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A educação correccional de menores em internato : discurso pedagógico e práticas disciplinares da modernidade

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U N I V E R S I D A D E D E L I S B O A F aculdade de Psicologia e de Ciências da E ducação

A E D U C AÇ Ã O CORRECCIONAL DE

MENORES EM INTERNATO

Dis c u r s o p e d a g ó g ic o e p r á t ic a s DISCIPLINARES DA MODERNIDADE Por C ésar R ufino

D issertação de M estrado em Ciências da E ducação História da Educação e Educação Comparada

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5 ( B I B L I O T E C A

U N I V E R S I D A D E D E L I S B O A

Faculdade de Psicologia e de Gêndas da Educação

A EDUCAÇÃO CORRECCIONAL DE MENORES EM INTERNATO

DISCURSO PEDAGÓGICO E PRÁTICAS DISCIPLINARES DA MODERNIDADE

Por

C ésar A ugusto d a F onseca R u fin o

Dissertação de M estrado em G êndas da Educação História da Educação e Educação Comparada Sob a orientação do Professor Doutor António Nóvoa

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Resumo

Durante o século XIX, o surgimento de novas economias políticas centradas nos indivíduos e não só nas populações, bem como outras formas de conhecimento especializado de base científica, criaram novos domínios de acção que moldaram a emergência de instituições disciplinares, como a escola, que reflectiam uma nova atitude no govemo da criança, constituindo-se como uma expressão da modernidade. Entre elas, as instituições correccionais de menores, constituem um conjunto possível para analisar de que forma se desenvolveram um conjunto de artefactos disciplinares, que se foram deslocando do domínio dos corpos para a construção moral, de maneira não coerciva mas persuasiva. O objectivo deste texto é a busca da compreensão de como os regimes fortemente disciplinares, combinados com um discurso pedagógico sobre como actuar com a criança, pretendiam produzir uma transformação nas aptidões do menor m arginal de modo a que aceitassem uma certa medida de normalização social, pela construção da sua autonomia e responsabilidade através do internamento numa instituição educativa. Para isso, procedeu-se à análise da evolução das instituições correccionais que em Portugal instauraram modalidades regimentais inovadoras e consentâneas com a modernidade, bem como à discursividade da. pedagogia científica que acompanhou essa evolução.

.Palavras-chave: alunos; disciplina; educação correccional; internato; Tutoria de infância; modernidade pedagógica.

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A bstract

The main purpose of this text is to trace how the disciplinary regimes combined with the pedagogical discourse intended to produce a transformation in the m arginal children, so that they accept moral normalized social rules and become autonomous and productive. During the 19th century, the arising of new politic economies, centered now in the individuals and not only in populations, and the emergence o f new discourses of specialized knowledge, created also new domains of action that shaped new social disciplinary institutions, in a context of pedagogical modernity and new social attitude to the children. Among them, the correctional institutions for children developed a set of disciplinary devices, gradually progressing from the exercise over the body of subjects to become addressed and persuasive to the self of the subject, seeking to shape his conduct but maintaining the use o f a disciplinary regulation. Those institutions, and their regimes of practices, are the technical support of the path of modernity to regenerate and educate the delinquent and deprived children. To accomplish the aim of this study, were analyzed the progression o f the regimental practices and pedagogical discourses o f those institutions in Portugal.

Keywords: Correctional institutions; disciplinary regimes; pupils; boarding schools; pedagogical modernity.

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ÍNDICE

Agradecimentos ix

Introdução 13

PARTE I 29

O

b jec to

,

co n ceito s e m eto dolo gia

29

Considerações iniciais 31

O objecto de estudo e a sua dimensão 37

Alguns conceitos adoptados 45

A correcção social 46

A semiótica da modernidade 48

Uma analítica do discurso 52

Disciplina e instituições disciplinares de controlo social 55 A disciplina e o castigo na acção pedagógica 60

A govemamentalidade 63

Percurso metodológico 67

PARTE I I 71

A

CRIANÇA E AS SUAS CIRCUNSTÂNCIAS

71

A configuração de uma necessidade 73

Entre a Igreja e o Estado, o privado e o público 87 A disciplina enquanto artefacto pedagógico 99

A clausura e a distribuição celular 111

A educação tutelar institucional 127

A incorporação dos chegados 134

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A devolução social do internado 146 A Real Casa Pia de Lisboa e a correcção social 153

Uma ideia fundadora e várias populações 161 A ordem disciplinar casapiana e o normativismo 171

PARTE III J85

EDUCAÇÃO ÇORRECCIONAL E MODERNIDADE 185

Uma leitura de modernidade no campo reeducativo 187

As instituições modernas (1871-1962) 199

A Casa de Detenção e Correcção ( 1871 ) 203 A Colónia A grícola Correccional ( 1880) 219

A Correcção Feminina ( 1903) 224

A tutela jurisdicional de menores (1910) 227 A Tutoria e o Refúgio da Infância (1911) 230

O Refugio da Tutoria (1911) 246

As instituições M édico-Pedagógicas (1915) 251 A Escola A grícola de Reforma (1919) 258

Considerações finais 261

FONTES DOCUMENTAIS E BIBLIOGRÁFICAS 269

Arquivos e Centros documentais 271

. Fontes documentais 272

Fontes bibliográficas 277

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 — A disciplina higienista dos corpos e o exemplo pedagógico

da excepção...118

Figura 2 — Os uniformes na Casa Pia na década de 1920...143

Figura 3 — Entrada, processo e devolução...151

Figura 4 - 0 “currículo” casapiano em meados de Oitocentos...156

Figura 5 — Dois dos primeiros internos na Casa de Correcção de Homens da Casa Pia... 165

Figura 6 - A ocupação total do tempo de um dia lectivo... 167

Figura 7 - Evolução dos castigos físicos e morais na C P L ...173

Figura 8 — A celebração colectiva da refeição... 175

Figura 9 - A ginástica, o corpus e a formação militar...183

Figura 10 - A dieta científica casapiana...190

Figura 11 — Cronologia da especialização correctiva institucional...197

Figura 12 - Asilo Nuno Álvares, fundado em 1911; lotação: 600 alunos...201

Figure 13 - Caracterização dos colonos e seus antecedentes... 220

Figura 1 4 - 0 economato disciplinar na Colónia Correcdonal de Vila Fernando...223

Figura 15 - Correcção Feminina...225

Figura 16 - Processos contra menores, entrados na Tutoria Central de Lisboa... 234

Figura 17 — Movimento, categorias, infracções e demografia de internos... 240

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Figura 19 — “O Sr. Presidente da República [Teixeira Gomes] assistindo a um dos exercícios no Instituto de Surdos-mudos” 255

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Agradecim entos

Não posso deixar de agradecer a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para que este trabalho pudesse decorrer na melhor feição. Cometendo a injustiça de não poder citar os nomes de todos, quero endereçar um sentimento de gratidão muito especial ao Professor António Nóvoa, cujo profundo saber e constante disponibilidade permitiram o estímulo necessário para que conseguisse levar a bom termo este estudo; ao meu querido amigo e companheiro de luta (e labuta) Jorge Ramos do Ó, pela sua amizade, pelos saberes que aceitou partilhar comigo e pelas nossas intermináveis conversas em tomo da arte da vida. Sem ambos, que para além de tudo são seres humanos que privilegiam pelo exemplo quem com eles trabalha, nunca teria encontrado sentido para tão árdua tarefa. Ao Professor Rogério Fernandes, por tudo o que me ensinou, também aqui deixo um agradecimento muito sincero.

Reservo um lugar muito especial ao João Freire, que comigo iniciou a pré-investigaçao e de quem me tomei um amigo eterno (e que eterno crítico ele é...).

