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ANOS ENCARGOS EM CONTOS Nº MÉDIO DE EMPREGADOS 1967 24 132

4. Terceira fase – 1980 a

4.1. Vasco Parreira: a despedida

O ano de 1979 foi decisivo na vida da empresa pelo simbolismo do acto que marcou o fim de uma era: a homenagem, já por nós referida diversas vezes, a Vasco Rodrigues Parreira, Presidente do Conselho de Administração desde que a empresa passara a Sociedade Anónima em 1972. Cerca de mil pessoas, entre trabalhadores e amigos, compareceram no jantar realizado em 23 de Março daquele ano no Hotel Golf Mar, na Maceira, Torres Vedras. Um dia antes, o Presidente da República, General Ramalho Eanes, assinara o Alvará de Concessão a Vasco Parreira do grau de comendador da Ordem do Mérito Agrícola e Industrial (Classe do Mérito Industrial). Esta distinção havia sido proposta pela Câmara Municipal de Torres Vedras, na sua sessão de 21 de Fevereiro daquele ano, na qual deliberara também atribuir a medalha do concelho ao homenageado.

Depois daquela memorável homenagem, Vasco Parreira ainda se manteve à frente da C. Hipólito por cerca de três anos mas já não era o mesmo – segundo testemunhos por nós recolhidos263.

Face às graves dificuldades da empresa desabafava: “já não estou para isto”. Havia já uns anos que mudara a sua residência para uma moradia na Quinta de Vale de Lobos, em Sintra e cada vez passava lá mais tempo, entregando ao filho, Engº Vasco Alberto Hipólito Parreira – que também fazia parte do Conselho de Administração - a gestão da empresa. Mas

263 Depoimentos de Armando Firmo e Olga Custodinho, além do filho, Engº Vasco Alberto H. Parreira. Figura 66 - Medalha em homenagem a

Vasco Parreira, 1979

Figura 67 - Vasco Parreira com as insígnias de Comendador

faltava ao filho o carisma do pai. Teve sempre dificuldades em se impor - e acabaria por deixar a empresa em 1983.

A partir de 1979 / 80 verificamos que o Conselho de Administração aumentou significativamente o número de Ordens de Serviço (OS)264 difundidas pelos diversos sectores da empresa. A assinatura de Vasco Parreira começa a rarear. O Relatório e

Contas da Casa Hipólito, de 1980, com data de 2 de Abril de 1981, ainda foi assinado

por Vasco Rodrigues Parreira que fazia parte da Administração juntamente com seu filho Vasco Alberto Hipólito Parreira, e ainda Armando Jorge Esteves Pereira e Vasco Esteves Fraga. Contudo, o velho timoneiro da empresa já passara para a segunda linha. Foi o último exercício que apresentou lucros. Em 1982 a sua assinatura vem já em segundo lugar pois entregara a Presidência ao seu filho.

A proliferação de Ordens de Serviço é reveladora de duas realidades incontornáveis na empresa. Por um lado, a dispersão de serviços pelo território da cidade, como mais adiante pormenorizaremos na listagem das instalações em 1981. A Fábrica A estava distante da Fábrica B cerca de dois quilómetros. Os serviços administrativos, por sua vez, tinham sido transferidos para junto da Fábrica B em 1974/75, continuando a

Fábrica A em laboração. Os Armazéns Centrais estavam separados das Fábricas.

Por outro lado, nas duas Fábricas havia três grandes sectores de produção fabril: a vitivinícola, o petróleo (chamada “fabricação de série”, das cabeças, fogões e lanternas) e o gás. Outros sectores se foram juntando como o do engarrafamento e as molas punc. A complexificação dos fabricos exigiu a criação de novas áreas como a “engenharia de processo”, o “controle de qualidade”, a “manutenção de máquinas e ferramentas”, o “gabinete de projectos” e, até, de “relações públicas”. Áreas que exigiram a entrada de muitos engenheiros e, com eles, novos processos de trabalho mas, também, desconfianças e resistências da parte dos sectores tradicionais. Os Conselhos de Administração passaram a editar inúmeras Ordens de Serviço nas quais se esforçavam por pôr ordem nesta amálgama através de complicados organigramas em que se articulavam os vários patamares da organização fabril: departamentos, sectores, secções e equipas. A cada um eram especificadas as funções e os respectivos responsáveis.

