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É, aliàs, o pragmatismo que induz Vargas à sua conhecida politica de Jano na

No documento Revolução de 30: seminário internacional (páginas 31-37)

campanha sucessória. Ao mesmo tempo que cultiva a aproximação com o governo, mantém contato direto com Prestes, lider dos revolucionários. E enquanto Osvaldo Aranha, seu secretário de Interior, conspira em seu nome, Paim Filho, o secretário das Finanças, negocia o

modus-vivendi

com o governo (8/dezl29). Este mesmo sentido de oponunidade o inclina, afinal, para a solução armada, antes mesmo do assassinato de João Pessoa60, a 26 de julho, marco que inaugura a fase de "hegemonia tática" dos tenentes.

Os aIgumentos de Vargas ao moderado Paim Filho revelam bem os motivos da opção revolucionária do governo gaúcho: a convicção de que um eventual

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esfacelamento da Frente Única, por recuo do governo estadual, seria um sacriflcio inútil da autoridade do governador diante das inevitáveis represálias federais. "Somente a satisfação dos interesses coletivos do Rio Grande justificaria uma atitude conciliatória do presidente do estado, que foi candidato da Aliança; mas o sacrifício de ambos não encontraria justificativa honrosa."61 Sugestivamente, idêntico diagnóstico move Artur Bernardes naqueles mesmos dias de julho, quando incita o presidente eleito Olegário Maciel a comprometer-se com os revolucionários: "devo de antemão declarar-lhe que não vejo saída digna para nós senão pela porta da revolução - única deixada pelo inimigo"62.

João Pessoa, legalista mas populista, simbolizou a fase eleitoral e mobilizan­ te da Campanha liberal. Sua morte sacramenta o martirológico revolucioná­ rio, encerrando um ciclo e inaugurando outro, onde a vibração popular e difusa cede lugar à conspiração e aos preparativos da revolução armada. Voltamos, portanto, em linhas transversas. ao fechamento inicial e às negociações secretas

que precedem a Aliança Liberal. A diferença é que tal fechamento se opera não mais no circuito fechado da confederação oligárquica, mas entre um número reduzido e coeso de civis e militares, na

confraria dos tenentes.

A luta armada, que desde o inicio era prevista, mas não desejada pelas lideranças históricas da oligarquia, e que ao pragmatismo oligárquico cabia legitimar ou vetar, entusiasma a seguir alguns " liberais" . que embora a desejem, no momento azado interrompem-lhe o percurso e dela não participam. Outros, abrigam-se na fachada da Aliança Liberal, mas de fato conspiram nos bastidores para precipitar o confronto armado. Isto quer dizer que, na passagem da frente

liberal

para a frente

armada,

opera-se uma triagem natural que reforça as lideranças postadas nas proximidades dos centros de comando militar do movimento. Pelas funções mediadoras que exercem entre os próceres oligárquicos e o grupo militar, ou por sua liderança civil em seus estados durante os preparativos armados, este grupo será identificado como os tenentes-civis (Osvaldo Aranha, José Américo, Virgílio de Melo Franco, Carlos de Lima Cavalcânti).

A posição de destaque no comando civil da conspiração e dos preparativos militares desloca-se de João Neves, que se retrai, para Osvaldo Aranhalis, que até então havia desempenhado papel importante na retaguarda, isto é, nos prepara­ tivos da sucessão presidencial e nos bastidores da campanha eleitoral. Seu empenho decisivo em apressar a ruprura politica, calcado em antigas lealdades com os tenentes revolucionários64, transforma-o em ponta de lança armada do Partido Republicano Rio-Grandense e coordenador civil da Revolução. Ao lado, Mauricio complementa-o em posição idênticali5.