Quero agradecer também a todos os meus colegas do Curso de Mestrado, pelo bom espírito de colaboração e entreajuda que instauraram e de que tanto benefidei, e a todos aqueles, muitos, funaonários anónimos de diversas instituições que pela sua

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predisposição, competência e empenho, contribuíram para tomar este trabalho mais fácil e gratificante.

Quero deixar também uma palavra especial para pessoas que sempre me foram próximas como companheiras de trabalho e a quem considero também amigas: à Antónia Luz com quem compartilhei dramas e angústias próprias da vida académica, mas também o privilégio de conviver com a sua cultura e demais qualidades pessoais; ao Carlos Abreu, que de início quase me conduziu pela mão e com quem tanto aprendi, com os votos sinceros para que se junte de novo a esta comunidade a que pertence pelo direito que conquistou; à Laura Girão; ao António Carlos Correia e ao Luís Miguel Carvalho, por toda a ajuda que me deram e pelo bom tempo que passamos juntos.

Do arquitecto Hestnes Ferreira registo a amabilidade com que me recebeu e disponibilizou o espólio particular de seu avô, o vereador Alexandre Ferreira, e à minha colega Sílvia que a ele me conduziu e acompanhou nessa parte do trabalho.

Ao professor Fernando Ilharco quero deixar o meu agradecimento público por tantos anos de um estímulo intelectual de que me tomei adicto.

Á Ana Bela, fico extremamente grato não só pela revisão da escrita mas sobretudo pela amizade e apoio pessoal que me prestou nos momentos mais difíceis. Também à Mónica Raleiras, pelo seu profissionalismo e pela preciosidade da sua ajuda, quero deixar uma palavra de estima e agradecimento. A ambas se deve terem conferido

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ao meu trabalho uma legibilidade e apresentação, que eu não conseguiria.

O saber constrói-se sobre outros saberes previamente disponibilizados e, em respeito por quem construiu algum de todo esse conhecimento prévio que procurei incorporar no meu trabalho, diligenciei ser o mais justo e correcto possível nas dtações dos autores de trabalhos usados como referência. Se omissões houverem, não poderão ser menos intencionais e injustas, tal o respeito, prazer e gratidão que nutro pelos autores e obras que foram mobilizados para este trabalho.

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SIG LAS

ANTT — Arquivo N adonal da Torre do Tombo ATIL — Arquivo do Tribunal de Infanda de Lisboa ATML - Arquivo do Tribunal de Menores de Lisboa BN - Biblioteca Nadonal

CCC - Centro Cultural Casapiano CPL - Casa Pia de Lisboa

DGSJ - Direcção Geral dos Serviços Judidários

DGSJM - Direcção Geral dos Serviços Judidais de Menores FPCE - Faculdade de Psicologia e de G ênaas da Educação

da Universidade de Lisboa

IHE - Instituto Histórico da Educação INE - Instituto N adonal de Estatística LPI - Lei de protecção à infanda

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Introdução

Este texto procura ser a síntese de um trabalho de investigação iniciado no âmbito de um vasto projecto europeu denominado P restig (Problems of Educational Standardisation and Transitions in a Global Environment), cuja linha de estudos se encontra centrada na difusão mundial dos sistemas educativos e escolares. Por isso, o trajecto deste trabalho inscreve-se também no campo de análise adoptado pelo grupo de investigadores portugueses, que foi dividido por quatro eixos temáticos — alunos, professores, currículo e pedagogia.

A opção tomada pelo estudo dos alunos, enquadrando-os num propósito de construção social da criança foi, num primeiro momento,

í

justificada pela tomada de consciência de como os alunos são silenciosos nos registos escolares históricos. Posteriormente, durante uma fase prospectiva da pré-investigação confirmou-se não só uma rarefacção documental produzida por alunos, como se revelou a existência de um campo de estudos muito específico, o da educação correcdonal em internato, com zonas muito propícias ao detalhe analítico e a uma margem interpretativa ainda não ensaiada sobre esse objecto. As racionalidades que imperam sobre esses alunos, as observações e exames a que são sujeitos, os programas e regimes que seguem e mesmo os testemunhos materiais que restam da sua presença escolar acabam por ser, afinal, construções de especialistas adultos que filtram, contabilizam, medem, avaliam e anotam, segundo uma lógica exocêntrica à conveniência pessoal do aluno, mas

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\

realizada em seu nome e sob uma moldura pedagógica assente no interesse pela criança como sujeito moral e social.

Assim, a intenção deste estudo é, para além de ensaiar uma interpretação crítica do campo das disciplinas e das tecnologias disciplinares, a consolidação de uma proposta metodológica que permita abordar, pelo ângulo das práticas reeducativas institucionais, os mecanismos de construção moral e social da criança, num contexto educativo institucional e tutelar mais lato—

Essas instituições que dedicaram o seu exercício às crianças que ( genericamente careciam de ajuda fora do seio das famílias, foram precursoras na procura do estabelecimento de uma ligação dos indivíduos a um sentido comum de participação numa missão colectiva de progresso, através de processos mediados pela educação escolar (Popkewitz & Bloch, 2000). Tal mobilização em tomo de uma ideia de colectivismo social pelo progresso e bem comum, veiculada pela retórica pedagógica, tem na expansão dos sistemas escolares o seu instrumento mais adequado.

Trata-se, também, de cumprir uma “digressão sobre um programa de investigação”, debruçada sobre a configuração dos regimes que governavam as crianças internadas e de que forma a prescrição de comportamentos, aliada aos discursos especializados, procurava “configurar uma .ideia de aluno e construir a sua subjectividade”, produzindo sujeitos autónomos e responsáveis, constituindo uma tecnologia política que se poderá chamar de governação dos escolares, tendo como objecto, no caso vertente, os indivíduos subordinados a um regime de educação coerdva (Nóvoa, 2000: 134-135; Ó 2001).

É ainda o início de um possível estudo mais vasto sobre o internato, o seu uso educativo, sobre a forma como a operacionalidade dos regimes

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disciplinares que incluíam a clausura, foi apropriada pelo sistema educativo público e se desenvolveu segundo um modelo que se impôs e difundiu com a “escola de massas”. É que se no âmbito correccional a educação é completamente tutelada e coerdva, no caso da expansão universal da escolaridade de massas, a educação não deixa de ser compulsória e rigorosamente vigiada, adoptando mesmo a modalidade e designação de “escolaridade obrigatória”, aspirando a vigorar por períodos > tendendalmente sempre mais alargados. Espera-se que este campo de análise se revele ainda como um contributo para a cksocultação de como a criança e a sua família foram objecto do discurso e das práticas educativas fomentadas pelo Estado, enquanto expressão política dos cuidados e atenção com a infanda e juventude.

Procura-se assim descortinar não só a subjectividade dos desígnios ' educativos ou sociais expressos e aceites, mas ensaiar também uma reflexão através da descrição da escola monitorial, enquanto um ambiente pedagógico propositadamente construído a partir de uma combinação de elementos físicos e morais que induam: uma arquitectura espedalizada; dispositivos para a organização do espaço e do tempo; técnicas corporais; práticas de vigilância e supervisão; rdaçôes pedagógicas; procedimentos de supervisão e exame, etc. (Hunter, 1996). Não é uma analítica das estruturas ou uma narrativa de competêndas mas sim uma “análise dos sistemas de conhecimento, avaliados como elementos constitutivos das regras e padrões que ligam as radonalidades políticas aos princípios que ordenam e disdplinam a acção dos indivíduos, na sua condiita pessoal e na relação que estabelecem com o mundo que os rodeia” (Popkewitz & Bloch, 2000: 33). É este primado ordenador de conhecimento, associado à acção prática da

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governação, que enforma o conceito de “govemamentalidade” expresso por Michel Foucault1.

