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2.2 POR DENTRO

2.2.2 A estampa interna do Anuário das Senhoras

Não obstante o alto investimento que a editora dispunha dez anos antes do seu lançamento, do ponto de vista interno, a palpabilidade do Anuário das Senhoras deixava um pouco a desejar “tanto pelo próprio material de que era feito, um papel bastante grosseiro, quanto pelo preenchimento das páginas, cujo excesso de informações, verbais e não verbais, cria um efeito desagradável aos olhos”.61 O cenário de decadência na feitura do papel e na organização interna dos periódicos no Brasil, deu-se no quadro da maior intervenção do regime estado-novista na imprensa, motivo que poderia ter atingido também o Anuário e a sequência de seus exemplares.62

60 A respeito da quantidade de páginas de cada ano têm-se: 1934 - 317 págs.; 1936 - 322 págs.; 1937 - 320 págs.;

1938 - 289 págs.; 1939 - 291 págs.; 1940 - 289 págs.; 1941 – 288 págs.; 1942 - 288 págs.; 1944 - 256 págs.; 1945 - 292 págs.; 1946 - 324 págs.; 1947 – 292 págs.;1949 - 292 págs.; 1950 - 308 págs.; 1951 - 278 págs.; 1952 - 306 págs.; 1953 - 308 págs.; 1954 - 275 págs.; 1955 - 274 págs.; 1956 - 276 págs.; 1957 - 272 págs.; 1958 - 274 págs.

61 GARCIA, Janaína A. Beraldo. Escola de modelos: três décadas do Anuário das Senhoras (1934-1954).

Dissertação (Mestrado) – Curso de Pós-graduação em História, Universidade Federal do Paraná. Curitiba: Acervo UFPR, 2004, p. 44.

62 Ver: SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 4ª ed., 1999, p. 380.

Todavia, em meio a toda confusão gráfica, a revista trazia como elementos

“importantes” as gravuras e as diferentes temáticas do texto, conforme observa-se no texto de abertura do exemplar de 1941:

Eis o oitavo número desta publicação que vem merecendo acolhida excepcional da mulher brasileira. Como os precedentes, o annuário das senhoras é editado pela empresa de “O Malho”, e organizado por “Sorcière – a escriptora Alba de Melo.

Também à maneira das demais, esta publicação continua a estampar assumptos agradáveis ás senhoras, procurando-se irmanar a boniteza das gravuras á excellência do texto. Um conto, um conselho, um modelo de lingerie, uma veste esportiva, o que interessa a senhora propriamente, o que serve aos petizes, a arte de ser bonita, a maneira de cativar, e outras coisas estão impressas nesse anuário, que pretende ser, como sempre, o compendio indispensável ao lar.63

É interessante ver que o ponto de destaque da revista eram as gravuras e os textos que a circundavam. Sabe-se que esses elementos em companhia das publicidades formavam a composição principal do periódico. A enxurrada de imagens e ilustrações, publicidades e textos de anúncios poderia ter marcado um diferencial, tal qual os periódicos ilustrados. Do mesmo modo que também poderia ter se tornado acessível às mulheres iletradas pelo seu conteúdo alusivo.

O periódico conseguiu se organizar um pouco mais ao longo de sua existência, estabelecendo, até 1958, ano em que se data o seu fim, divisões de alguns assuntos, por exemplo, a seção para noivas, seção infantil, decoração e de culinária. Outrossim, alguns artigos particionados em várias páginas passaram a diminuir, estabelecendo-se em sua maioria uma continuidade sequencial dos textos. A hipótese lançada para essa quebra seria a de criar um efeito de espera nas leitoras, ou mesmo fazê-las chegar até o final da revista devido a elevada quantidade de suas páginas. Porém, efetivamente, publicidades e artigos não deixaram de ocupar o mesmo espaço numa página, por vezes aparecendo apenas ligados pelos assuntos, consoante as imagens a seguir:

63 Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O malho”, ano VIII, 1941, p. 1.

