• Nenhum resultado encontrado

O quadro mostra um fenômeno importante: parte substancial dos recursos alocados aos ministérios militares, em alguns casos mais de 50%, o era fora da

No documento Revolução de 30: seminário internacional (páginas 137-141)

previsão orçamentária normal, através de créditos adicionais, especiais, extraor­

dinários etc. Isto significa que o volume real dos gastos era de certa maneira

ocultado, evitando-se assim problemas maiores nas discussões do orçamento nos

perlodos de funcionamento do Congresso. Significa também que a verdadeira luta

pelo orçamento se dava dentro do próprio Executivo, no corpo a corpo entre os

ministros militares e o ministro da Fazenda, com a mediação do presidente da

República. Mesmo quando em funcionamento o Congresso, podiam ser pedidos

créditos extraordinários que não precisavam de aprovação legislativa. Durante o

Estado Novo, havia mesmo decretos-leis reservados que abria créditos para

compra de armamento. A correspondência dos ministros da Guerra com os da

Fazenda e com o presidente traz vários exemplos de negociações a respeito da

destinação de recursos. Em uma delas, Souza Costa, ministro da Fazenda, pedia a

Dutra uma redução na proposta orçamentária da Guerra, alegando exatamente

que as grandes despesas para aquisição de material bélico corriam por conta de

créditos especiais5S.

A Revolução de 30 141 Outro pomo importante revelado pelo quadro é a variação n o montante de créditos não-orçamentários. Após 1 932, como sempre, há um primeiro salto. Mas o mais interessante é que fica agora bem claro o que sucedeu em 1 937 e 1938, em torno da decretação do Estado Novo: houve um enonne aumenta nos créditos não-orçamentários, tanto para o Exército como para a Marinha, chegando eles em 1938 a superar os créditos orçamentários. Houve uma queda em 1944 e 1 945, provavelmente pelo afluxo dos recursos do

Lend Lease

Bill. Está ai sem dúvida uma pane importante do acordo que levou à sustentação do Estado Novo pelas Forças Armadas. A mudança efetivada em 1937 fica bem caracterizada no fato de que, de 1 932 a 1 936, os gastos do Ministério da Guerra sempre superaram os créditos, ao passo que dai em diante houve sempre um superávit ao final do exercício.

o único enfrentamento abeno dos militares com o governo a propósito de problemas financeiros deu-se no início de 1935, quando foi discutido na Cãmara o projeto de aumento de vencimentos enviado pelo governo a pedido dos ministros militares. A discussão do projeto provocou enonne celeuma quando o relator da Comissão de Finanças e Orçamento propôs aumento de impostos sobre grande variedade de produtos, muitos de consumo popular, como tamancos, sabão, palitos, charque, bacalhau, botões etc, para cobrir as despesas adicionais exigidas pelo aumento. Houve grande reação popular e discussôes pela imprensa, o que provocou a contra-reação de chefes militares com ameaças até de golpe militar. O ministro da Guerra chegou a enviar circular aos generais dizendo que renunciaria ao cargo se o aumento não fosse votado e que nenhum outro general aceitaria substitui-lo. Alguns generais discordaram dessa atitude, que qualificaram ser própria de "aventureiros e caudilhos". Afinal, a Cãmara chegou a uma solução conciliatória, votado um abono provisório para os funcionários militares e civis. Getúlio aprovou apenas a parte referente aos militares e vetou a dos civis, provocando de um representante classista dos últimos na Câmara o comentário: "Pobre funcionalismo público. Por que, também, não te deram armas?"54

o incidente, em que se envolveu também Flores da Cunha tentando conseguir a demissào de Góis, o que afinal conseguiu, serviu de mais um argumento para este general profligar a interferência da politica nos negócios militares, as "maquina­ ções contra a existência do Exército", o " diabólico plano poHtico" contra as Forças Armada,s5 . Tratava-se, na realidade,

de uma fraqueza

da própria organização militar que. na presença de divergências externas, também se dividia interna­ mente. Ao tentar jogar seu peso de ministro para resolver a questão, Góis provocou a reação de colegas generais como José Pessoa e Manoel Rabelo, aproveitadas por politicos civis como Flores da Cunha, envolvidos em jogadas de poder que visavam a própria Presidência da República. A divisão interna forçou o recuo dos conspiradores e a demissão do Ministro. Na percepção de militares como Góis,já se desenhava nítida a convicção de que não se conseguiria implementar uma política militar adequada enquanto permanecesse a interferência da polftica civil dentro da organização. Sucedia que esta não se achava em condições para evitar

1 4�

Seminário Internacional

totalmente a penetraçã056 , resultando dai a convicção de que somente eliminando a politica do lado de fora é que se conseguiria também eliminá-la internamente. Este pensamento já fora formulado no inicio da década pelo próprio Góis, na famosa expressão de que se deveria fazer a política do Exército e não a polttica no Exército.

o Estado Novo foi a política do Exército, como concebida por Góis e pelo grupo de generais a seu redor. Na parte referente à organização especificamente, essa política se traduziu num grande esforço de renovação e aperfeiçoamento profissional. A prestação de contas de Dutra de 1940 é eloqüente quanto a esse ponto: foram reformuladas todas as leis básicas do Exército, foram construídas escolas e quartéis, foram organizados vários corpos, impulsionou-se o plano de reequipamento e armamento através não só de compras ao exterior, mas igualmente de incentivo à indústria bélica nacional. Tal orientação conquistava o apoio do grupo profissional, mesmo que alguns de seus membros divergissem politicamente das diretrizes gerais do regime. Foi o caso, por exemplo, de Leitão de Carvalho, que viu seu sonho de profissional realizado ao ser nomeado comandante da

3�

RM, onde pôde executar as grandes manobras de

1940

em Saican. Ao concluí· las, diria ele que a "instituição do regime de paz política e de real interesse por nossas forças annadas inaugurado a 10 de novembro" é que permitira um ano de instrução da tropa sem interrupções provocadas pelas disputas panidárias; é que permitira o devotamento completo ao preparo profissional dos quadros e ao final, as próprias manobras57 .