Lindolfo Collor, mentor intelectual do programa liberal e já familiarizado com a experiência trabalhista do populismo carioca 66, assume também posição de comando, inclusive substiruindo João Neves na liderança da bancada do Rio

A Revolução de 30 3 1 Grande na Câmara Federal. Destaca-se no momento final, "soldando e ressoldan­ do os elos das cadeias revolucionárias entre o Rio Grande, Minas e o Rio" 67 . Cabe a ele, inclusise, negociar com a cúpula militar, em nome de Borges de Medeiros, a formação da junta gosernatisa que depõe Washington Luís68. Também Batista Luzardo, que desde

1924

assume publicamente a defesa do tenentismo revolucio­ nário, atuando como seu pona-soz cisil na Câmara69, desempenha, em nome dos libertadores, posição de destaque nas conspirações em curso10.

Sem dúsida alguma, são as lideranças cisis gaúchas a sanguarda regional da

frente armada

que assume

a

iniciatisa e a responsabilidade de conduzir a luta. Enquanto isso, Minas confirma a posição

defensiva

configurada desde o início da cisão oligárquica e ainda agrasada pela disisão interna e pelas dificuldades impostas pelo goserno federal: cone na bancada oficial e controle militar do estado. De fato, das lideranças mineiras, apenas Virgílio de Melo Franco assume o papel de intermediário e "pombo-correio" nas hastes revolucionárias em seus contínuos contatos com o Rio e como Rio Grande. Os demais (Amaro Lanari, Mário Brandt, Carlos e Djalma Pinheiro Chagas) têm campo de ação restrito ao território mineiro. Francisco Campos, por outro lado, resela oficialmente a posição de coadjusante assumida por Minas, pedindo ao Rio Grande do Sul, em nome do presidente de Minas, que confirme "se o mosimento será de iniciatisa e responsabilidade ofensisa do goserno e do Panido Republicano gaúcho". �

resposta de Vargas sela o asanço incontestável do Rio Grande sobre as posições mineiras,que tanto pesarão na década seguinte: "Sim, reservando-me o direito de resolser sobre o desfecho a fim de assegurar a sitória". Com isso, transferia-se o cetro da hegemonia política regional de Minas para o Rio Grande,na proporção exata do destaque das lideranças respectisas no desencadear do processo resolucionário71 .

No Rio de Janeiro, os tribunos populista cedem lugar à liderança de Pedro Ernesto, que conta com o apoio incondicional dos tenentes, abriga conspiradores em sua casa de saúde e funciona como emissário entre forças do Rio Grande, Minas e Rio12. Maurício de Lacerda, a despeito de sua popularidade e de seus sínculos com os revolucionários (com quem panilha o horror à oligarquia), será alijado, durante a revolução e no período pós-30, enquanto Pedro Ernesto consene-se na mais expressisa liderança populista da década, como prenúncio dos tempos que surgem.

Em São Paulo, poucos destacados nomes da AL embrenham-se com consic­ ção na sia revolucionária E mesmo Paulo Duane e Paulo Nogueira Filho (PD), dada a fraqueza militar da frente paulista e o desmantelamento do tenentismo com a morte de Siqueira Campos, ficarão. pelo isolamento, a meio caminho: mais fiéis ao ideário liberal da AL do que ao radicalismo dos tenentes73,

No Nordeste, a influência do tenentismo no processo resolucionário é significatisa, sobretudo em Pernambuco e na Paralba Para a região afluem duas

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lideranças civis de grande peso, egressas daAL (que tanto impacto recebeu de sua viagem ao Nordeste) e que exercerão decisiva influência no periodo p6s­

revolucionário: Carlos de Lima Cavalcànti (Pernambuco) e José Américo (Paraí­ ba). Ambos serão, até

1 937, chefes políticos de seus estados.

No Nordeste, onde aAL antecipou, cornJoão Pessoa, o radicalismo da etapa revolucionária seguinte, e onde se fazem sentir os reflexos da guerra civil na Paraíba, verifica-se, na triagem das lideranças, o reforçamento de nomes que participaram da campanha. José Américo, secretário de Segurança de João Pessoa, será prematuramente submetido ao teste militar que o consagra no comando contra a revolta de Princesa74, Neste caso, a continuidade dos atores politicos (ao longo das etapas oligárquicas, liberal e revolucionária) parece advir do empenho em sustar a decadência (econômica) e a marginalidade (politica) dos estados nordestinos. Daí o vigor com que apoiarão o poder central no periodo p6s­ revolucionário, nele penetrando através da

cunha

tenentista, que diversifica, no centro, as coalizôes de poder regional, nelas reforçando o Nordeste.

