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4.2 A MULHER E O CORPO PERFEITO

4.2.1 Cabeça e pele

Convencionou-se no decorrer dos anos que os olhos são as janelas da alma. O ditado popular é uma boa ilustração da importância desses órgãos moral e fisicamente. Foi no sentido de preservá-los que o artigo “Belesa dos olhos” recomendava as seguintes precauções:

Se os olhos estão vermelhos lacrimejantes, estriados de pequenos vasos sanguíneos, não podem ser bonitos. Torna-se necessário tratá-los com um banho apropriado; se as pálpebras estão inchadas, eis outro inconveniente. Compressas quentes, com um produto indicado, corrigem o mal, sendo aplicadas pela manhã e à noite;

Desempenhando papel importante na belesa dos olhos e na expressão fisionômica, as sobrancelhas devem ser depiladas com critério e arte, depois lustradas com matéria graxa.; Os cílios sempre tratados com cuidado, aplicando-se cosméticos de bôa marca, discreto para de dia, azul, verde ou violeta para à noite. Se V. possúe cílios longos, fartos, sedosos use apenas óleo de rícino; uma suspeita de tinta nas pálpebras durante o dia. Acentuada à noite, dá muito brilho ao olhar. É preciso escolher, porém, um ton de tinta que vá com a côr dos olhos, sendo recomendável às mulheres naturalmente olheiradas de não usarem o galante artificio, pois só lucrariam em parecer mais idosas.277

O texto explicita como feio olhos vermelhos, lacrimejantes, estriados, inchados e com olheiras, sendo estas últimas as responsáveis pelo aspecto envelhecido das mulheres. Outras noções de feiura são delineadas no conjunto que acompanham os olhos, como a má ou nenhuma depilação das sobrancelhas e o tratamento para os cílios.

A aparência cansada ou doentia para os olhos femininos, que podia ser causada por diversas ocorrências de um dia de trabalho fora ou dentro de casa, da correria com os filhos e do dia-a-dia, não pareciam ser algo contornável na aparência feminina, principalmente para a mulher trabalhadora ou pobre.

Cinco anos depois, noutro artigo, o mesmo valia para os cabelos. Entretanto, a beleza dos cabelos vinha com um estado de alerta para os desastres que pintura dos fios poderia causar, como exemplo o frizz:

De há muito que os vem maltratando, tinturando-os a cada passo, frizando-os sem mais nem menos, esquecendo-se dos cuidados essenciais à melhor aureola da sua beleza. [...] dos cabelos. Mudam-no desde que uma determinada amiga mudou o dos seus, ou, em virtude de um novo papel, certa artista do cinema passou de morena a loira. Cuidar dos cabelos é facil, contudo indispensável. Trata-se do verdadeiro trato, do que devem ser mantidos todos os dias, o que é assaz importante. [...] Assim, escová-los bem é uma das primeiras condições para torná-los belos. [...] As tinturas devem ser aplicadas com as maiores precauções. [...] Os bons cabeleireiros estudam as condições dos cabelos antes de tinturá-los. [...] Compete, pois, em primeiro lugar uma consulta ao médico, em seguida o cabeleireiro tratar de revigorar os cabêlos pelos

277 BELESA dos olhos. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano IX, 1942, p.

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processos modernos tão eficientes. Um organismo débil, com toda a carga da anemia, não pode realçar a boniteza, por mais especial que seja. Assim, o que se deve fazer é tratar-se, vitaminar-se, em seguida e concomitantemente, proteger a boniteza da pele, dos cabelos, e esbelteza da linha. Existem regimens alimentares esplêndidos: não engordam e fortalecem o corpo. Tudo isso, porém, precisa de orientação especializada. Agir por outra forma é agir sem inteligência.278

A beleza dos cabelos dependia da boa escovação, do caráter profissional e científico dos cabelereiros e médicos, para evitar a aparência “arrepiada” e desconforme dos fios. Aliando beleza e saúde, um organismo doente com anemias, deficiente de vitaminas e de boa dieta seriam a origem para elementos de feiura da pele, dos cabelos e das formas corporais, tratando da beleza de dentro para fora. Os cuidados com os cabelos no Anuário mereciam atenção redobrada quando se tratava do verão e das férias. O artigo “o que se deve e o que não se deve fazer nas praias” revela um pouco dessas ponderações:

Uma das maiores vantagens de andar quase despidas durante as férias de verão, é que a maioria das jovens se ocupa mais em cuidar do corpo. [...] os cabellos das que não usam chapéo devem ser escovados umas cem vezes pela manhã e outro tanto á noite.