Podemos então assodar a governação das pessoas à forma como são conduzidas, em função dos cálculos a que são submetidas e das radonalidades saberes e tecnologias empregues para ordenar a sua conduta. Mitchel Dean procura sintetizar esta ideia da seguinte forma:

“Government is any more or less calculated and rational activity, undertaken by a m ultiplidty o f authorities and agendes, employing a variety o f techniques and forms o f knowledge, that seeks to shape conduct by working through our desires, aspirations, interests and beliefs, for definite but shifting ends and with a diverse set o f relatively unpredictable consequences, effects and outcomes” (Dean, 1999: 209).

E que aos sistemas de gestão moral dos sujdtos não subjaz somente um quadro discursivo de tipo doutrinário, mas também uma aplicação material constituída por diversas práticas calculadas, exerddas sobre os corpos desses mesmos indivíduos arregimentados num colectivo, também destinadas a produzir efeitos na sua construção moral. E o que se pode designar por “regimes” ou “práticas de governação”, enquanto conjunto relativamente organizado de acções e maneiras de fazer no que conceme aos cuidados tidos na conduta de si mesmo e dos outros (Dean, 1999: 211). Há portanto, em alguns momentos dessa acção, uma dimensão operatória de gestão local, relativa à regulação exercida de fa cto entre os actores que, por ser reveladora da diferenciação dos métodos e organização das práticas

1 Para um aprofundamento dos objectivos que balizam esta investigação e da filiação conceptual a que este texto está afecto, no que respeita ao quadro de investigação do Prestige, cfr. respectivamente Nóvoa, António (2000). Tempos da Escola no Espaço Portugal-Brasil-Moçambique. In: A. Nóvoa and J. Schriewer [eds.], A DtjusÕo M undial da Escola: 121-142 Lisboa: Educa; O, Jorge Ramos (2001). O Governo dos Escolares - Uma Aproximação Teórica às Perspectivas de M ichel Foucault. Cadernos Prestige vol. n°. 4. Lisboa:

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escolares com que visa obter resultados, não pode ser tida como despidenda. Esse conjunto de normas reladonais expressas ou intuídas e a sua gestão, em suma, uma disciplina, estão presentes nos sistemas escolares contemporâneos, sendo muitas vezes uma dimensão considerada de uma forma unicamente fundonalista, desligada de uma ldtura política mais ampla da acção pedagógica e por vezes até em seu antagonismo.

Nos regimes educativos é possível identificar, ao nível do exerado de uma instituição escolar, uma nítida instrumentalidade gerencial enquanto aliada física de uma matriz disdplinar, ordenada por uma construção política de governação. Investigações desenvolvidas sob a égide reflexiva foucaultiana, conduziram à caracterização do managcment como uma micro- física de poder sustentada numa base disdplinar, realçando o movimento de ocultação de uma razão política por detrás de uma linguagem “neutra” da dênda — a_gestão será vista então como um forma de organização estruturada por uma radonalidade assente numa ideologia pretensiosamente neutra, mas sendo, na prática, uma “tecnologia política” (Bali, 1990: 194). E, indubitavelmente, uma acção estratégica, mas nos sentidos em que Foucault considerava a radonalidade estratégica na sua relação, com o poder-saber. primeiro, descrevendo como os diversos e dispersos micro-poderes, na sua capilaridade, se ligam de forma a constituírem condições de dominação organizada, sob alguma unidade e coerênda; segundo, para descrever a acção global sobre esses poderes, a fim de levá-los a adoptarem um sentido comum (Dean, 1997: 157). À medida que a gestão das organizações escolares se vai também “dentificando”, outros recursos se vão estabelecendo e afirmando por uma pretensa radonalidade tecnocrática e, simultaneamente, vão-se tomando progressivamente mais invisíveis pela rotina do seu uso. É assim que novas

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racionalidades, como a gestão escolar, “ao gerarem uma nova disciplina para as escolas, geram também novas modalidades para os tecnologistas morais” (Bali, 1990: 165).

Um conjunto de procedimentos funcionais foi sendo devidamente organizado e justificado, de modo a estarem disponíveis para a aplicação prática de todas essas racionalidades reguladoras, físicas e morais. Corrigan e Sayer, no seu estudo de 1985, The Great A rch, sobre a formação do Estado inglês, referem-se à dimensão da acção moral do Estado nos seguintes termos: “Moral regulation is above ali a project of normalisation and naturalisation of the premises o f a spedfic social order. It concems the meaning o f State activities for the constitution and regulation o f social identities and subjectivities” (Bali, 1990: 149). Para além das subjectividades que estão adjacentes a essas actividades normalizadoras, juntam-se também os meios disponíveis para o seu exerddo: uma burocrada disdphnar emergindo-das necessidades de uma governação sodal, porventura herdeira da ordem edesiástica, com a qual o Estado administrativo procura corresponder a essas exigênaas de acção (Hunter, 1996). Essa arte de governação, com todas as suas técnicas de actuação, não representa apenas 1 uma raaonalidade de tipo “tayloriano”, mecaniasta e burocrática de articulação dos actos meramente produtivos dos indivíduos, representa sobretudo um contributo que é dedsivo na construção de uma consdênda moral e sodal de um colectivo de sujdtos agregados pela acção política.

- Conforme os sistemas escolares se foram edificando e exercendo progressivamente a sua acção reguladora, foi crescendo também a vontade de submeter a esse efeito todos aqueles que, de alguma forma, teimavam em permanecer afastados de mecanismos simples de indusão sodal, como o trabalho, a família ou a escola. Tratando-se de uma população

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infanto-\

juvenil, o aparato escolar com as suas técnicas de relacionamento pedagógico depressa se perfila para substituir o sistema judicial penal no tratamento dessa “anomia”, para usar a expressão de Durkheim. Esse compromisso entre o sistema punitivo judicial e o escolar, surge-nos paradigmaticamente sob a forma de internato tutelar, o que vai conduzir à iniciativa de generalização de um regime correctivo de acção institucional. Modalidades de excepção, como as decorrentes da vontade de rectificação e integração social de algum as crianças, produziram tecnologias, destinadas à criação de subjectividades estruturantes da sua “re-construção”, cuja aplicação se processou através de instituições que tinham como referência formal a ideia de escola.

Foi pela sua faceta experimentalista que os regimes correccionais ' educativos que incluíam o internamento da criança assumiram relevância na constituição de diferentes modalidades governativas — algumas ainda vigentes no sistema educativo actual -,Jevando essas práticas relacionais .a contribuir para a evolução de uma ordem política que se estabeleceu a par com a generalização da escolaridade. Trata-se de um terreno privilegiado de observação, um ponto de encontro da escola com a prisão, onde uma pluralidade de saberes, disputando entre si o predomínio dos seus discursos, conjuga o exercício das suas tecnologias numa acção unitária sobre a mesma população.