No plano mais geral das alianças entre os tenentes e as forças partidárias, revela-se inicialmente a tendência dicotômica que separa os Hpoliticos" dos "revolucionários". Mesmo com os libertadores (velhos aliados no levante de 1924) e com Assis Brasil (o chefe civil durante a marcha da Coluna), as relaçôes se deterioram antes mesmo da formação daAL, chegando quase à rupTUra, porque o PL (como o PD de São Paulo) não fornecia ao grupo revolucionário os almejados recursos para preparar a luta75. Este confronto tivera como precedente o afastamento de Luzardo das confabulaçôes entre exilados, por entender sensata­ mente o llder libertador que "sem uma agitação de candidaTUras presidenciais não conseguiríamos sublevar o povo"76. A afinnativa de que, caso se verificasse esta agitação. ele, Luzardo, ocuparia o seu posto, refletiu-se no grupo como simples recuo. "Enquanto falávamos na revolução e em Luís Prestes, segundo combiná­ ramos com Juarez Távora, no Rio, Batista Luzardo discursava sobre o presidente Antônio Carlos e o liberalismo de Minas; ou melhor: enquanto um falavadeannas o outro falava em

votos."77

De fato, os ânimos revolucionários eram exaltados e imediatistas: ainda em

1928, Miguel Costa e outros seguidores pretendem, em oito

meses, revoltar o Brasil, em uma cruzada que era "um convite a uma terceira guerra civil Contra a oligarquia"78 .

A Frente Única Gaúcha, criada a partir de

1 928, introduz mudanças neste

precário sistema de aliança entre tenentes e libertadores que, a partir daí, tem que incluir Vargas e o Partido Republicano Rio-Grandense; isto é, deve contar com a subordinação indesejável não s6 aos libertadores, mas sobretudo ao governo estadual e à luta oligárquica na qual se envolvia. Como o intui Prestes em encontro anterior com Mauricio de Lacerda em Santa Fé, a aliança com os pollticos é diflcil, pois "nós não poderemos fazer uma revolução como desejariam aqueles dos quais estamos dependendo,quanto aos recursos, para fazer a nossa"79. A defecção de

A Revolução de

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Prestes, por estas mesmas razões, em maio de 1930, não impede, mas facilita a rendição do tenentismo ao processo politico "que nos devia embolar, os revolucionários do 5 de julho, aos civis de cor libertadora e democrática e aos elementos da antiga polltica que havfamos combatido e entre os quais, por uma irrisão da sorte, se encontravam os dois esmagadores dos dois 5 de julho"so.

Se os revolucionários se " embolam" com os politicos, também os partidos se "embolam" com os revolucionários. No Rio Grande, o PR penetra no drculo dos conspiradores através de Osvaldo Aranha e de João Albeno, esvaziando o antigo monopólio do PL que, enquanto partido, se marginaliza do processo revolucioná­ rioS ' . Ao mesmo tempo, o PR se obriga a competir com seus aliados recentes pelo controle da rota revolucionária, com a qual o PL melhor e há mais tempo se afina, sob pena de perder o controle ou ver esfacelada em prejufzo próprio a recém­ conquistada Frente Única82. Esta é, aliás, a explicação plausfvel que justifica a continuidade da frente revolucionária como anUdoto à conciliação - ambas alimentadas por Vargas para garantir as duas soluções possíveis para a cris.,ss.

Resumindo, o eixo das alianças revolucionárias desloca-se grosso modo, do PL para o PR, sob o controle pessoal de Osvaldo Aranha, isto é, aproxima os militares radicais dos H conservadores-autoritários". isolando, antes mesmo da revolução instaurada, os "conservadores-liberais"84.

o radicalismo dos tenentes não se limita, porém, à experiência insulTecional acumulada ou ao engajamento integral nos preparativos da revolução armada. Revela-se também na recusa ao imobilismo diante das mudanças em curso. Mais além das motivações expUcitas, o que estava em jogo era uma surda luta geracional dentro e fora das Forças Armadas e o empenho, difuso mas apaixonado, no saneamento das instiruições políticas. Ressuscita-se, assim, com roupagens novas,

o

jawbismo

/Iorianista que inaugura a República.