Cada vez que a leitora se expuser ao sol, passe óleo nos cabellos como passa creme no rosto. [...] Cuidar, pois, do corpo todo, evitando rugas, cabelos hirtos, olhos amortecidos, gordura e outros inimigos da bela aparência. As férias só terão proveito tirando-se dellas o máximo de prazer. Não é só o trabalho que exige dosagem; o repouso também.279

Proteger os cabelos do sol seria uma das tarefas principais da beleza feminina. Além disso, os cuidados deviam se estender para todo o corpo a fim de proteger dos efeitos adversos do sol. Por meio de todos esses cuidados revelavam-se os perigos para a beleza feminina:

“rugas, cabelos hirtos, olhos amortecidos, gordura e outros inimigos da bela aparência”.280 Desse modo, é interessante perceber na frase final que: fosse no trabalho ou nas férias a vida das mulheres deveria ser dosada e regrada em harmonia com os mandamentos de beleza.

Dentre esses mandamentos, encontrou-se também dicas para biotipos femininos de várias etnias, como era o caso do texto escrito por Dolores Del Rio.

Sou de opinião que toda mulher tem a obrigação de cultivar a bela aparência para os que a vêm na cidade, no terreno de sport, e sobretudo na própria casa. Todavia, não ouso offecer meus conselhos senão ás mulheres muito morenas, que se approximam, como eu, do typo latino. 281

278 ASSUNTO de beleza: cabelos. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano XIV, 1947, p. 18.

279 Nas praias: o que se deve e o que não se deve fazer. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima

“O Malho”, ano V, 1938, p. 275.

280 Ibidem, p. 275.

281 RIO, Dolores Del. Conselhos ás morenas. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano IV, 1937, p.120-123.

O artigo escrito pela famosa atriz Hollywoodiana de origem mexicana, Dolores Del extremamente morena e a pelle sã e lisa. Acho que as morenas, mais que as outras, são obrigadas á grande discreção na pintura. É preciso realçar o que se tiver mais bonito no rosto. Em mim, como em quasi todas as morenas, são os olhos que se fazem notar. [...]. Mas o que considero a melhor panacéa para tornar os olhos bellos, é dormir bem, porque os olhos fatigados não podem brilhar. [...] Quanto ao corpo estou segura de que mantenho saúde e harmonia por meio dos banhos de sol de que sou apologista.

[...] Cada santo dia em que brilha o sol, extendo-me núa e fico assim o maior espaço de tempo possível. Adoro e pratico todos os sports que são, também, na minha opinião a razão da minha saúde e resistência. Para as mulheres que não são livres e que habitam as cidades, onde os sports são difficeis de praticar, a cultura physica os substitue. [...] A massagem parece-me indispensável. Faz parte dos meus cuidados diários [...]. Aconselho a todas as mulheres fazer economias nos seus orçamentos de coquetterie, para frequentar, seguidamente, uma boa massagista. Péso 53 kilos e 500, e não estou bem senão com este peso exacto. Mantenho-me alimentando-me racionalmente. [...] Gosto de comer sem ficar coma sensação de o ter feito. [...]. Seja, também, leitora, conscienciosa como eu. Não se desleixe de nenhum dos cuidados de sua belleza. Um só detalhe omittido salta aos olhos e não se nota senão elle. Torna-se costume e faz com que perca toda a confiança em si mesma. E é a confiança em si própria que faz a força...283

Sob a preconcepção de que a maioria das mulheres morenas possuíam a pele lisa e sã, bem como encontravam nos olhos o ponto de destaque no rosto, o texto mostra a feiura das artificializações, retirando da natureza ou dos tratamentos mais salutares a fonte para a beleza das morenas. Algumas das ocorrências de feiura podem ser encontradas nos olhos cansados, que retirariam a principal fonte de beleza das mulheres morenas, na falta dos banhos de sol e da prática de esportes, da louçania, da gordura e, especialmente, da falta de confiança que só a beleza feminina poderia conseguir.