Esta dedicação intensa às tarefas profissionais, possibilitada pela intervenção de

1 937,

iria consolidar a capacidade de controle da organização, inclusive sobre a sociedade, o que era, aliás, parte da própria política do Exército como concebida por Góis.

É o que veremos a seguir.

6.

Forças Annadas

e

Estado

"E o pior de tudo é que ... esboça-se no fundo desse quadro escuro o espectro sinisrro do

militarismo,

cuja espada de Dâmocles, sustida por tênues fios, impende ameaçadoramente sobre as nossas cabeças."58 A frase de Borges de Medeiros retratava um ponto crucial da luta política do período posterior à revolução. As elites civis dos grandes estados que se tinham envolvido na revolução descobriam agora que tinham estado bancando os aprendizes de feiticeiro. A construção de nova ordem hegemônica em bases puramente civis, como acontecera ao final dos governos militares no início da República, revelava-se agora impossível. E nos primeiros momentos, o receio não era apenas de quebra do governo civil, mas até mesmo de quebra da ordem social. Borges respondia

à

carta de Osvaldo Aranha em que este propunha a criação das Legiões como meio de fortalecimento do poder civil contra as ameaças de predomínio militar: "Ou organizamos a opinião pública do Brasil em torno de determinadas idéias que, por fudamentais,

A Revolução de 30 143 devem ser comuns a todos, ou teremos a

ditadura militar

ou asecessão" (ênfase OA),

Poucos dias depois especificava melhor seu pensamento: "O

prurido militarista,

que explode e procura apropriar· se de todos os nossos movimentos dvicos, tomou novo rumo, muito pior, deixando contaminar-se de esquerdismo e até de

comunis­

mo!

É

o Luís Carlos Prestes. Assim, sem coesão, antes ferido de indisciplina, o Exército ameaça constituir um perigo, não à ordem atual, mas às próprias instituições basilares do organismo nacional" (ênfase OA)59

Estavam ai indicados os dois termos do conflito fundamental da época e cuja solução estaria na base do arranjo de 1 937. De" m lado, a defesa do poderpolitico das oligarquias regionais ao estilo da Primeira República, de outro o receio maior de transformações nas bases sociais de seu poder. Em outras palavras, o problema do regime politico começava a complicar-se com o problema da natureza do Estado. Num primeiro momento de impulso revolucionário. o Exército, ou sua parcela mais agressiva, parecia estar do lado da transformação não só do regime, mas também do próprio Estado, despertando o antagonismo visceral das oligarquias regionais que, se eram contrárias

à

mudança do regime, o eram muito mais ainda do Estado.

Como que respondendo às acusações de Osvaldo Aranha, a "Proclamação ao Exército", já mencionada, indicaria, um mês após as cartas, os pontos de vista da jovem oficialidade revolucionária. A maior ênfase do programa ia para o ataque

à

"politicalha dos partidos", especialmente os do Rio Grande do Sul e de Minas, os de São Paulo sendo algo poupados por causa do interventor tenente. A Proclamação pedia o fortalecimento das Forças Armadas (incluindo elevação dos efetivos a 1 30 mil, quase o triplo do existente), a incorporação ao Exército das polícias militares, e várias refonnas sociais como salário mínimo, lei de greve, divisão de latifúndios e a promoção da indústria siderúrgica. Terminava atacando exatamente as polícias militares e as Legiões imaginadas por Osvaldo Aranha, como instrumentos do fascismo, cadafalso da liberdade, mone do Exército. A única concessão que faziam, destoando das posições em geral tomadas pelos revolucionários, era a aceitação do parlamentarismo como fonna de governo, o que se explicava por razão tática, uma vez que buscavam o apoio dos libenadores gaúchos contra Floreg6o.

O último ponto é importante para mostrar o problema central que enfren­ tavam Exército e oligarquias regionais. Embora atacando os partidos estaduais, os signatários da Proclamação tentavam conquistar o apoio de um deles e deixavam de atacar o Partido Democrático por estar ele ainda apoiando o governo revolucionário. O problema dos dois lados é que estavam internamente divididos e eram incapazes de apresentar uma frente unida contra o adversário. Vimos com ampla evidência a divisão dentro do Exército. Por seu lado, apesar dos esforços de Osvaldo Aranha, o poder civil não se conseguiria organizar através de Legiões. Borges não as aprovou. Em São Paulo, ficaram nas mãos tenentistas de Miguel

144

Seminário Internacional

Costa e em M inas também não foram à frente. Os grandes estados continuavam divididos internamente e competindo entre si.

A criação da Frente Única Paulista, no entanto, iria possibilitar a formação de uma coalizão com dissidentes de Minas, do Rio Grande do Sul e do Exército para tentar uma solução pela força. Seria o primeiro grande

round

da luta, no qual o problema do regime é que se colocaria em primeiro plano: demandava-se o fim da ditadura, a volta ao sistema constitucional e, do lado militar, a volta à obediência. à hierarquia e aos princípios da disciplina. A vitória dos revoltosos era altamente provável, só não acontecendo pela retirada da adesão prometida de outros estados, particularmente do Rio Grande do Sul. Osvaldo Aranha passaria constantes e desesperados telegramas a Flores, tentando garantir sua lealdade. O receio das conseqüências de uma vitória paulista, com os ressentimentos acumulados após a

No documento Revolução de 30: seminário internacional (páginas 137-141)

Outline

Documentos relacionados