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CAP I – O HOMEM E A CIRCUNSTÂNCIA

3. A indústria metalomecânica daquele tempo

Em linhas gerais, esboçámos um retrato de Torres Vedras na época em que António Hipólito aqui chegou. E em Portugal, qual era o estado da indústria?

Os estudos nesta área são unânimes em referir a debilidade da indústria portuguesa nos finais de oitocentos84. Nem de outro modo podia ser: nas últimas décadas daquela centúria, a nossa economia havia crescido a um ritmo muito mais lento do que a dos restantes países europeus. De tal modo que em 1910 o PNB per capita (em dólares dos EU, 1960) de Portugal era de 290 enquanto o da Europa era de 499; o consumo de ferro (Kg. per capita) era de 11,1, bem diferente do da Europa que se situava nos 80; e o consumo de carvão (kg. per capita) era de 200 face aos 1.509 da restante Europa85. O diagnóstico para este atraso é bem conhecido: falta de recursos naturais, fraca qualidade média dos solos, posição geográfica de Portugal, reduzido mercado interno, elevado índice de analfabetismo (70% em 1910, em contraste com 10% da Suécia, em 185086) e consequente imobilismo cultural.

A incipiente indústria nacional – que só nas primeiras décadas de novecentos viria a conhecer alguma expressão significativa em locais como o Vale do Ave, a Covilhã ou o Barreiro - dedicava-se sobretudo “ao agasalho e alimento do corpo e à decoração da casa”87- tecidos, calçado, móveis, pão, tabaco…As novidades seriam a metalurgia e a

química, mas nestas, em 1907, trabalhavam menos de 1 500 pessoas88.

Olhando o sector industrial em que António Hipólito se fixou – a metalomecânica ligeira – o panorama é pobre. Diz Filomena Mónica: “Sem matérias-primas, sem tradições industriais, o sector metalúrgico mantinha-se particularmente atrasado.”89 Predominavam as pequenas oficinas, herdeiras dos antigos mesteres medievais com seus mestres e aprendizes, coexistindo, em espaços contíguos, a bancada de manufacturação e a loja aberta para a rua. Apenas em Lisboa e no Porto o Inquérito Industrial de 1881 encontrou

84 Cf. por exemplo: Maria Filomena Mónica – Capitalistas e industriais…, p.822 e segts.

85 Cf. Jaime Reis - O atraso económico português em perspectiva histórica (1860 – 1913) in: Análise Social, vol. XX (80), 1984 – 1º, pp.7-28. Em:

http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223472983X6iYR2re6Rj50YV5.pdf [Cons. 17 Outubro 2016]. O termo comparativo “Europa” é vago. Em quadro estatístico anterior o autor descrimina: Alemanha Ocidental, Dinamarca, França, Hungria, Grã-Bretanha, Itália.

86 Idem.

87 Cf. Portugal - da Monarquia para a República, coord. de A.H. Oliveira Marques, p. 125. 88 Idem.

unidades fabris metalúrgicas mas “das 11 unidades recenseadas na capital, só 3 tinham mais de 100 operários.”90Tais fábricas haviam surgido na década de 1840 mercê de

algumas medidas proteccionistas adoptadas pelos Governos da época de que a promulgação da Pauta Geral de 1837 foi a expressão maior91.

A principal metalúrgica de Lisboa era a fábrica de José Pedro Collares, fundada em 1809 que se firmou inicialmente como fabricante de destilarias92. No seu processo de crescimento, ganhou relevância no panorama industrial da capital, aumentando o número de operários e de instalações. Equipada com uma fundição de ferro, serralharia com tornos e forja, na década de 40 do séc. XIX produzia máquinas de destilação, bombas, máquinas a vapor, rodas hidráulicas e diversos equipamentos para a agricultura.93 Na década seguinte contava com 500 operários e da sua produção fabril faziam parte, entre outros, caldeiras, prensas de parafuso, prensas hidráulicas, moinhos de azeitona, trigo e arroz e máquinas de debulha94.

Em Lisboa, outros estabelecimentos metalúrgicos se destacaram: a Fábrica Vulcano de Fundição de Ferro e Serralharia e a Fábrica de Fundição de Mr. Lemoine onde se faziam caldeiras e máquinas a vapor para equipar outras fábricas. No Porto encontramos a Fundição de Massarelos, a Fábrica do Bicalho, que produzia objectos para uso doméstico e da lavoura e as fundições do Bolhão, da Arrábida e da Boa Viagem.

O relativo desenvolvimento do sector metalúrgico, nas décadas seguintes, com o aparecimento de novos estabelecimentos fabris em Lisboa e no Porto, deveu-se à crescente procura de equipamentos por parte de outras áreas industriais como os têxteis e, também às necessidades da vida doméstica e da lavoura. Contudo, a importação de equipamentos industriais que entravam no mercado a preços mais baixos acabou por criar graves dificuldades à metalomecânica nacional. Esta concorrência estrangeira, aliada à endémica dificuldade de financiamento, à reduzida dimensão do mercado interno e às pautas alfandegárias sujeitas aos interesses antagónicos em jogo, estrangulavam o necessário crescimento da indústria metalúrgica que “no final do século XIX (…)

90Cf. Maria Filomena Mónica – Capitalistas e industriais… , p. 833.

91 Cf. Maria de Fátima Bonifácio – Lisboa, bastião do proteccionismo (pautas, política e indústria nos anos 30-40 do século passado) in: Análise Social, vol. XXVI (112-113), 1991 (3º e 4º), pp. 515-535. Em: file:///C:/Users/Utilizador/Desktop/MEP%20UAb/DISSERTA%C3%87%C3%83O/163%20Lisboa%20b asti%C3%A3o%20do%20proteccionismo%20M%C2%AA%20F%C3%A1tima%20Bonif%C3%A1cio.p df [Cons. 2 Novembro 2016]

92 Cf. Ana Maria Cardoso de Matos – A indústria metalúrgica e metalomecânica em Lisboa e no Porto na segunda metade do século XIX, in: Arqueologia & Indústria, nº 1, Revista da Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial, ed. APAI e Ed. Colibri, Lisboa, Julho 1998, p. 83.

93 CF. Ana Maria C. Matos, A indústria metalúrgica…, p. 84. 94 Idem, p. 85.

continuava ainda a ser insuficiente e, grande parte, realizada em fábricas de pequena dimensão.”95Mesmo assim, em meados da segunda década do séc. XX a metalurgia

nacional denotava um crescimento significativo: “havia em Portugal umas 600 fábricas metalúrgicas com um mínimo de dez operários cada, totalizando 9000 a 10 000 trabalhadores.”96 Esta indústria dedicava-se à produção de artigos de uso doméstico e de

equipamentos ligeiros para a lavoura97.

António Hipólito, atento às necessidades colectivas e interpretando bem os sinais do seu tempo, fez parte deste surto metalúrgico. A primitiva oficina de latoeiro rapidamente passou à pequena fábrica metalomecânica que viria a marcar indelevelmente a vida económica torriense ao longo do século XX.

95 Cf. Ana Maria Cardoso de Matos – A indústria metalúrgica…, p. 99. 96 Cf. Portugal – da Monarquia para a República…, p. 140.