• Nenhum resultado encontrado

CAP II – A EMPRESA

3. Segunda fase – 1944 a

3.6. Actividade exportadora

Embora já lhe tenhamos feito várias referências em páginas anteriores, consideramos útil uma abordagem global à actividade exportadora da C. Hipólito226.

Como atrás dissemos, o grande impulsionador da expansão da empresa para fora das fronteiras nacionais foi Vasco Parreira logo a seguir à Segunda Grande Guerra e no início dos anos 50. Apesar de ter poucos estudos – cursou apenas o antigo 2º ano do Liceu, actual 6º ano do Ensino Básico227 – este homem não se sentiu limitado e viajou por todo o mundo em representação da empresa.

Dizem os que com ele trabalharam que era dotado de grande sentido negocial. Tinha qualidades de diplomata: sabia a palavra exacta para cada interlocutor e privilegiava os pontos de convergência sobre os de discordância228.

Todos realçam o ponto culminante da sua acção comercial quando, em plena época salazarista, conseguiu uma encomenda de um milhão de cabeças de fogareiro para Cuba.229 Recordemos o que a esse respeito disse M. Pereira no já citado discurso de homenagem a Vasco Parreira em 23 de Março de 1979:

226 Esta abordagem, orientada para as memórias e preservação do Património, não abrange a perspectiva económica da actividade exportadora: valores anuais, parcelas relativas a cada país para onde se exportava, quantidades exportadas, etc.

227 Informação dada pelo filho, Engº Vasco Alberto Parreira, que nos mostrou a caderneta escolar do pai. 228 Em 1972 falámos com Vasco Parreira no seu escritório da Casa Hipólito, para tratar de um assunto urgente. Ainda hoje recordamos o homem elegante, de fato completo de bom corte, solícito e atento - como era sempre com quem o procurasse.

229 Esta encomenda ainda hoje suscita perplexidades. Há até quem fale que ela só foi possível pela intermediação de uma empresa espanhola, esquecendo que Espanha também vivia num regime anti - Fidel. O Engº Vasco Alberto Parreira, filho de Vasco Parreira, esclareceu no seu testemunho oral, que o pai tinha bom relacionamento com Silva Pais, figura grada da então PIDE – polícia política do Estado Novo - que já conhecia muito antes de este exercer as funções de director daquela polícia. Numa visita a Cuba, Vasco Parreira foi contactado por Ana Maria, filha única de Silva Pais, que lá vivia como apoiante entusiasta do regime castrista, pedindo-lhe que trouxesse recados para seus pais. Silva Pais terá ficado agradecido e terá

Figura 56 - Camiões Hipólito no porto de Lisboa, anos 50

“Em 1963, já com 1044 trabalhadores, novo marco histórico na Casa Hipólito: Vasco Parreira, através de uma já larga experiência de contactos internacionais, consegue obter do Governo Cubano de Fidel de Castro, uma encomenda de um milhão de cabeças de fogareiro de modelo totalmente diferente daqueles, que até aqui, vínhamos fabricando230. / E, note-se, nesta altura não eram possíveis relações Diplomáticas entre estes dois países. Não obstante isso, o negócio fez-se e outros se foram fazendo nas mesmas condições. / E tal foi a actuação de Vasco Parreira, que Cuba nunca mais deixou de ser Cliente, existindo mesmo fortes raízes de amizade recíproca.”

Porém, a actividade exportadora já se iniciara alguns anos antes, ainda na década de 50 quando numa exposição da C. Hipólito na Tunísia, então protectorado francês, Vasco Parreira conheceu um negociante judeu lá sediado, chamado Armand Sitruk. Este homem era um agente comercial que se movimentava por todo o mundo e aceitou disponibilizar os seus préstimos para colocar os produtos Hipólito. Fez-se o contrato e a partir daí, até ao final da década de 80, A. Sitruk fará a ponte entre a empresa e os importadores de outros países231. Quando em Março de 1956 a França reconheceu a independência da Tunísia, A. Sitruk receou pela sua segurança e transferiu-se para Marselha232.

Figura 57 - Fogões Hipólito numa feira em Hong-Kong

retribuído. Como curiosidade, diga-se que a história de Annie Silva Pais foi contada pelos jornalistas José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz no livro A filha rebelde, editado em 2003 pela Temas e Debates/Círculo de Leitores.