Este campo de estudo estende-se por um arco temporal que lhe confere uma antiguidade abrangente de alterações muito expressivas, não só na percepção social da criança como no campo teórico da pedagogia, assistindo-se a mudanças que vão sendo o efeito de sucessivas apropriações de vária ordem na praxis da governação dos escolares. Ao longo de três séculos, diferentes instituições vão surgindo de forma cada vez mais

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articulada e, sob diversas formas e pretextos, vão construindo gradualmente a prerrogativa da tutela parcial ou completa de grupos especialmente definidos de crianças, aplicando sobre elas um conjunto de artefactos e discursos educacionais. Essa combinatória desenvolveu-se e sofisticou-se segundo um rumo preciso: evoluindo no sentido de uma racionalidade produtiva e orgânica, o alvo dessas técnicas foi-se desviando do controlo restritivo do corpo da criança — um exercício de soberania — para começar a. dirigir-se ao seu self, na procura de uma progressiva construção moral da infância através de registos de liberdade cada vez mais íntimos e subtis — um exercício liberal

Uma genealogia discursiva edificou-se em tomo da condição social da criança favorecendo a evolução e consolidação do discurso pedagógico no terreno educativo das crianças desfavorecidas. Assim, o tipo de instituições de tutela completa do menor revelou-se um instrumento privilegiado para a observação de comportamentos dos sujeitos, para a experimentação de formas de os dispor e para o exercício de diversos saberes vocacionados para o seu governo. Tais artefactos, objectivados por inúmeras restrições e actividades distributivas, foram progressivamente desenvolvidos a fim de produzirem alterações previamente legitimadas pelo discurso de uma pedagogia moral sobre a conduta dos sujeitos. Essas alterações prendem-se não só com os comportamentos visíveis mas, sobretudo, com axonstruçao de como o indivíduo se pensa a si próprio e aquilo que acredita.ser (Marshall, 1990).

A aproximação privilegiada nesta abordagem será ao uso de tecnologias disciplinares cuja matriz processual se inspirou nas práticas militares e conventuais, a sua relação com o discurso pedagógico e a forma como se conjugaram e evoluíram durante a modernidade. Foram as

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práticas disciplinares que introduziram o estabelecimento de uma ordem repartida, hierarquizada e sincronizada na vida escolar, uma racionalidade que remonta algures aos meados do século XVI e que se foi afirmando como praticamente exclusiva até aos finais do século X V in, altura em que novas metodologias surgiram, trazendo consigo outro tipo de legitimações que acabaram apropriadas para o uso no território tecmco-político da governação dos indivíduos num contexto escolar. Ainda hoje, como é fácil perceber, todos esses mecanismos que foram e são, digamos, uma componente instrumental da pedagogia, continuam fortemente presentes, com maior ou menor visibilidade, nos actuais regimes educativos, sendo esse facto, essa aparente indissociabilidade, uma das justificações, da abordagem aqui proposta. Entre esses elementos que se perpetuaram no território escolar, são fáceis de discernir a arquitectura p o ralas; corredores preenchidos por células sucessivas; distribuição matricial de equipamentos e indivíduos; divisão, atribuição e sincronia do tempo; vigilânda permanente; regulação pela norma e pelo uso de diversos constrangimentos; controlo preséndal e burocrático; práticas de exame; organização em grupos constantemente controlados e avaliados, etc.

O surgimento de uma grande profusão de instituições relaaonadas •com a atenção protectora dedicada à • criança constitui um emaranhado complexo que toma muito difícil a sua contabilização e análise, justificando a procura de outro tipo de aproximação, através de campos e epistemes menos explorados. E por isso que se segue a opção metodológica de ensaiar um excurso genealógico por essas instituições, buscando uma interpretação dos regimes que nelas imperavam e as configurações que adoptaram para cumprir os seus propósitos, pelo que se procura adoptar, de um ponto de. vista teórico e metodológico, as perspectivas foucaultianas

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sobre as relações de poderJ saber e as construções de recentes trabalhos realizados no campo educacional que nelas se suportam. Uma ideia panorâmica da assistendalidade educativa prestada à criança toma-se assim um contributo necessário para a interpretação dos contextos sociais, morais e assistendais em que cada instituição actuava e, eventualmente, de que forma se estabeleceu a secularização dessa assistendalidade e. da sua influênda nos sistemas educativos de origem estatal mas, acima de tudo, procura desvendar um pouco do que tem sido a história da criança internada.

O recurso à narração genealógica justifica-se também pela necessidade, por um lado, de estabelecer um quadro evolutivo dos regimes de governação da criança num contexto educativo de tipo escolar, em Portugal,—um campo de investigação ainda pouco explorado na sua extensão, por outro lado, ensaia-se uma aproximação ao objecto procurando um afastamento dos quadros analíticos mais estereotipados, ou fundados em categorias de pensamento que se têm revelado limitativos no seu potencial explicativo. E oportuno invocar aqui as palavras de Michel Foucault numa das suas aulas no curso de 1975/76 no Collège de France, a propósito, exactamente, da institucionalização do saber científico e dos efeitos centralizadores na sociedade, desse poder discursivo organizado: “A genealogia seria, pois, relativamente ao projecto de uma inserção dos saberes na hierarquia do poder próprio da ciência, uma espécie de empreendimento para dessujeitar os saberes históricos e tomá-los livres, isto é, capazes de oposição e de luta contra a coerção de um discurso teórico unitário, formal, e científico” (Foucault, 2000: 15), tomando-se a essência de um exercício imanente ao pensamento crítico.

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Por vezes não é fácil estabelecer uma única questão para definir a investigação que se pretende realizar. Se, como sublinha Antoine Prost (1996: 80-100), é verdade que não há história sem uma questão, tomada como um recorte num conjunto ilimitado de factos e documentos possíveis, também acrescenta que “o historiador nunca coloca uma «simples questão», mesmo quando se trate de uma questão simples”. É ainda verdade que a mesma questão pode ser formulada sob diversas formas e cada questão que se elege transporta outras consigo,- cada metodologia que se adopta é uma alternativa entre outras que acarretam em si o contraditório sempre necessário e saudável, tal como nem todos os objectos, pelas subjectividades que implicam, são fáceis de definir. Apesar disso — e por isso —, procura-se em seguida dar a compreender de molde simples e aproximado, o objecto, a intenção e a metodologia aplicados na tese, matérias que serão aprofundadas em momento mais adiantado, tendo- se no imediato ensaiado o seguinte registo sinóptico:

-1. 'Problemática - De que forma são usados os regimes disciplinares de internato na educação correcdonal de menores e como essas práticas partilham a sua acção com a discursividade pedagógica, ou seja, como os diferentes artefactos disciplinares se inserem numa pedagogia da conversão

social da criança. • . • •

2. Propósito - Compreensão das relações de poder entre a discursividade da pedagogia e as práticas regimentais, das instituições educativas que tinham especificamente como objectivo a reconstrução moral e social das aptidões dos alunos.

3. Significado - Perceber a funcionalidade educativa das práticas disciplinares e a sua presença como marcador da relação pedagógica na modernidade, através da evolução dos seus artefactos e da partilha de

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poder com outros discursos. Uma aproximação genealógica permitirá ajudar a compreender a proveniência do exercício disciplinar educativo do presente.

4. Dimensão - Ao nível institucional, o universo em análise é constituído por estabelecimentos que se dedicaram à missão de

reenquadrar socialmente menores, que de uma forma ou outra estavam desviados d e . uma dada normalidade social, através de modalidades educativas e regimentais de excepção surgidas na modernidade.

r 5. Premissas - Os principais conceitos teóricos e critérios de selecção e análise das fontes usados nesta tese procuram manter uma afinidade estreita com a ideia de “disciplina”, tal como foi expressa por Michel Foucault em Vigiar e Punir,; bem como à sua teoria geral sobre os efeitos das relações de poder. Procura-se assim seguir uma estirpe do pensamento genealógico oriundo de Friederich Nietzsche em Para uma g n e a b g a da M oral - influência que Foucault acolheu sem preconceitos — prolongando- se nas mais recentes propostas presentes em trabalhos resultantes dessa linha e que têm vindo a fazer sentir a sua influênda no campo educativo onde, em Portugal, assume especial relevo o trabalho de Jorge Ramos do Ó consumado em 0 governo de si mesmo (2003).

