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CAP II – A EMPRESA

3. Segunda fase – 1944 a

3.3. Impulso fabril

3.3.2. Área vinícola

Uma das tarefas tradicionais da vinificação era a pisa da uva feita a pés nus, quase sempre por homens, dentro dos lagares. Ao ritmo cadenciado, marcado por cantilenas em coro, os homens erguiam e baixavam as pernas, como se caminhassem no meio de um pântano encarniçado pela cor da uva tinta. Era um trabalho demorado que garantia a qualidade dos mostos antes da fermentação. No entanto, do ponto de vista da

200 A questão dos salários na C. Hipólito mereceria um estudo particular e alguém o fará um dia, com certeza. Limitar-nos-emos a uma verificação empírica, baseada em alguns depoimentos que registámos e na nossa própria observação. Grande parte da mão-de-obra da C. Hipólito era oriunda das aldeias limítrofes. Constituída pelo chamado operário/camponês que acumulava o trabalho na fábrica com o amanho de pequenas propriedades agrícolas, não tinha a veemência reivindicativa que encontramos, por exemplo, na cintura industrial de Lisboa. Os C. C. Trabalho, negociados pelo forte Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa desde o início dos anos 70 tinham depois aplicação na C. Hipólito em que a massa salarial fora sempre bastante mais baixa – o que, juntamente com outros factores, teve consequências negativas no equilíbrio financeiro da empresa.

rentabilidade, o processo foi-se tornando cada vez mais oneroso devido à falta de gente para este trabalho com o consequente aumento dos salários201.

Depois da pisa, era necessário proceder à prensagem, de modo a retirar da uva o resto de sumo que ainda contivesse, processo tradicionalmente feito com as prensas de vara e progressivamente substituído pelas prensas mecânicas. António Hipólito, na primeira fase da vida da empresa, começou por fabricar prensas mecânicas verticais, tipo Marmonier,202 marca francesa de uma firma de Lyon fundada em 1835. Fabricou-as, também, do “tipo Mabille”, outra marca de origem francesa203.

Foi no início dos anos 50 que se introduziram inovações que viriam a dar nova projecção à empresa: a prensa tipo Verin – ainda vertical mas com sistema de cabeça hidráulico - e a PHRA – Prensa Hidráulica de Repisa Automática, uma e outra fabricadas a partir de uma licença negociada com a firma francesa Société Pressoirs Colin. A introdução destes equipamentos pela Casa Hipólito foi saudada como uma revolução tecnológica de enorme utilidade para a vitivinicultura nacional. Ela destinava-se às adegas de grande produção, sobretudo as das regiões demarcadas como o Douro, o Dão ou o Alentejo que até aí tinham de importar grande parte dos seus equipamentos. Vejamos os testemunhos disso na imprensa da época.

201 Generalizou-se o uso dos esmagadores e desengaçadores que faziam as primeiras operações após a vindima, preparando a uva para o lagar. A Casa Hipólito fabricou estes equipamentos em larga escala. 202 Num anúncio de António Hipólito no jornal A Nossa Terra de 25 de Dezembro de 1925 é referido que “esta fábrica tem feito para cima de 1 500 prensas Marmonier[…] de todos os tamanhos, Prensa Marmonier A.N. e Prensa Marmonier B.B. “

203 Em 6 de Outubro de 1935 o semanário Vinho – propriedade, direcção e edição de António Batalha Reis – num artigo sobre a Casa Hipólito escrevia: “Graças à sua acção, na grande região de Torres já quási se não encontram varas em lagares. Realmente, o preço acessível das suas prensas tornou-as de tal modo acessíveis a todos, que raros são os que não racharam para lenha as velhas varas de ulmeiro que foram legadas pelos nossos avós.”

O jornal O Torreense de 11 de Maio de 1952 titulava na primeira página: “A Casa Hipólito Ldª e as referências que lhe faz a imprensa.” O articulista referia a satisfação que teve ao encontrar um artigo sobre a C. Hipólito num jornal regional, o Diário do Alentejo de 25 de Março daquele ano, “o que com a devida vénia, e por acharmos honroso para a indústria da Nossa Terra, transcrevemos na íntegra”. Justifica-se, da nossa parte, uma imitação parcial do labor do jornalista, transcrevendo:

“UMA REVOLUÇÃO na indústria vinicultora – Vai certamente causar uma autêntica revolução na indústria vinicultora, acabando de vez com os antigos processos do fabrico do vinho, a prensa hidráulica para uvas, que em breve deve ser espalhada na referida indústria. / Trata-se da prensa, patente da firma francesa Pressoir Colin, de Paris, que já se fabrica no nosso país. Como é fácil compreender, só um estabelecimento industrial, com os mais modernos mecanismos, poderia meter ombros a esse empreendimento. / É-nos grato registar nas nossas colunas que a Casa Hipólito Ldª, de Torres Vedras, tendo fabricado a primeira prensa hidráulica, fez as experiências devidas na Quinta da Rocheira, em S. Mamede da Ventosa, que excederam todas a expectativas.”