Muitos autores subestimaram a importância do

tenentismo

enquanto movi­ mento social, baseados na impreàsão e inconsistência de seu programa político. Nesse particular, não resta dúvida que a expressividade do movimento. em sua primeira etapa, reside muito menos no radicalismo do projeto do que no radicalismo da ação ou da recusa.

O repúdio ás instituições pode ser detectado pela duração ou pela recorrência dos levantes sucessivos; pelo ódio genérico à oligarquia, especialmente a Anur Bemardes, que se transforma em referencial negativo e bandeira de luta entre os tenentes da Coluna. Esta repulsa incontida assinala a distància aparentemente intransponivel, o cone que aprofunda o fosso entre os militares rebeldes e os profissionais da política:

34 Seminário Internacional

"A corrente revolucionária - formada no Brasil pela pane mais moça do Exército, que ainda não foi solapada pelo comodismo e pela subseIViência, e por uma apreciável falange de civis que, embora militando na politica,

ainda não

" deixou

contagiar por sua podridmi

-

defende idéias muito mais avançadas que as pregadas pela Aliança Liberal e por todos os grupamentos de oposição que a têm apoiado( ... ) Penso que a

revolução, realizada sem o awa1itJ pré-combi7UUÚJ tk quaisquer

rorrentes partidárias,

seria a única capaz de poder realizar integralmente esse programa, lançando os fundamentos de uma

racWlUll munda7J(:ll

tk

organização política e socifll,

e visando, pela extinção do atual ambiente de corrupção, a estabelecer bases reais de um razoável aperfeiçoamento politico"85.

A aliança entre os radicais do Exército "e os elementos mais moços e extremados da Aliança Liberal" prenuncia, com ceneza, o confronto fatal, uma vez a revolução instaurada, entre os oligarcas e os revolucionários, pois, evidentemente, "não podíamos, então, nem podemos agora, esperar que esse

ajuntamento

politico se resolva, depois de vencedora a revolução, a trocar, pelo nosso, o seu programa de govemo"86 . Não resta dúvida de que este grupo coeso e

obstinado prepara-se já para alcançar o poder, desalojando, na primeira oponu­ nidade, os circunstanciais e maldigeridos aliados de ontem.

Em que consista exatamente este anunciado programa de "racional mudança de organização politica e social"? Já nos manifestos e proclamações do movimento de 1924 fica evidente que a ideologia do movimento condena a "degeneração" da República instaurada pelos militares em 1889. E exige uma rápida moralização da política, a instauração da soberania popular (voto secreto) e o reequilibrio entre os poderes, rompido pela hipenrofia do Executivo e pelo poder pessoal dos presidentes. Denuncia também, veemente, a corrupção e a patronagem instituída pelos partidos oligárquicos.

Encobena pela crença no espirito de renovação liberal, pairava, então, a desconfiança de que formas modernas de representação seriam barradas pelos recursos sociais de que dispunha a oligarquia para controlar a opinião, a vontade popular e os fundamentos do regime; e que a realidade de fato anularia a livre manifestação pelo voto secreto. Juarez Távora é um dos que decretam a falência do sistema representativo, I'uma das mais amargas desilusões da fonna republicana. Todas as delegações depoder social, desde a presidência da República até os ínfimos

cargos eletivos do muniápio, transacionam-se hoje normal e sem-cerimoniosamen­ te como verdadeiras

nomeações

praticadas pelos conluios partidários à revelia do eleitorado"87 .

A idéia de progresso politico e de

soberania popular

toma-se, a panir deste diagnóstico, inseparável dos principios de

nacitJ7Ullismo, centralização

e

uniformização

A

Revolução de 30

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de

poder. Este projeto corresponde àlógicados movimentos militares da década de

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