Figura 3 - Disposição da publicidade em página inteira Fonte: Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A. O Malho, ano IV, 1937, p. 8. (Biblioteca Nacional)

Figura 4 - Disposição conjunta das publicidades e texto Fonte: Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A. O Malho, ano IV, 1937, p. 48. (Biblioteca Nacional)

Essa forma de disposição de anúncio e matéria nas folhas foi observada ao longo de todo o periódico, ora quebrando um pouco de sua estética quando havia vários elementos agrupados numa só página, ora se ordenando trazendo cada elemento por vez, fossem textos ou publicidades. Contudo, de acordo com Tania Regina de Luca, essa organização das publicidades nas revistas correspondia a um estabelecimento de valores:

A publicidade também se articulou as novas demandas da vida urbana do início do século XX e, no que diz respeito a imprensa periódica, transformou-se na sua principal fonte de recursos. O anúncio trilhou, então, novos caminhos em relação à estrutura e linguagem e, ainda, no que concerne à profissionalização da atividade, com o agenciador individual cedendo lugar, no decorrer da década de 1910, as empresas especializadas. A voracidade dos cartazes e reclames parecia insaciável, e eles se faziam presentes nos mais diferentes espaços: muros, bondes, casas de espetáculos, restaurantes, almanaques, jornais e revistas. [...] A ilustração, com ou sem fins comerciais, tornou-se parte indissociável dos jornais e revistas. 64

Nesse caso, trata-se, em grande parte, de ilustrações publicitárias com fins comerciais, que consistia em ceder páginas dos impressos para acomodar aqueles anúncios que eram vendidos para a empresa fabricante do periódico, ocupando maior ou menor espaço a depender dos custos estipulados e tempo de publicação.

No que se refere às ilustrações que compõem o Anuário, percebeu-se uma evolução gráfica. Inicialmente prevaleciam as imagens em preto e branco, com exceção da capa e esporadicamente uma ou duas publicidades coloridas. Mais adiante, passou-se a ter uma frequência padronizada de imagens em cor dentre publicidades e anúncios da editora. Não se teve informações de ilustradores fixos na revista e o mesmo acontece com as publicidades e autores dos artigos: muitos, neste último caso, não possuem sequer autoria. No entanto, “alguns colaboradores assinaram matérias no Anuário com certa regularidade, como Leonor Posada65,

64 LUCA, Tania Regina de. Fontes impressas: A história dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005,p. 123.

65 Leonor Posada (1893-1960) foi professora, poeta, dramaturga e jornalista do Rio de Janeiro, iniciando sua carreira na imprensa em 1940.

Sorcière [ou Alba de Mello]66, Leôncio Correia67, Adelmar Tavares68, Benjamim Costallat69 e Othon Costa70”.71 Além desses, verificou-se também: Maria Eugenia Celso72, Berilo Neves73, Hyldeth Favilla74, Humberto de Campos75, A.S.R., Ada Macaggi76, João Guimarães77, Olegário Mariano78 etc. Vale ressaltar que personalidades estrangeiras e famosas, como Machado de Assis (1839-1908), Olavo Bilac (1865-1918) e Max Factor Jr.79, também apareceram na qualidade de autores. Contudo, alguns deles não eram autores brasileiros ou não possuíam uma regularidade nos escritos, o que indicou que esses artigos poderiam ter sido replicados de outros periódicos, assinados com pseudônimos, ou produzidos especialmente para compor a revista,

66 Alba de Mello foi escritora, funcionária pública na câmara do Rio de Janeiro e diretora do Anuário das Senhoras, mais aspectos de sua vida serão discorridos ao longo desse trabalho.

67 Leôncio Correia (1865-1950) foi um político e escritor nascido em Paranaguá no Paraná, mas residente na cidade do Rio de Janeiro. Esteve à frente de altos cargos como: diretor da Instrução Pública do Rio de Janeiro; diretor do colégio Dom Pedro II, diretor da Imprensa Nacional, diretor do Instituto de Educação do Rio de Janeiro e eleito deputado estadual e federal pelo Paraná.

68 Adelmar Tavares (1888-1963) foi um advogado e poeta nascido no estado de Pernambuco e residente na cidade do Rio de Janeiro. Ao longo de sua vida passou pelos cargos de professor de Direito Penal na Faculdade de Direito do Estado do Rio de Janeiro, promotor, curador, advogado do Banco do Brasil, desembargador, presidente do Tribunal de Justiça e membro da Academia Brasileira de Letras.

69 Benjamim Costallat (1897-1961) foi um jornalista e escritor da cidade do Rio de Janeiro, iniciando o trabalho na imprensa como colunista no jornal O imparcial e colaborando nos jornais da Gazeta de Notícias e Jornal do Brasil.