.. No campo da configuração e significado do . internamento institucional recorre-se ao modelo de “instituição total” consagrado por Erving Goffinan em Manicômios, Prisões e Conventos. Quanto à História Social da criança, a principal referência de partida é o trabalho de Phillipe Ariès, não só sobre as metamorfoses da atenção social que lhe foi dedicada durante o Antigo Regime* como as consequências disciplinares que daí advieram. O estudo do relacionamento pedagógico com a criança, a sua condição social e o grau de liberdade que auferiam nessa época

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pré-modema, toma-se é essencial para atingir o simbolismo das alterações que ocorreram posteriormente. Para acrescentar uma leitura sobre certos aspectos da situação social da criança portuguesa dessa época, matéria à qual faltava especificidade no trabalho de Ariès, recorreu-se ao contributo de António Gomes Ferreira com Gerar Criar Educar — A Criança no Portugal do A ntigo Regime, uma vez que abrange matéria essencial para o desenvolvimento deste estudo e permite confirmar a harmonia da obra de Ariès com certos aspectos tão importantes na condição portuguesa. . .

Para finalizar, segue-se um roteiro para a leitura deste texto, apresentando-se muito sumariamente cada um dos capítulos e o que com eles se procura expor:

Parte I — Pretende explanar a filiação teórica e conceptual, o âmbito do estudo e a metodologia usada.

Parte II — Procura reconstruir algumas circunstâncias marcantes na história social da criança, recorrendo a uma genealogia da utilização moral das técnicas disciplinares como o castigo e o internamento, contemplando também’a partilha entre a Igreja e do Estado da assistência social a grupos definidos, apresentando também mais alguma exploração teórica. O surgimento da Real Casa Pia de Lisboa e a sua influência nas modalidades educativas de excepção como prenúncio de uma ideia de modernidade fecham esta parte.

Parte- UI — Inicia-se com uma reflexão sobre o surgimento e modernização dos regimes correccionais e a evolução das suas estratégias disciplinares e ambições morais. Dedica-se ainda à cronologia das instituições educativas de correcção social que inauguraram modalidades regimentais marcantes na construção do projecto da modernidade e-em

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que moldes foram accionados esses regimes, matéria iniciada na parte anterior com a Casa Pia.

Ensaia-se assim a construção de um texto marcado por três partes sequenciais. Uma primeira parte, predominantemente teórica, estabelece uma instrumentalidade conceptual e analítica centrada no discurso disciplinar, ao mesmo tempo que procura elucidar sobre a filiação intelectual que segue. Uma segunda parte, onde se contextualiza o desempenho social das instituições de educação coerciva das crianças através da apreciação das práticas de algumas instituições pré-modemas, ao mesmo tempo que se aprofundam alguns conceitos através da evocação de discursos que estabeleçam uma continuidade com as práticas no terreno educativo. Na terceira e última parte, em que se recorre essencialmente ao -material empírico contido numa baliza temporal mais estreita que tem como limites os anos de 1871 a 1962, procura entender-se a fundação e o percurso de um discurso de modernidade surgido nas instituições correcáonais públicas que, de forma marcante, imprimiram uma profunda alteração às práticas até aí seguidas pelos regimes de governo de crianças socialmente desenquadradas.

Tenta-se estabelecer entre as três partes do texto uma conexão genealógica que possa contribuir para esclarecer como as práticas disciplinares têm sido um dispositivo instrumental ao dispor da pedagogia e de como essas práticas contribuem para a transferência do menor, de uma situação de sujeito dependente para uma autonomia regulada, produtiva e socialmente aceite, através de uma mediação educativa de modelo escolar, conduzindo-nos a uma “história do presente”. Esse tipo de continuidade genealógica solicita muitas vezes o ordenamento da escrita pela tópica em análise e não por uma sequenda de factos, uma formulação nem sempre

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conveniente para uma interpretação linear da temporalidade, o que se tenta compensar com uma pequena ordenação cronológica das instituições modernas referenciadas. Quanto às imagens inseridas no texto e enumeradas no ‘Índice de Ilustrações”, pretende-se que sejam d e. facto uma ilustração do texto, mas não só, que pertençam ao texto e até que sejam, elas próprias, também texto, um texto que cada um lerá segundo os que os seus olhos quiserem ver em cada imagem. Será como que uma co- autoria pela interpretação pessoal que o leitor poderá estabelecer pelo seu olhar.

A terminar apresenta-se, em jeito de conclusão, algumas ideias que se podem reter do que ao longo do texto se procurou evidenciar " e justificar. São conclusões que nao concluem, no sentido em que nao finalizam questões mas que, pelo contrário, admitem lançar novas questões que estimulem novos percursos sobre este ou outros territórios. Se isso for conseguido, este trabalho sentir-se-á justificado.

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P a r t e I

OBJECTO, CONCEITOS E METODOLOGIA

Enfance IV

Je suis le saint, en prière sur la terrasse, comme les bêtes pacifiques paissent jusqu’à la mair de Palestine. Je suis le savant au fauteuil sombre. Les branches et la pluie se jettent à la croisée

de la biblioteque. Je suis le piéton de la grand’route par les bois nains; la rumeuer des écluses couvre mes pas. Je vois longtemps la mélancolique lessive d’or du couchant Je serais bien l’enfant abandonné sur la jetée partie à la haute mer, le petit valet

suivant l’allée dont le front touche le deL Les sentiers sont après. Les monticules se couvrent de genêts. L’air est immobile. Que les oiseauz et les sources son loin! Ce ne peut être que la fin du

monde en avançant

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Infanda IV

Eu sou o santo rezando no terraço —, como pastam os pláddos bichos até ao mar da Palestina.

Eu sou o sábio da poltrona sombria. Os ramos e a chuva projectam-se na vidraça da biblioteca.

Eu sou o peão da estrada larga através dos bosques recentes; abafa-me os passos os rumor das comportas. Durante largo tempo, do meu olhar não se esvai a melancólica limpeza d’oiro do poente.

Eu bem poderia ser a criança abandonada no quebra-mar que saiu para o alto mar, o criadito que caminha pela álea cuja ponta extrema toca o céu.

São rudes as veredas. Os outeiros cobrem-se de giestas. Está uma atmosfera estática. Como estão longe os pássaros e as nascentes! Continuando em frente, só ao fim do mundo se pod’Ír.

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Co n s i d e r a ç õ e s i n i c i a i s

Ao tentar definir e delimitar um problema e analisá-lo para elaborar sobre ele uma tese — esta — pode-se começar por enunciá-lo, de forma lata, pelo relacionamento entre as práticas regimentais e o discurso pedagógico na modernidade, e questioná-lo. Essa poderá ser a questão que conduza a outras questões que tracem de forma subjectiva os limites desta investigação, ou seja, dada a matéria em apreço, é mais pelas ligações que certos acontecimentos estabelecem com outros que se desenvolvem os pressupostos analíticos utilizados e não pela exclusão de material significativo, nem é em nome de uma objectivação “factual” que se irão restringir as lateralidades que se podem despertar a partir de certas temáticas. Afigura-se delicado abordar a reeducação de menores sem o

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fazer através da história das mutações do seu papel soaal, tal como é difícil tratar os regimes escolares fortemente disciplinares sem reflectir sobre a punição, ou pensar o internato como uma simples hospedagem, desconsiderando o seu carácter de institucionalização dc uma construção política ou menosprezando o papel da escola e da pedagogia na construção do “indivíduo modemo”. Não se trata de um sintoma de excessiva ambição, bem pelo contrário, mas de uma busca genealógica das conexões que podem determinar as proveniências de certos efeitos em campos aparentemente distantes, o que confere a este texto um carácter não propriamente disperso mas que não está concentrado numa única matéria de estudo.