O articulista de O Torreense concluía com palavras de júbilo, notando que “o referido artigo era ilustrado com uma gravura de prensa automática, cuja produção diária é de 24000 peças.”

Longe de se tratar de entusiasmo frívolo de um jornalista de província, este artigo revelava um olhar atento às questões da lavoura vinária numa região onde ela sempre teve grande expressão.

Menos de um mês depois, em 8 de Junho de 1952, O Torreense inseriu uma reportagem sobre a inauguração pelo Presidente da República, Gen. Craveiro Lopes, do

stand da Casa Hipólito na Feira Popular de Lisboa204. A exposição de todos os artigos fabricados pela empresa, “num ambiente de requintado bom gosto”, atraiu muitos visitantes. Um dos motivos de maior interesse foi a mostra de duas maquetes construídas

204 Esta feira teve a primeira edição em 1943 e destinava-se a recolher fundos para a Colónia Balnear Infantil do jornal O Século. Ver em: http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2014/05/primeira-feira-popular-de- lisboa.html [Cons. 18 Agosto 2016].

pelos operários Álvaro Leiria e seu filho Júlio, e Joaquim e João Silvestre. Representavam um lagar e uma destilaria205. Contudo, os produtos que mais chamaram a atenção dos

agricultores foram as prensas Verin e PHRA – e de tal modo que o articulista sentiu necessidade de introduzir explicações técnicas. A primeira era uma “prensa de fuso, hidráulica, vertical, para substituir a prensa mecânica” e podia ser montada nos fusos já existentes nos lagares. As vantagens eram evidentes: manobrada por um só operador, a pressão obtida duplicava a da antiga, “o que dá um aumento de produção de cerca de 10%.” Pelas características de funcionamento, o desgaste do material era muito menor, logo os custos de manutenção diminuíam significativamente.

Figura 42 - Prensa PHRA

A “prensa hidráulica de repisa automática” (PHRA) era “de cincho horizontal, fixa, com aperto mecânico, seguido de aperto hidráulico, podendo atingir nas massas vínicas uma pressão de 10 quilos por centímetro quadrado.” Com um motor eléctrico, não

205 Estas maquetes estão hoje à guarda do Museu Municipal Leonel Trindade de Torres Vedras. Foram recentemente expostas na Mostra realizada no âmbito do Ano Europeu do Património Industrial, de 19 de Setembro a 31 de Dezembro de 2015.

precisava de mais do que um servente. A eficiência e qualidade do serviço prestado deixava à distância as antigas prensas. Esta prensa PHRA será a partir daqui uma das peças mais vistosas e observadas com mais interesse em todas as feiras e exposições em que a Casa Hipólito viria a participar206.

O articulista concluiu o artigo com uma referência pormenorizada a outro produto fabricado pela C. Hipólito: o esmagador-bomba Fouloir-Pompe 1.37. Desde sempre a empresa fabricara estes aparelhos tão necessários em todas as adegas. São eles que recebem os cachos de uvas vindos da vindima e os preparam para a entrada nos lagares. Mas este modelo constituía um significativo progresso na operação pois garantia uma rápida canalização da uva depois de separada do engaço, e resolvia problemas frequentes provocados por gravetos ou torrões indesejáveis. Funcionava com um motor que permitia “o esmagamento e a elevação a 4 metros e a uma distância de 16 metros”.

Em Maio de 1953 o Instituto Superior de Agronomia comemorou o centenário da organização do Ensino Agrícola em Portugal com uma Exposição-Feira de Máquinas Agrícolas, que decorreu na Tapada da Ajuda, em Lisboa. O semanário da lavoura Vida

Rural, na sua edição de 23 de Maio de 1953, dá-nos conta desta iniciativa e salienta, entre

as novidades apresentadas, a nova máquina PHRA – Prensa Hidráulica de Repisa

Automática. “É a primeira vez que estas máquinas se fabricam em Portugal”

demonstrando “o notável progresso atingido pela indústria nacional” e esta máquina é feita em Torres Vedras, informa o articulista. No seu número de 15 de Agosto de 1953, a mesma revista analisou em pormenor as novas máquinas destinadas à vinificação apresentadas na Tapada da Ajuda e deu grande destaque à PHRA, explicando detalhadamente o seu funcionamento. Se tivermos em conta que aquele certame expôs 700 máquinas representando 33 industriais nacionais e estrangeiros, concluiremos que, como sempre costumava, a Casa Hipólito apostou na via mais eficiente para dar a conhecer os seus novos fabricos.