70 Othon Costa nasceu em 1905 e foi professor e jornalista da cidade do Rio de Janeiro.

71 GARCIA, Janaína A. Beraldo. Escola de modelos: três décadas do Anuário das Senhoras (1934-1954).

Dissertação (Mestrado) – Curso de Pós-graduação em História, Universidade Federal do Paraná. Curitiba: Acervo UFPR, 2004, p. 41. Grifo nosso.

72 Maria Eugenia Celso (1886-1963), filha de condes, foi uma escritora pelo clube literário brasileiro P.E.N. club nascida na cidade de Petrópolis em Minas Gerais.

73 Berilo Neves (1899-1974) foi um jornalista e escritor nascido em Parnaíba-PI, e residente na cidade do Rio de Janeiro, onde exerceu cargo de cronista e crítico literário no Jornal do Comércio.

74 Hyldeth Favila Nenhausser foi uma escritora e poetisa pelo clube literário brasileiro P.E.N. club, colaborou com a revista Aspectos, e residiu na cidade do Rio de Janeiro.

Ver: VIDA social: recepção. Beira-Mar: Copacabana, Ipanema, Leme. Rio de Janeiro, 25 de jul. de 1942, ano XX, nº 733, p. 19; “ASPECTOS” e seus colaboradores. Aspectos: mensário de letras, artes, sciencias e política.

Rio de Janeiro, set./out. 1938, nº 13-14, p. 159.

75 Humberto de Campos (1886-1934) foi um jornalista, político e escritor nascido no Maranhão e residiu na cidade do Rio de Janeiro. Participou como colunista, principalmente, nos jornais O Imparcial e Correio da Manhã, assumindo também o pseudônimo Conselheiro XX.; e entrou para Academia Brasileira de Letras.

76 Ada Macaggi (1906-1947) foi uma musicista, professora e escritora nascida no Paraná e residente da cidade do Rio de Janeiro.

77 João Guimarães foi classificado como um poeta e jornalista brasileiro, identificado como secretário da redação do Jornal do Brasil. Ver: O 18º ANNIVERSARIO... Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 dez. de 1930, nº 303, p.

18; PRINCIPE dos poetas brasileiros. Fon Fon: Semanário Alegre, Político, Crítico e Espusiante, Rio de Janeiro, 7 de jun. 1924, ano XIII, nº 23, p. 5.

78 Olegário Mariano (1889-1958) foi poeta, político e diplomata. Nascido em Recife, mas residente no Rio de Janeiro, passou pelos cargos de inspetor, secretário da embaixada na Bolívia, deputado, ministro, embaixador do Brasil em Portugal, oficial e tabelião de cartório, e membro da Academia Brasileira de Letras.

79 Max Factor Jr. (1904-1996) foi um empresário e proprietário estadunidense da empresa Max Factor Cosmetics, herdando a empresa de seu pai após seu falecimento em 1938, Max Factor. Max Factor foi responsável pela ampliação da indústria dos cosméticos no EUA, pela popularização do termo “maquiagem”, pelas fabricações de peruca com cabelo humano, pela invenção do micrômetro – cuja função era captar imperfeições que pudessem aparecer nas câmeras cinematográficas e ser corrigidas com a maquiagem –, bem como pela aprimoração dos cremes de alta cobertura para as atrizes, que atualmente se assemelha a base.

abrindo nessas possibilidades a análise pelo conceito francês de “arco editorial”, que mostra a concordância da editora Alba de Mello ao escolher apropriar-se e reproduzir transcrições de textos estrangeiros e de autores famosos dentro da revista em que ela era responsável.

Além disso, o uso de obras de autores já falecidos e de renome, como era o caso de Machado de Assis e Olavo Bilac, poderia ser uma maneira de trazer credibilidade literária para a revista.

Dentre os ilustradores, pode-se registrar a passagem de Osvaldo Magalhães, Paulo Amaral, Claudio, Fragusto, Régis Mancet, Maurice Toussaint, Josepeh Henard, Solon, Goulart, Rodolfo, Cesar etc., produzindo ilustrações que acompanhavam os textos, como se pode perceber na imagem abaixo com a ilustração de Régis Mancet referenciada no final da página da revista. De que se pode levantar, muitos deles já exerciam funções para os periódicos d’O Malho.80

Figura 5 - Ilustrações de Régis Mancet. Fonte: Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A. O Malho, ano V, 1938, p.