230 Alberto Avelino, no seu depoimento oral, explicou: as cabeças tinham um pequeno orifício por onde saía o petróleo gaseificado que alimentava o anel queimador, o qual se entupia com frequência. Por isso, havia os espevitadores, uma peça metálica com um fino arame na ponta, para o desobstruir. Ora, as cabeças encomendadas por Cuba tinham uma manete incorporada que, através de um veio excêntrico, accionava um pequeno desentupidor mediante a acção de rodar a manete.

231 Vários testemunhos orais referem explicitamente a acção deste agente e a sua indiscutível importância para a Casa Hipólito. Nomeadamente: Engº Vasco Alberto Parreira, Alberto Avelino e Olga Custodinho. 232 Testemunhos de Engº Vasco Alberto Hipólito, Alberto Avelino e Olga Custodinho.

A criação de uma estrutura organizacional dedicada à exportação na C. Hipólito só teve lugar em 1957, quando Olga Custodinho, habilitada com o curso de Correspondente em Língua Estrangeira, foi admitida na empresa, ficando a trabalhar na dependência directa de Vasco Parreira. É ela quem nos elucida:

“Fui tomar conta da Secção de Exportação, que mais tarde passou a Departamento. Já existia a actividade exportadora, com o Sr. Francisco Chaves, que preenchia os papéis e enviava para Lisboa, para o Despachante, sr. Casqueiro, que tratava dos contactos com o estrangeiro. Quando eu entrei passei a tratar dessa correspondência directa com o estrangeiro. Havia um agente mundial em França, Marselha, chamado Armand Sitruk que era quem fazia os contactos internacionais. Inicialmente era ele quem fazia a ligação com todos os clientes mas depois, à medida que fui dominando os assuntos, passámos a ser nós a fazer o contacto directo com alguns países. No entanto, como havia um contracto, era reservada uma comissão de 2% para ele, assim como era sempre informado acerca dos nossos contactos”233.

É também Olga Custodinho quem nos recorda a evolução da actividade exportadora. Teve início no Norte de África, na altura ainda sob domínio francês e italiano: Tunísia, Argélia, Líbia. Seguiram-se países da África subsaariana como República do Congo, República Centro-Africana, o antigo Congo Belga. Depois a África do Sul, Rodésia, Quénia, Tanzânia, Malawi. Passou-se depois para o Médio Oriente: Arábia, Iraque, Irão. O círculo exportador alargou-se cada vez mais: Singapura, Malásia. A antiga funcionária conta:

“Chegámos às Filipinas através de um alemão que tinha escritório em Colónia, na Alemanha. Havia outro alemão, Franz Heinz, algures na Vestefália, que subcontratou a Casa Hipólito para fazer cabeças com a marca dele e que ele depois vendia. Para nós continuava a ser exportação, é claro…”

Não ficou por aqui a expansão da empresa. Cuba foi a porta de entrada para a América Latina. De seguida veio o Peru, Venezuela, Equador, Bolívia. Ainda se tentou o Chile mas aí não resultou. Chegou-se a exportar para as Honduras, Costa Rica, embora com pouca expressão.

Na reportagem, já por nós referida, do jornal Badaladas de 15 de Maio de 1959 o gerente António Hipólito Junior fez uma enumeração dos destinos da exportação que alarga significativamente as referências anteriores: Grécia, Chipre, Malta, Marrocos,

233 Existe no FCH o que terá sido a última correspondência entre a Casa Hipólito e A. Sitruk. Este, em carta de 7 de Janeiro de 1988, lembra “os acordos por carta da Casa Hipólito desde 1956” e queixa-se de alterações ao que havia sido contratado. Em resposta, datada de 4 de Fevereiro do mesmo ano, a Administração esclarece a posição da empresa. Aceita o regime de exclusividade com uma comissão base de 3% para certos artigos e 5% para outros e renova o contracto até 1989 e 1990, respectivamente. Tenha- se em conta que à data desta correspondência a C. Hipólito já se encontrava em regime de gestão controlada judicialmente, facto que parece desconhecido de A. Sitruk.

Síria, África Ocidental Francesa (um extenso território subsaariano hoje ocupado por oito países independentes), África Equatorial Francesa (a Oeste da anterior), Madagáscar, Áden, Ceilão e Nova Guiné.

A secção de exportação sediava-se nos escritórios da R. Serpa Pinto. Depois do 25 de Abril os escritórios passaram todos para Arenes. Nessa altura Olga Custodinho já contava com mais cinco pessoas na secção que organizara nos finais dos anos 50.