Outra inovação introduzida na área vinícola foi a do fabrico de componentes para linhas de engarrafamento, um sector que dependia quase totalmente das importações.

Em síntese, nos anos 50 e 60 os catálogos da empresa passaram a incluir um significativo rol de produtos para a vitivinicultura e actividade agrícola: bombas para

206 Continuará a ser fabricada por muitos anos, com a natural evolução tecnológica visível na adopção de novos modelos como o 400 e 600 das prensas contínuas Coq lançadas no início dos anos 70 com grande êxito, como se lê no Relatório e Contas de 1973 da C. Hipólito SARL, publicado no Badaladas de 6 de Abril de 1974.

trasfega de vinhos, modelos Ideal, Minerva e Jeca; grupos moto e electro-bombas para trasfegas; grupo esfarrapador para massas vínicas prensadas; aparelhos “lava cascos” e “arejadores para depósitos”; prensas hidráulicas para vinhos tipo PH5V ‘TITAN’, PHRA Nº 3 e PHRA Nº 5, tipo VERIN “L”; prensas tipo “Marmonier”, séries “A.N.” e “B.B.”; cinchos, rodas e malhais para prensas Verin e Marmonier; bocas para depósitos de vinhos; esmagador “Fouloir-Pompe Tipo 200 CL e Tipo 1/37; esmagadores para uva tipos MM, MA e AE; pulverizadores tipos Gobet e Vermorel e sistema “Minho”; torpilhas “Aurita” de efeito duplo e simples; pulverizador de pressão e lança-chamas para tratamento de árvores, desinfecções, extinção de gafanhotos, etc.; pulverizador nacional e bomba de pressão tipo americano para tratamento de árvores de fruto; bomba “óptima” e pulverizador de jardim; alambiques sistema Deroy; funis automáticos e batoques hidráulicos; bombas para poços profundos; caldeiras para a confecção das caldas sulfo- cálcicas; caldeiras contínuas; caldeiras de destilação de bagaços de diversos modelos e reguladores de vapor para caldeiras de destilação contínua; caldeira móvel de vapor para desinfecção de vasilhame, capoeiras, etc.; enxofradores de mão e torneiras de botão “Hipólito”; máquinas para enchimento automático de garrafas; máquinas de lavar garrafas; prensas para laboratórios; máquinas para rolhar garrafas; sulfitómetros e sulfuradores; acessórios de todo o tipo para todos estes equipamentos, como torneiras, braçadeiras, tubos chupadores, tubos de borracha, mangueiras, cinchos, agulhetas, etc.207.

A expressiva demonstração de vitalidade produtiva no sector da vitivinicultura só foi possível depois da sua transferência para as instalações de Arenes, em 1965, com a designação de Fábrica B. A isso, há que juntar dois factores: a aquisição de novas e mais modernas máquinas; e o papel decisivo do Eng.º Orlando Godinho, o director fabril desta área, o qual introduziu formas de organização e racionalização do trabalho que até aí eram desconhecidas na fábrica208.

Este salto qualitativo teve outra consequência assinalável: a conquista pela C.

Hipólito de uma fatia significativa do mercado de apetrechamento de adegas. Os quadros

técnicos da área vitivinícola – que iam dos operários especializados aos projectistas, desenhadores e orçamentistas – permitiam à empresa equipar adegas no sistema de chave

na mão, ou então propor e concretizar a substituição ou a modernização de equipamentos

já existentes209. Equipas de operários especializados da C. Hipólito deslocavam-se aos

207 Catálogos dos anos 50 no FCH e da doação de Luís Fortes ao MMLT de Torres Vedras. 208 Factos sublinhados no depoimento de Celestino Alves Narciso, Cap. III.

locais das adegas para proceder às montagens ou lá permaneciam por altura das vindimas e laboração mais intensa. No Douro vinhateiro, no Vale do Tejo, na Estremadura / Oeste ou no Alentejo, encontramos grande número de adegas equipadas pela Casa Hipólito. Temos presente um dossiê, datado de 20 de Junho de 1973, com a proposta de orçamento apresentada a um cliente dono de uma adega no Pinhão. Dela constam diversos equipamentos a fornecer bem como a lista de adegas que já são clientes da empresa – o impressionante número de 143, de Norte a Sul do país210.