264 No FCH há diversas colecções destas O.S. Dado o modo de inventariação adoptado, não é possível identificar o local exacto onde se encontram. De cada vez que necessitávamos de as consultar era preciso ler os índices das lombadas dos cerca de 50 dossiês já inventariados. Por isso usámos muitas vezes a colecção particular de José Pacheco que nos foi facultada pelos seus herdeiros.

Não por acaso, uma Circular de 13 de Outubro de 1982265, oriunda da

Administração e dirigida “A estrutura hierárquica da Empresa”, convocava todas as chefias – “dos Directores aos Chefes de Equipa” - para seminários de formação com a finalidade de “proporcionar a todos uma formação básica, sensibilizadora da complexa problemática da gestão num tempo de crise e num momento em que devemos programar a reestruturação da Empresa de forma adequada às necessidades de evolução e capacidade de resposta eficaz às nossas perspectivas de futuro.” Apelava à disponibilidade e ao entusiasmo de todos, avisando de que em breve seria distribuído o programa e o calendário das acções.

Muito desgastado, Vasco Parreira alheou-se desta azáfama organizativa que estava bem longe do seu estilo266. Foi dando lugar ao filho, Vasco Alberto. Este, formado na Inglaterra, procurou introduzir uma racionalidade de processos que não se coadunava com aquilo a que hoje chamamos “cultura da empresa”. O seu estilo de liderança, distante e burocrático, baseado na proliferação de engenheiros formados nas universidades e desconhecedores do cheiro da ferrugem, criou resistências que fizeram gorar as boas intenções. Ao estilo familiar da fábrica em que todos se conheciam pelas alcunhas sucedeu a era dos “engenheiros ignorantes de gravata” – como ouvimos a alguns antigos trabalhadores. São apreciações empíricas mas que revelam a corrente subterrânea que minava os alicerces da velha fábrica.

Já reformados, os trabalhadores dos velhos tempos, começam a reunir-se duas vezes ao ano para almoçarem juntos. Encontramos nas páginas do Badaladas, a partir de Março de 1984, pequenas notícias que nos dão conta desses convívios realizados sob o lema “recordar é viver”. E Vasco Parreira é sempre o convidado de honra. Porém, numa local do Badaladas de 13 de Maio de 1988, intitulada “Casa Hipólito – Reformados confraternizam”, o repórter escreve:

Este almoço de confraternização realiza-se periodicamente de seis em seis meses, o que acontece já há alguns anos. Lamentaram profundamente a ausência do Comendador Vasco Parreira, presença assídua nestes encontros mas que neste não pôde estar presente por motivos de saúde. Contando já com 76 anos, foi na altura lembrado como um grande amigo e grande obreiro da empresa onde trabalhavam.”

265 FCH, Caixa 9, Pasta 1.

266 A este progressivo afastamento de Vasco Parreira não terá sido alheia a doença prolongada da esposa, Elvira Hipólito Parreira, a qual viria a falecer em 17 de Dezembro de 1983 (notícia no Badaladas, de 23 de Dezembro de 1983).

De facto, o velho chefe entrava na curva final do rio da sua vida. Uma doença neurodegenerativa ia minando lentamente as suas capacidades. Viria a falecer na Casa de Saúde de Carnaxide em 6 de Março de 1991.

“Não há homens insubstituíveis” – diz-se por aí. Ousamos discordar. Vasco Rodrigues Parreira, nascido em 1912, admitido em 1926 como empregado de escritório na Casa Hipólito na qual viria a ser gerente e administrador, não teve ninguém à altura que tomasse o seu lugar. A sua decadência arrastou a da empresa que lhe sobreviveu apenas oito anos. António Sales, que com ele trabalhou alguns anos, recorda-o assim num emotivo texto evocativo: “De uma maneira discreta mas dinâmica e efectiva, Vasco Rodrigues Parreira marcou a época da sua terra acrescentando-lhe progresso, amplitude de visão, entusiasmo e vida”267.