Outras orientações para os tipos femininos de beleza, pode ser representado pela cultura oriental, essa sendo um maior objeto de afeição para a revista. Um exemplo disso é o artigo

“Beleza oriental”, que tratava de uma entrevista a uma senhora chinesa, cujos ensinamentos pareciam fundamentais à beleza das mulheres:

282 Dolores Del Rio (1904-1983) foi uma atriz mexicana que estrelou diversos filmes, em mais cinquenta anos de carreira, incluindo no cinema estadunidense, recebendo o título de primeira estrela latino-americana em Hollywood.

283 RIO, Dolores Del. Conselhos ás morenas. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano IV, 1937, p.120-123.

A senhora Yutang principia: “A mulher chinesa nunca foi escrava da variedade da moda, e não póde compreender como a ocidental sente prazer em modificar a silhueta de ano para ano. [...] O conceito feminino da beleza na China vem vindo por centenas de anos sem variação de grande monta. [...] Os modelos que alteram a fórma feminina nunca fõram do conhecimento da nossa terra com exceção dos pés, felizmente agora em abandono. Uma figura delgada, flexível é o ideal da mulher chinesa hoje em dia como o foi na dinastia de Han. [...] Entre nós a dieta não é um pesadelo. O valôr da estética em virtude da dieta faz parte da vida da mulher chinesa seguramente ha quatro séculos. [...] Nunca escovamos os cabelos, e estamos certas de que lavá-los com frequência origina a respectiva queda. [...] Com um pente fino costumamos “escová-los” vigorosamente durante bastante tempo, e assim, toda espécie de impureza é removida, o couro cabeludo mantém-se limpo, e em seguida executamos uma massagem com olio vegetal. [...] Os cuidados com os pés e mão são considerados tão importantes como a “toilette” matinal das roupas, cabêlos e rosto. Uma senhora bem posta, “well-groomed lady”, usa créme e pó nas mãos e colorido nas palmas para que apresentem o efeito de flôr As unhas vermelhas, tão de pouco tempo usadas entre as damas do Ocidente, constituem uma das mais velhas vaidades da mulher chinesa.

Unhas longas representam luxo e privilégio a respeito de trabalho manual. Em alguns raros casos as unhas crescem tanto que se toma preciso protegé-Ias com capas de ouro.284

Em detrimento da cultura ocidental, a exposição dos costumes orientais indicava uma beleza mais duradoura e consistente, que aparecia na manutenção da fisionomia por gerações a fio. Focando nisso, o texto revela, em contraposição ao ideal de mulher oriental, a feiura das mulheres gordas e rígidas, da má alimentação em função da estética do corpo, da queda e da má higiene dos cabelos, do descuido com os pés e as mãos, da falta de cor nas palmas das mãos e nas unhas, bem como ter as unhas curtas, sinônimo de trabalho e esforço feminino.

A questão da cor da pele aparecia no Anuário mais ligada à tendência do bronzeamento para as mulheres brancas:

A vida moderna constituída por esportes, viagens, movimentos e ar livre, exige da mulher uma epiderme sã, de tom quente. É por isso que, no mar ou na montanha, nas margens dos lagos ou nos campos, o banho de sol faz parte integrante das férias. Os benefícios que os raios solares exercem sobre a pelle são consideráveis. Destroém os micróbios, melhoram o estado geral, base incontestável de uma tez bonita. São as pelles gordurosas, sobretudo as pelles grossas que mais lucram com o sol que as livram da seborheia e das complicações do acne. Se as costas e hombros pequenas espinhas indesejáveis, não deveis hesitar em expol-as ao sol. [...] Não se deve expor a pelle ao sol sem untal-a primeiro com um creme especial que evitará as queimaduras e as sardas donde resultará uma pelle queimada, mas não tostada. [...] há no mercado um produto que vos permitirá evitar de chamar attenção por uma pelle muito clara quando começardes [...] Quando a pelle tiver tomado ao sol o tom de ouro tão desejado, a “maquillage” habitual não poderá mais servir.285

284 BELEZA oriental. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano XI, 1944, p.

110-111.