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Também não se pretende produzir aqui uma reflexão teórica extensa sobre os dilemas que atravessam presentemente as epistemes em que se sustenta alguma historiografia da educação que tem permitido abordagens mais criticas e diferenciadas, nem ter pretensões de solidez filosófica ou sequer tentar enveredar por um quadro metodológico demasiadamente minucioso, mas também não se pode deixar de ensaiar a explicitação das coordenadas conceptuais que pautam a construção metodológica e a hermenêutica adoptada, bem como algumas balizas que recortem o objecto em estudo e contextualizem o âmbito da sua análise.

.Em primeiro lugar, o teor deste texto procura, de um ponto de vista historiográfico, adoptar uma modalidade de investigação afiliada à descendência de correntes teóricas que são comummente designadas por “pós-estruturalistas” ou mesmo “estruturalismo simbólico” ou, mais genericamente, “teorias críticas”. Em rigor, procura-se uma sustentação no legado teórico de Michel Foucault que permitiu que a sua descendência intelectual tenha vindo a ocupar de forma crescente um lugar central nos estudos sobre educação. São teorias que comportam ntm analítica que reconhece os elementos da vida social como sendo construções discursivas, onde se demarca uma diferenciação entre o sujeitoy as suas práticas e a retórica que o representa e constrói, questionando a noçao de verdade através da procura de correspondência entre os objectos e a sua representação discursiva,. ou seja, uma análise possibilitada pelo enaltedmento do .carácter linguístico das suas referências, reconhecida pela expressão “viragem linguística”. Citando LaCapra em abono desta opção metodológica, é porque se pensa “a viragem linguística como tendo trazido uma abertura à teoria crítica e literária, incluindo aspectos filosóficos, num

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esforço para repensar a natureza e as fronteiras aceitáveis da historiografia” (LaCapra, 1995: 803).

Os riscos da opção por uma historiografia que inclua algum suporte narrativo têm pontuado a controvérsia em tomo da participação personalizada do autor na (re)construção dos factos, argumento segundo-o qual a investigação se afasta de uma pretensa objectividade asséptica, assegurada pela correcção dos procedimentos adoptados e que durante tanto tempo foi a|mejada. Esta perspectiva personalizada do autor deve ser reconhecida como um lugar constitutivo do historiador ha investigação, vendo a “objectividade” nao como simples oposto a “subjectividade” mas como um potencial de negociação pela critica e autocrítica. Os documentos devem então ser lidos textualmente e a maneira como eles constroem o seu objecto num campo institucional e ideológico deve ser uma questão de escrutínio critico, enquanto a dimensão documental dos textos deve ser colocada como um problema explídto e elucidado (LaCapra, 1995: 805).' •

É precisamente através deste exercido recente do discurso histórico fundado na “viragem linguística”, na analogia textual e mesmo na teoria das recepções (Frago, 1996), que se irá procurar reconstruir um percurso que conjugue o relato e a narrativa, a verificação e a interpretação, as interrogações e as explicações, o enundado e o empírico, através de um excurso temporal pelas práticas e discursos pedagógicos, ^endógenos ou exógenos ao sistema educativo, que se constituíram em tomo criança com uma inserção familiar ou sodal problemática. Será afinal o efeito discursivo do texto e a sua capaadade de ilustrar o presente através de factos passados que irá • orientar a elaboração da escrita. E a natureza desse discurso, referente aos processos reguladores das situações de ensino/aprendizagem, que atribui significados aos concdtos que se

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empregam ,e que categoriza e, ordena os sentidos atribuídos a. determinadas práticas tidas como pedagógicas (Norodowski, s. d.: 10).

Sobre o objecto de estudo* o texto tenta alinhar-se pelas vias que têm marcado uma História da Educação centrada na criança enquanto aluno, embora vista não como um receptáculo de saberes, mas sim como um sujeito integral, ou seja, procurando ir ao encontro de uma historiografia social e cultural que enquadre a criança não só num sistema educativo que a treina e avalia, que a abranja ou exclua, mas que a contemple também como protagonista social.

Este posicionamento é, evidentemente, um rumo, um ponto que complementa o foco da pesquisa, pois seria demasiado pretensioso desejar atribuir-lhe um peso específico, quer sob o ponto de vista dos estudos culturais quer .sociais. Trata-se de História da Educação que pode e deve .constituir um investimento no conhecimento social e ria produção cultural, mas em que esta investigação rejeita usurpar o que esteja vocacionado para outras disciplinas das Gêndas Sociais que, no entanto, aqui trazem um valioso contributo. É, tão-somente, um salvaguardar de exigências porque, como nota António Nóvoa (1998: 16), “a importância do pensamento histórico .contemporâneo assenta mais na necessidade da apreensão histórica do pensamento científico que na sua compartimentação disciplinar, relevando daí a riqueza da historicidade das maneiras de pensar e abordar o mundo físico e sodal, constituindo um contributo maior para a compreensão da sobrevivência do passado nas linguagens do presente”. Já Paul.Veyne preconizava uma “história total” em resultado da anexação pela história de disciplinas como “a demografia, a economia^ a sociedade, as mentalidades”, criando uma dinâmica no sentido da história social (Veyne,

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Esta pilhagem multidisdplinar induz à procura de uma pluralidade e diversidade de fontes que por vezes podem parecer extravagantes mas que é ditada pela necessidade de compreensão de discursos produzidos nas periferias dos sistemas mais institucionalizados ou de como uma determinada discursividade, temporalmente situada, interagia com os dispositivos práticos por ela caucionados (ou que a ela se opunham) e de como esses dispositivos eram socialmente recebidos e assimilados. Procura-se mesmo descortinar o facto “não-aconteámental”, isto é, a procura de acontecimentos ainda não consagrados pela história. As únicas fronteiras serão então, reiterando Veyne, as “convenções variáveis do género”, que se alargam constantemente (Veyne, 1983: 31-32).

Uma componente de estudos de Educação Comparada está também presente neste texto, uma vez que incorpora um paper publicado com as investigadoras Ana Laurá Godinho Lima e Flávia Sílvia Rodrigues sobre a história dos discursos e instituições de reeducação e assistência a menores em Portugal e no Brasil dos séculos XIX e XX, com uma introdução de Jorge Ramos do Ó (Rufino et al., 2003). Nesta dimensão da Educação Comparada, adopta-se umà perspectiva sódo-histórica, procurando uma abordagem que se desloque da “análise dos factos” à “análise do sentido dos factos”. Como refere António Nóvoa, são perspectivas de pesquisa centradas não somente na materialidade dos factos educadonais, mas também nas comunidades discursivas que os descrevem, os interpretam e os localizam num determinado espaço-tempo. São percursos alternativos dos métodos comparativos que já não se sustentam exdusivamente nos indicadores quantitativos ou em retratos etnográficos. A análise dos objectos de comparação já não toma como referência os contextos definidos segundo a visibilidade dos seus contornos

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“físicos”, mas de contextos definidos segundo a invisibilidade das práticas discursivas que os habitam (Nóvoa, 1998: 80).

Sobre o campo da Educação Comparada, António Nóvoa coloca três questões centrais para a reconfiguração multidisdplinar da História: “Novos problemas, novos modelos, novas abordagens”. E uma perspectiva que inclui a construção de novos objectos de estudo centrados no interior das instituições educativas que procura novos modelos de análise, não somente suportados por dados estruturais mas que privilegie as práticas discursivas dos actores e que estimule novas abordagens baseadas no alargamento do repertório metodológico. Trata-se de lançar um olhar sobre o contextuai mas, também, sobre o textual, “a fim de construir novas compreensões sobre a forma como as práticas discursivas operam no interior dos espaços sociais” (Nóvoa, 1998: 81-84). É esta a perspectiva que também norteia este texto, na procura de ensaiar um olhar menos espartilhado por instrumentos interpretativos muito especializados.

