelles Litteraires e Le Journal. Ver: DIAS, Eduardo. Atualidades Portuguesas: europeus em África. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 8 de jan. de 1936, ano XLV, nº 7, p. 6; “A OÉSTE, sempre novidades...”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 de fev. de 1939, ano XLVIII, nº 46, p. 5.

colocando-as ao nível das coquetes que só possuíam o interesse na conquista e no ganho com elas. Por meio disso, tornou-se possível perceber a feiura moral do interesse, da conquista, da resistência, bem como da nudez, da vaidade, da incivilização, do risível.

A beleza do comportamento feminino também poderia ser constatada na libertação dos maus hábitos:

Intoxicação é uma morte lenta. Rejuvenesça! Depende de você, exclusivamente. Se a primavera a encontra cansada e abatida, se seu rosto perdeu o brilho, elimine do sangue, sem perda de um minuto, as toxinas que estão acumuladas ao nível das suas células. Quando vier o inverno você reconquistou a boníteza graças a três métodos combinados: Instituto de beleza, cultura física e massagem, higiene física e moral. l.°

— Instituto de beleza: As que podem fazer o tratamento de banhos de vapor, massagem e banhos de luz não devem hesitar. O rosto e o corpo melhorarão. Para as que não possuem recursos que admitam frequência aos Institutos de beleza, damos aqui alguns conselhos e um método de auto-massagem que as ajudará a perder o que as enfeia. 2.° — Cultura física e massagem local — Para a cultura física existem exercícios magníficos e simples, fáce de praticar. Mas a cultura física sem massagem nada pode contra a celulite, que é difícil de curar, pois se localisa em determinados sitios do corpo [...] 3.° — Higiene: Esta higiene vai se desenvolver em tres capítulos.

Começa pelo repouso. [...] Evite a superalimentação, respeite uma disciplina horaria nas refeições, evite conservas, álcool, fumo e banha. [...]. Emfim, se no fim da primavera vocé estiver sujeita a espinhas e cravos, evite, nos dias em que não estiver de regime alimentar, gorduras, carnes, pão, cafe, chá e conservas. Mastigue lentamente. Em todo o caso, deite-se durante meia hora depois das refeições para facilitar a digestão. Uma refeição bem assimilada não deixa traços de toxinas no organismo. Coma sadiamente, vista-se com sobriedade e elegância, cultive o bom humor e vencerá. 317

A intoxicação com gordura, bebida e fumo, segundo o artigo, eram grandes ameaças à beleza feminina tanto física quanto moral. Os “maus hábitos” além de “enfeiar” a mulher com a aparência cansada e abatida, com a celulite, acnes, cravos e gordura; e ainda a intoxicava moralmente, deixando implícito que o uso da bebida e do fumo a distanciaria de uma aparência sóbria, elegante e de bom humor.

Se a beleza era o ponto central da conquista feminina, a busca incessante e exagerada por ela também era considerada uma noção de feiura.

A preocupação com a beleza é um dom inato na mulher, o verdadeiro símbolo de feminilidade. Mas apesar disso, esse interesse e essa preocupação podem transformar-se em verdadeira mania, coisa errada e prejudicial. Quando a mulher começa a ter a idéia fixa de parecer bonita, ao ponto de não pensar noutra coisa, o resultado é a destruição da própria beleza, dos encantos pessoais.[...] Consciente da própria beleza, a estrela sabia também como se maquilar devidamente, como realçar os dons da natureza, sabia, outrossim, como esses dons lhe eram valiosos à carreira abraçada. Por isso, tudo quanto podia fazer para tomar a sua beleza mais notada, ela o fazia. Até ai o seu interesse era muito justificável. Tôda mulher deve sentir o mesmo interesse. [...]

A preocupação antes louvada, foi-se transformando em mania, verdadeira mania em

317 LIVRE-SE das toxinas. In :Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano XVI, 1949, p. 146-147.

procurar novos preparados ou utilizar todos ao mesmo tempo. Horas e mais horas passava ela em frente ao espelho, mudando penteados, alterando maquilagem, fazendo experiências como as o seu “boudoir” fôsse um laboratório de pesquisas e análises.

[...] O peor é que essa transformação não se tornou patente apenas no lado físico. A sua prosa, antes procurada, admirada e benquista por todos os seus amigos, em breve consistia somente em longas tiradas sobre a beleza. [...] Graças aos céus, as estrelas de hoje mantem-se num plano de mais sensatez e inteligência. [...] Você, portanto, leitora, trate de meditar sôbre o que acabei de dizer. Domine a arte de pintar-se, mas, por favor, não se deixe dominar por ela!.318

Usando como exemplo uma estrela hollywoodiana, o artigo, assinado por Max Factor, relatava o alto e baixo da sua carreira por causa da beleza. O autor posicionou que a beleza é digna da preocupação feminina até o ponto que esta não prejudicasse a aparência física e moral, tornando-se mania. A feiura então se revelava, principalmente, pelo lado moral, em que a preocupação com aparência prejudicava o espírito feminino, pela falta de sensatez e inteligência. Desse modo, constata-se que ser “escrava” da beleza para apresentar o símbolo de sua feminidade não era de tudo feio, já que isso seria lago “inato” da mulher, porém, ultrapassar a barreira da feminilidade já seria uma obsessão por si mesma, um capricho; e talvez por isso a relação com a maquiagem se tornasse tão instável.