285 BANHOS de sol. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano III, 1936, p. 40, 42-43.

Na revista de 1936, as peles bronzeadas ganhavam destaque. Considerada um elemento de formosura, por representar a vida ao livre, o bronzeado da década de 1930 contribuía para eliminação dos fragmentos de feiura, como por exemplo pele gordurosa, grossa e acneica, seja no rosto ou no resto do corpo. Entretanto, a pele bronzeada deveria estar no meio termo, nem tão clara e nem tão tostada, mas num tom de ouro. No ano seguinte, a revista ainda exibia a mesma beleza da moda bronzeada:

A moda exige, que ao voltar das férias os corpos estejam bronzeados, do lindo tom moreno ouro de certos bronzes italianos. Felizmente o tempo não é mais dos campeonatos imprudentes, em que para ser a banhista mais tostada, a moça deitava-se na areia, horas a fio [...] A moda tornou-deitava-se mais racional. Quer apenas que a pelle não seja branca, e sim colorida “tisnado”, quente, ouro demonstrando saúde e vigor.

[...] Deve-se escolher um “maillot” que permita descer as hombreiras, afim de bronzear igualmente os hombros, sem deixar marcas. 286

Aqui também se privilegiava o intermédio das cores, em que o ponto alto da moda era que não se deveria deixar a marca aparente dos maiôs nos corpos, mas manter um bronze uniforme por toda extensão da pele, fatores que foram se modificando no decorrer do século XXI. Contudo, uma nota interessante é que a valorização do bronze na pele parecia ser pensada em diferentes especificidades, para estereótipo da mulher “branca europeia” o bronze uniforme no tom dourado lhe cairia bem, diferentemente da descrição da beleza oriental, que valorizou muito mais a silhueta e os cuidados com as mãos e rugas.

No entanto, no decorrer de alguns anos, o sol despertava mais preocupações do que aformoseamento:

Apenas um lenço, á moda das camponesas que aos trinta anos são velhas e de rosto enrugado, não protege a pele. Um chapéu de abas largas é indispensável. Os rins e os pulmões são órgãos a resguardar do sol escaldante. O sol em demasia torna a pele espêssa. Mesmo sendo muito jovem, não abuse dele, e saiba que a pele principia a envelhecer entre os vinte e cinco e os trinta anos. Cuide-se antes que na idade de Balzac você apresente uma cara de velho marujo... Nos cabelos o sol influencia também de maneira desagradavel, tomando-os ásperos, sem a leveza e a sedosidade que tanta sedução emprestam a um penteado ou mesmo aos cabelos soltos. Nos olhos díretamente o sol colabóra para formação dos indesejáveis pés de galinha, e tiram do globo ocular a limpidez que o torna tão atraente. Não use chapéus quentes durante o verão, pois são prejudiciais aos cabelos, muita vez ocasionando dôres de cabeça.

Enfim: o ar livre é fatôr essencial á saúde, á beleza também, evidentemente. Mas aprenda a proteger-se, aprenda a evitar o que ele desenvolve de maléfico, o que está bem ao seu alcance”.287

286 CORPOS Bronzeados. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano IV, 1937, p. 225.

287 CONSELHOS para permanência ao ar livre. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano XIV, 1947, p. 158-159.

A exemplo das camponesas, o sol trazia os perigos das doenças e da feiura para as mulheres da época. Dentre elas, é possível ressaltar a feiura da velhice que tornava enrugada e espessa a pele, os cabelos ressecados e a cabeça dolorida, e os olhos vermelhos.