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O OBJECTO DE ESTUDO E A SUA DIMENSÃO

O objecto central do estudo será a genealogia das diferentes práticas de regimes disciplinares usados na correcção educativa de menores e da sua reciprocidade com a discursividade da pedagogia correccional durante a modernidade.

A extensão empírica deste objecto circunscreve-se às instituições que tinham como missão proporcionar, sob tutela, uma reintegração da criança pela construção da sua autonomia, através de algum tipo de formação, educação ou encaminhamento, recorrendo para esse fim a regimes que incluíam o internato e que estavam para isso especialmente concebidas. Apesar de o internamento constituir por si só uma tecnologia muito específica, procurou-se exponendá-lo delimitando-o a situações excessivas na sua forma, quando associada a uma intenção educativa, tais como as que se encontram nas metodologias disciplinares das instituições de correcção social. Assim, instituições como a Casa Pia, Casas de Correcção, Reformatórios, ou outras congéneres, serão eleitas como matéria de estudo das referidas práticas e como referência no estabelecimento de etapas inovadoras nas modalidades regimentais que foram significativas para a sedimentação da modernidade na educação correccional. Entre essas práticas regimentais das instituições, deu-se preferência às alterações das rotinas disciplinares que significaram uma inovação em termos de tecnologia educativa e à forma como pretendiam actuar no domínio moral, uma vez que reflectiam bem a percepção do

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discurso de uma ideia de progresso pela humanização no tratamento relacional com a criança.

O discurso pedagógico da reeducação de menores estava endereçado num plano teórico para uma idealização dos métodos de uma educação mais eficaz, construindo esse discurso os códigos interpretatiyos das metodologias das instituições de enquadramento social da criança. Na dimensão da análise discursiva será usado material documental que possa revelar uma pedagogia prescritiva ditada por um posicionamento doutrinal. Também serão aceites fontes que, de algum modo possuam conteúdos que sendo ínfimos sejam detalhados, revelando factos que por terem sido comuns foram dados como esquecidos e esvaziados de significado. Assim, é possível serem invocadas fontes documentais muito diversas, mas que podem evidenciar determinadas racionalidades nos discursos que contêm.

Sobre a dimensão do objecto empírico, ao invés de procurar delimitá-lo rigorosamente, ou mesmo quantificá-lo por excessiva minúcia de enunciação, prefere-se antes conferir-lhe visibilidade e procurar focalizá- lo como matéria de análise, construindo gradualmente ao longo do texto um entendimento das representações que foram sendo geradas por múltiplos discursos e efeitos que se entrecruzam, esbatendo por vezes o objecto de estudo. Não só na sua temporalidade esse universo se pode dilatar ou contrair, especializando-se mais ou menos segundo o seu significado genealógico e não cronológico, assim como na sua dimensão espacial muitas questões abordadas vão assumir a exigência do exercício comparativo, invocando factos relevantes em campos por vezes muito alargados. Devido a este constrangimento da dispersão axial dos atributos em análise, prefere- se usar a expressão nitide\ do objecto, no sentido de procurar tomá-lo nítido através da compreensão' dos conceitos e métodos eni uso, em lugar de

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limitá-lo por uma definição quantificada do arquivo. É o recurso a uma metáfora óptica, o ramo da Física que estuda a visibilidade dos objectos, que parece ajustar-se ao enquadramento cultural e aos pressupostos analíticos em que este texto assenta e à maneira como aborda o objecto.

Sobre a problemática das diferentes perspectivas em História sobre o uso do - espaço e do tempo, “pode-se acompanhar uma deslocação da investigação de um nível local para o enquadramento nacional, de uma territorialidade para um complexo de interdependências a nível mundial. Ela passou dos acontecimentos à delimitação de épocas, de uma periodização restrita para a fluidez de tempo cada vez mais alongado. Trata-se, num caso como noutro, de evoluções que marcam mais mudanças de escala que mudanças de natureza, porque a definição fisica do espaço e cronológica do tempo não são postas em causa” (Nóvoa, 1998: .15).

A problemática da “correcção social” é aqui usada para evocar uma vontade de generalização terapêutica, uma teleologia muito abrangente das técnicas de rectificação moral - não se debruçando por isso sobre o mais antigo “amparo” —, sendo uma opção usada em detrimento de uma acentuação na tónica de expressões como “reeducação” ou “reinserção”. Enquanto termos relativamente mais recentes, serão usados em citações ou quando o texto exigir a correspondência semântica mais aproximada ao contexto da época, de outro modo, mantém-se a preferência pela expressão “correcção . sodal”, numa interpretação que expressa genericamente a “vontade de mudar” as práticas de interacção social do menor, incluindo o amparo à orfandade. Quer o menor esteja. em risco moral, seja órfão, desamparado, indigente, deficiente, delinquente, anormal, incorrigível, ou qualquer outra sorte de categorização que tenha sido constituída, todos os métodos adoptados tinham como. justificação moral o bem social que

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adviria duma ortopedia moral aplicada aos sujeitos. A centralidade deste trabalho não se'fixa assim na categorização médica, social ou jurídica desses indivíduos, nem na sua etnografia de internos, mas recupera-as como contributo genealógico dos regimes educativos que se foram constituindo como referência através dos seus processos.

Parece permissível estabelecer num certo sentido um paralelismo algo ousado entre a missão da escola de massas e o internato correcdonal, uma vez que ambos os sub-sistemas educativos têm uma teleologia transformadora e um e outro recorrem à regulação disciplinar sendo ambos, de um ponto de vista político, “instituições disciplinares de controlo social” agindo sobre populações distintas e definidas. Essa acção sobre-um conjunto vasto de indivíduos tem na correcção social a extensão moral da metáfora ortopédica de Michel Foucault sobre a rectificação forçada dos corpos que ele tão bem ilustra ao expor em Vigiar e Punir as gravuras de A Ortopedia ou a A rte de Prevenir e Corrigir; nas Crianças, as Deformidades do Corpo [1749], uma das quais estipula um padrão: uhec est regula recti” (Foucault, 1987: figs. 1-30). E a genealogia discursiva dessas técnicas de ortopedia social, as aplicações pedagógicas que gerou e as populações em que os regimes disciplinares foram exercidos, que se procuram evidenciar para definir uma perceptibilidade do nosso objecto de análise.

r Há campos • de estudo que não são facilmente definíveis ou identificáveis, muitas vezes não por serem de difídl visibilidade, mas porque o olhar que nos acostumámos a lançar-lhes está acomodado a categorias mais confortavelmente reconhecidas e arrumadas. Ao eleger-se as instituições de correcção de menores como espelho de alterações importantes nos métodos de organização de populações escolares e procurando fazê-lo de um ponto de vista pluridisdplinar, foi precisamente

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para descompartimentar as categorias em que é habitual arrumar a actividade dessas instituições e procurando correlacionar entre si os múltiplos elementos do seu exercício. São locais onde se estabelecem situações-limite, “instituições totais” destinadas à “solidificação do eu”, merecedoras de uma análise microssodológica de interacções (Corcuff, 1997: 119; Goffrman, 1999a).