124. (Biblioteca Nacional)

80 No trabalho Aline Ferreira de Vasconcelos pode-se ver a tabela de ilustradores da revista Ilustração Brasileira que também era um periódico da editora O Malho. Ver: VASCONCELOS, Aline Ferreira de. Entre o traço e o texto: as ilustrações de J. Carlos na revista Ilustração Brasileira. Monografia (Graduação em História) INHIS-UFU, Uberlândia, 2014 (orientador Luciene Lehmkuhl).

No tocante aos anúncios, foi possível verificar algumas publicidades mais regulares: A Torre Eiffel, Regulador Xavier, Banco do Brasil, Caixa econômica, Lavolho, Leite de Rosas, Leite de Colônia, Cigarros da Cia de Souza Cruz, Brahma, Air France, Panair do Brasil, Cartas Copag, Rugol, Helena Rubstein, Cinta Moderna, General Eletric, Nestlé, Produtos da Marca Peixe, Max Factor, Produtos Dagelle, Maquiagem Coty, Creme Depilatório Racé, Pasta Russa, Creme Pollah, etc. Elas se revezavam na ocupação da revista, vindo por vezes sozinhas em uma página ou acompanhadas de artigos e diferentes publicidades, como se percebe nos exemplos abaixo com as publicidades da Torre Eiffel em diferentes anos.

Figura 6 - Disposição da publicidade da Torre Eiffel com textos. Fonte: Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A O Malho, ano I, 1934, p. 280. (Biblioteca Nacional)

Figura 7 - Disposição da publicidade da Torre Eiffel sozinha. Fonte: Revista Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: S.A O Malho, ano XVI, 1949, p. 3. (Biblioteca Nacional)

O Anuário das Senhoras comportava um arranjo sistemático de temáticas. Num âmbito mais amplo, existiu a perenidade de assuntos sobre beleza, decoração da casa, manutenção do lar, instruções para noivas, cuidado dos filhos, moda, bordado e crochê, culinária e informações sobre filmes e astros de Hollywood. Em sentido mais estrito de análise realçaram as seções divisórias mais frequentes e de lugares definidos ao longo do tempo, dentre elas “Noivas”, “Pra gente miúda”, “Lingerie” e “Pijamas”, “Decoração da Casa: lençóis bonitos toalhas e outras coisas”, “Forno e fogão”, Em exemplo, as seções para noivas e de trajes de dormir, ocuparam um número maior de páginas. Infere-se que esta poderia ser uma parte bastante visitada e pedida pelas leitoras, ou, que de acordo com a moda do ano, lançou-se mais modelos e dicas sobre os assuntos levando a acrescer a quantidade de páginas.

Além dessas, seções secundárias ou colunas também apresentaram certa perenidade no decorrer dos anos. Contudo, estas não possuíam lugares bem definidos, quer ao longo das

páginas da revista, aparecendo em meio a qualquer seção divisória principal, quer na própria distribuição de assuntos na folha, tomando espaços e tamanhos diferentes. Ademais, elas poderiam continuamente nas edições da revista ou salteadas, estando por exemplo no ano de 1945, mas não no ano de 1954. Dentre elas estavam, por exemplo: “Conselhos uteis”,

“Conselhos práticos”, “Utilidades” ou “Conselhos a dona de casa”, eram títulos variantes de um mesmo conteúdo curto e informativo que apresentava assuntos diversos desde cuidados geral a sugestões de embelezamento que poderiam repetir-se dentro de um mesmo Anuário;

“Segredos de belleza”, “Cuidados de beleza” ou “Segredos de belleza de Hollywood”, essas colunas, como o próprio já dizia, versavam sobre aqueles aconselhamentos mais aprofundados sobre beleza feminina de qualquer lugar ou parte do corpo que poderiam vir assinadas ou não por Max Factor ou Max Factor Jr., embora no início das edições não possuíssem assinatura deles nessas colunas81; “Cultura physica”, era uma temática que costumava aparecer na revista vagamente como artigos e ferramenta de modelagem do corpo, porém, no decorrer da edições foi ganhando características de coluna ou mesmo seção principal no Anuário.