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CAP II – A EMPRESA

2. Primeira fase 1902 a

2.2. Instalações fabris

Como vimos, António Hipólito abriu a sua oficina de latoeiro na Rua Serpa Pinto, nº 43, na então vila de Torres Vedras. Nesta rua se manteria até ao fim da vida activa, em 1943. Os filhos e genro, seus continuadores, lá continuaram por mais cerca de 20 anos. Para se entender como foi possível a expansão da pequena oficina com frente para a rua temos de ter em conta que o estabelecimento era uma pequena parcela do quarteirão delimitado pela rua Serpa Pinto, Rua José Eduardo César, Travessa de Santiago, Praça Machado Santos, Rua Aleixo Ferreira e Largo do Terreirinho. Como era usual, todas as

frentes de casa tinham nas traseiras um logradouro com pequeno quintal e, geralmente, um poço.

Figura 13 - A escuro, as instalações da C. Hipólito, no Centro Histórico.

A pequena loja de António Hipólito fazia parte deste reticulado urbano e, presumimos, foi tomada de aluguer. Não sabemos se houve contrato inicial, em 1902, mas chegou até nós um contrato de arrendamento feito em 5 de Setembro de 1912114 que

revela uma mudança de instalações. A proprietária era Dona Carolina Maria de Bastos, viúva, que alugou a António Hipólito, industrial, o seu prédio urbano na Rua Serpa Pinto, nºs 55 e 57, “o qual consta de lojas, primeiro e segundo andar, quintal com poço”. Nas condições do contrato, o arrendatário fica responsável pela manutenção das lojas e quintal. Na loja com porta para a rua, pode exercer comércio com algumas restrições de ramo mas nela não pode instalar qualquer oficina, a não ser com autorização da proprietária. Mas acrescenta-se: “Nas lojas interiores, as que têm portas para o quintal, poderá o arrendatário instalar a sua oficina de latoeiro de folha branca, cobre e outros

114 Contrato feito no Cartório do Escrivão Notário Teodoro da Cunha, em Torres Vedras, no Livro d’atos e

metais.” A parte final é elucidativa: a proprietária não assina por não saber escrever e quem o faz, a rogo, é Jaime Lafaia de Castro, de uma família muito conhecida; e uma das duas testemunhas é Vítor Cesário da Fonseca, homem influente no meio torriense que marcou a vida social e económica da vila durante muitos anos.

Vemos assim que, dez anos depois de se ter estabelecido, António Hipólito mudou para um prédio um pouco mais abaixo na mesma rua, porventura mais amplo, no qual passou a dispor de espaço comercial virado à rua, e oficinas nas lojas traseiras. Podia, ainda, usar os dois pisos superiores para habitação ou escritórios. As novas instalações respondem, com certeza, à expansão produtiva de A. Hipólito, de que a fundição de metais já referida, bem como a introdução de máquinas a vapor, relatadas no texto da revista A Hora, são a marca mais expressiva.

E agora, sim, depois da fase inicial de fabrico de gasómetros de acetileno com seus acessórios, bem como de peças miúdas para as adegas, amplamente enumeradas nos anúncios dos primeiros anos, António Hipólito vai ter condições para iniciar o fabrico do seu primeiro produto de referência, o pulverizador, como adiante veremos.

O modesto latoeiro que se estabelecera em 1902, já era conhecido como industrial, com fábrica e operários por sua conta.

Vem a propósito referir um requerimento do António Hipólito apresentado à Comissão Municipal que o jornal A Vinha de Torres Vedras, de 7 de Agosto de 1913 transcreve:

De António Hypólito, d’esta villa, pedindo que lhe seja permitido encerrar aos domingos a sua officina para descanso semanal dos seus operários, conservando aberto o seu estabelecimento e fechando este às segundas-feiras, trabalhando os operários n’estes dias. Ficou de se estudar este assunto.

A questão dos dias de descanso semanal já era antiga em Torres Vedras. O mesmo jornal, em 30 de Julho de 1896, dera conta de um movimento gerado no comércio de Lisboa com a finalidade de introduzir uma dia de descanso semanal para os empregados e apoiara a reivindicação local de fechar os estabelecimentos comerciais aos Domingos a partir das 16 horas. Pequeníssima exigência aos olhos actuais, constituiu um passo enorme numa época em que o horário de trabalho era marcado pela marcha do sol. Quando o governo de João Franco publicou o Decreto-Lei115 que tornou obrigatório o

115 O Decreto-Lei de 3 de Agosto de 1907 foi um avanço significativo no que respeita aos direitos do trabalho, embora o dia de descanso semanal, de preferência ao Domingo, que por ele foi instituído, abarcasse apenas os trabalhadores do comércio e da indústria. Cf.: Feriados em Portugal – Tempos de

descanso semanal de um dia para todo o país, em Torres Vedras esse dia passou a ser a Segunda-Feira,116 dado que o Decreto previa a possibilidade de escolha do dia da semana.

O requerimento de António Hipólito em Agosto de 1913 permite-nos confirmar o que temos vindo a expor sobre a evolução da sua actividade industrial. A saber: as suas instalações tinham duas partes complementares mas distintas: a parte fabril – “officina” – com operários a quem ele pretende dar descanso ao Domingo; e a loja – “estabelecimento” – que estará aberta ao Domingo mas fechará no dia seguinte. Não sabemos qual a resposta da Câmara Municipal mas é de crer que tenha ido ao encontro da pretensão.

Figura 14 - Fábrica A Industrial, anos 30

memória e sociabilidade, de Luís Andrade e Luís Reis Torgal, Imprensa da Universidade de Coimbra,

Coimbra, 2012. [Parcialmente em linha]

https://books.google.pt/books?id=pze5CwAAQBAJ&pg=PA58&lpg=PA58&dq=quando+come%C3%A7 ou+o+descanso+semanal+em+portugal?&source=bl&ots=6GWd10OufK&sig=o8qoi1vk1A1o2LPe6jfdn 4Ed4WU&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwjJofqThLDMAhWKuBQKHRQhA-

YQ6AEITjAJ#v=onepage&q=quando%20come%C3%A7ou%20o%20descanso%20semanal%20em%20 portugal%3F&f=false [Cons. 26 Abril 2016]

116 Cf.: António Augusto Sales, Os Guardadores do Tempo…, p.35. Contudo o problema do descanso semanal arrastou-se por muitos anos. Veja-se, por exemplo, a Gazeta de Torres de 20 /01/1929 em que a primeira página é totalmente ocupada por um grande artigo intitulado «Um único dia de descanso para