O arco temporal contemplado tem duas cambiantes distintas: uma, de cariz genealógico e início pouco definido, estende-se até ao final do século XIX, período marcador de uma profunda alteração paradigmática no relacionamento do Estado com os “menores desavindos” e no reconhecimento destes como uma população delimitável, a partir da qual se poderia então proceder à individualização de cada um, devendo ser gerida pela aplicação de racionalidades fundadas em discursos modernos e científicos, tomando-se expressão prática duma vontade política. A esse vínculo da correcção de menores à modernidade pode ser atribuída uma data simbólica - o ano de 1870, data da separação da população criminal de menores de 18 anos dos outros presos. É essa a data do início da segunda cambiante do arco temporal em estudo, que finaliza em 1962 aquando da reforma da reinserção social de menores que veio consolidar, pode-se dizê- lo, o alvor da pós-modemidade nas tecnologias correccionais.

Procura-se ainda, produzir um texto de síntese utilizando recursos conceptuais menos explorados, pretendendo sustentá-lo também com o complemento da mediação de outros trabalhos empíricos já cumpridos em estudos mais especializados e recorrendo também a registos documentais já coligidos. É essa a razão porque nos dispensamos de publicar em apêndice

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uma panóplia documental cuja edição foi já contemplada1. Não se trata de eximir a consulta e tratamento do material de arquivo, o que, evidentemente, foi feito, mas sim de evitar uma recorrência editorial de dados que já estão compilados e disponíveis.

De qualquer forma, a ideia de arquivo aqui perfilhada não se ajusta ao simples acumular de um cotpus documental traduzível em dados empíricos, ou em análise de conteúdo dos textos. São pertença do “arquivo”, mas este, na acepção foucaultiana aqui adoptada, traduz-se por um conjunto de regras que num dado período e para uma determinada sociedade “permitem definir as limitações e as formas de expressividade; conservação; memória e reactivação ” ou seja, aquilo que permite ser dito, o que forma os enunciados e discursos duma temporalidade, mas também o que é condenado a desaparecer, a ser lembrado ou esquecido ou ainda recuperado em determinado momento (McHoul & Grace, 1993: 30; Silva,

2000).

Michel Foucault nunca foi presctitivo e, procurando traduzir esse preconceito, esta investigação procura não emitir juízos de valor, embora a aparente crueza da argumentação e a natureza muitas vezes dolorosa da

1 Destas, talvez a compilação mais exaustiva (cerca de 500 páginas) conste no vol. II da Tese de Mestrado de Em esto Candeias Martins (1994). No plano iconográfico e sociológico releva-se Carmo, Dam ela Sá & Lopes, João Teixeira (2001). A Tutoria do Torto - Estudo sobre a M orte Social Temporária. Porto: Edições Afrontamento. Sobre o refugio da Tutoria de Lisboa, Santo, João Miguel R. S. (2000). "Crianças Malfeitoras" a contas com a Justiça — Os menores catalogados pelo Refugio da Tutoria Central da Infanda da Comarca de Lisboa 1920-1930. Dissertação de M estrado - Universidade de Lisboa — Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Lisboa. No plano europeu, considerando as limitações linguísticas, é de realçar o trabalho de Jeroen Dekker, no que concerne aos estudos comparados e, sobre a história das instituições espanholas, Santolaria, Félix (1997). M argnaàôn y Educación - H istoria de ta Educación Social en la Espana M odernay Contemporânea. Barcelona: Ariel.

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matéria empírica por vezes o sugira. Encerrando esta parte e a esse propósito, ficam estas eloquentes palavras de Mitchell Dean (1999: 40):

“An analytics of government gain a critical purchase on regimes of practices by making clear the forms of thought implicated in them. It may point to ‘inconvenient facts’ such as the disjunction between the stated aims of particular programs and other explicit rationalities and the logic or strategy of such practices that can be known through their diverse effects. More broadly, however, an analytics of government can be employed from a variety of ethic and politic perspectives”.

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Al g u n s c o n c e it o sa d o p t a d o s

Começa-se por enunciar e procurar explicitar alguns conceitos essenciais sobre os quais se desenvolve a analítica proposta neste trabalho. Mais que inventariar ou procurar explanar teorias, trabalho abundantemente já feito e qualificado, procura-se no entanto esclarecer alguns conceitos aqui empregues, imprescindíveis para a filiação e construção do trabalho e que ajudem a suportar uma hermenêutica da forma mais coerente possível.

Apesar da introdução inicial de algumas concepções, ao longo do texto encontrar-se-âo outros paradigmas interpretativos, como “clausura”, “iniciação”, “regime”, “castigo”, “população”, etc., que serão solicitados e mais ou menos aprofundados à medida que pareça justificar-se. Por comodidade e fluência, o termo “menor” é usado genericamente em referência ao jovem ou à criança e inclui a infanda e a adolescência, preferindo não se adoptar nenhuma terminologia de ffacdonamento etário, embora fosse possível recorrer a diversas taxionomias disponíveis para as “idades da criança”1, mas é bem perceptível, contextualmente, que não se

1 Cfr. Ariès, Phillipe (1973). U Enfant et ia viefam iliale sous tancien régime. Paris: Editions du SeuiL No século IX usava-se o termo injans paxa designar crianças de 2 a 15 anos. A tradição hipocrádca medieval, já de raiz médica, portanto, dividia a infanda nos seguintes estádios: infantia — do nascimento até aos 7 anos; p u m tia — dos 7 aos 12 para as raparigas e dos 7 aos 14 para os rapazes; adokscentia — dos 12 ou 14, até aos 21 anos, cfr. Heywood, Colin (2001). A History o f Chiídbood - Chiidren andC hildhoodin the W estfrom M edieval to M odem Times. Cambridge: Polity Press. Para Comenius, que se baseava no desenvolvimento da linguagem, seria a primeira infância; segunda infância; juventude e adulte% No culminar da Modernidade, Jean Piaget fundou uma categorização pela evolução lógica da criança, iniciando uma epistemologia genética das aptidões e do desenvolvimento. Também Almeida Garrett teorizou sobre este tópico, cfr. O, Jorge

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trata de crianças de tenra idade mas sim de jovens sujeitos a medidas correcdonais, tendo a abrangência dessas medidas incidido sobre um leque etário normalmente variável entre os 7 - 10 anos e os 18 - 21 anos.

Segue-se a explanação de alguns dos referidos conceitos adoptados.

A correcção social

A expressão “correcção social” e a noção de “correcção” ou “reeducação” são empregues no sentido de representarem uma acção que corrija no menor os distúrbios comportamentais que o impedem de ser integrado numa ordem social tida como normal.

São termos tomados em sentido muito amplo, uma vez que numa dimensão temporal tão grande como a modernidade - e só há correcção social na modernidade — esses termos foram assumindo diferentes nuances simbólicas como as de castigo ou correctivo, ou de ortopedia social e moral ou de reinserção, sendo normalmente interpretadas à luz de uma discursividade de cunho moralista. Esta opção por uma designação muito genérica — correcção social — deve-se às técnicas reeducativas empregues em diferentes modalidades serem mais do âmbito ou especialidade da acção da instituição que das suas metodologias. A diferença organizacional entre um.asilo e um orfanato, ou entre uma casa de correcção e uma prisão, residiam .mais nos regimes disponíveis à época que nas finalidades

Ramos do (2002). O Govemo de Si Mesmo — Modernidade pedagógica e encenações disciplinares do aluno liceal (último quartel do século XIX - meados do século XX). Dissertação de doutoramento em Ciências da Educação (H istória da Educação) — Universidade de Lisboa, Lisboa. Sobre as idades da criança no Portugal de seiscentos e setecentos, cfr. Ferreira, António Gomes (2000: 347-386). G erar Criar E ducar—A Criança no Portugal do

Imagem

Figura  1 — A disciplina higienista dos corpos e o  exemplo pedagógico da excepção.
Figura 2 -  Os uniformes na Casa Pia na década de 1920.
Figura 3 —  Entrada, processo e devolução.
Figura 4 —  0  “currículo” casapiano em meados de  Oitocentos.
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Referências

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